Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:584/06.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE CONSUMO
ESTATUTO DE PEQUENA CERVEJEIRA
BENEFÍCIO FISCAL
REQUISITOS LEGAIS
DIVERGÊNCIA ENTRE O ACTO E A NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Resultando evidente da fundamentação do acto que o estatuto de pequena cervejeira foi reconhecido à impugnante, ora recorrente, nos termos do n.º 2 do art.º 20.º-B do Dec. Lei n.º 104/93, de 5 de Abril, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 324/98, de 30 de Outubro, (“consideram-se uma única empresa independente duas ou mais empresas cervejeiras cuja produção anual total não exceda 200000 hl de cerveja”), mostra-se correcta a liquidação adicional de IEC à taxa normal, caso a soma da produção anual, conjunta e declarada para consumo, da impugnante e da E... ultrapasse o limite fixado de 200.000 hl.
II - Por força do referido estatuto, foi atribuído á impugnante um beneficio fiscal (redução de taxa), o qual cessou por caducidade por facto imputável ao beneficiário (a soma da produção anual, conjunta e declarada para consumo, das duas empresas consideradas para o efeito uma única pequena empresa independente ultrapassou o limite fixado de 200.000 hl), determinando a reposição automática da tributação-regra (artigos 3.º, n.º2 e 12.º, do EBF).
III - Em caso de divergência entre o que consta do acto de notificação e do acto notificando, prevalece o conteúdo, alcance e sentidos deste último, relativamente ao qual se tem de aferir a legalidade da actuação posterior da Administração tributária (no caso, da liquidação adicional de IEC decorrente dos termos do despacho de 22/12/1998 que atribuiu à impugnante o estatuto de pequena cervejeira).
IV - Enquanto mero requisito da eficácia ou oponibilidade do acto notificando, os vícios da notificação não se repercutem sobre a validade do acto notificando, nem são sindicáveis através do processo de impugnação judicial.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

FÁBRICA D…, LDA. (doravante J…), recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente, por não provada, a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida da liquidação adicional de Imposto Especial sobre o Consumo de Bebidas Alcoólicas e respectivos juros compensatórios, referente a 2002, 2003 e 1.ª semestre de 2004, alegando para tanto, conclusivamente, o seguinte:
«









































































».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:

