Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1549/24.5BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 04/30/2025 |
| Relator: | LUÍSA SOARES |
| Descritores: | RECLAMAÇÃO DE ATO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCA PRESTAÇÃO DE GARANTIA PENHOR MERCANTIL. |
| Sumário: | Não constitui garantia idónea para o efeito de suspender o processo de execução fiscal, o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à sociedade garante, quando esta não é proprietária da totalidade dos bens que constituem o núcleo essencial ao desenvolvimento da atividade comercial desse estabelecimento comercial, por não ter o poder de disposição e alienação de tais bens. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO Vem H…., LDA., (anteriormente denominada O… Gastronomia, Lda.) apresentar recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação judicial deduzida contra o despacho proferido em 05/02/2021 pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa que indeferiu o pedido de aceitação da garantia (penhor sobre estabelecimento comercial) apresentado para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3255202001052497 e apensos, instaurado para cobrança coerciva da quantia de € 1.056.011,02 respeitante a IRC e IVA dos anos de 2013 a 2015. A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “A) O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 14 de janeiro de 2025, na parte em que decidiu julgar improcedente a reclamação judicial apresentada, pela Recorrente, contra a decisão de não aceitação da garantia por esta oferecida, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255202001052497 e apensos, sob a forma de penhor sobre estabelecimento comercial onde funciona o restaurante Y…. B) Na sentença ora recorrida, o Tribunal a quo deu como provados determinados factos que fez constar dos pontos 1 a 18 da matéria de facto assente. C) Sucede que, relativamente à maior parte dos factos considerados provados, o Tribunal a quo limitou-se a transcrever para a Sentença recorrida o teor dos documentos juntos aos autos, sem cuidar de selecionar devidamente os factos que tais documentos permitiam demonstrar. D) Nestes termos, impõe-se proceder à ampliação da matéria de facto assente, selecionando e dando como provados os seguintes factos que ora se especificam em cumprimento do disposto no artigo 640.º, nºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil (em aditamento aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo): 19. Em 20 de dezembro de 2007, a sociedade Hoteis T..., S.A. e a Recorrente celebraram um contrato de cessão de exploração e prestação de serviços, segundo o qual aquela sociedade cedeu a esta a «exploração dos espaços e das instalações afectas à atividade de F&B [Food & Beverage] do HTJ [Hotel T... Jardim]», localizado na Rua J…………………., n.ºs 7 e 9, da freguesia do C..., concelho de Lisboa, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3… e na matriz predial urbana sob o artigo 6… (cf. Documento 9 que integra o Doc. 4 da p.i.); 20. Em 5 de novembro de 2015, a sociedade Rota das S…., Restaurante, Lda. e a sociedade O……, Lda. celebraram um contrato de cessão de exploração, segundo o qual aquela cedeu a esta última a exploração do estabelecimento comercial instalado na fração autónoma designada sob a letra “k” sita no prédio urbano, na freguesia de S…….., concelho de Lisboa, na Rua da Escola P…, n.º 2…, 1.º esquerdo (cf. documento 8 que integra o Doc. 4 da p.i.); 21. À data da oferta do penhor mercantil como garantia para suspensão da presente execução, o estabelecimento comercial/restaurante Y…… era explorado pela O..., Lda. e encontrava-se instalado na mencionada fração sita na Rua da E..., n.º 231, 1.º esquerdo (cf. documento 8 que integra o Doc. 4 da p.i.); 22. Em 11 de novembro de 2020, a O..., Lda., a Recorrente e a sociedade N........, Unipessoal, Lda. – entidade que, entretanto, adquirira o estabelecimento onde funcionava o Hotel T... Jardim (posteriormente designado Hotel A…) – celebraram um acordo de cessão de posição contratual, no qual a Recorrente cedeu à O..., Lda. todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de cessão de exploração e prestação de serviços celebrado em 20 de dezembro de 2007 (cf. aditamentos constantes do documento 8 que integram o Doc. 4 da p.i. e documento 9 que integra o mesmo Doc. 4 da p.i.); 23. Assim, a partir do final de dezembro de 2020, o estabelecimento Y… passou a estar instalado no espaço destinado a restaurante, sito no rés-do-chão, do imóvel localizado na Rua Júlio César Machado, n.ºs 7 e 9, da freguesia do C..., concelho de Lisboa, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3...e na matriz predial urbana sob o artigo 631 (cf. contrato de cessão de exploração e prestação de serviços e acordo de cessão da posição contratual, que integram os documentos 8 e 9 do Doc. 4 da p.i.); 24. No ano de 2017, a sociedade O..., Lda. Realizou vendas e prestações de serviços no montante global de € 1.099.708,19 e obteve um lucro líquido/contabilístico de € 141.192,16 (cf. Doc. 6 da p.i.); 25. No ano de 2018, a sociedade O..., Lda. Realizou vendas e prestações de serviços no montante global de € 1.641.043,20, obteve um lucro líquido/contabilístico de € 154.740,80 e o respetivo ativo quantificou-se em € 453.798,82, montante que engloba, entre outros, créditos sobre clientes (cf. Doc. 7 da p.i.); 26. No ano de 2019, a sociedade O..., Lda. Realizou vendas e prestações de serviços no montante global de € 1.997.738,02, obteve um lucro líquido/contabilístico de € 122.835,49 e o respetivo ativo quantificou-se em € 618.927,73, montante que engloba, entre outros, créditos sobre clientes (cf. Doc. 8 da p.i.); 27. À localização atual do restaurante (Rua J…, n.