Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 824/20.2BESNT |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | RUI PEREIRA |
| Descritores: | EMPRESA MUNICIPAL TEMPO DE SERVIÇO ANTIGUIDADE POSICIONAMENTO REMUNERATÓRIO |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL
I. RELATÓRIO 1. O Sindicato AAA, em representação e defesa dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos da sua associada AA, intentou no TAF de Sintra contra o Município de Sintra uma acção administrativa, na qual peticionou (i) a condenação da entidade demandada a praticar o acto de deferimento da pretensão da sua associada, no sentido da contabilização do tempo de serviço prestado na empresa municipal “Gestão de Equipamentos Culturais e Turísticos, EEM” (SINTRAQUORUM), para efeitos de antiguidade e de posicionamento remuneratório e (ii) a condenação da entidade demandada no pagamento das diferenças remuneratórias devidas, acrescidas dos respectivos juros de mora, desde a celebração do contrato em funções públicas da associada do autor. 2. O TAF de Sintra, por sentença datada de 15-10-2022, julgou a acção integralmente improcedente e, em consequência, absolveu o Município de Sintra dos pedidos. 3. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul, no qual formulou as seguintes conclusões: “1º - O tribunal a quo incorreu em erro de direito, o que determina a revogação do douto saneador-sentença recorrido, a procedência do presente recurso e a consequente condenação da entidade recorrida nos pedidos formulados pelo recorrente, com todas as devidas e legais consequências; 2º - Sustenta o tribunal a quo que a redacção do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, introduzida pela Lei do Orçamento do Estado de 2019, visou beneficiar apenas os trabalhadores que, no âmbito da internalização das actividades das empresas municipais, sendo integrados no mapa de pessoal dos municípios, na sequência de procedimento concursal, não apresentavam grau académico de licenciatura ou superior; 3º - O litígio que distancia as partes nos autos reside na interpretação do disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, conjugado com o disposto no artigo 38º, nº 7 da LGTFP, no sentido de saber (se) o primeiro nega apenas aos trabalhadores detentores de licenciatura ou grau académico superior o direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, apenas e só pela circunstância de serem detentores de tais graus académicos, sobre o qual, salvo o devido respeito, o tribunal a quo não se debruçou devidamente; 4º - À luz do disposto no artigo 9º, nº 1, do Código Civil, e da lição da doutrina, a actividade interpretativa deve procurar o espírito da lei este a partir da letra da lei, na busca pelo fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (ratio legis); 5º - A finalidade do legislador subjacente à Lei do Orçamento do Estado de 2019 centrou-se na valorização do tempo de serviço dos trabalhadores, incluindo os funcionários públicos, no pós-crise e as medidas de recuperação económica que determinaram o congelamento da progressão nas carreiras e das remunerações; 6º - Neste contexto, a ratio legis subjacente à alteração do artigo 62º, nº 18, da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, consiste na valorização positiva da carreira e da posição remuneratória dos trabalhadores com experiência em empresas locais, ao serviço das autarquias, se os mesmos viessem a ser recrutados por via de concurso nas segundas, reconhecendo-lhes o direito à contagem desse tempo de serviço para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, com vista à criação de condições para uma igualdade material entre trabalhadores experientes nas autarquias; 7º - Por sua vez, o artigo 38º, nº 7 da LGTFP, insere-se num contexto de preocupação do legislador com a qualificação dos trabalhadores da Administração Pública, impondo ao empregador público a negociação do vínculo de emprego público, com trabalhadores detentores de licenciatura ou de grau académico superior cujo posto de trabalho apresente conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior, tendo por base, no mínimo, a 2ª posição remuneratória da respectiva carreira; 8º - A ratio legis subjacente ao disposto no artigo 38º, nºs 7 e 8 da LGTFP, consiste em favorecer o recrutamento, para os quadros da Administração Pública, de trabalhadores qualificados, detentores de licenciatura ou de grau académico superior; 9º - O saneador-sentença recorrido deveria ter indagado se o pensamento legislativo subjacente a cada uma das referidas normas, por carecerem de harmonização entre si, à luz da unidade do sistema jurídico, é consentâneo com uma interpretação de que não assiste aos trabalhadores licenciados ou com grau académico superior o direito à contagem desse tempo de serviço para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, apenas pelo facto de deterem tais títulos académicos; 10º - O tribunal a quo parece entender que a ratio legis do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, é a de que o legislador visou beneficiar todos os trabalhadores que integrados no mapa de pessoal da entidade demandada na 1ª posição remuneratória, i.e., de que o legislador efectivamente visou diferenciar positivamente os trabalhadores não qualificados com o direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço prestado junto de empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, e que efectivamente visou excluir do âmbito subjectivo desse direito os trabalhadores qualificados com licenciatura ou grau académico superior; 11º - A “teoria da alusão” ínsita no nº 2 do artigo 9º do Código Civil não permite a interpretação propugnada pelo tribunal a quo, devendo o intérprete fazer um esforço adicional para alcançar o sentido normativo do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, i.e., o elemento literal não permite extrair da previsão daquela norma a intenção legislativa de excluir os trabalhadores qualificados do âmbito subjectivo do direito ali estabelecido; 12º - O tribunal a quo socorre-se, outrossim, do elemento sistemático, designadamente, o disposto nos artigos 87º, nºs 1 e 2, e 147º, nº 1 da LGTFP, e na TRU, de modo a buscar o elemento racional para interpretar o referido preceito legal, no sentido de que o legislador quis efectivamente negar aos trabalhadores qualificados o direito ali estabelecido ou, noutra perspectiva, serem ambas as intenções legislativas, subjacentes ao artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, por um lado, e