«a) Em respeito à verdade documentada e provada com base nos documentos constantes do P.A. e de fls. 290 e 294 a 303 do proc.º digital, ao abrigo do art.º 636.º/1 e 2 do CPC impugna-se o ponto 13 dos factos considerados provados na sentença, devendo passar a ter a seguinte redacção:
13 - “Embora requeridos e, também nessa sequência, processados e decididos autonomamente – e notificadas as decisões autonomamente às requerentes –, cada um dos procedimentos, relativamente a cada uma das sociedades, num caso a impugnante no outro a da Madeira, a análise técnica do pedido da impugnante, com despacho de concordância de 22/12/1998, concluiu que “as duas cervejeiras poderão, para o efeito de concessão do estatuto de pequena cervejeira, ser consideradas como uma única pequena empresa independente”, tendo a impugnante sido notificada de que lhe fora atribuído o estatuto de pequena cervejeira”.
b) À data do pedido de e.p.c. por J… em novembro de 1998, a E… detinha em 100% o seu capital social, havendo mesmo uma DELIBERAÇÂO DE MANUTENÇÂO DE DOMÌNIO TOTAL de E… sobre J… registada no pacto social desta última, pelo que não restam dúvidas de que a recorrente (e E…) não cumpria(m) os requisitos legais previstos no art.º 20.º-B do Decreto-Lei n.º 104/93 para beneficiar(em) individualmente do e.p.c., porquanto a provada relação de domínio impossibilitou J… de preencher o requisito legal relativo à independência jurídica, económica e contabilística entre as duas cervejeiras, tal como exigido pela alínea b) do n.º 1 da citada norma jurídica, não se dando assim por verificado o preenchimento dos pressupostos resultantes do n.º 1 do mesmo art.º 20.º-B (depois substituído pelo art.º 61.º, nº 1, do CIEC) para poderem beneficiar individualmente do e.p.c.;
c) Por esses motivos o pedido de e.p.c. de J… foi analisado pela informação técnica n.º 142/98 do único ponto de vista legalmente admissível, ou seja, como sendo efectuado ao abrigo do n.º 2 do art.º 20.º-B do Decreto-Lei n.º 104/93, circunstância essa provada pela teor da daquela informação, onde a subscritora expressamente contabilizou as produções de cerveja conjuntas de J… e E… nos anos de 1996 (totalizando 194.719,676 hl) e de 1997 (totalizando 189.323,337 hl), concluindo que, conjuntamente, não ultrapassavam o limite de 200.000hl/ano;
d) Em virtude dessa constatação e demonstração da informação n.º 142/98, a Verificadora Superior M… propôs superiormente a concessão conjunta do e.p.c. à J… e à E…, devendo, nas suas palavras, “ser consideradas como uma única pequena empresa independente”, sendo que o consequente despacho do Subdirector-geral E… concordou com os termos da informação, apropriando-se, pois, dos seus fundamentos e conclusões, e reconhecendo o e.p.c. à J… nesses precisos termos, ou seja, conjuntamente com E…;
e) A gerência de J… e o gerente E… em particular, possuidor de formação jurídica e prática de advogado, sabiam ou deviam saber (porque invocar o desconhecimento ou a má interpretação da lei não os dispensa do seu cumprimento nem reverte a seu favor) que, por J… ser dependente de E…, o único e.p.c. a que tinha direito era o conjunto, e que constituía seu dever legal solicitar o único estatuto possível de lhe ser concedido ao abrigo da lei, ou seja, o e.p.c. conjunto, ao abrigo do n.º 2 do já mencionado art.º 20.º-B;
f) Em 29/12/1998, quando o Conselho de Gerência de J… recebeu o fax que notificava a concessão do e.p.c., não tinha razão para considerar que o despacho de reconhecimento fora proferido ao abrigo do n.º 1 do art.º 20.º-B, citado, porque isso não constou da notificação que recebeu nem do requerimento que apresentou e contrariava ainda a lei em vigor. Mas tinha razões para acreditar que o reconhecimento do e.p.c. se fundamentou no n.º 2 do mesmo artigo, mormente sendo seu gerente E…, com formação jurídica e prática de advogado, a quem, em nome e no interesse da requerente, era exigível que usasse da diligência adequada à correta interpretação e aplicação das normas do art.º 20.º-B do DL n.º 104/93 ao caso concreto da empresa que geria;
g) Conhecendo ou devendo conhecer o direito aplicável ao seu caso concreto de sociedade dependente de E… à data dos factos, se J… entendesse que faltavam à notificação elementos de fundamentação exigíveis, poderia e deveria ter feito uso do expediente previsto no então n.º 1 do art.º 22.º do Código de Processo Tributário, de teor idêntico ao do n.º 1 do actual art.º 37.º, do CPPT, o que não fez;
h) O despacho de reconhecimento do e.p.c. notificado em 29/12/1998 ao Conselho de Gerência de J… é válido porque devidamente fundamentado de facto e de direito pela informação técnica n.º 142/98, sendo ainda eficaz na medida em que a J… e E…, porque não podiam invocar desconhecimento da manifesta situação de dependência relativamente a E…, conheciam ou deviam conhecer os seus fundamentos, pelo que se não utilizaram o recurso previsto pelo n.º 1 do art.º 22.º do CPT só de si se podem queixar;
i) A jurisprudência do STA no Acórdão de 22/09/2004, processo 0577/04, entre outros (a propósito do art.º 37.º do C.P.P.T. mas em doutrina perfeitamente válida para o art.º 22.º do C.P.T., existindo mesmo vários outros acórdãos de teor idêntico proferidos no âmbito do C.P.T.), veio declarar que “Se a notificação de um acto tributário não continha os requisitos exigidos pelas leis tributárias tinha o recorrente à sua disposição a possibilidade de requerer a notificação da fundamentação ou dos requisitos exigíveis, nos termos do artigo 37.º do C.P.P.T., ou de requerer a passagem de certidão gratuita, interrompendo-se o prazo para reclamar ou impugnar. Se o contribuinte, no caso vertente, não usou tal possibilidade não pode vir depois pretender que o acto é nulo por falta de fundamentação da notificação, nem daí resulta qualquer violação constitucional.”
j) Contrariamente ao que a recorrente quis fazer crer, o reconhecimento do e.p.c. a E… não resultou de a DGAIEC considerar J… independente de E…, pois, conforme se viu, resulta da leitura contextualizada do conteúdo da informação n.º 27/99, que serviu de fundamentação àquele despacho de reconhecimento, que a sua autora incorreu num lamentável lapso de escrita susceptível de conduzir – como conduziu – ao reconhecimento do e.p.c. a E… com base em erro nos pressupostos, caso em que aquele acto podia ser revogado nos termos do artº 12º, nº 4, do EBF, como efectivamente veio a ser;