ºs 7 e 9, em Lisboa) é aplicável um coeficiente de localização de 3,5 (cf. Doc. 14 da p.i.); e 28. Os Serviços da AT não procederam à avaliação quantitativa do estabelecimento comercial objeto do penhor mercantil, considerando que «não podendo o estabelecimento ser transmitido, no nosso entendimento o bem oferecido não assegura a aptidão do bem para o fim ou função normal a que se destina, não respeitando ainda as necessárias caraterísticas que lhe permita ser validamente aceite como garantia, pelo que, não se poderá proceder à avaliação do estabelecimento comercial» (cf. Doc. 1 da p.i.). E) Os factos ora enunciados constituem factos relevantes para a análise dos fundamentos invocados pela Recorrente para sustentar a ilegalidade do ato reclamado, impondo-se, assim, a sua consideração para a boa decisão da causa. F) Pelo exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida enferma de erro sobre os pressupostos de facto, devendo a mesma ser revogada. G) Sem prejuízo do exposto, entende a Recorrente que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, igualmente, de erro de julgamento sobre a matéria de direito. H) Com efeito, importa começar por referir que, conforme disposto no artigo 666.º, n.º 1, do Código Civil, a constituição de penhor permite que, em caso de incumprimento do devedor, o credor pignoratício se aproprie da coisa ou do direito empenhado, pelo valor que resulte da avaliação realizada após o vencimento da obrigação e, dessa forma, se faça pagar do valor em dívida. I) Acrescentando-se, apenas, que o penhor mercantil é válido mesmo sem a entrega dos bens de equipamento sobre os quais incide, ficando o proprietário mero detentor (cf. neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 28-06-2005, no processo n.º 0426760) J) Por seu turno, o estabelecimento comercial consubstancia uma universalidade ou um complexo de bens e de direitos que o comerciante afeta à exploração da sua atividade (espaço no qual funciona, bens utilizados na prossecução da atividade, inventários ou stocks, créditos, contratos em vigor, licenças, autorizações, alvarás, marcas e patentes, entre outros) e que apresenta utilidade, funcionalidade e valor próprios, distintos daqueles que são atribuídos a cada um dos seus componentes individualmente considerados e que o ordenamento jurídico trata de forma unitária. K) Os indicados bens e direitos encontram-se funcionalmente organizados e orientados para a atividade comercial, destacando-se, por isso, a constante mutação dos elementos (nomeadamente mercadorias e matérias-primas) compreendidos no estabelecimento comercial. L) Em suma, o estabelecimento comercial é constituído, não só pelo espaço no qual funciona e pelos bens utilizados na prossecução da atividade, mas, também, pelos inventários ou stocks, créditos, contratos em vigor, licenças, autorizações, alvarás, marcas e patentes, entre outros. M) Vertendo o exposto para a situação ora em apreço, impõe-se concluir que o penhor constituído pela O..., Lda. incidiu sobre o estabelecimento comercial sua propriedade, através do qual funciona o restaurante Y…, e que é composto por uma universalidade de bens e de direitos. N) Essa titularidade do estabelecimento comercial não é afastada pelo facto de a O..., Lda. ser cessionária do direito à exploração do imóvel onde funciona o restaurante. O) Com efeito, para que a O..., Lda. possa onerar o seu estabelecimento comercial, não carece de ser proprietária do imóvel onde o mesmo funciona, bastando que seja titular de um direito à disposição e à fruição desse imóvel e/ou desses bens. P) Ora, como a Recorrente demonstrou, a sociedade O..., Lda. é titular do direito de exploração do espaço onde funciona o indicado estabelecimento comercial/restaurante, o qual, desde novembro de 2020, é parte integrante do Hotel A… (cf. documentos 9 e 10 que integram o Doc. 4 da p.i.). Q) Por outro lado, importa, igualmente, relembrar que nem o contrato de cessão de exploração e prestação de serviços, nem o acordo de cessão de posição contratual acima identificados proíbem a cessão da posição da O... Lda. no contrato. R) Na verdade, o indicado acordo de cessão de posição contratual prevê, apenas, na respetiva cláusula 29.ª, a essencialidade de o Senhor O....deter a maioria do capital social, dos direitos de voto e a gerência da empresa para a realização do contrato – o que, refira-se, apesar de resultar numa mera restrição do universo de potenciais compradores daquele estabelecimento (e não numa impossibilidade absoluta da respetiva venda), é o que permite conferir ao indicado estabelecimento comercial um valor comercial e de mercado suscetível de garantir a dívida em causa. S) E, portanto, andou mal o Tribunal a quo ao ignorar, na Sentença recorrida, a caracterização da realidade jurídica que consubstancia o estabelecimento comercial enquanto figura jurídica e, simultaneamente, ao relevar o conteúdo da mencionada cláusula 29.ª do acordo de cessão de posição contratual como uma «limitação que afecta a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da mesma, ou, pelo menos de o fazer livremente». T) Na verdade, não está em causa a avaliação do eventual valor de venda dos bens corpóreos que integram o ativo fixo tangível do referido estabelecimento comercial, mas antes o valor do estabelecimento enquanto unidade económica e universalidade jurídica. U) Por outras palavras, o valor atribuído ao penhor oferecido em garantia não depende do eventual valor de venda individual de cada um dos bens corpóreos que o integram, correspondendo, sim, ao valor de venda dos bens corpóreos que o integram quando explorados para o desenvolvimento da atividade no âmbito específico do restaurante Y…. V) E, portanto, para além dos bens corpóreos, o referido penhor sobre estabelecimento comercial englobaria, igualmente, o conjunto de direitos que lhe conferem a possibilidade de nele ser prosseguida a atividade comercial desenvolvida no restaurante Y… . W) Neste pressuposto, cumpre relembrar que, de acordo com as demonstrações financeiras da sociedade O..., Lda., nos exercícios de 2018 e de 2019 verifica-se a existência de um ativo quantificado em € 453.798,82 e em € 618.927,73, respetivamente, montantes que englobam, entre outros, créditos sobre clientes, os quais se impunha considerar no conjunto de bens e direitos que fazem parte do estabelecimento comercial Y… (cf. Docs. 6 e 7 da p.i.). X) Mais: nesses exercícios, o valor das vendas e prestações de serviços realizadas pelo indicado estabelecimento comercial quantificaram-se em € 1.099.708,19 (no ano de 2017), em € 1.641.043,20 (no ano de 2018) e em € 1.997.738,02 (no ano de 2019), tendo o valor do resultado líquido de cada período correspondido a € 141.192,16 (em 2017), a € 154.740,80 (em 2018) e a € 122.835,49 (em 2019). Y) Os indicados elementos permitem concluir, sem margem para dúvidas, que o estabelecimento comercial se encontrava em funcionamento, o qual pressupõe a afetação funcional de um conjunto de bens essencial para que os serviços de restauração sejam prestados. Z) Por seu turno, de acordo com o Código do Imposto do Selo, deveria ter sido considerado o coeficiente de localização de 3,5, aplicável ao estabelecimento comercial (Rua J…, n.