Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:138/08.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SISA
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA
AJUSTE DE REVENDA
ÓNUS PROVA
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário:I - Nas situações de promessas de compra e venda estatuídas no § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD, entende-se verificada a tradição e, consequentemente a sujeição a imposto, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro.
II - Verificados esses pressupostos de facto, cuja demonstração dos factos índice compete à AT enquanto factos constitutivos do direito à liquidação, a lei faz acionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador.
III - Estando expressamente estipulado no contrato de promessa de compra e venda que o promitente vendedor se obriga a vender o prédio ao promitente comprador ou a quem este indicar, e vindo a escritura definitiva a ser outorgada entre o primitivo vendedor e um terceiro, é razoável presumir-se que houve um ajuste da revenda do prédio entre o promitente comprador e o terceiro que, afinal, veio a outorgar na escritura como comprador.
IV - Para efeitos de densificação e materialização da ilisão da presunção há que ponderar, e valorar, casuisticamente, quais as razões que levaram à cessão da posição contratual, o intuito negocial, e o efetivo aumento do poder aquisitivo, computando-se, designadamente, a prova de finalidade especulativa.
V - Se existem razões, perfeitamente, identificadas para a outorga do contrato de promessa de compra e venda ter sido realizado com a Impugnante e o contrato definitivo firmado com um terceiro, daí resultando, de forma inequívoca, ser este a única parte interessada com o negócio translativo, e que obtém, efetivamente, um aumento do poder aquisitivo, não se verifica qualquer ajuste de revenda.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “P.. Investimento Imobiliário, S.A.” (doravante Impugnante, ou Recorrida), que teve por objeto a Liquidação do Imposto Municipal de Sisa (SISA) referente ao ano de 2003, no valor de €210.742,11, e de juros compensatórios no valor de €30.369,66, tudo perfazendo a quantia global de € 241.111,77.


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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I. A Impugnante celebrou a 22 de outubro de 2003 um contrato promessa para aquisição de terreno para construção sito na freguesia de Castelo em Sesimbra, com J….

II. No dia da celebração da escritura definitiva a Impugnante deu conhecimento ao vendedor que a escritura definitiva será realizada por uma outra sociedade, a L….

III. Na sequência de procedimento inspetivo realizada à sociedade Impugnante, foi liquidado imposto de Sisa referente a tal operação, nos termos do §2 do artigo do 2 do Código do Imposto Municipal de Sisa e Sucessões e Doações (CIMSISD).

IV. Na sentença recorrida o tribunal ad quo decidiu que “da factualidade apurada não resulta que a Impugnante tenha agido com interesse direto no negócio e consubstanciando num presumível ajuste de revenda do prédio que não ficou comprovado.”

V. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pois os factos dados como provados não satisfazem o ónus que sobre a Impugnante recaia.

VI. Do regime jurídico aplicável, previa-se no §2 do artigo 2 previa-se que “nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.”

VII. No âmbito da vigência do CIMSISSD, constatando-se que o promitente-comprador originário cedera a sua posição contratual a terceiro, e que este intervinha, como comprador, no contrato definitivo de compra e venda com o promitente-vendedor, podia e devia considerar-se ter havido ajuste de revenda entre ambos para efeitos de tributação nos termos do § 2º do art.º 2º do aludido Código.

VIII. Embora o imposto de sisa tenha por finalidade tributar a transmissão onerosa de bens imóveis, casos há em que o legislador optou por tributar com este imposto operações jurídicas tal como se se tratassem de transmissões onerosas, quando as mesmas estão relacionadas com atividades que são suscetíveis de gerar rendimentos.

IX. É o caso da sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que suceda uma operação jurídica que se configure como um ajuste revenda com um terceiro com o qual o promitente-vendedor venha a celebrar a escritura de venda do imóvel.

X. Nestes casos a lei presume ter existido tradição (ainda que puramente jurídica) do imóvel para o cedente, com a consequente transmissão económica ou fiscal do imóvel.

XI. Deste modo, quando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, e é este quem tem efetiva intervenção, como comprador, na escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda.

XII. Sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o ato de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa.

XIII. Ora, no caso sub judice, entendemos que essa prova não foi feita pela Impugnante, Vejamos:

XIV. A P… é uma sociedade anónima que tem como objeto a compra e venda de bens imobiliários e celebra um contrato promessa de compra e venda com J…, para a compra de um terreno, no qual estipula uma cláusula onde refere explicitamente interesse na compra do mesmo pelo facto de ser dada a garantia de que o índice de construção do terreno é superior a 0,8, demonstrando assim, interesse da P… em efetuar o negócio.

XV. No dia seguinte à realização da escritura a P… na qualidade de promitente compradora informa o J… na qualidade de promitente vendedor que a realização do contato definitivo se fará com a sociedade L….

XVI. No dia da escritura, a L… emite um cheque no valor de €1.776.081,14 à ordem da P…, ora se conforme se refere na douta sentença a P… apenas atuou como financiadora da L…, é no mínimo estranho, que quando a L… em sede de procedimento inspetivo questionada sobre esta questão, tenha afirmado que desconhece o motivo da existência de tal cheque, referindo que foi a pedido do vendedor e que seriam contas a saldar entre o vendedor e a P....