k) Já em 2004, no âmbito das acções de fiscalização realizadas a E… e J…, foi apurado que a soma das suas produções ultrapassou o limite legal de 200.000 hl/ano, pelo menos a partir de novembro de 2002 (1.º ano fiscalizado): assim, além de não cumprirem ab initio os pressupostos legais para beneficiarem do e.p.c. individualmente, verificou-se a posteriori, no período analisado pela inspecção, que também não cumpriram os pressupostos legais previstos no artº 61º, nº 2, do CIEC (ou no art.º 20.º-B/2 do DL n.º 104/93) para poderem continuar a beneficiar conjuntamente do mesmo e.p.c.;
l) Por se haver constatado que, em 2002-2004, as produções conjuntas ultrapassaram o limite legal de 200.000hl/ano, constatou-se outrossim que J... deixara de preencher um dos pressupostos de que havia dependido o acto de reconhecimento do benefício que, assim, se extinguiu por caducidade, motivo pelo qual, quando, em 11/04/2005, a Directora-Geral das Alfândegas e dos I.E.C. procedeu à “revogação” do e.p.c. nada inovou na ordem jurídica, correspondendo o Despacho, na verdade, a um mero acto de declaração de caducidade do benefício fiscal;
m) O acto de liquidação produzido em relação a J... possui adequada fundamentação e esta respeita o disposto no art.º 77.º, nº 1 e 2, da LGT, sendo clara, suficiente e congruente. Essa fundamentação resultou de diversos elementos como o relatório da inspecção, o projecto de decisão e a decisão, dos quais a recorrente foi notificada em tempo e por meio oportuno, acrescendo mesmo dizer, conforme se constatou pela leitura da sua p.i., que conhecia as razões por que lhe foi liquidado o imposto e pôde analisar os critérios de que a administração fiscal se socorreu para chegar àquele montante, o que por sua vez vai ao encontro da jurisprudência segundo a qual não é insuficiente a fundamentação que “dê a conhecer ao seu destinatário a motivação do acto, os motivos por que decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação” (Ac. T.C.A.S., de 13.07.04, Proc.º 01111/03);
n) J… conheceu as conclusões do relatório da inspecção que lhe fora efectuada, pronunciou-se exaustivamente sobre elas, participou em audiência prévia à liquidação (passando a conhecer todos os fundamentos da mesma) e foi, finalmente, notificada da mesma liquidação, da qual até reclamou graciosamente, recorreu hierarquicamente e impugnou judicialmente, sendo que, por isso, se considera o acto de liquidação, devidamente fundamentado, um acto válido e plenamente eficaz porquanto correctamente notificado a J…;
o) Em 16/12/2015, no recurso de E... da sentença do TT de Lisboa, esse TCAS proferiu Acórdão no proc.º n.º 06439/13, Secção CT- 2º juízo, a cuja doutrina se adere na íntegra:
“Ora, no que concerne à extinção dos benefícios fiscais, podem estes caducar, quando temporários, pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário, assim renascendo, automaticamente, a tributação-regra (cfr.artº.12, nº.2, do E.B.F., actual artº.14, nº.2). A caducidade do benefício consagrada no citado artº.12, nº.2, do E.B.F. (actual artº.14, nº.2) opera por força da lei, não carecendo de decisão administrativa ou judicial, assim se extinguindo automaticamente o benefício (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/11/2015, proc.7349/14; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de C.T.F. 165, pág.148 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.319 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da matéria de facto (cfr.alínea J) e K) do probatório), com o objectivo de averiguar sobre a regularidade do pagamento do imposto e se estavam a ser cumpridos os requisitos exigidos para beneficiar do estatuto de pequena cervejeira, a sociedade recorrente e, posteriormente, a J...., foram objecto de inspecções, levadas a efeito pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), tendo sido apurado que, somadas as produções anuais de ambas as empresas tinha sido ultrapassado o limite legal de 200.000 hl em Novembro de 2002, concluindo-se que deixou de se verificar um dos pressupostos de que dependia a concessão do benefício, nos termos do disposto no artº.61, do C.I.E.C.
Com estes pressupostos, ainda que se entendesse que o estatuto de pequena cervejeira foi concedido à sociedade recorrente ao abrigo do artº.20-B, nº.1, do dec.lei 104/93, de 5/4 (o que não se retira do teor da informação nº.142/98 identificada na alínea Z) da factualidade provada e supra exarada), tal facto não conduziria à invalidade das liquidações objecto do presente processo, porquanto, a qualquer momento a A. Fiscal pode verificar se os pressupostos da concessão do estatuto se verificam, alterando, inclusive, o seu entendimento quanto à matéria de facto, desde que corresponda ao direito legalmente estabelecido. Ou seja, mesmo admitindo-se que a concessão do estatuto foi ao abrigo do citado nº.1, tal não impede a Fazenda Pública de rever a sua actuação e conformá-la com a lei. Nestes termos, tendo a A. Fiscal verificado a inobservância das obrigações impostas com vista à concessão do identificado benefício fiscal, ao abrigo do citado artº.12, do E.B.F., reconheceu a sua extinção, sendo reposto o regime de tributação regra, ou seja, "in casu", a tributação a 100% (cfr.artº.65, nº.5, do C.P.P.T.). Ainda, refira-se que nos termos do disposto no artº.140, nº.1, al.b), do C.P.A., os actos constitutivos de direitos apenas são irrevogáveis se forem válidos e esses direitos gozarem de protecção legal, o que não sucede no caso dos autos” – negrito e sublinhado aditados.
Assim, não se verificando os alegados vícios dos atos de revogação e de liquidação e, consequentemente, da sentença ora recorrida, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença e a liquidação por legais, não se devendo ainda fixar a favor da recorrente qualquer indemnização nos termos requeridos na PI, quer porque a garantia foi prestada nos termos legais do art.º 11.º do CIEC, para que a recorrente pudesse continuar a introduzir no consumo produtos sujeitos a imposto, quer porque, caindo fora do âmbito legal do art.º 183.º-A do CPPT e, em especial, do seu nº 6, qualquer direito à indemnização no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual do Estado só teria lugar com base em actos ilícitos culposamente praticados, nos termos dos art.ºs 2.º e 6.º do D.-L. n.º 48051, de 21/11/1967, o que, como vimos, não ocorreu, demonstrada que ficou toda a legalidade da actuação da Administração. E deverá ainda o texto do ponto 13 da da matéria dada como assente pela sentença recorrida ser substituído pelo texto que se propõe, com o que se fará a costumada Justiça!».