ao artigo 38º, nºs 7 e 8 da LGTFP, por outro lado, incompatíveis entre si; 13º - Devem, antes, procurar-se os outros subsídios interpretativos, designadamente, os princípios fundamentais da CRP e o referido Decreto-Lei nº 51/2022, de 26 de Julho; 14º - Como ensina a doutrina, os princípios gerais de direito administrativo, designadamente, os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, são referência para a interpretação conforme do direito administrativo, visto este em globo, e do demais direito que com ele tenha ligação; 15º - Decorrem do princípio da igualdade previsto nos artigos 13º, nºs 1 e 2, e 266º, nº 2 da CRP a proibição do arbítrio e da discriminação; 16º - Como ensina a doutrina, a proibição do arbítrio pode ser violada pelo legislador quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, podendo os particulares ser titulares de um direito subjectivo público a um igual tratamento sempre que a lei arbitrária sirva de fundamento legal para condutas da Administração lesivas de direitos e interesses constitucionalmente protegidos; 17º - Como também ensina a doutrina, a proibição de discriminação exige que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, devendo basear-se em distinção objectiva de situações, não se fundamentar em qualquer dos motivos indicados no nº 2 do artigo 13º da CRP, ter um fim legítimo nos termos da CRP e ser necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação desse fim; 18º - In casu, está o direito da associada do recorrente estabelecido no artigo 47º, nº 2 da CRP de aceder à função pública, em condições de igualdade, por via de concurso, garantia sujeita ao regime material dos direitos, liberdades e garantias; 19º - Tal direito apenas pode ser restringido nos termos do disposto no artigo 18º, nºs 2 e 3 da CRP, respeitando o princípio da proporcionalidade; 20º - A interpretação propugnada pelo tribunal a quo do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, conjugado com o artigo 38º, nºs 7 e 8 da LGTFP, é a de que o legislador efectivamente pretendeu diferenciar os trabalhadores detentores de licenciatura ou de grau académico superior e os menos qualificados, de tal modo que apenas estes últimos têm direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local dissolvida, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório; 21º - Nem a entidade recorrida nem o tribunal a quo avançam com quaisquer justificações razoáveis ou critérios de valor objectivos, sendo-lhes impossível, atenta a evidente insuficiência argumentativa, descortinar a intenção do legislador por detrás de uma tal diferenciação, sendo também evidente o arbítrio desta solução legal; 22º - Aquela interpretação redunda na violação dos limites externos da discricionariedade legislativa, legitimando condutas administrativas também elas arbitrárias e, portanto, violadoras do direito subjectivo público dos cidadãos a um igual tratamento e da garantia constitucional ínsita no artigo 47º, nº 2 da CRP; 23º - Nenhuma objectividade se alcança na diferenciação entre trabalhadores qualificados e trabalhadores menos qualificados no direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço de empresa local dissolvida, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, a diferenciação em apreço, em razão do respectivo grau de instrução, encontra-se expressamente vedada pelo disposto no nº 2 do artigo 13º da CRP, o artigo 47º, nº 2 da CRP aponta indiscutivelmente para a ilegitimidade do fim (alegadamente) escolhido pelo legislador, por negar condições de igualdade aos trabalhadores mais qualificados no acesso à função pública, e a diferenciação de trabalhadores pretensamente operada pelo legislador, como sustentado no douto saneador-sentença recorrido, sendo arbitrária, é claramente desnecessária, desadequada e desproporcional; 24º - Sendo apenas virtual o seu pretenso objectivo, a medida legislativa, como enquadrada pelo tribunal a quo, sacrifica exclusivamente os interesses particulares dos trabalhadores mais qualificados, sem qualquer de quaisquer interesses públicos ou de quaisquer outros valores constitucionalmente relevantes; 25º - A unidade do sistema jurídico, composto pelo ordenamento jurídico como um todo e, nessa medida, as normas constitucionais e os princípios gerais, designadamente, de direito administrativo, obstam de forma expressa à solução interpretativa alcançada pelo tribunal a quo; 26º - As disposições conjugadas dos artigos 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, e 38º, nºs 7 e 8 da LGTFP são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade e da garantia de acesso à função pública em condições de igualdade, cf. previsto nos artigos 13º, nºs 1 e 2, 18º, nºs 2 e 3, 47º, nº 2, e 266º, nº 2, da CRP, quando interpretadas no sentido de que os trabalhadores detentores de licenciatura ou grau académico superior que foram ou venham a ser integrados no mapa de pessoal do município na base da carreira, na sequência de procedimento concursal, não têm direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório; 27º - É manifesta a linha político-legislativa do legislador, onde se insere a Lei do Orçamento do Estado de 2019, num contexto em que o Governo da República apresentou, na apreciação na especialidade da sua proposta de Lei orçamental, notas explicativas aos deputados que apontam expressamente para as preocupações legislativas de qualificar a prestação do serviço público através da formação dos trabalhadores em funções públicas, de adoptar medidas de rejuvenescimento e capacitação da Administração Pública com o recrutamento de trabalhadores qualificados com formação superior e de melhorar os rendimentos dos trabalhadores em funções públicas e abranger o maior número de trabalhadores com valorizações remuneratórias; 28º - As normas da Lei do Orçamento do Estado de 2019 desvendam uma clara e inequívoca intenção legislativa de fomentar, promover e premiar a qualificação dos trabalhadores em funções públicas, mantendo em simultâneo a recuperação de rendimentos que caracteriza o período pós-crise em Portugal, de modo a abranger o maior número de trabalhadores com valorizações remuneratórias, designadamente, ao abrigo do direito criado naquele nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto; 29º - Atendendo às circunstâncias em que a lei foi elaborada, a ratio legis do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, harmonizada com a do artigo 38º, nº 7 da LGTFP, aponta apenas no sentido de beneficiar todos os trabalhadores (e não de