ºs 7 e 9, em Lisboa) (cf. documento 14 que integra o Doc. 4 da p.i.). AA) Ora, atendendo à média dos resultados líquidos dos últimos três anos e à aplicação do fator 10 determinada pela alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do Imposto do Selo, impunha-se quantificar o valor do estabelecimento comercial em análise em € 1.395.849,83. BB) Em suma, caso a Autoridade Tributária tivesse, como se impunha, analisado as contas da sociedade O..., Lda. que foram oportunamente apresentadas pela Recorrente, teria chegado à conclusão de que o penhor sobre o mencionado estabelecimento comercial oferecido era manifestamente suficiente para garantir o valor da dívida exequenda e acrescido. CC) E, portanto, a conclusão do Tribunal a quo segundo a qual o penhor sobre o estabelecimento comercial/restaurante Y...., a constituir pela sociedade O..., Lda., para garantia da dívida em cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255202001052497 e apensos consubstancia um erro de julgamento, devendo o presente recurso proceder e ser revogada a Sentença recorrida, com as demais consequências legais. Termos em que deve o presente recurso ser considerado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida com as demais consequências legais. * * * * O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo a improcedência do recurso.* * II – DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença enferma de: i) erro de julgamento de facto por a sentença não ter considerado todos os factos relevantes para a decisão; ii) erro de julgamento de direito ao ter decidido que a Recorrente não podia oferecer em penhor o estabelecimento que explora. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Com interesse para a decisão da reclamação, julgam-se provados os seguintes factos: 1. Em 09.03.2020, contra a Reclamante foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n.º 3255202001052497, referente a dívida de IVA do período de 2013 – 2014, no montante de € 458.386,71 [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 2. Em 25.03.2020, contra a Reclamante foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n.º 3255202001063715, referente a dívida de IRC do período de 2013, no montante de € 129.294,00 [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 3. Em 26.03.2020, contra a Reclamante foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n.º 3255202001063944, referente a dívida de IRC do período de 2014, no montante de € 163.324,73 [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 4. Em 27.04.2020, contra a Reclamante foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n.º 3255202001082523, referente a dívida de IVA do período de 2015, no montante de € 156.306,93 [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 5. Em 11.05.2020, contra a Reclamante foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n.º 3255202001090089, referente a dívida de IRC do período de 2015, no montante de € 143.354,78 [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 6. Em 07.07.2020 e 08.07.2020 foram instauradas as reclamações graciosas n.ºs 3255202004005813 e 3255202004005821 contra os actos de liquidações oficiosas de IVA e IRC subjacentes aos processos de execução fiscal identificados de 1. a 5. [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 7. Em 09.08.2020, foi efectuada a citação pessoal da Reclamante no âmbito do processo de execução fiscal identificado em 1. e respetivos apensos, constando da mesma o valor de € 1.332.230,25 para efeitos de garantia [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos, Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos e Doc. 3 junto com a petição inicial, a fls. 868 e ss. dos autos, (suporte informático)]; 8. Em 25.09.2020, O…, com o número de identificação fiscal 2…, na qualidade de representante legal da sociedade O..., Lda., com o número de identificação fiscal 5…, constituiu Penhor sobre Estabelecimento Comercial, respeitante ao restaurante designado “Y....”, sito na Rua da E..., n.º 2… - 1.º Esq., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São M…, sob o Artigo n.º 2…, fração K, para efeitos de garantia dos PEF 3255202001052497 e aps. [cf. Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos e Doc. 4 junto com a petição inicial, a fls. 868 e ss. dos autos, página 29 a 32. Do pdf. (suporte informático)]; 9. Em 29.09.2020, através de requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 10, requereu a Reclamante a suspensão dos processos de execução fiscal identificados de 1. a 5., mediante constituição de penhor constituído sobre o estabelecimento comercial designado por “Y….”, da sociedade O..., Lda., com o número de identificação fiscal 5… (doravante designada por O...), com vista à suspensão dos visados processos de execução fiscal e pelo facto de ter apresentado a reclamação graciosa identificada em 6. [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 10. O pedido identificado em 9. foi indeferido conforme exposto na Informação n.º E202003253 da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos (DADE), a qual foi sancionada superiormente, através de despacho do Diretor de Finanças Adjunto, de 09.11.2020 [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos (suporte informático)]; 11. Na sequência do indeferimento identificado em 10., do qual foi a Reclamante notificada por ofício n.