Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 164/07.2BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 09/26/2024 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO REQUALIFICAÇÃO DE RENDIMENTOS |
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Sumário: | I – A fundamentação deve ser, em princípio contemporânea do acto, não sendo admissível em sede de recurso completá-la; II – A requalificação pela AT dos rendimentos declarados deve ser fundamentada com a concretização do raciocínio que teve por base a análise das cláusulas contratuais que estiveram na sua origem, não bastando uma mera conclusão com remissão genérica para o clausulado. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial intentada pela Sociedade G…, S.A., integrada na Parpública – Participações Públicas (SGPS), S.A., contra as liquidações de IRC - retenção na fonte -, referentes aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, no montante total de € 865 496,89, dela veio interpor recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A. A ora recorrida foi sujeita a uma ação de inspeção, aos anos de 2002, 2003 e 2004, da qual resultaram correções em sede de IRC, respeitantes a falta de retenção na fonte, à taxa de 15%, a entidades não residentes. B. O contrato celebrado com a empresa T… SL, compreendia a cedência de direitos de uso de equipamento pertencente à ora recorrida, com vista à promoção anual de uma prova de motociclismo, com a obtenção de todas as licenças necessárias para o efeito assegurada. C. Entende-se por royalties ou redevances os rendimentos obtidos pela cedência do uso de direitos de autor sobre obra literária, artística ou científica, pela cedência do uso de patente, marca de fabrico ou de comércio, de desenho ou modelo, de plano, de fórmula ou processo secretos, ou pela cedência do uso de equipamento.”. D. Perante a definição de royalties, o contrato celebrado e que comporta a cedência do uso de equipamento pela T… SL, tem de ser qualificado como royalties, pelo que, o douto Tribunal ao ter decidido em sentido contrário, enferma de ilegalidade. E. No que concerne ao contrato celebrado pela ora recorrida e pela D… SL, este compreendia a cedência exclusiva dos direitos de transmissão audiovisual do MotoGP. F. Ao contrário do entendimento do douto Tribunal, os rendimentos resultantes da cessão temporária dos direitos de transmissão televisiva de eventos desportivos com fixação de som e imagem, resultam da transmissão de direitos conexos e, como tal, consideram-se rendimentos provenientes da propriedade intelectual. G. Sempre se diga que os serviços de fixação e captação de imagem envolvem um conjunto de conhecimentos técnicos e especializados, consubstanciando serviços técnicos ou de assistência técnica. H. Assim, tanto a promoção anual da prova de motociclismo, - com a obtenção de todas as licenças necessárias para o efeito, - bem como a cedência de direitos de transmissão televisiva, encaixam na definição de royalties. I. Pelo exposto, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença os CIRS; CIRC e bem como o CDA. Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!» * A Recorrida, apresentou as suas contra-alegações, rematando-as com as seguintes conclusões: «1ª - A decisão de liquidar o imposto é completamente omissa relativamente à análise do clausulado dos contratos e ao seu enquadramento factual, não permitindo, por isso, extrair a conclusão de que, em face dos mesmos, a impugnante adquiriu a "utilização temporária de direitos"; 2ª - Antes, tem apenas subjacentes juízos conclusivos, contraditórios e, até, incongruentes no sentido de qualificar os rendimentos na categoria que lhe convinha, não tendo, de todo, explicitado de forma clara e suficiente a fundamentação subjacente à sua conclusão de qualificar tais rendimentos como royalties. Aliás, nem poderia fazê-lo; 3ª - Na verdade, como bem se salientou na douta decisão recorrida, relativamente ao contrato celebrado entre a recorrida e a sociedade T… SL, não se vislumbra, antes pelo contrário, que a recorrida "tenha adquirido informações, conhecimentos ou experiências próprias não divulgada, que depois tenha aplicado no exercício da sua actividade, sem que a T… SL tenha intervindo nessa aplicação da tecnolologia ou ensinamentos, com tal aplicação a fazer-se por conta própria e autónoma, bem como a contrapartida paga o foi por uma quantia global que se não mostra que tenha tido em conta uma qualquer relação com a facturação, a produção ou lucro, pelo que se não pode qualificar a mesma como de royalties"; Consequentemente, os rendimentos pagos nos termos do contrato em causa são tributados como lucros e nunca como royalties. 