excluir os trabalhadores qualificados com licenciatura ou grau superior) num contexto histórico de preocupação, por um lado, com a qualificação dos trabalhadores em funções públicas e, por outro, com a devolução e equidade de direitos, como é o caso do direito de contagem do tempo de serviço para efeitos de antiguidade e de posicionamento remuneratório; 30º - O legislador mantém-se actualmente na trajectória de valorização de trabalhadores em funções públicas que caracterizou a Lei do Orçamento do Estado de 2019, em particular, em sede remuneratória e do seu nível de qualificação, de que é exemplo o Decreto-Lei nº 51/2022, de 26 de Julho; 31º - Os dados mais recentes do ordenamento jurídico apontam indiscutivelmente para o carácter indissociável das intenções legislativas, por um lado, de abranger o maior número de trabalhadores por medidas de valorização remuneratória e de progressão na carreira e, por outro, na capacitação da Administração Pública através do fomento e recrutamento de quadros qualificados com licenciatura ou grau académico superior, designadamente, através de estímulos remuneratórios; 32º - Considerando as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada, a interpretação do disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, conjugado com o disposto no artigo 38º, nºs 7 e 8 da LGTFP, não poderá ir no sentido de excluir os trabalhadores em funções públicas mais qualificados, oriundos de empresas municipais dissolvidas, do direito de, em processo de recrutamento por via de concurso, ver o seu tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço dessas empresas contado para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, criando-lhes condições atractivas de capacitar o Estado com profissionais para a carreira de técnico superior, cujo papel é assumidamente fulcral na ampliação da massa crítica da Administração Pública; 33º - A referência do legislador à integração do trabalhador qualificado no mapa de pessoal do município «na base da carreira» afigura-se o único segmento do elemento literal que permite ao tribunal a quo decidir como decidiu, embora sem curar de quaisquer outros elementos da hermenêutica jurídica; 34º - Nenhum elemento interpretativo – nem sequer o literal – habilita o intérprete concluir que o legislador quis, à revelia das normas e princípios constitucionais e do específico sentido das demais normas da Lei do Orçamento do Estado de 2019, prejudicar os trabalhadores qualificados no seu direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local dissolvida, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório; 35º - Não obstante o disposto no artigo 9º, nº 3 do Código Civil, tendo em conta o pensamento legislativo, ao aprovar a redacção do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, o legislador não cuidou de abranger expressamente na letra da lei os candidatos titulares de licenciatura ou de grau académico superior, que venham a ser integrados no mapa de pessoal do município na sequência de procedimento concursal, oriundos de empresas locais dissolvidas, olvidando do benefício que lhes havia criado no artigo 38º, nº 7 da LGTFP; 36º - Tendo em consideração a indubitável intenção legislativa, com BB, concluímos que deverá o intérprete fazer uma interpretação extensiva da letra da lei, com apelo a um argumento a pari (i.e., nenhum sinal existe para se concluir que o legislador queria apenas valorizar os trabalhadores menos qualificados) e, outrossim, a um argumento a fortiori (i.e., os regimes jurídicos aprovados nas últimas duas legislaturas, onde se inclui a Lei do Orçamento do Estado de 2019, vêm até discriminando positivamente os trabalhadores mais qualificados no sentido da capacitação da Administração Pública); 37º - Se assim não for, a interpretação sufragada pelo tribunal a quo dará origem a graves desigualdades, considerando os trabalhadores detentores de licenciatura ou grau académico superior com experiência profissional em empresas locais dissolvidas, quando integrados nos quadros dos Municípios por via de concurso, por um lado, face a trabalhadores detentores de licenciatura ou grau académico superior sem qualquer experiência profissional passada e, por outro lado, face a trabalhadores não detentores de licenciatura ou grau académico superior que possuam idêntica experiência profissional em empresas locais e sejam integrados nos Municípios por via de procedimento concursal; 38º - Efectivamente, tanto a associada do recorrente como qualquer trabalhador detentor de licenciatura ou grau académico superior sem experiência profissional, aquando da celebração do vínculo de emprego público, serão enquadrados na 2ª posição remuneratória da carreira de técnico superior; 39º - Porém, de acordo com a interpretação do tribunal a quo, não tendo direito à contagem do tempo de serviço anteriormente prestado na SINTRAQUORUM (in casu, 11 anos), a associada do recorrente receberá da entidade recorrida um tratamento igual que descura, por completo, a sua experiência profissional pretérita; 40º - Por outro lado, caso a associada do recorrente integre os quadros de pessoal da entidade recorrida, por concurso, em simultâneo com outro trabalhador não detentor de qualquer grau académico, ainda que proveniente da SINTRAQUORUM e com o mesmo tempo de serviço, este último terá direito à valorização da respectiva carreira naquela entidade, pelo simples facto de não ser suficientemente qualificado para que lhe seja aplicado o disposto no artigo 38º, nºs 7 e 8 da LGTFP; 41º - Com a consequência de, efectivamente, a conversão daquele segundo trabalhador menos qualificado permitir, à luz do disposto no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, este auferir uma remuneração mensal superior à da associada do recorrente, apenas por esta não ter direito a qualquer conversão, reitera-se, pelo simples facto de ser detentora do grau académico de mestre; 42º - A referida expressão deverá, pois, ser interpretada em consonância com os demais subsídios interpretativos, de forma hábil, de modo a não atraiçoar o pensamento legislativo e, acima de tudo, não redundar em inconstitucionalidade material, por violação das normas constitucionais supracitadas, de modo a abranger os trabalhadores detentores de licenciatura e grau académico superior na previsão normativa do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, como é o caso da associada do recorrente nos presentes autos; 43º - Encontrando-se a associada do recorrente integrada na posição mínima remuneratória a que teria direito nos termos do disposto no artigo 38º, nº 7 da LGTFP, na sequência de integração no respectivo mapa de pessoal por procedimento concursal, a associada do recorrente tem direito à contagem do tempo cf. estabelece o artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, o qual emana dos direitos, liberdades e garantias a um tratamento igual entre cidadãos e ao acesso à função pública, em condições de igualdade, ínsitos nos artigos 13º, nºs 1 e 2, e 47º, nº 2 da CRP; 44º - Constituindo inquestionável direito da associada do recorrente, à luz do disposto naquele preceito legal, deverá o douto saneador-sentença ser revogado, com fundamento em erro de direito e, em consequência, ser a entidade recorrida ser condenada nos pedidos formulados pelo recorrente, com todas as devidas e legais consequências”. 