º 499, de 17.11.2020, do Serviço de Finanças de Lisboa 10, veio a Reclamante, por carta registada de 02.12.2020, apresentar requerimento nos termos do qual juntou nova “Constituição Unilateral de Penhor Mercantil sobre estabelecimento comercial”, lavrada em 30.11.2020, explorado pela sociedade O..., Lda., constituído pelo restaurante designado por “Y…”, instalado na Rua da E..., n.º 231, em Lisboa, tendo o requerimento apresentado sido remetido para análise e decisão à Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos (DADE), através da comunicação n.º 32552020C431539, de 09.12.2020 [cf. Informação n.º E202003253, de 09.11.2020, a fls. 160 e ss. dos autos e Doc. 4 junto com a petição inicial, a fls. 868 e ss. dos autos, páginas 20 e ss. e 29 e ss. do pdf. (suporte informático)]; 12. Em 20.01.2021, a Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva (DGDE) sancionou a Informação n.º 59/2021, da Equipa V, no sentido da não avaliação e não aceitação do penhor sobre estabelecimento comercial apresentado pela Reclamante, constando da mesma, entre o mais, o seguinte: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) [cf. Informação n.º 59/2021, de 28.01.2021, a fls. 307 e ss. dos autos e Doc. 2 junto com a petição inicial, a fls. 868 e ss. dos autos, página 7 e ss. do pdf. (suporte informático)]; 13. Em 29.01.2021, foi elaborada a informação n.º E202100395, pronunciando-se a DADE pelo indeferimento do pedido de constituição de garantia, sob a forma de penhor do estabelecimento comercial, constando da mesma, entre o mais, o seguinte: [cf. Informação n.º E202100395, 29.01.2021, 324 e ss. dos autos (suporte informático)]; 14. A referida informação foi superiormente sancionada por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, de 05.02.2021, com o seguinte teor: “Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos neles aduzidos, indefiro o pedido de aceitação de garantia, sob a forma de penhor de estabelecimento comercial, por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para tal.” [cf. Despacho a fls. 324 e ss. dos autos, página 1 do pdf. e Doc. 1 junto com a petição inicial, a fls. 868 e ss. dos autos, (suporte informático)]; 15. Em 29.04.2022, foi a Reclamante notificada do despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia e da Informação n.º 59/2021, identificados em 10. e 12., e, não se conformando com os mesmos deles veio reagir, apresentando reclamação por carta registada de 09.05.2022 [cf. Informação n.º E202403437, de 18.11.2024, a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 16. Em 22.04.2024, deu entrada na Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos (DADE), via Sistema de Gestão de Processos e Serviços (GPS), a Comunicação n.º 32552024C171947 do Serviço de Finanças de Lisboa 10, remetida para efeitos de apreciação do alegado na reclamação identificada em 15., tendo sido elaborada a informação n.º E202403437, de 18.11.2024, pronunciando-se a DADE pelo indeferimento do pedido de constituição de garantia, sob a forma de penhor do estabelecimento comercial, constando da mesma, entre o mais, o seguinte: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) [cf. Informação a fls. 859 e ss. dos autos (suporte informático)]; 17. A referida informação foi superiormente sancionada por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, de 19.11.2024, com o seguinte teor: “Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos neles aduzidos, mantenho o acto ora reclamado. Remetam-se os presentes autos a Tribunal, para apreciação e decisão, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 278.º do CPPT.” [cf. Despacho a fls. 859 e ss. dos autos, página 1 do pdf. (suporte informático)]; 18. Em 21.11.2024 a presente reclamação deu entrada neste Tribunal [cf. Comprovativo Instauração de Processo no SITAF a fls. 1 e ss. dos autos, suporte informático]; Factos não provados Não há factos alegados que devam considerar-se como não provados e a considerar com interesse para a decisão da presente Reclamação. Motivação do julgamento da matéria de facto A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos apresentados pelas partes, não impugnados, conforme indicado em cada um dos pontos do probatório.”. * * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOO Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a reclamação apresentada nos termos do art. 276º do CPPT pela ora Recorrente contra o despacho que indeferiu o pedido de aceitação da garantia (penhor sobre estabelecimento comercial) apresentado para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3255202001052497 e apensos, porquanto entendeu que o penhor apresentado pela Reclamante, pelo facto de o estabelecimento comercial não ser suscetível de livre transmissão, em caso de incumprimento, não poderá ser considerado uma garantia idónea nos termos das normas contidas nos artigos 169.º, 199.º e 217.º do CPPT e artigo 52.º da LGT. Dissente do assim decidido veio a Reclamante interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese que a decisão padece de erro de julgamento de facto e de direito. Alega a Recorrente desde logo erro de julgamento de facto invocando que o tribunal a quo se limitou a transcrever na sentença recorrida o teor dos documentos sem cuidar de selecionar devidamente os factos que tais documentos permitiam demonstrar, pretendendo seja ampliada a matéria de facto no sentido de serem aditados os seguintes factos: 19. Em 20 de dezembro de 2007, a sociedade Hoteis T..., S.A. e a Recorrente celebraram um contrato de cessão de exploração e prestação de serviços, segundo o qual aquela sociedade cedeu a esta a «exploração dos espaços e das instalações afectas à atividade de F&B [F… & B…] do HTJ [Hotel T... Jardim]», localizado na Rua J…, n.