A Recorrente respondeu à matéria do ponto de facto impugnado, nos termos do n.º 8 do art.º 638.º do CPC.

O Mmº juiz a quo proferiu despacho pronunciando-se pela não verificação das nulidades arguidas (art.º 617.º do CPC).

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, são estas as questões que importa apreciar: (i) nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão da insuficiência da notificação do acto de concessão do estatuto de pequena cervejeira à J...; (ii) nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão porquanto e, por um lado, no ponto de facto 13., reconhece que à J… foi concedido o estatuto individual de pequena cervejeira, mas, por outro lado e, contraditoriamente, considera correcta a liquidação adicional em causa por a J… não ter observado as obrigações fixadas para o estatuto conjunto, que a impugnante não tinha de observar; (iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que à impugnante J... fora concedido o estatuto de pequena cervejeira, em conjunto com a Empresa de C… (E...) e, nessa medida, estaria subordinada às obrigações do estatuto conjunto, contrariamente ao alegado pela impugnante de que lhe teria sido concedido o estatuto individual de pequena cervejeira, não sujeita ao estatuto conjunto, nomeadamente, para efeitos da quantidade anual de produção (200.000 hl de cerveja); (iv) se a legalidade da liquidação impugnada se afere ao acto do Sr. Subdirector-Geral de 22/12/98 ou à notificação do mesmo.
***


III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
(…) são os seguintes os factos que resultam provados da prova que se reúne:


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».

Na linha do propugnado nas alegações e contra-alegações, modifica-se o probatório, aditando/ alterando os seguintes factos:

4.A. - Em 09/11/1998, o Sr. Director da Alfândega de Ponta Delgada dirigiu à J..., e apenas a esta, fax referindo que, face à publicação do Dec. Lei n.º 324/98, de 30 de Outubro, “deverá formalizar pedido para a concessão de Estatuto de Pequena Cervejeira, o qual deverá ser acompanhado dos seguintes documentos:
- Pacto Social actualizado;
- Cópias dos mapas de produção anual relativos ao ano de 1997;
- Cópias das LIEC relativas aos meses de Agosto a Dezembro de 1997;
- Declaração atestando que não opera sob licença ou por conta de outrem” (doc. a fls.509, vol. II).