4ª - Relativamente ao contrato celebrado entre a recorrida e a D… SI, apenas atribuía a possibilidade de transmissão videográfica, sem qualquer elemento criativo e sem possibilidade de introdução de qualquer alteração, razão pela qual os direitos cedidos não são protegidos pelo CDA e, também neste caso, os rendimentos pagos nos termos do contrato em causa são tributados como lucros e nunca como royalties. Termos em que a douta decisão recorrida deve ser confirmada, fazendo-se, assim, Justiça.» * O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. * O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela Recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir se a sentença recorrida efectuou: - errado julgamento por não ser possível extrair da prova produzida as conclusões a que o Tribunal chegou; - errado julgamento de direito por os contratos celebrados pela recorrida corresponderem a contratos de transferência de know how e os montantes pagos pela recorrida como contraprestação nos aludidos contratos como royalties, são sujeito a retenção na fonte.
III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «A. Em cumprimento das ordens de serviço n.º OI200507237, OI 200507238 e OI200507240, de 26.10.2005, foi realizada uma acção de inspecção à Impugnante, de âmbito geral, com referência aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, da qual resultaram, entre outras, correcções em sede de IRC relativas a falta de retenção na fonte, à taxa de 15%, a entidades não residentes, no montante total de € 763.405,27 (cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 23 a 76 dos autos, que se dá por reproduzido); B. Conforme resulta do relatório de inspecção, as correcções foram efectuadas pelos seguintes motivos: “(…) 3- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas (…) 3.2.- Faltas identificadas em sede de IRC – Exercícios de 2002 a 2004 (…) 3.2.2.- IRC não retido sobre pagamento de royalties No exercício de 2002, a empresa "S.G.A." e a empresa "2… SL", sediada em Inglaterra e sem estabelecimento estável em Portugal, celebraram, entre si, um contrato, válido para os anos de 2002 a 2004, conforme páginas 8/162 a 51/162 do Anexo 5, de Promoção anual de uma Prova de Motociclismo, designada de "Grande Prémio de Portugal de Motociclismo". Igualmente, no exercício de 2002, a empresa "S.G.A." e a empresa "D…, SL", sediada em Espanha e sem estabelecimento estável em Portugal, celebraram, entre si, um contrato, válido para os anos de 2002 a 2004, conforme páginas 52/162 a 64/162 do Anexo 5, de cedência de Transmissão Televisiva de cada umas das Provas de Motociclismo identificadas no parágrafo anterior. Pela análise do clausulado dos referidos contratos constatámos que a empresa "S.G.A.", durante os exercícios de 2002, 2003 e 2004, adquiriu àquelas entidades, sem residência ou estabelecimento estável em território Nacional, a utilização temporária de direitos, que, face ao CIRS e ao CIRC, configuram royalties. Porém, na data do apuramento dos respectivos quantitativos de royalties, ou seja, na data da emissão das respectivas facturas, em observância ao disposto n° 1 e no parágrafo 3), alínea a) do n° 3 artigo 7° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Singulares (CIRS) conjugado com o n° 6 do artigo 88° do CIRC, a "S.G.A." não efectuou qualquer retenção de IRC na fonte. Em relação ás entidades credoras dos referidos royalties, a "S.G.A.", também, não entregou na Direcção Geral dos Impostos declaração de modelo oficial a declarar os quantitativos que lhe foram debitados. (…) Nos termos da alínea a) do n° 2 do artigo 80° do CIRC a taxa de retenção na fonte é de 15%. Porém, como foram