ºs 7 e 9, da freguesia do C..., concelho de Lisboa, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3… e na matriz predial urbana sob o artigo 6… (cf. Documento 9 que integra o Doc. 4 da p.i.); 20. Em 5 de novembro de 2015, a sociedade R…, Lda. e a sociedade O..., Lda. celebraram um contrato de cessão de exploração, segundo o qual aquela cedeu a esta última a exploração do estabelecimento comercial instalado na fração autónoma designada sob a letra “k” sita no prédio urbano, na freguesia de Santo António, concelho de Lisboa, na Rua da E..., n.º 231, 1.º esquerdo (cf. documento 8 que integra o Doc. 4 da p.i.); 21. À data da oferta do penhor mercantil como garantia para suspensão da presente execução, o estabelecimento comercial/restaurante Y.... era explorado pela O..., Lda. e encontrava-se instalado na mencionada fração sita na Rua da E..., n.º 231, 1.º esquerdo (cf. documento 8 que integra o Doc. 4 da p.i.); 22. Em 11 de novembro de 2020, a O..., Lda., a Recorrente e a sociedade N........, Unipessoal, Lda. – entidade que, entretanto, adquirira o estabelecimento onde funcionava o Hotel T... Jardim (posteriormente designado Hotel A…) – celebraram um acordo de cessão de posição contratual, no qual a Recorrente cedeu à O…, Lda. todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de cessão de exploração e prestação de serviços celebrado em 20 de dezembro de 2007 (cf. aditamentos constantes do documento 8 que integram o Doc. 4 da p.i. e documento 9 que integra o mesmo Doc. 4 da p.i.); 23. Assim, a partir do final de dezembro de 2020, o estabelecimento Y.... passou a estar instalado no espaço destinado a restaurante, sito no rés-do-chão, do imóvel localizado na Rua J…, n.ºs 7 e 9, da freguesia do C..., concelho de Lisboa, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3...e na matriz predial urbana sob o artigo 6… (cf. contrato de cessão de exploração e prestação de serviços e acordo de cessão da posição contratual, que integram os documentos 8 e 9 do Doc. 4 da p.i.); 24. No ano de 2017, a sociedade O..., Lda. Realizou vendas e prestações de serviços no montante global de € 1.099.708,19 e obteve um lucro líquido/contabilístico de € 141.192,16 (cf. Doc. 6 da p.i.); 25. No ano de 2018, a sociedade O..., Lda. Realizou vendas e prestações de serviços no montante global de € 1.641.043,20, obteve um lucro líquido/contabilístico de € 154.740,80 e o respetivo ativo quantificou-se em € 453.798,82, montante que engloba, entre outros, créditos sobre clientes (cf. Doc. 7 da p.i.); 26. No ano de 2019, a sociedade O..., Lda. Realizou vendas e prestações de serviços no montante global de € 1.997.738,02, obteve um lucro líquido/contabilístico de € 122.835,49 e o respetivo ativo quantificou-se em € 618.927,73, montante que engloba, entre outros, créditos sobre clientes (cf. Doc. 8 da p.i.); 27. À localização atual do restaurante (Rua J…, n.ºs 7 e 9, em Lisboa) é aplicável um coeficiente de localização de 3,5 (cf. Doc. 14 da p.i.); e 28. Os Serviços da AT não procederam à avaliação quantitativa do estabelecimento comercial objeto do penhor mercantil, considerando que «não podendo o estabelecimento ser transmitido, no nosso entendimento o bem oferecido não assegura a aptidão do bem para o fim ou função normal a que se destina, não respeitando ainda as necessárias caraterísticas que lhe permita ser validamente aceite como garantia, pelo que, não se poderá proceder à avaliação do estabelecimento comercial» (cf. Doc. 1 da p.i.). Vejamos. De acordo com o art. 662, nº 1 do CPC os tribunais de recurso, devem «(…) alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Atento o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão. O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°." No caso em apreço, compulsadas as conclusões e as alegações recursivas, resulta que a Recorrente cumpriu com os ónus que sobre si impendem nos termos do art.º 640.º do CPC, pelo que cumpre apreciar se há fundamento quanto à pretensão de alteração do probatório. Relativamente aos factos constantes dos pontos 19 a 23 que a Recorrente pretende ver aditados ao probatório, verifica-se que a factualidade em causa consta já dos pontos 12 e 16 da matéria de facto provada. Quanto à pretendida ampliação constante dos pontos 24 a 27 mostram-se irrelevantes para a decisão, na medida em que não foi efetuada a avaliação do estabelecimento em causa e, na procedência do recurso, a anulação do ato implicará consequentemente a realização pela AT das diligências necessárias a esse efeito. Quanto ao ponto 28 constitui uma conclusão que se retira dos factos provados. Termos em que improcede o invocado erro de julgamento da matéria de facto. Prosseguindo. Alega ainda a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento de direito. Para o efeito invoca que o penhor constituído pela O..., Lda. incidiu sobre o estabelecimento comercial sua propriedade, através do qual funciona o restaurante Y...., e que é composto por uma universalidade de bens e de direitos, e que essa titularidade do estabelecimento comercial não é afastada pelo facto de a O..., Lda., ser cessionária do direito à exploração do imóvel onde funciona o restaurante. Aduz ainda que a O..., Lda. pode onerar o seu estabelecimento comercial, não carecendo de ser proprietária do imóvel onde o mesmo funciona, bastando que seja titular de um direito à disposição e à fruição desse imóvel e/ou desses bens. Conclui, em síntese, que o penhor sobre o estabelecimento comercial/restaurante, constitui uma garantia suscetível de assegurar os créditos em execução fiscal, concluindo que a sentença deve ser revogada e o ato reclamado anulado. Vejamos. O Tribunal a quo convocou, na parte que aqui releva, a seguinte fundamentação jurídica na sua decisão: “Decorre do artigo 52.º da LGT, sob a epígrafe Garantia da cobrança da prestação tributária, que a cobrança da prestação tributária se suspende no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, dependendo a suspensão da execução nas referidas situações da prestação de garantia idónea (cf. n.º 1 e 2 do artigo 52.º da LGT). No mesmo sentido dispõe o artigo 169.