4. O Município de Sintra apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: “1. Na sentença recorrida não foi cometido qualquer erro na apreciação e aplicação da matéria de direito que imponha uma solução diversa daquela que foi decidida na aludida decisão, competindo, assim, a este tribunal ad quem usar dos seus poderes de confirmação. 2. O nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012 foi aditado pelo artigo 305º da Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local e das Participações Locais, com a seguinte redacção: «18 – Os trabalhadores que foram ou venham a ser integrados no mapa de pessoal do município na base da carreira, na sequência de procedimento concursal, têm direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, aplicando-se, com as devidas adaptações, a conversão estabelecida no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro». 3. Nos termos do disposto no artigo 87º, nºs 1 e 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – doravante, LGTFP –, aprovada em anexo à Lei nº 35/2014, de 20 de Junho: «1 – A cada categoria das carreiras corresponde um número variável de posições remuneratórias. 2 – À categoria da carreira unicategorial corresponde um número mínimo de oito posições remuneratórias». 4. A carreira de Técnico Superior compreende apenas uma categoria remuneratória, desenvolvendo-se em 14 posições remuneratórias, nos termos do Decreto Regulamentar nº 14/2008, de 31 de Julho, e com a Tabela Remuneratória. 5. De acordo com a Tabela Remuneratória Única, a 1ª Posição Remuneratória prevista para a carreira de Técnico Superior corresponde ao nível remuneratório 11, cuja remuneração se fixa em € 998,50, com a alteração introduzida pelo DL nº 10-B/2020, de 20 de Março, e, por sua vez, a 2ª posição remuneratória da carreira de Técnico Superior corresponde ao nível remuneratório 15, ou seja, € 1.205,08. 6. O artigo 38º da LGTFP estabelece as regras de determinação do posicionamento remuneratório introduzindo a possibilidade da sua negociação com o empregador público, sempre que esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade de vínculo de emprego público seja o contrato. 7. Da leitura do nº 7 do mesmo artigo podemos retirar o seguinte: “O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior”. 8. Esta norma pretende, nada mais, nada menos, do que assegurar que nos procedimentos concursais para a carreira de Técnico Superior, em sede de negociação, a entidade empregadora pública não possa propor ao candidato, titular de licenciatura ou de grau académico superior, uma renumeração base inferior à correspondente à 2ª posição remuneratória. 9. Tal, não significa que se possa considerar a 2ª posição remuneratória como a base da carreira de Técnico Superior, já que a existência de uma primeira posição remuneratória – ou seja, a verdadeira “base” da carreira – resulta da própria lei, que a reconhece. 10. A base da carreira é a 1ª posição remuneratória – a que licenciados, mestres e doutores não acedem por concurso público, já que se considera que os conhecimentos adquiridos por via da formação académica são merecedores da integração na 2ª posição remuneratória – ou seja, sem necessitar de passar pela base da carreira, que seria, de facto, a 1ª posição remuneratória. 11. Conforme se ditou na sentença ora em apreço, decorre directamente do elemento literal da lei – in casu, mais do que suficiente, que, com o aditamento do nº 18 ao artigo 62º da Lei nº 50/2012, o legislador pretendeu salvaguardar os trabalhadores que, por não possuírem licenciatura ou grau académico superior, foram integrados no mapa de pessoal da recorrida na base das respectivas carreiras, esses sim, na 1ª posição da TRU – Tabela Remuneratória Única, de forma a que estes não vissem as suas remunerações serem diminuídas. 12. Os trabalhadores que, como é o caso da associada do recorrente, possuem licenciatura ou grau académico superior, beneficiaram de protecção idêntica ao serem directamente integrados na 2ª posição remuneratória pelo facto de possuírem essas qualificações, e, assim sendo, o propósito do legislador de querer “uma Administração Pública mais justa e constituída por profissionais motivados, tendo em vista garantir serviços públicos capacitados (…)” foi alcançado por via dessa integração directa destes trabalhadores na 2ª posição remuneratória. 13. A associada do recorrente foi beneficiada, já que viu a sua remuneração aumentar de € 1.100,00 para € 1.201,48, recebendo, no momento actual € 1.205,08. 14. Não se pode considerar a 2ª posição remuneratória como a base da carreira técnica superior, na medida em que resulta da própria lei o reconhecimento expresso da existência de uma primeira posição remuneratória, que não poderá ser proposta aos detentores de licenciatura ou grau académico superior, que ingressem na carreira de técnico superior por procedimento concursal, para efeitos de negociação remuneratória. 15. Se o legislador pretendesse que a 2ª posição remuneratória passasse a ser a base da carreira de técnico superior, ao determiná-la como limite mínimo de oferta para efeitos de negociação teria, igualmente, determinado expressamente que esta passaria a constituir a base da carreira, alterando a LGTFP, e a TRU em vigor. 16. O legislador não pretendeu aplicar o disposto no nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, aos trabalhadores que integram a 2ª posição da carreira remuneratória de técnico superior, e que, nesses termos, não estão na base da respectiva carreira. 17. O artigo 9º do Código Civil dispõe que: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». 