aprovadas e ratificadas convenções entre Portugal e os países onde os seus fornecedores têm residência, para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de Impostos Sobre o Rendimento, a retenção na fonte, sobre o valor de royalties apurados pelos fornecedores identificados no anexo 5, página 4/162, coluna (2), seria efectuada por uma taxa inferior a 15% se as correspondentes convenções tivessem sido accionadas antes da data em que as correspondentes retenções deveriam ocorrer. (…) Em termos gerais "quando os sujeitos passivos de IRS ou de IRC beneficiem de isenção total ou parcial relativa a royalties apurados que seriam sujeitos a retenção na fonte, esta não se efectuará, no todo ou em parte, consoante os casos, feita que seja a prova pelos sujeitos passivos, perante a entidade pagadora, da isenção de que aproveitam". Assim, antes da data em que as correspondentes retenções deveriam ocorrer, a entidade devedora dos rendimentos, neste caso, a "S.G.A.", deveria ter em seu poder, para o exercício de 2002, formulários nº 4-RFI, e para os exercícios de 2003 e 2004, formulários n° 10-RFI, devidamente certificados pelas. autoridades fiscais dos países onde os credores dos royalties têm residência. Dado que nenhum dos credores de royalties activou em tempo útil a correspondente convenção através dos formulários referidos, efectuámos o apuramento do imposto devido e não retido conforme página 1/162, coluna (3) do anexo 5. Assim, sobre os royalties apurados pelos diversos credores, identificados na página 41162 do anexo 5, nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 apurámos os seguintes valores de IRC não retido na fonte (ver página 1/162, coluna (3) do anexo 5): (…)”. (cfr. RIT); C. No contrato celebrado entre a Impugnante e a “T… Limited”, em 13 de Março de 2002, foram acordadas, na parte relevante, as seguintes cláusulas: 1. (A) os PROMOTORES promoverão a Prova e a T… providenciará não menos de treze motociclos completos com 13 pilotos de um nível aceitável em cada uma dessas classes, respectivamente de 500cc, 250cc e/ou 125cc, para participarem na Prova na data estipulada no Calendário oficial do FIM World Road Racing Championship (...), nos anos de 2002, 2003 e 2004 (...) (B) Além disso, a T… compromete-se (…), a introduzir ou a ter introduzido um anúncio publicitário de 30 segundos (...), incluindo imagens promocionais do Circuito e da região à qual este pertence, fornecidos pelos PROMOTORES, em conformidade com as indicações da T.... 2. Tendo em conta o que precedente, os PROMOTORES garantem o seguinte: (A) que detêm o direito exclusivo, sujeito apenas a quaisquer condições que já tenham sido anteriormente comunicadas por escrito à T…, de promover e organizar a Prova em cada ano durante o Prazo; (B) que serão os detentores exclusivos de todos os direitos, autorizações, licenças e consentimentos relacionados com o Circuito onde a Prova deverá decorrer; (…). 4. OS PROMOTORES respeitarão, honrarão e cumprirão escrupulosamente todas as normas de segurança do circuito (…). 6. Os PROMOTORES programarão e fixarão todas as horas dos treinos, aquecimentos, qualificações e Corrida no estrito cumprimento dos regulamentos de Série. (...). 15. OS PROMOTORES reconhecem e aceitam que o direito de exclusivo de determinar: (i) o design e a traçado da área das boxes, do paddock, da garagem do Circuito, assim como o Centro de Imprensa/Media (…) (ii) o fornecimento e distribuição de todos e quaisquer livres trânsitos (…) Deve ser outorgado a, e permanecer com a T… (…). 19. Os promotores não devem tentar restringir de forma alguma a publicidade normalmente exibida pelos Concorrentes ou os motociclos, condutores, membros da Equipa ou veículos de apoio da Equipa (...). 