4.B. – Em 13/11/1998, a J..., dando seguimento ao fax referido no anterior ponto 4.A., dirigiu ao Sr. Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, o requerimento de pedido de estatuto de pequena cervejeira, o qual foi instruído, nomeadamente, com declaração em que se reporta expressamente ao “…n.º 1 do art.º 20.º-B do Dec. Lei n.º 104/93, de 5 de Abril, aditado pelo art.º 1.º do Dec. Lei n.º 324/98, de 30 de Outubro” (docs. a fls. 295 a 297, vol. I).

5. constando do mesmo despacho, o seguinte: “Comunique-se à requerente e à Alfândega de Ponta Delgada”.

5.A. – Por fax do Sr. Director de Serviços, B…, de 29/12/1998, foi comunicado ao Sr. Director da Alfândega de Ponta Delgada, o seguinte: «…informo V. Exa. de que por despacho do Senhor Subdirector-Geral…de 22/11/97, foi concedido o estatuto de pequena cervejeira à firma J…, Lda. e de que do mesmo foi nesta data dado conhecimento ao interessado» (doc. a fls.307, vol. I).

5.B. - Por fax do Sr. Director de Serviços, B…, de 29/12/1998, dirigido ao Conselho de Gerência da J…, Lda., foi-lhe comunicado o seguinte: «Em resposta ao requerimento dirigido ao Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, de 13 de Novembro de 1998, em que era solicitado o estatuto de pequena cervejeira, informo V. Exa. de que, por despacho do Sr. Subdirector-Geral…de 22.11.97, lhe foi concedido o estatuto pretendido» (doc. a fls.305, vol. I).

11. – Por requerimento de 99-01-20, a E... solicitou ao Director Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo que lhe fosse concedido o estatuto de pequena cervejeira, ao abrigo do n.º 1 do art.º 20.º-B do Dec. Lei n.º 104/93, pedido este instruído com a Declaração referenciada à mesma disposição legal (doc. de fls. 363, vol. I).

11.A. – Por despacho do Sr. Subdirector-Geral de 18-03-1999, exarado sobre informação dos serviços de 12/03/1999, cujo teor se dá por reproduzido, foi concedido à E... o estatuto de pequena cervejeira, que esta havia requerido ao abrigo do n.º 1 do art.º 20.º-B do Dec. Lei n.º 104/93, de 5 de Abril, despacho este notificado à Alfândega do Funchal, por ofício de 28/03/1999 (docs. de fls. 368 a 372, vol. I).

11.B. – Da informação referida no anterior ponto 11.A., consta, nomeadamente, o seguinte: «Estes serviços estão na posse dos dados das produções dos anos de 1996 e 1997, respectivamente, de 139.460,74, 131.360,64 [hl]. Tais dados foram fornecidos pela Alfândega do Funchal e encontram-se no Proc.º 51.523/1-1/97, referente ao pedido do estatuto de pequena cervejeira por parte da Fábrica d… (J...) em virtude da Empresa de C… ser detentora de uma quota de 25% da J..., tendo havido necessidade de analisar a independência das duas empresas (ou no caso de serem dependentes a soma das suas produções não deveria ultrapassar os 200.000 hl), concluiu-se, no entanto, que as duas cervejeiras eram independentes».

13. - Embora requeridos e, também nessa sequência, processados e decididos autonomamente – e notificadas as decisões autonomamente às requerentes –, cada um dos procedimentos, relativamente a cada uma das sociedades, num caso a impugnante no outro a da Madeira, a análise técnica do pedido da impugnante, com despacho de concordância de 22/12/1998, concluiu que “as duas cervejeiras poderão, para o efeito de concessão do estatuto de pequena cervejeira, ser consideradas como uma única pequena empresa independente”, tendo a impugnante sido notificada de que lhe fora atribuído o estatuto de pequena cervejeira, como referido supra, no ponto 5.B..

Quanto à impugnação da matéria de facto vertida nos pontos 9. a 12. das doutas conclusões do recurso não assumem relevância para a decisão a proferir ou já constam da matéria assente. A matéria referida em 13., das alegações, contradiz a do ponto 23. do probatório e a que foi dada como «não provada» na sentença e é objecto de controvérsia jurídica quanto à concreta finalidade da garantia prestada (art.º 11.º do Código do IEC ou 183.º do CPPT), como tal, insusceptível de ser levada ao probatório.
*
B.DE DIREITO

A recorrente imputa à sentença vício de nulidade por omissão de pronúncia (porquanto a sentença não se pronunciou em concreto sobre a questão da insuficiência da notificação do acto de concessão do estatuto de pequena cervejeira à J...) e por contradição entre a decisão e os fundamentos (na medida em que no ponto 13., da matéria assente deixa vertido o reconhecimento de que à J... foi concedido o estatuto individual de pequena cervejeira e, contraditoriamente, vem a decidir correcta a liquidação adicional impugnada porquanto a J... não teria observado as obrigações fixadas para o estatuto de actividade conjunta).