18. Resulta claramente do espírito do sistema e das últimas alterações legislativas que o legislador pretendeu criar um sistema de integração dos trabalhadores que transitaram para o Município através de contratos de cedência, que beneficiasse, tanto os trabalhadores sem formação académica – reconhecendo-lhes a antiguidade para efeitos de remuneração – como os trabalhadores com grau de licenciado ou superior – integrando-os directamente na 2ª posição remuneratória, correspondente a uma remuneração proporcional e adequada, tendo em conta a sua qualificação. 19. Conforme decorre da douta sentença do tribunal a quo, ainda que não fosse claro do elemento teleológico, a verdade é que, a intenção do legislador, o elemento literal, define-se pelas palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. 20. Se a função negativa do elemento literal afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei – e se da letra lei resulta expressamente o entendimento de que a 2ª posição remuneratória não é a base da carreira – uma vez que existe uma 1ª posição remuneratória, acompanhamos totalmente o entendimento do tribunal a quo quando entendeu que, à luz da teoria da alusão, não se pode considerar a 2ª posição remuneratória como a base da carreira de Técnico Superior para efeitos de aplicação do disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, com a alteração introduzida pelo artigo 305º da Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro (LOE 2019), pois, com a alteração introduzida por força do aditamento do nº 18 ao artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, o legislador visou beneficiar todos os trabalhadores que, no âmbito da internalização das actividades das empresas municipais, foram integrados mapa de pessoal da entidade demandada, na base das respectivas carreiras, na sequência de procedimento concursal, ou seja, na 1ª posição remuneratória da TRU. 21. Se a associada do recorrente está integrada na 2ª posição remuneratória da carreira de Técnico Superior, não se aplica ao seu caso o consagrado na norma do artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, motivo pelo qual deve manter-se inalterada a decisão do tribunal a quo. 22. O princípio da igualdade está previsto no artigo 13º, nº 1 da CRP – Constituição da República Portuguesa –, assim como no artigo 6º, nº 1 do Código de Procedimento Administrativo – CPA –, podendo ler-se neste último o seguinte: «Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual». 23. Por ser um postulado que deve ser observado no exercício da actividade discricionária da Administração (na qual esta detenha liberdade de escolha de alternativas comportamentais), funciona somente como um limite interno à actividade da Administração, logo, não releva no domínio da sua actividade vinculada, uma vez que esta consiste apenas na simples subsunção à previsão normativa dos comandos legais vigentes de um dado caso concreto. 24. Só há violação do princípio da igualdade se a Administração tratar de modo desigual o que é igual. Estando perante diferentes situações, o tratamento desigual não viola o princípio da igualdade, antes o cumpre. 25. O recorrido apenas aplicou o mencionado no nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, aos trabalhadores que, no âmbito da internalização, foram integrados, no seguimento do procedimento concursal, na base da respectiva carreira, e não aplicar o referido preceito, aos trabalhadores que, como a associada do recorrente, foram integrados na 2ª posição remuneratória – por possuírem licenciatura ou grau académico superior – e por isso, não estão integrados na base da carreira. 26. O recorrido não aplicou a nenhum dos trabalhadores em situação idêntica à da associada do recorrente – integrados na 2ª posição remuneratória – o disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, logo, não existiu, nesta vertente do princípio da igualdade, qualquer tratamento desigual do que é igual. 27. Da conduta do recorrido município não resultou qualquer proibição do arbítrio, pois, é indubitável que tratar de forma desigual quem possui qualificações desiguais, não constitui uma violação ao limite externo da liberdade de opção, uma vez que esta é uma diferença significativa, que impõe ao legislador a aplicação de regimes jurídicos diferenciados para quem é integrado na base da carreira – 1ª posição remuneratória –, e quem é integrado na 2ª posição remuneratória. 28. Este é um problema a ser resolvido pela integração de trabalhadores qualificados – com licenciatura ou grau académico superior – em posições remuneratórias superiores – e não através da aplicação de um preceito legal que é, literalmente, inaplicável aos trabalhadores integrados na 2ª posição remuneratória, por esta não ser a base da carreira de técnico superior! O artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012 destina-se apenas aos trabalhadores integrados na base da carreira, o que não corresponde, nem à situação de trabalhadores integrados na 2ª posição remuneratória com experiência, nem sem experiência profissional! 29. Não existe, de igual modo, qualquer discriminação positiva ou negativa, violadora do princípio da igualdade, em relação aos trabalhadores que, esses sim, beneficiam do disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012. 30. Se os trabalhadores não qualificados, por automaticamente se integrarem na BASE da carreira, recebendo o equivalente à 1ª posição remuneratória, poderiam ver a sua retribuição mensal diminuída numa situação de integração municipal e dissolução de empresas locais nas que desempenhavam as suas funções, estando, consequente e injustamente prejudicados, é natural que o legislador os tenha protegido através da previsão da contagem dos anos ao serviço da empresa privada dissolvida, para efeitos de antiguidade e consequente negociação de renumeração. 31. Se os trabalhadores qualificados são AUTOMATICAMENTE integrados na 2ª posição remuneratória, auferindo, in casu, uma retribuição MAIOR do que auferiam anteriormente, não viram os seus rendimentos prejudicados de nenhum modo, não necessitam dessa protecção adicional, uma vez que o princípio da proibição da diminuição da retribuição fica plenamente cumprido pela atribuição da 2ª posição remuneratória aos trabalhadores detentores de licenciatura ou grau académico superior, o que não aconteceria com os trabalhadores integrados na base da carreira, caso não existisse o famoso nº 18 do artigo 62º. 32. Não existiu qualquer negação de condições de igualdade aos trabalhadores no acesso à função pública, desde logo, porque o princípio da igualdade obriga-nos a tratar de forma desigual situações desiguais, e em causa estão dois tipos de situação diferentes: a de trabalhadores sem formação académica, e a de trabalhadores com formação académica. 