29. (A) Considerando que a T… cumpre as respectivas obrigações, tal como acordado no presente documento, OS PROMOTORES comprometem-se, pelo presente, a pagar à T… o seguinte montante em dólares dos EUA (isento de impostos): (i) Durante o ano de 2002, a soma de um milhão e seiscentos mil dólares dos EUA (1.600.000 US$) (“A Taxa de Prova”) (isenta de impostos) e, no ano(s) seguinte(s), de 2003 e 2004, a soma acima indicadas indexadas anualmente à taxa de cinco por cento (5%). (…). (C) Nada neste contrato transmitirá aos PROMOTORES qualquer direito de produzir, negociar e/ou vender (ou autorizar a produção, a negociação ou a venda na, durante ou em relação à Prova) ou de proceder a, ou de autorizar promoções, promover o fornecimento de serviços ou produtos gratuitamente, etc... (quer seja no interior ou na área circundante do Circuito ou de qualquer outra forma) de quaisquer bens ou produtos que incorporem, exibam ou representem (ou pretendam fazê-lo) o nome, o logótipo ou a imagem de qualquer Concorrente, motociclo(s) da Equipa, condutor(es) ou participante(s) no FIM World Road Racing Championship (Campeonato do Mundo de Road Racing da FIM) ou na Prova, no Grande Prémio relevante e no Campeonato do Mundo de Road Racing (...). (E) Como consideração adicional, pelo presentes OS PROMOTORES recusam irrevogável e incondicionalmente e para sempre renunciam a, e em benefício da T…, (…) a todos e quaisquer títulos de direito (…) que os PROMOTORES possam deter ou ao qual possam, por qualquer outro modo, ter direito, directa ou indirectamente, no presente ou em qualquer momento no futuro (…) relativo á criação e/ou gravação (…) de todas as formas de som (…) e todas as formas de suportes electrónicos, filmes, televisão, vídeo, fotografias (…), da e/ou pertencentes à Prova (…). (cfr. contrato, conforme tradução a fls. 606 a 648 dos autos, que se dá por reproduzido). D. Na mesma data, entre a D…, SL e a Impugnante foi celebrado um contrato de cedência exclusiva em Portugal dos direitos audiovisuais relativos à transmissão em directo do MotoGP, a vigorar nos anos de 2002 a 2004, mediante o qual a Impugnante se comprometia a pagar os valores de USD $250.000, $265.000 e $280.000, respectivamente, de acordo com o qual: “(…) 2. CONCESSÃO DE DIREITOS 2.1. A D... concede ao PROMOTOR direitos exclusivos de radiodifusão terrestre para a transmissão do Programa GP (…). 2.2. A D... concede igualmente ao PROMOTOR o direito não-exclusivo de terreste juntamente com a obrigatoriedade de radiofusão na Emissora da Análise da Temporada GP e as Reportagens GP (…)”. (cfr. contrato, constante do anexo 5 do RIT, a fls. 301 a 313, com tradução a fls. 1000 a 1013, dos autos, que se dá por reproduzido); E. A T… e a D…, SL, são sociedades não residentes, a primeira com domicílio fiscal em Inglaterra e a segunda em Espanha, sem estabelecimento estável em Portugal (cfr. declarações, a fls. 652 e 671 dos autos, que se dão por reproduzidas); F. Na sequência da acção de inspecção referida na alínea A. supra, em 28.09.2006, foram emitidas, em nome da Impugnante, as demonstrações de liquidações na fonte de IRC, n.º 2006 6420002695, referente ao ano de 2002, com o valor a pagar de € 291.138,66, n.º 2006 6420002718, referente ao ano de 2003, com o valor a pagar de € 294.106,08, e n.º 2006 6420002696, referente ao ano de 2004, com o valor a pagar de € 280.252,02 (cfr. notas de liquidação, a fls. 505 a 507 dos autos, que se dão por reproduzidas).» * A título de factualidade não provada exarou-se na decisão recorrida que: «Não existem factos que importe registar como não provados.» Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que: «A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise das informações e dos documentos, constantes dos autos e do PAT apenso, não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.» * III – 2. De Direito
Está em causa a qualificação dos pagamentos efectuadas pela Impugnante, ora recorrida, no âmbito de dois contratos que celebrou no ano de 2002, válidos para os anos de 2002, 2003 e 2004, enquanto promotora da realização do evento designado «Grande prémio de Portugal de Motociclismo» integrado no «Grande Prémio do FIM World Road Racing Championship». O segundo contrato foi celebrado com a sociedade D... SL, sem estabelecimento estável em Portugal, tem por objecto a transmissão televisiva de cada uma das provas de motociclismo. A AT no âmbito da acção de inspecção que levou a cabo à contabilidade da recorrida, com referência aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, qualificou os referidos contratos como contratos de transferência de know how e as