Como é consensual na jurisprudência e na doutrina, a nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído no nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes – vd., entre muitos, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/10/2020, tirado no proc.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1.

Pois bem, de facto nos artigos 129.º e ss. da douta P.I., a impugnante suscitava a questão da divergência entre o sentido alcance e conteúdo da notificação e a do acto notificando, no caso, o atributivo do estatuto de pequena cervejeira à J....

E sobre essa concreta questão, em bom rigor, o Tribunal a quo não omitiu pronúncia, antes desvalorizou tal alegação no contexto da pretensão jurídica anulatória do acto impugnado. Ora, atente-se nesta passagem da sentença:

».

Como assim, poderá a sentença ter incorrido em erro de julgamento ao desvalorizar a alegada divergência entre o conteúdo, alcance e sentido do acto decisório e o conteúdo, alcance e sentido da notificação, mas não enferma do vício mais gravoso da nulidade por omissão de pronúncia.

A oposição dos fundamentos com a decisão, nulidade, tal como a anterior, também prevista no art.º 125/1 do CPPT, corresponde a um vício lógico da sentença — se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença – vd. entre muitos, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/20/2021, tirado no proc.º 69/11.2TBPPS.C1.S1.

E como se refere no sumário doutrinal do mesmo acórdão, «A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”».

Ora, dizer-se por um lado que a cada uma das sociedades, a impugnante e a E..., foi atribuído o estatuto de pequena cervejeira individualmente e, por outro, que a liquidação adicional em causa, partindo da consideração conjunta da produção cervejeira da impugnante e da Empresa de C…, é correcta, não envolve qualquer vício lógico por oposição dos fundamentos com a decisão, antes e a verificar-se, contradição entre fundamentos, o que consubstancia erro de julgamento e não nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, sendo certo que a invocada contradição não subsiste face à alteração introduzida na matéria do ponto 13., por sugestão, documentalmente apoiada, da recorrida.

Com interesse pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de n03/03/2021, tirado no proc.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, em cujo sumário doutrinal se deixou consignado: «A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), (anterior 668.º) do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento».

Improcedem as arguidas nulidades da sentença.

No âmbito de uma acção inspectiva visando, nomeadamente, confirmar as condições necessárias para beneficiar do estatuto de pequena cervejeira de que a impugnante (e a E...) beneficiava e abrangendo o período relativo aos anos de 2002, 2003 e 1.º semestre de 2004, apurou-se o seguinte: somadas as produções da impugnante e da E..., verificou-se que o limite total de produção de 200.000 hl de cerveja, conforme previsto no art.º 61.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Dec. Lei 566/99, de 22 de Dezembro, foi ultrapassado, não podendo as referidas sociedades beneficiar do estatuto de pequenas cervejeiras e, consequentemente, redução de 50% na taxa do imposto aplicável à cerveja produzida.

Nesses termos, foi apurada pela inspecção tributária dívida no montante de 375.967,61 €, correspondente a 50% do imposto (IEC) em falta, conforme o previsto no art.º 61.º, n.º 3, do citado CIEC.

Inconformada, a impugnante, aqui recorrente, deduziu reclamação graciosa da liquidação, a qual, por despacho do Sr. Subdirector-Geral, em substituição do Sr. Director-Geral, veio a ser indeferida e, em seguimento, apresentou a presente impugnação judicial visando a anulação do acto de liquidação.

Na óptica da impugnante, a liquidação adicional impugnada enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, na medida em que parte do pressuposto errado de que à impugnante J... (Fábrica d…, Lda.), fora atribuído o estatuto conjunto de pequena cervejeira com a E... e não o estatuto individual de pequena cervejeira, e, nessa medida, na aferição do limite de produção anual de cerveja de 200.000 hl, não poderá ser levado em conta, como foi, a produção de cerveja da E... (Empresa de C… Lda.).

E é esse, em suma, o tema em discussão nos autos, já se entrevendo que a sentença recorrida, alinhou pela tese da Administração tributária, no sentido de que à impugnante J... não fora atribuído o estatuto individual de pequena cervejeira, mas o estatuto conjunto com a E.... Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.