º do CPPT, sob a epígrafe Suspensão da execução.Garantias, prevendo que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, sendo que, quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução. Por sua vez, do artigo 199.º do CPPT, sob a epígrafe Garantias, decorre que, com o pedido de prestação de garantia deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente, podendo a garantia idónea consistir, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações; sendo que, à semelhança do previsto no artigo 169.º do CPPT, no caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, deve a mesma ser reforçada nos termos legalmente previstos no artigo 199.º do CPPT. Mais prevê o artigo 199.º do CPPT que a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores, bem como que em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo. No que ao penhor respeita, importa ter presente que o mesmo é uma garantia real que incide sobre determinados bens, créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro, que confere ao credor o pagamento do seu crédito preferencialmente em relação a outros credores comuns [cf. artigo 666.º, n.º 1 do Código Civil (CC)], só tendo legitimidade para dar bens em penhor quem os puder alienar (cf. artigo 667.º, n.º 1 do Código Civil), sendo considerado mercantil se a dívida em causa provier de acto comercial (cf. artigo 397.º do Código Comercial). Por fim, nos termos do disposto nos artigos 669.º, n.º 1 do CC e 378.º, § único do Código Comercial, o penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro. Do quadro legal supra exposto resulta, em síntese, que a execução fiscal suspender-seá em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, desde que tenha sido constituída ou prestada garantia, nos termos do disposto nos artigos 195.º (Constituição de hipoteca legal ou penhor) e 199.º (Garantias) do CPPT. Quanto à idoneidade da garantia, e apesar da falta de definição legal do conceito de garantia idónea, não pode deixar de concluir-se, em face das normas contidas nos artigos 169.º, 199.º e 217.º do CPPT e artigo 52.º da LGT, que essa idoneidade depende da capacidade de, no caso de o órgão da execução ter de accionar a garantia prestada (ou, mais precisamente, de efectuar o pagamento da dívida em cobrança através do património do garante), ela se mostre apta a assegurar essa cobrança (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.06.2014, proferido no processo n.º 0507/14, disponível em www.dgsi.pt). Pelo que, conforme unanimemente entendido pela jurisprudência, se se verificar que a garantia oferecida detém, em concreto, a capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a cobrança da dívida garantida, ainda que sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado - e não obstante a certa margem de discricionariedade que o órgão de execução fiscal tem para decidir quando em presença de conceitos jurídicos indeterminados, designadamente apreciar em concreto a idoneidade da garantia oferecida -, não deverá a Autoridade Tributária recusar a sua idoneidade para o fim em vista (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.06.2014, proferido no processo n.º 0507/14, disponível em www.dgsi.pt).”. Feito o enquadramento jurídico acima transcrito, o tribunal a quo, perante a factualidade assente, prosseguiu nos seguintes termos: “Ora, da matéria de facto dada como provada resulta que o órgão de execução fiscal não procedeu à avaliação do estabelecimento comercial, nos termos do artigo 199.º-A do CPPT, sobre o qual foi constituído penhor, em 11.11.2020, por considerar que o mesmo não pode ser transmitido, nem executado, em caso de incumprimento e, nessa medida, não seria apto (isto é, idóneo) a garantir a execução. E, na verdade, constando do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial (pretendido dar como garantia) celebrado entre Hotéis T..., S.A. e a Reclamante uma cláusula intuitu personae (cláusula 29.ª), de acordo com a qual “A Empresa declara reconhecer que foi condição essencial para a formação da vontade do HT em celebrar o presente contrato o facto de O.... deter a maioria do capital social, dos direitos de voto e a gerência da Empresa, fazendo da mesma o seu vínculo empresarial para a atividade de restauração, incutindo-lhe, de forma insubstituível, o seu cunho pessoal e profissional.”, há que aceitar que tal cláusula determina que a sua celebração está intrinsecamente relacionada com a pessoa do contraente, ou seja, O…, tendo natureza pessoal e não podendo ser transmitida, e que, se tal circunstância se alterar, comprometeria o vínculo existente, tornando inexigível a sua manutenção. Pelo que, a existir uma substituição, as características pessoais não seriam idênticas, o que impossibilitaria a continuação do contrato nos termos originalmente acordados, o que, necessariamente, consubstanciaria a violação da referida cláusula e determinaria que o estabelecimento comercial dado em penhor ficasse sem espaço físico para operar, sem imobilizado, sem os seus esquipamentos, ou seja, sem o núcleo essencial que o torna num estabelecimento comercial e que permite a prossecução da actividade de restauração. Mais, é a própria Reclamante que reconhece que o único cenário que permitiria a continuidade do contrato de cessão de exploração (numa situação de substituição da cessionária, sem violar o que contratualmente estabelecido) seria o da venda do estabelecimento às empresas de que O....faça parte. E, quanto a este ponto, entende a Reclamante que tal resultaria numa mera restrição do universo de potenciais compradores daquele estabelecimento e não numa impossibilidade absoluta de venda do mesmo; contrariamente, entendeu o órgão de execução fiscal, e do mesmo modo, a Representante da Fazenda Pública, que tal restrição contraria aquele que é o propósito da prestação de garantia nos processos de execução fiscal, ou seja, o de proceder à sua rápida execução, se necessário, e sem qualquer tipo de impedimento. Ora, desde já se adianta que o entendimento da Reclamante não pode ser acolhido e que o raciocínio do órgão de execução fiscal não merece censura, conforme de seguida demonstrará. Tendo presente o acima exposto, no sentido de que, não obstante a falta de definição legal de garantia idónea, é entendimento jurisprudencial assente que, face ao disposto nas normas contidas nos artigos 169.