contraprestações pagas pela recorrida nos aludidos contratos, como royalties sujeitos a retenção na fonte, entendimento que o Tribunal em primeira instância não sufragou. A recorrente alega que a sentença recorrida padece de erro de julgamento dado que da prova produzida, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão ao decidir que a Autoridade Tributária não demonstrou que estamos perante royalties, pois considerar que tal não corresponde à realidade. Não vem impugnada a matéria de facto, apenas se questionando as conclusões que o Tribunal a quo dela retirou. Vejamos. Estando em causa uma liquidação efectuada na sequência de acção de inspecção, é no relatório final que deve constar a fundamentação da liquidação. A fundamentação que consta do referido relatório consta do ponto B da matéria de facto relativa à qual invocou a recorrida que ocorria falta de fundamentação. A sentença recorrida julgou procedente a pretensão da recorrida aderindo à fundamentação do Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no recurso 4.665/11, de 08/05/2012, que se debruçou sobre um contrato similar, referente ao ano de 2000, em que estavam em causa as mesmas partes concluindo a final: «que, também no caso do contrato sub judice, celebrado em 13.03.2002, a AT não logrou demonstrar que a contrapartida acordada possa ser qualificada de royalties e, nessa medida, esteja sujeita a retenção na fonte, à taxa de 15%, pelo que, nesta parte, procedem as alegações da Impugnante. O mesmo de dirá relativamente ao contrato celebrado entre a Impugnante e a D... , SL, constante da alínea D. dos factos provados. Na verdade, incumbindo o ónus da prova das correcções sindicadas à AT, nos termos que decorrem do art. 74.º, n.º 1 da LGT, a mesma teria de demonstrar os pressupostos legais das suas conclusões, aduzindo factos que permitissem concluir que a cedência exclusiva dos direitos de transmissão audiovisual do MotoGP é remunerada através de royalties, estando os mesmos sujeitos a retenção na fonte. Ora, no relatório de inspecção que sustenta as correcções impugnadas, a AT limita-se a emitir um juízo puramente conclusivo, referindo que: «(…) Pela análise do clausulado dos referidos contratos constatámos que a empresa "S.G.A.", durante os exercícios de 2002, 2003 e 2004, adquiriu àquelas entidades, sem residência ou estabelecimento estável em território Nacional, a utilização temporária de direitos, que, face ao CIRS e ao CIRC, configuram royalties. (…)”. Em nenhum momento (i.e. nem no referido relatório inspectivo, nem agora em sede de impugnação judicial), a AT veio demonstrar que os rendimentos em causa são provenientes da aquisição de direitos de propriedade intelectual, por estar em causa um direito que é protegido enquanto direito de autor, e que a remuneração atribuída por este uso ou concessão de uso de direitos (neste caso, de transmissão televisiva) é devida a título de royalties. Desta forma, não tendo a AT logrado demonstrar os pressupostos, de facto e de direito, das correcções sindicadas, as mesmas terão de ser anuladas. (…)» A fundamentação do aludido Acórdão ao qual o Tribunal a quo aderiu é a seguinte: «(…) Face (…) ao concreto objecto do contrato outorgado (…), delas se não vê que a impugnante tenha adquirido, temporária ou definitivamente, informações, conhecimentos ou experiências próprias não divulgadas, que depois tenha aplicado no exercício da sua actividade, nem que a C... tenha intervindo nessa aplicação da tecnologia ou ensinamentos cedidos, com tal aplicação a fazer-se por conta própria e autónoma, bem como a contrapartida paga o foi por uma quantia global que se não mostra que tenha tido em conta um qualquer relação com a facturação, a produção ou o lucro, pelo que se não pode qualificar a mesma como de royalties, como fez a AT para proceder à tributação em causa, por falta de retenção sobre tal montante pago a entidade não residente em território português, não se vendo que tecnologia ou informações relevantes tenham sido cedidas ou concessionadas à ora impugnante, temporária ou permanentemente, para esta utilizar, de forma autónoma, pelo que tal pagamento não pode ser subsumível ao conceito de transmissão de know-how ou de outros rendimentos de capitais, com incidência objectiva, então nas normas dos art.