Dispunha, então, o art.º 20.º-B do Dec. Lei n.º 104/93, de 5 de Abril, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 324/98, de 30 de Outubro:

«Artigo 20.º-B
Regime das pequenas cervejeiras
1 - Sem prejuízo do cumprimento dos requisitos relativos à constituição e funcionamento dos entrepostos fiscais de produção, o estatuto de pequena cervejeira pode ser concedido pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo a empresas que detenham um único entreposto fiscal de produção de cerveja e que, simultaneamente:
a) Produzam por ano até ao máximo de 200000 hl de cerveja;
b) Sejam jurídica, económica e contabilisticamente independentes de outras empresas cervejeiras;
c) Não operem sob licença ou por conta de outrem.
2 - Em derrogação ao disposto no n.º 1, consideram-se uma única empresa independente duas ou mais empresas cervejeiras cuja produção anual total não exceda 200000 hl de cerveja.
3 - São reduzidas a metade as taxas aplicáveis à cerveja que as pequenas cervejeiras anualmente produzam e declarem para consumo

Na sequência da entrada em vigor do referido diploma (1 de Novembro de 1998, conforme seu art.º 3.º), foi dirigido à impugnante uma comunicação instando-a a “…formalizar pedido para a concessão do Estatuto de Pequena Cervejeira”.

O que a impugnante fez, requerendo em 13/11/1998 a aplicação do estatuto de pequena cervejeira ao abrigo do art.º 20.º-B do Dec. Lei 104/93, de 5 de Abril, aditado pelo Dec. Lei n.º 324/98, de 30 de Outubro (cf. aditado ponto 4.B. do probatório).

Por despacho de 22/12/1998, foi-lhe reconhecido tal estatuto (ponto 5. do probatório).

Tal despacho fez seus os fundamentos da informação sobre que recaiu. Para o efeito, utilizou a expressão “Visto. Concordo”. (fls. 299 dos autos, Vol. I).

Nos termos do ponto 6. daquela informação, “Segundo o disposto no 2.º parágrafo do ponto 2. do artigo 4.º da Directiva 92/83/CEE, de 19 de Outubro, transposto para o direito interno pelo artigo 20.º-B do Dec. Lei n.º 104/93, duas empresas produtoras de cerveja, embora economicamente dependentes, poderão ser consideradas para este efeito uma única pequena empresa independente, desde que, a soma das produções anuais não atinja os 200.000 hl.”

Mais adiante, no ponto 7. da mesma informação, é consignado o seguinte: “…atendendo ao que foi dito no ponto anterior, as duas cervejeiras poderão, para o efeito de concessão do estatuto de pequena cervejeira, ser consideradas como uma única pequena empresa independente.

Do exposto, é possível extrair uma primeira conclusão, qual a de que à impugnante foi atribuído o regime das pequenas cervejeiras, nos termos do n.º 2 do art.º 20.º-B, do Dec. Lei n.º 104/93.

Ao abrigo de tal estatuto, foi fixada em 50% da taxa normal as taxas aplicáveis à cerveja que as pequenas cervejeiras anualmente produzam e declarem para consumo, conforme n.º 3 do art.º 61.º do CIEC.

Ou seja, à impugnante foi concedido um benefício fiscal (art.º 2.º, n.º 2 do EBF).

No termos do art.º 12/1 do EBF, “A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra”.

Dispunha o seu n.º 2 que “Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário”.

E o seu n.º 4 preceituava: “O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não e revogável nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado”.

Não sendo controverso que no período em causa de 2002, 2003 e 1.º semestre de 2004, a produção anual, conjunta e declarada para consumo, das duas cervejeiras, consideradas como uma única pequena empresa independente, tenha ultrapassado 200.000 hl de cerveja, o benefício fiscal atribuído cessou por caducidade, deixando de se verificar, por facto imputável ao beneficiário, um dos requisitos de que depende a atribuição do benefício, que é a consideração, para efeitos de redução da taxa, comouma única empresa independente duas ou mais empresas cervejeiras cuja produção anual total não exceda 200.000 hl de cerveja”, nos termos do n.º 2 do art.º 20.º-B do citado Dec. Lei n.º 104/93.

Portanto, de acordo com o conteúdo, alcance e sentido da informação/ proposta que integra a fundamentação do despacho de 22/12/1998 que reconheceu à impugnante o estatuto de pequena cervejeira, resulta inequívoco contextualmente para qualquer destinatário médio, que tal estatuto lhe foi reconhecido nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 20.º-B do Dec. Lei n.º 104/93, tendo como pressuposto a produção anual conjunta, sua e da E..., que não exceda 200.000 hl de cerveja.