º, 199.º e 217.º do CPPT e artigo 52.º da LGT, essa idoneidade depende da capacidade de, no caso de o órgão da execução ter de accionar a garantia prestada ela se mostre apta a assegurar essa cobrança, E que, accionar a garantia prestada significa efectuar o pagamento da dívida (crédito exequendo e legais acréscimos) em cobrança através do património do garante, Há que aceitar que, uma garantia prestada sobre um estabelecimento comercial que tem subjacente um contrato de cessão de exploração celebrado entre Hotéis T..., S.A. e a Reclamante, sob condições bem específicas e definidas, como resulta ser a cláusula 29.ª aposta no visado contrato, é uma garantia que encerra em si uma limitação que afecta a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da mesma, ou, pelo menos de o fazer livremente. Assim, não sendo o penhor apresentado pela Reclamante como garantia para suspensão dos processos de execução fiscal em causa nos presentes autos suscetível de garantir os mesmos, pelo facto de o estabelecimento comercial não ser suscetível de livre transmissão, em caso de incumprimento, não poderá ser considerado uma garantia idónea nos termos das normas contidas nos artigos 169.º, 199.º e 217.º do CPPT e artigo 52.º da LGT. E, porque assim é, não pode ser objeto de penhor, motivo pelo qual andou bem a Autoridade Tributária e Aduaneira ao indeferir, com este fundamento, a prestação de garantia consubstanciada na constituição de penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial constituído pelo restaurante designado por “Y…”. Logo, e contrariamente ao defendido pela Reclamante, o órgão de execução fiscal não agiu de forma ilegal ao não proceder à avaliação do visado estabelecimento comercial, nos termos do artigo 199.º-A do CPPT, porquanto havia já concluído, sem censura, que o penhor oferecido não reunia os requisitos necessários para constituir uma garantia. Por fim, sempre se dirá que, sendo a verificação dos requisitos de aceitação do penhor prévia à avaliação prevista no artigo 199.º-A do CPPT, e tendo-se concluído pela não verificação dos mesmos, e, como tal, pela inidoneidade da garantia apresentada pela Reclamante, sempre ficaria a referida avaliação prejudicada”. Desde já afirmamos a nossa concordância com o assim decidido. Na verdade a garantia que in casu a Recorrente pretende seja aceite – penhor de estabelecimento comercial – não assume a virtualidade de se revelar idónea a suspender a execução fiscal, porquanto, na eventualidade de o órgão de execução fiscal pretender acionar a garantia prestada sobre o estabelecimento comercial (que tem subjacente o contrato de cessão de exploração celebrado com condições específicas, designadamente as decorrentes da cláusula 29º do referido contrato), o estabelecimento comercial não é suscetível de livre transmissão, não podendo ser considerada como garantia idónea nos termos dos artigos 169º, 199º, 217º do CPPT bem como do art. 52º da LGT. Argumenta a Recorrente que nem o contrato de cessão de exploração e prestação de serviços, nem o acordo e cessão de posição contratual, proíbem a cessão da posição da O... Lda. no contrato, alegando ainda que para além de bens corpóreos, o penhor sobre estabelecimento comercial englobaria ainda todo o conjunto de direitos que lhe conferem a possibilidade de nele ser prosseguida a atividade comercial desenvolvida no restaurante. Mas tal argumentação não altera a questão fulcral, pois a limitação contratual imposta pela cláusula 29º do referido contrato (no sentido de que a celebração do mesmo assenta nas qualidades pessoais e profissionais de O…), implica não ser possível a absoluta cessão da posição contratual, porquanto caso se pretenda proceder à venda do estabelecimento comercial, sempre esta estaria limitada, pela referida cláusula, tornando possível a venda apenas às empresas em que O....participe, acarretando desta forma falta de poderes de disposição em caso de acionamento da garantia. Por fim, ao contrário do que alega a Recorrente, o órgão de execução fiscal não estava obrigado a avaliar o estabelecimento comercial já que, previamente a essa avaliação aquele órgão concluiu que o penhor oferecido não reunia os requisitos necessários para constituir garantia idónea, razão pela qual a avaliação ficou prejudicada, pois a ser realizada, sabendo-se antecipadamente que seria inconsequente, traduzir-se-ia na prática no processo de um ato inútil, em violação da proibição prevista no artigo 130.º do CPC. Sobre questão semelhante à que se coloca nos presentes autos, destacamos o entendimento uniforme deste Tribunal, que igualmente sufragamos, vertido no Acórdão de 15/04/2021 – proc. 1554/20.0BELRS, no sentido que “(…) constituindo o estabelecimento uma unidade económica em que o valor do conjunto supera o valor das partes, ele corresponde também a uma unidade jurídica, unitariamente objeto de direitos, podendo ser reivindicada a sua propriedade, ou a sua posse, sem necessidade de reagir face a cada um dos singulares elementos que o compõem. Poder-se-á, então, definir o estabelecimento comercial como «um conjunto de elementos reunido e organizado pelo empresário para através dele exercer a sua actividade comercial, de produção ou circulação de bens ou prestação de serviços». Sendo um bem complexo, uma universalidade, ele é composto por diversos elementos, os quais não são comuns a todos os estabelecimentos, antes variando consoante a atividade desenvolvida. Alguns elementos que frequentemente compõem o complexo que é o estabelecimento correspondem as coisas corpóreas, inter alia, imóveis, maquinaria, matérias primas e mercadorias, coisas incorpóreas, como sinais distintivos do comércio e protecção de inovações, outros tipos de bens que não se possam considerar coisas, por exemplo, as prestações de trabalho e de serviços, o saber-fazer e relações com clientes e fornecedores. Perante