ºs 4.º n.º3, alínea c) e seus n.ºs 1 a 3, e 75.º n.º1, alínea a) n.º3 do mesmo CIRC (redacção e renumeração de então, em 2000, que não as invocadas pela AT, designadamente do seu art.º 88.º, n.º1, que só a assumiram pela republicação do Código pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho), em que tal retenção tinha carácter definitivo para entidades sem estabelecimento estável em território português, como acontecia com a referida C.... Aliás, de acordo com o clausulado do mesmo contrato, as principais prestações da ora impugnante para a realização desse evento, cingiram-se à cedência do referido circuito no Estoril para a realização da prova, para o efeito devidamente homologado – cfr. cláusula 2), B) – bem como as de assegurar as condições técnicas e legais para que o mesmo tivesse lugar(15) – cfr. cláusulas 2. e 3, e suas alíneas – sendo que a realização do evento propriamente dito, resultava da conjugação da actuação de todas as entidades envolvidas, cada uma delas nas suas diversas áreas de actuação, designadamente da também referida C..., a qual lhe cabia a parte de contratação de pilotos e da divulgação internacional da prova – cláusula 1., alíneas A e B – e a de supervisionar que o evento se realizava de acordo com as regras e regulamentos emanadas do FIM que com esta contratara – cfr. cláusulas 4., 7., 11., 15., 17. e 18. e seu considerando A., desta forma não tendo sido a impugnante quem, de forma autónoma e individualizada, organizou e levou a cabo a realização desse evento. Aliás, é sintomático que neste mesmo considerando A., desde logo seja restringido o âmbito do objecto destes contratos a celebrar com estas entidades promotoras, como o celebrado com a ora impugnante, os quais regularão, exclusivamente, a gestão comercial e financeira das Provas. Assim, não tendo a AT logrado provar que tal verba corresponde ou tem por contrapartida um contrato de know how, que possa ser qualificada de royalties ou semelhante, para que o pagamento de tal montante se encontrasse sujeito à retenção na fonte, como legalmente lhe cabia nos termos do disposto no art.º 74.º, n.º1 da LGT, por constitutivo de tal liquidação (…), o acto de liquidação padece dos vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito (…)». Importa desde já sublinhar que perfilhamos o mesmo entendimento seguido no referido Acórdão, acolhido na sentença recorrida e que aqui é de reiterar nos presentes autos. Do teor das alegações de recurso percebe-se que a recorrente pretende impugnar a decisão recorrida partindo de fundamentos que mais não são do que argumentos que traduzem o entendimento actual da Fazenda Pública sobre a questão e não a invocação de erro de julgamento por confronto com a fundamentação do relatório. Não constando tais argumentos do relatório de inspecção e uma vez que não é admissível a fundamentação a posteriori não podem ser admitidos. O que se retira da apreciação do recurso é que efectivamente as liquidações impugnadas não estão fundamentadas, na medida em que do relatório de inspecção apenas se extrai que, com base na análise das cláusulas contratuais a AT concluiu que a recorrida adquiriu às entidades contratantes nos exercícios em causa, a utilização temporária de direitos que, face ao CIRS e CIRC configuram royalties. Trata-se de um juízo conclusivo. Nada explicitando em concreto em que cláusulas baseia tal conclusão, nem se referindo à utilização de equipamentos a que alude a recorrente. É em sede de recurso, na conclusão B, que a recorrente alega o seguinte: «o contrato celebrado com a empresa T… SL, compreendia a cedência de direitos de uso de equipamento pertencente à ora recorrida, com vista à promoção anual de uma prova de motociclismo, com a obtenção de todas as licenças necessárias para o efeito assegurada.» Não só, não é o que resulta do relatório de inspecção, como pela análise ao clausulado do contrato celebrado com a T..., a conclusão a que se chega é a de que à recorrida, enquanto promotor da prova cabia essencialmente a cedência do circuito no Estoril para a realização da prova, para