33. O inciso constitucional prevê e afirma o concurso como a via através da qual, em regra, os cidadãos concretizam o seu direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade. A instituição do concurso como regra funda-se na sua adequação, enquanto procedimento de selecção, à prossecução do interesse público de forma transparente, séria e isenta, sendo conferida à Administração, através daquele, a possibilidade de escolha dos mais capazes. 34. O recorrido município limitou-se, por um lado, a aplicar a legislação em vigor, criando condições de acesso à função pública justas, e iguais entre pares, atribuindo a renumeração correspondente ao mérito de cada trabalhador – seja esse mérito alcançado por via dos anos de serviço prestado, ou pela formação académica, pelo que, não existiu, nessa senda, qualquer violação do artigo 47º, nº 2 da CRP. 35. O tribunal a quo andou bem nesta parte da decisão, uma vez que não foi cometida qualquer tipo ou violação dos preceitos constitucionais em causa, respeitando-se os princípios da igualdade, proporcionalidade, e direito de acesso à função pública em condições de igualdade, nem tampouco foi cometida qualquer violação do artigo 9º do Código Civil na interpretação da Lei nº 50/2012, e da LGTFP. 36. Face ao exposto, deve o presente recurso improceder totalmente, mantendo-se a decisão recorrida”. 5. O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste TCA Sul, devidamente notificado para o efeito, não emitiu parecer. 6. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento. II. OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR 7. As questões a apreciar no presente recurso estão delimitadas pelo teor da alegação de recurso apresentada pelo sindicato recorrente e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 a 3, todos do CPCivil, não sendo lícito ao tribunal de apelação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. 8. E, face ao teor das conclusões exaradas na alegação do sindicato recorrente, importa apreciar e decidir se a decisão sob recurso padece, ou não, do assacado erro de julgamento de direito, por errada interpretação do disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, conjugado com o disposto no artigo 38º, nº 7 da LGTFP, no sentido de saber se o primeiro nega apenas aos trabalhadores detentores de licenciatura ou grau académico superior o direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, apenas e só pela circunstância de serem detentores de tais graus académicos. III. FUNDAMENTAÇÃO A – DE FACTO 9. A sentença recorrida considerou assente – sem qualquer reparo – a seguinte factualidade: a. Entre 2003 e 2014, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo outorgado com a empresa municipal “SINTRAQUORUM”, a associada do sindicato autor desempenhou funções no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas – Divisão de Bibliotecas e Museus – Departamento de Turismo e Cultura da Câmara Municipal de Sintra – cfr. doc. nº 1, junto com a PI; b. A associada do sindicato autor detém o grau académico de “mestre” – por acordo; c. Desde 2014, mediante regime de cedência e posteriormente por concurso público, a associada do sindicato autor ingressou no mapa de pessoal da entidade demandada, onde exerce as mesmas funções desempenhadas desde 2003 – cfr. contrato de cedência e contrato de trabalho em funções públicas, juntos como docs. nºs 2 e 3 com a PI; d. Na ocasião referida em c., a associada do sindicato autor foi enquadrada na segunda posição da carreira remuneratória de técnica superior – cfr. doc. nº 4, junto com a PI; e. Em 21 de Outubro de 2019, junto da edilidade, a associada do sindicato autor requereu a contagem de tempo de serviço prestado na “SINTRAQUORUM”, durante o período compreendido entre 2003 e 2014, e de alteração do respectivo posicionamento remuneratório – cfr. doc. nº 1, junto com a PI; f. Mediante ofício, datado de 14 de Novembro de 2019, a associada do sindicato autor tomou conhecimento do projecto de decisão constante de Despacho da Vereadora dos Recursos Humanos, de 11 de Novembro de 2019, no qual se lê que “não [se] considera viável a pretensão apresentada, uma vez que não se encontra abrangida pelo disposto no nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, agora introduzido pela Lei do Orçamento de Estado para 2019, visto que apenas beneficiam do disposto neste normativo os trabalhadores que tenham sido integrados no mapa de pessoal do município na base da carreira, na sequência de procedimento concursal, encontrando-se V. Exª integrada na 2º posição remuneratória da carreira técnica superior, a qual, não obstante seja a posição mínima de ingresso na carreira por procedimento concursal, não corresponde à base da mesma” – cfr. doc. nº 5, junto com a PI; g. Em 30 de Janeiro de 2020, no exercício do seu direito de audição prévia, a associada do sindicato autor pugnou que “quando esteja em causa o recrutamento para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior, a remuneração base será inevitavelmente a 2ª posição remuneratória desta carreira/categoria profissional, ou seja € 1.201,48” – cfr. doc. nº 6, junto com a PI; h. Não tendo obtido resposta em sede de audição prévia, a associada do sindicato autor interpelou novamente os Recursos Humanos da Câmara Municipal de Sintra em 29 de Setembro de 2020 – cfr. doc. nº 7, junto com a PI; i. Em 3 de Novembro de 2020, deu entrada em juízo a presente acção administrava – cfr. fls. 1 dos autos; j. Até à presente data, a associada do sindicato autor não obteve resposta ao peticionado em e., g. e h. – por acordo. B – DE DIREITO 10. Como decorre dos autos, a sentença recorrida negou provimento à pretensão do sindicato autor, aduzindo para tanto a seguinte fundamentação: “Para o esclarecimento desta questão ter-se-á, necessariamente, que chamar à colação o regime jurídico da actividade empresarial local e das participações locais, aprovado pela Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, através do qual a autora foi cedida ao Município. Estipula o artigo 65º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, que a actividade das empresas locais pode ser objecto de internalização nos serviços das respectivas entidades públicas. Neste contexto, no que respeita aos trabalhadores da empresa local contratados ao abrigo do regime do