toda a incerteza que rodeia a figura do estabelecimento comercial, a jurisprudência tem entendido que não basta uma universalidade, qualquer que ela seja, sem referência aos elementos integrantes dessa universalidade. Na verdade, o estabelecimento não está nas próprias coisas, mas sim na organização delas para os fins da produção. (…) Para sabermos se estamos ou não perante um estabelecimento comercial como unidade jurídica sujeito de direitos e obrigações, há que indagar se o seu núcleo essencial está presente de modo a podermos caraterizá-lo como uma unidade jurídica. E chegamos à segunda questão. Como poderemos determinar se num determinado património estão presentes os elementos necessários para que se respeite esse “núcleo essencial”? Desde logo, não parece possível enumerar em abstrato os elementos nucleares do estabelecimento enquanto objeto negociável porque cada estabelecimento, em cada atividade, tem o seu próprio núcleo essencial com aptidão para exprimir a organização no seu conjunto. Por exemplo, não é suficiente para caraterizar um estabelecimento comercial a firma, uma marca, ou a pessoa do titular, ainda que por si sejam capazes de atrair a clientela. Seguindo a doutrina do ac. do STJ n.º Ac. do STJ 06B336 de 06-04-2006[4], o estabelecimento comercial “...constitui, segundo doutrina tradicional, uma universalidade de direito (universitas iuris), um complexo ou unidade económica que integra vários elementos, corpóreos e incorpóreos - bens móveis e imóveis, direito ao arrendamento ou à utilização do espaço, direito de uso do nome do estabelecimento, marcas, patentes de invenção, etc.- organizados para a produção, e uma vez que, como se diz no art 202º, nº1º, C.Civ., "pode ser objecto de relações jurídicas", deve, na realidade, ser entendido como uma coisa. Enquanto universalidade, o estabelecimento comercial não pode ser decomposto, atomizado, nos seus elementos componentes, mas pode existir desde que haja um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros. É pressuposto da existência de trespasse a existência de um estabelecimento comercial ou industrial, ou seja, de uma empresa, isto é, de uma estrutura, de um complexo organizado de meios ou factores com um mínimo de autonomia funcional e financeira tal que lhe permita assegurar um processo produtivo (concebida a produção em sentido amplo, de modo a abranger a produção, não só de bens ou de serviços, mas de qualquer valor acrescentado em termos de circuito económico) e emergir no mercado enquanto organização técnica e económica autónoma. Ora, entendendo-se o estabelecimento comercial como um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros, resulta claro que o estabelecimento comercial restaurante tem de dispor de um conjunto de equipamento que lhe permita exercer a atividade e gerar lucros. Assim sendo, uma vez que o bem oferecido não dispõe de qualquer ativo fixo, não está em condições de exercer atividade e gerar lucros. E por assim ser, também não pode ser penhorado nem vendido como estabelecimento comercial porque lhe falta o tal núcleo essencial que faz dele um estabelecimento comercial apto a exercer atividade e gerar lucros como restaurante. Não se discute que nas condições em que desenvolve a sua atividade pode gerar lucros com equipamento que não lhe pertence mas que explora, ou usa, como cessionária da exploração de todos ou alguns dos equipamentos que são utilizados no restaurante, como diz a própria Recorrente. Todavia, este ativo fixo não pode ser oferecido em penhor pela sociedade garante uma vez que não se integra na sua esfera patrimonial. Não podendo deles dispor, a sociedade terá de “separar” o “estabelecimento” autonomizando os elementos que não lhe pertencem, mas que, precisamente, permitiriam o exercício da atividade e geração de lucros. Dito de outra maneira, sem o ativo fixo necessário para o exercício da atividade, a sociedade não oferece em penhor um estabelecimento comercial de restaurante. Parece-nos, por isso, acertada a reflexão da MMª juiz "a quo" quando salienta que nem todos os elementos componentes do estabelecimento podem ser autonomizados e, assim, separados para o efeito de sobre eles ser constituído uma garantia real como o penhor. Tais bens correspondem àqueles que constituem o seu núcleo essencial ou condição sine qua non do seu funcionamento normal, o que apenas pode ser analisado caso a caso, no âmago da própria actividde desenvolvida em cada estabelecimento comercial. Caracterizando os equipamentos ou o seu activo imobilizado o núcleo essencial do estabelecimento comercial de restaurante, porque sem eles não pode aquela actividade ser prosseguida e gerar lucro, não podem os mesmos ser autonomizados do estabelecimento comercial em que se inserem, sob pena de nele não poder ser prosseguida a actividade de restauração. Não podendo servir de garantia para suspensão da execução fiscal, a AT também se desonera da sua avaliação, que seria, neste caso, um acto manifestamente inútil.”. (No mesmo sentido veja-se o Acórdão do TCA Sul de 30/06/2022 – proc. 265/22.7BELRS). Destarte se conclui que a sentença recorrida não padece do erro de julgamento que lhe vem imputado, julgando-se improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente, e, em consequência nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida que manteve a decisão de indeferimento do pedido de aceitação da garantia (penhor sobre estabelecimento comercial). Da condenação em custas Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excecional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais. Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a atividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar. Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor da causa fixado na sentença recorrida, que é de € 1.029.611,00, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça, em ambas as instâncias. * * V- DECISÃOEm face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias. Lisboa, 30 de abril de 2025 Luisa Soares Lurdes Toscano Isabel Vaz Fernandes |