o efeito devidamente homologado, bem como assegurar as condições técnicas e legais para que o evento tivesse lugar. Designadamente, cabia-lhe a obtenção das licenças ou autorizações administrativas e consentimentos relacionados com o circuito onde se realizaria a prova, o cumprimento das normas de segurança do circuito, o funcionamento e estrito cumprimento dos horários estabelecidos no decurso do evento. Sendo ainda acordado que a recorrida forneceria a assistência razoável e necessária no desalfandegamento sem demoras dos motociclos, peças sobresselente e equipamento acessório, bem como assegurar a existência das licenças pelos titulares de direitos sobre as marcas dos bens de consumo alimentar disponíveis no recinto. Por seu turno, cabia à T… providenciar pela contratação de pilotos e a divulgação internacional da prova bem como a supervisão do evento de modo a garantir que o mesmo se realizava de acordo com as regras e regulamentos emanados da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) com a qual se obrigara contratualmente. Importa ainda referir que a alegação da recorrente é até desprovida de sentido, na medida em que, como alega a recorrida no n.º 11 das contra-alegações, se a recorrida forneceu equipamentos à T... como alega a recorrente, então recairia sobre esta a obrigação de pagamento de uma quantia à recorrida pelo fornecimento e/ou sua utilização e não o contrário. O que se afirma no relatório de inspecção e o que esteve em causa foi a qualificação dos pagamentos efectuados pela recorrente à T... e não o inverso. No que se refere aos pagamentos decorrentes do segundo contrato em causa, celebrado com a sociedade D… SL que teve por objecto a cedência de transmissão televisiva de cada uma das provas de motociclismo, a sua qualificação como royalties implicava que a AT tivesse apurado mais do que estando meramente em causa «a utilização temporária de direitos». Com efeito, a utilização de direitos de transmissão televisiva pode ter subjacente uma operação criativa que envolva a sua protecção enquanto direitos de autor, ou direitos conexos, ou a sua mera transmissão com carácter comercial. Para que estejamos perante direitos de autor ou direitos conexos susceptíveis de gerar rendimentos qualificáveis como royalties, seria necessário que o conteúdo transmitido estivesse protegido por um direito de propriedade intelectual pois, de outro modo, trata-se de uma actividade meramente comercial. Conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março: «1 - Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores. 2 - As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código. 3 - Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.» (sublinhado nosso). Nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º do CDADC «as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo» integram as «obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas;» Nos termos o n.º 1 do artigo 176.º do CDADC, estatui que se consideram direitos conexos ao direito de autor «as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão». Por seu turno, resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do mesmo código, que são excluídas do objecto de proteção das obras, «as notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados». Do que se deixou dito, parece claro que a criação intelectual que é protegida como obra, não deriva da mera captação de imagens e sons respeitantes ao evento desportivo em causa. Alega a recorrente, a cedência temporária de direitos de transmissão televisiva de eventos desportivos com fixação de som e imagem, resultam da transmissão de direitos conexos e, como tal, consideram-se rendimentos provenientes da propriedade intelectual. Sustenta tal asserção no facto de os serviços de fixação e captação de imagem envolvem um conjunto de conhecimentos técnicos e especializados, consubstanciando serviços técnicos ou de assistência técnica, no entanto, tal não constituiu a fundamentação da liquidação. Na verdade, no relatório de inspecção, nada se diz sobre o carácter criativo da transmissão que possa sustentar a tese que a AT agora advoga, nem se alude a assistência técnica, sendo certo que nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT era à AT que cabia provar os pressupostos da correcção que empreendeu e que sustentaram a liquidação impugnada, o que não fez. A fundamentação do acto que se encontra consagrada no artigo 77.