Código de Trabalho, a lei, com vista a mitigar os efeitos da dissolução das empresas, prevê a possibilidade de internalizar a actividade destas através do acordo de cedência de interesse público celebrado entre a empresa local em liquidação, a entidade pública participante e o trabalhador. Com efeito, decorre do nº 6 do artigo 62º da citada Lei que “as empresas locais em processo de liquidação podem ceder às entidades públicas participantes os seus trabalhadores contratados ao abrigo do regime do contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 58º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (actualmente, vide artigo 242º da LGTFP), na exacta medida em que estes se encontrem afectos e sejam necessários ao cumprimento das actividades objecto de integração ou internalização” (intercalado nosso). Donde resulta que, o Município para internalizar as actividades da empresa local para os seus serviços municipais e, dessa forma, os trabalhadores, com contrato de trabalho ao abrigo do Código de Trabalho, tem de celebrar com a empresa local e os respectivos trabalhadores acordos de cedência por interesse público. Importa salientar, por último, que estes trabalhadores cedidos ao abrigo e nos termos do citado nº 6, são, para efeitos de candidatura aos procedimentos concursais referidos no nº 8 do mesmo artigo, equiparados, por força do seu nº 13, a candidatos com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida. O que possibilita que estes trabalhadores, sendo equiparados, para estes efeitos, a candidatos com relação jurídica de emprego público, se podem candidatar aos procedimentos concursais exclusivamente abertos para quem detém este vínculo de emprego público. Desde que, acrescenta o nº 9 desse artigo, os procedimentos concursais para a ocupação de postos de trabalho correspondam, na exacta medida, às funções ou actividade que o trabalhador cedido se encontra a executar no âmbito da internalização prevista no artigo 65º, e sejam abertos no período máximo de 12 meses a contar da data do acordo de cedência de interesse público. * Posto isto e tendo sido este, presumivelmente, o procedimento seguido pela Câmara Municipal de Sintra, quer quanto à celebração dos acordos de cedência dos trabalhadores, quer quanto ao procedimento concursal para celebração do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, cumpre, agora, aferir do direito peticionado no âmbito do presente litígio. Assim, nesta matéria, deve-se atentar ao que dispõe a LGTFP, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, e, em particular, ao artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, que, como vimos, regula a dissolução das empresas locais e os procedimentos subsequentes de internalização da sua actividade e dos seus trabalhadores nos municípios. É que, como referimos, temos que atender ao regime previsto no artigo 62º da Lei nº 50/2012, que estabelece no seu nº 18 (norma aditada pela Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro – OE 2019) que: «Os trabalhadores que foram (…) integrados no mapa de pessoal do município na base da carreira, na sequência de procedimento concursal, têm direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, aplicando-se, com as devidas adaptações, a conversão estabelecida no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro» [sublinhado nosso]. Antes de mais, frise-se que, interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto. Assim, a interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. Pelo que, a letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. Vejamos pois. De acordo com o disposto no artigo 87º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo a Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, «a cada categoria de carreiras corresponde um número variável de posições remuneratórias (nº 1)». «À categoria de carreira unicategorial corresponde um mínimo de oito posições remuneratórias» (nº 2). Acresce que, no que concerne à carreira de Técnico Superior, a mesma apenas compreende uma categoria, desenvolvendo-se através de 14 posições remuneratórias, [cfr., sucessiva e conjugadamente, Anexo da referida nº Lei nº 35/2014, no Decreto Regulamentar nº 14/2008, de 31 de Julho, e com a TRU (o artigo 147º, nº 1 da LGTFP dispõe que “a tabela remuneratória única contém a totalidade dos níveis remuneratórios susceptíveis de ser utilizados na fixação da remuneração base dos trabalhadores que exerçam funções ao abrigo do vínculo de emprego público”)]. Sucede que, de acordo com a TRU, a 1ª posição remuneratória prevista para a carreira de Técnico Superior corresponde (coma alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 10-B/2020, de 20 de Março), a € 998,50 (novecentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos). Por seu turno, a 2ª posição remuneratória da carreira de Técnico Superior corresponde ao nível remuneratório “15”, ou seja, € 1.205,08 (mil duzentos e cinco euros e oito cêntimos). Por conseguinte, não se pode considerar a 2ª posição remuneratória como a base da carreira de Técnico Superior, na medida em que resulta, alias, da própria lei, o reconhecimento da existência de uma primeira posição remuneratória – que constitui a base da carreira. Assim o é, pois, conforme citados (e bem) pela entidade demandada, ensinam-nos PAULO VEIGA e MOURA E CATIA ARRIMAR in “Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, 1º volume, 1ª edição, Coimbra Editora, páginas 215 e 216, que “o nº 7 do presente preceito veio assegurar que nos procedimentos concursais para a carreira de técnico superior não se pode propor ao candidato, em sede de negociação, uma remuneração base inferior à correspondente à segunda posição remuneratória. Tenha-se, no entanto, em consideração que o direito a esta posição remuneratória mínima não é assegurado a todos aqueles que se apresentem e vençam um concurso para um posto de trabalho subsumível à carreira geral de técnico superior, uma vez que a lei limita tal direito apenas aos candidatos que tenham como habilitação literária mínima a licenciatura (o que significa que tal direito já não será reconhecido a todos aqueles que estavam providos na carreira técnica – por apenas terem o bacharelato – e na transição ocorrida em1 de Janeiro de 2009 passaram a integrar a carreira técnica superior). Destarte, à luz da “teoria da alusão” [que, recorde-se, afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei] não se pode considerar a 2ª posição remuneratória como a base da carreira de Técnico Superior para