Nessa medida, a reposição automática da tributação-regra a partir da constatação, em sede inspectiva, de que tal limite de produção fora ultrapassado, e que está na origem da liquidação adicional em causa, afigura-se, prima facie, correcta.

Alega a recorrente que, face ao teor da notificação que lhe foi efectuada, não lhe era possível apreender o conteúdo, alcance e sentido do despacho de 22/12/1998 que lhe atribuiu o estatuto de pequena cervejeira, sendo a única leitura legítima a de que lhe fora atribuído o estatuto individual de pequena cervejeira, sendo o limite anual de produção estabelecido de 200.000 hl o relativo à sua produção e não relativo à soma da produção anual total da impugnante com a da E....

Como se apreende do probatório, nomeadamente dos seus pontos 4.B. e 5.A. e 5.B., constata-se que o acto de notificação não integra a fundamentação do acto notificando, podendo ter criado no destinatário, é certo, a convicção de que lhe fora atribuído o estatuto individual de pequena cervejeira, ao abrigo do n.º 1 do art.º 20.º-B do Decreto-Lei n.º 104/93, de 5 de Abril, e não ao abrigo da disposição derrogatória do n.º2 do mesmo preceito, segundo o qual, considera-se uma única empresa independente duas ou mais empresas cervejeiras cuja produção anual total não exceda 200.000 hl de cerveja.

Ora, a circunstância de a notificação poder ter induzido em erro o destinatário do acto notificando (o despacho de 22/12/1998), não altera materialmente este último, o mesmo é dizer, o seu conteúdo, alcance e sentido.

Sobre a divergência entre o acto e a notificação, escreveu-se no Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/10/2003, tirado no proc.º 01381/03, «…tal divergência entre o acto proferido e a sua notificação, como se decidiu, nomeadamente no acórdão deste STA de 2-5-02 – rec. 593/02, terá que ser decidida pela prevalência do acto, tal como praticado, uma vez que a notificação é um mero acto de transmissão que visa levar ao conhecimento de outrem a prática do acto, não se podendo, valida e relevantemente acrescentar o que quer que seja ao acto notificado.

Sobre tal questão, de tal aresto, com pertinência para a questão, transcreve-se o seguinte passo: “como constitui jurisprudência constante deste STA, o conteúdo do acto tem de ser aferido pelo seu próprio teor e não pelo que constar do acto transmissivo subsequente (em especial, a notificação), destinado a levar ao conhecimento do interessado a sua prática.

E, isto, na medida em que a notificação, como mero acto de trâmite, que visa levar ao conhecimento de outrem a existência e a prática de um determinado acto, nada pode, válida e relevantemente, acrescentar ao conteúdo do acto notificável.

A Entidade que procedeu à notificação carece de poder real e efectivo para introduzir modificações no acto notificado, designadamente, acrescentando-lhe um conteúdo decisório não constante do acto, já que tal Entidade actua como mero nuncius transmissivo.

A notificação, como acto meramente instrumental e ulterior à prática do acto limita-se a transmitir ao interessado o conhecimento de um outro acto, sem, contudo, fazer parte deste último, não passando de mero requisito de eficácia.

Em suma, não é pela notificação do acto que se tem de aferir do seu concreto âmbito e conteúdo, sendo irrelevante a indicação de um conteúdo decisório que o teor do acto, tal como efectivamente praticado, não comporte, razão pela qual qualquer tipo de considerações ou circunstâncias que do acto notificando não constem a ele não podem ser imputadas.

Vide, entre outros, os Acs. de 21-6-88 (Pleno) – AD 327-353, de 3-5-90 – Rec. 28058, de 14-3-91 – Rec. 24486, de 19-5-92 – Rec. 30346, de 20-10-96 – Rec. 37502, de 18-11-97 – Rec. 40079 e de 3-12-98 – Rec. 32761.» (fim de cit.).

Os vícios próprios da notificação, mero requisito de eficácia dos actos, não encontram adequada tutela no processo de impugnação judicial, o qual visa sindicar a legalidade dos actos tributários (art.º 99.º do CPPT).

E, sendo com referência ao despacho do Sr. Subdirector-Geral de 22/12/1998 (a fls. 299 dos autos) que se tem de aferir do acerto ou desacerto do acto de liquidação impugnado, não se alcança neste qualquer vício que inquine a sua validade.

Tudo visto, com os fundamentos expostos é de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que não enferma dos vícios de nulidade e erro de julgamento que lhe são assacados pela recorrente.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 05 de Dezembro de 2024


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Vital Lopes



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Jorge Cortês



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Cristina Coelho da Silva