º da LGT implica a explicitação sucinta das razões de facto e de direito que o motivaram, o que, como se concluiu na sentença recorrida, não ocorreu. Por fim, uma última nota sobre o Acórdão do TJUE invocado pela recorrente. A questão que se discutiu no caso K. Murphy (processos C-403/08 e 429/08) no acórdão do TJUE de 4 de Outubro de 2011 respeitava à comercialização e utilização, no Reino Unido, de dispositivos de descodificação que dão acesso aos serviços de radiodifusão por satélite de um organismo de radiodifusão, dispositivos esses fabricados e comercializados com a autorização desse organismo, mas utilizados, contra a sua vontade, fora da zona geográfica para a qual foram fornecidos («dispositivos de descodificação estrangeiros») permitindo a visualização dos eventos em locais públicos. Não sendo exactamente a mesma questão, serve para reforçar o que se deixou dito, no sentido em que a transmissão dos eventos desportivos pode ter lugar como mero relato informativo sem nada acrescentar ou como um acto criativo que inova, enquanto ideia, processo, método etc, de forma a poder qualificar-se como uma obra tutelada pelos direitos de autor conforme resulta do seguinte excerto: «(…) para terem essa qualificação, era necessário que o objecto em causa fosse original, no sentido de constituir uma criação intelectual própria do seu autor (v., neste sentido, acórdão de 16 de Julho de 2009, Infopaq International, C‑5/08, Colect., p. I‑6569, n.° 37). 98 Ora, os eventos desportivos não podem ser considerados como criações intelectuais qualificáveis como obras na acepção da directiva direitos de autor. O mesmo vale, em especial, para os jogos de futebol, enquadrados por regras que não deixam margem para uma liberdade criativa, na acepção do direito de autor. 99 Nestas condições, estes jogos não podem ser protegidos a título de direito de autor. É aliás sabido que o direito da União não os protege a nenhum título no domínio do direito da propriedade intelectual. 100 Assim sendo, os eventos desportivos, enquanto tais, têm um carácter único e, nesta medida, original, que pode transformá‑los em objectos dignos de protecção comparável à protecção de obras, podendo essa protecção ser eventualmente concedida pelas diferentes ordens jurídicas internas. 101 A este respeito, há que salientar que, segundo o artigo 165.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE, a União contribui para a promoção dos aspectos europeus do desporto, tendo simultaneamente em conta as suas especificidades, as suas estruturas baseadas no voluntariado e a sua função social educativa. 102 Nestas condições, é permitido a um Estado‑Membro proteger os eventos desportivos, eventualmente a título de protecção da propriedade intelectual, pondo em vigor uma legislação nacional específica, ou reconhecendo, no respeito do direito da União, a protecção desses eventos por instrumentos contratuais celebrados entre as pessoas que tenham o direito de colocar o conteúdo audiovisual dos referidos eventos à disposição do público e as pessoas que pretendam difundir esse conteúdo aos públicos da sua escolha.» Como antes se deixou dito, era na fundamentação do relatório que se impunha que constassem as razões pelas quais a qualificação dos rendimentos pagos se traduziam em royalties, de que modo foi incorporado know how, como a transmissão televisiva se consubstanciava numa obra protegida e de que cláusulas retirava tal conclusão o que, como se viu não aconteceu. Assim sendo, impõe-se julgar improcedentes todas as conclusões das alegações de recurso, e em consequência, negar provimento ao mesmo. * IV – CONCLUSÕES I – A fundamentação deve ser, em princípio contemporânea do acto, não sendo admissível em sede de recurso completá-la;
V – DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 26 de Setembro de 2024. Ana Cristina Carvalho - Relatora Teresa Costa Alemão – 1.ª Adjunta Rui Ferreira – 2.º Adjunto |