efeitos de aplicação do disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, com a alteração introduzida pelo artigo 305º da Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro (LOE 2019), pois, com a alteração introduzida por força do aditamento do nº 18 ao artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, o legislador visou beneficiar todos os trabalhadores que, no âmbito da internalização das actividades das empresas municipais, foram integrados mapa de pessoal da entidade demandada, na base das respectivas carreiras, na sequência de procedimento concursal, ou seja, na 1ª posição remuneratória da TRU. Termos estes em que, encontrando-se a autora integrada na 2ª posição remuneratória da carreira de Técnico Superior, não se encontra na posição remuneratória correspondente a base da respectiva carreira, nesta medida, não podendo ser abrangida pelo normativo consagrado no nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, alterada pelo artigo 305º da Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro. Por conseguinte, devendo improceder ambos os pedidos (cfr. artigo 608º, nº 2, 1ª parte, do CPC "ex vi" artigos 1º e 35º, nº 1 do CPTA)”. Vejamos se o assim decidido é para manter. 11. Como decorre dos autos, entre 2003 e 2014, e ao abrigo de contrato de trabalho sem termo outorgado com a empresa municipal “SINTRAQUORUM”, a associada do sindicato autor, possuidora do grau académico de “mestre”, desempenhou funções no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas – Divisão de Bibliotecas e Museus – Departamento de Turismo e Cultura da Câmara Municipal de Sintra. Mais estando assente que, desde 2014, e mediante regime de cedência e posteriormente por concurso público, a associada do sindicato autor ingressou no mapa de pessoal da entidade demandada, onde exerce as mesmas funções desempenhadas desde 2003. 12. Por força do disposto no artigo 55º, nº 10 da Lei nº Lei nº 12-A/2008, de 27/2 (correspondente ao actual artigo 38º, nº 7 da LGTFP), quando a associada do sindicato autor ingressou no mapa de pessoal do município de Sintra, a mesma foi enquadrada na segunda posição da carreira remuneratória de técnica superior, já que estando em causa o recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho caracterizados por corresponderem à carreira geral de técnico superior, a entidade empregadora pública não podia propor a primeira posição remuneratória ao candidato, por aquela ser detentora de grau académico superior a licenciatura. 13. Porém, diversamente do que sustenta o sindicato recorrente, tal não significa que para os efeitos do disposto no artigo 62º, nº 18 da Lei nº 50/2012, de 31/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 71/2018, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2019), cuja redacção estipula que “os trabalhadores que foram ou venham a ser integrados no mapa de pessoal do município na base da carreira, na sequência de procedimento concursal, têm direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, aplicando-se, com as devidas adaptações, a conversão estabelecida no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro”, a segunda posição remuneratória em que foi colocada a sua associada passasse a ser considerada a base da respectiva carreira. Não é!! 14. O nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31/8 (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 71/2018, de 31/12) é claro e coerente quando limita aos trabalhadores que foram ou venham a ser integrados no mapa de pessoal do município na base da carreira (sublinhado nosso), na sequência de procedimento concursal, o direito à contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, excluindo desse universo os trabalhadores que, como a associada do sindicato recorrente, foram integrados em posição remuneratória superior. 15. A razão é evidente: a contagem do tempo de serviço prestado por tempo indeterminado ao serviço da empresa local releva, para os trabalhadores integrados no mapa de pessoal do município na base da carreira, para efeitos de antiguidade e de alteração do posicionamento remuneratório, porque lhes permite, no momento oportuno, alcançar um posicionamento remuneratório superior àquele que constitui a base da carreira. 16. Porém, para um trabalhador que, na integração, já almejou um posicionamento remuneratório mais favorável (ainda que por força do disposto no artigo 38º, nº 7 da LGTFP), não se justifica a atribuição dum duplo benefício (integração numa posição sempre superior à primeira posição remuneratória e contagem do tempo de serviço prestado ao serviço da empresa local), bastando para tanto que a determinação do posicionamento remuneratório não seja feita para a primeira posição. 17. Ou seja, se um trabalhador qualificado é automaticamente integrado na 2ª posição remuneratória, ele vai auferir uma retribuição maior do que auferia anteriormente, pelo que não necessita dessa protecção adicional, uma vez que o princípio da proibição do retrocesso em matéria remuneratória fica plenamente cumprido pela atribuição da 2ª posição remuneratória aos trabalhadores detentores de licenciatura ou grau académico superior. Diversamente do que acontece para os trabalhadores integrados na base da carreira, que serão sempre integrados na primeira posição remuneratória e que, por isso, precisam de ver relevado o tempo de serviço prestado ao serviço da empresa local de onde transitaram, por forma a almejarem, no momento próprio, a alteração do seu posicionamento remuneratório. 18. Por aqui também se percebe que não ocorre a apontada violação do princípio da igualdade, uma vez que o mesmo não impõe o tratamento igual de situações desiguais, antes obriga a tratar de forma desigual o que não é igual. E, no caso presente, a situação da associada do sindicato recorrente não era igual à de um trabalhador integrado na base da carreira, razão pela qual a mesma não se encontrava abrangida pelo disposto no nº 18 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31/8. 19. Improcedem, pelo exposto, todas as conclusões da alegação do sindicato recorrente, razão pela qual a decisão ora sob recurso fez uma correcta aplicação do regime legal à situação de facto plasmada nos autos, merecendo por isso ser confirmada. IV. DECISÃO 20. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. 21. Sem custas, por isenção (artigo 4º, nº 1, alínea f) do RCP). Lisboa, 6 de Novembro de 2025 (Rui Fernando Belfo Pereira – relator) (Maria Julieta França – 1ª adjunta) (Luís Borges Freitas – 2º adjunto) |