XVII. Refere ainda a douta sentença que a obtenção de um crédito bancário no valor de três milhões duzentos e cinquenta mil euros demora cerca de dois meses para obtenção de autorização, minutas e marcação de escritura facto que dá como provado pelo depoimento de J… e S….

XVIII. Acrescentando mais adiante que este facto é a prova de que o interessado inicial no terreno em causa era a L.... Salvo devido respeito, a prova testemunhal não se adequa a prova de tal facto, impunha-se prova documental, um documento bancário que indicasse quando entrou esse pedido, em que data foi deferido.

XIX. O motivo da realização do contrato promessa era uma forma de garantir que a Impugnante podia reaver o dinheiro que estava a despender estranha-se, mais uma vez, que a Impugnante só tivesse acautelado o valor que estava a despender no próprio dia da realização da compra e venda 22 de outubro de 2003, quando a primeira quantia despendida pela Impugnante foi em agosto de 2003.

XX. Constata-se, pois, que a Impugnante, apesar de ter cedido a sua posição contratual no contrato-promessa, também nenhuma justificação credível forneceu para esse ato, permitindo, assim, que se inferisse o mencionado ajuste de revenda do imóvel.

XXI. Deste modo, entende-se ser legítima a conclusão retirada pela AT quanto à existência de um ajuste de revenda, quanto à existência de um ajuste de revenda não se podendo considerar ilidida presunção legal de tradição jurídica do bem.

XXII. Entende-se com efeito, salvo devido respeito por opinião diversa que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pois os factos dados como provados não satisfazem o ónus que sobre a Impugnante recaia.

XXIII. Assim, não havendo qualquer erro censurável na liquidação da sisa colocada em crise, ao não decidir pela manutenção do acto de liquidação nos moldes em que o mesmo ocorreu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo do § 2º do art.º 2º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD),

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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Notificadas as partes ao abrigo do artigo 665.º n.º 2 e n.º 3 do CPC, apenas a Recorrida se pronunciou no sentido da manutenção da decisão recorrida.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:

“1. Em 5/8/2003, a Sociedade P... Investimento Imobiliário, SA, emitiu o cheque n.º 2723219890 do Banco …, à ordem de J…, no valor de EUR 150.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento relativo à venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º 0…, da freguesia do Castelo, com a área de 10.720m2, pelo valor de EUR 3.242.186,33 (cf. cópia do cheque e do recibo de quitação a fls. 184 e 185 dos autos).

2. Em 24/9/2003, a Sociedade P... Investimento Imobiliário, SA, emitiu o cheque n.º 5323268247 do Banco …, à ordem de J…, no valor de EUR 150.000,00, a título de reforço de sinal relativo à venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º 0…, da freguesia do Castelo, com a área de 10.720m2, pelo valor de EUR 3.242.186,33 (cf. cópia do cheque e do recibo de quitação a fls. 186 e 187 dos autos).

3. Em 15/10/2003, a Sociedade P... Investimento Imobiliário, SA, emitiu o cheque n.º 8323266627 do Banco …, à ordem de J…, no valor de EUR 150.000,00, a título de reforço de sinal relativo à venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º 0…, da freguesia do Castelo, com a área de 10.720m2, pelo valor de EUR 3.242.186,33 (cf. cópia do cheque e do recibo de quitação a fls. 188 e 189 dos autos).

4. Em 22/10/2003, foi celebrado o “Contrato-Promessa” constante de fls. 190 a 195 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, entre J… e P... – Investimento Imobiliário, SA, do qual consta em síntese o seguinte:

“ (…)

A) O PRlMEIRO OUTORGANTE vai adquirir por permuta, ao Município de Sesimbra, por escritura pública a outorgar hoje perante o respectivo Notário Privativo, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 0… da freguesia do Castelo, com a área de 10.720 m2 (dez mil setecentos e vinte metros quadrados);

B) Para o efeito irá adquirir, hoje, antes da escritura pública-prevista na anterior alínea A), um prédio, que, pela permuta, transmitirá ao Município;

C) Para que o PRIMEIRO OUTORGANTE possa adquirir o prédio referido em B) e consequentemente, o prédio indicado na anterior alínea A) - necessita ele de dispor dos meios financeiros para o efeito;

D) Para tornar possível os negócios previstos nas anteriores alíneas, a P... entregou: já ao PRlMEIRO OUTORGANTE a importância de € 450.000 (Quatrocentos e cinquenta mil eros);

E) Para o mesmo efeito, a P... entrega hoje, no momento da celebração deste contrato promessa, a quantia de €1.326.081,14 (um milhão trezentos e vinte e seis mil e oitenta e um euros e catorze cêntimos);

F) A P... pretende adquirir o PRÉDIO identificado na anterior alínea A), perante a garantia, dada pelo PRIMEIRO OUTORGANTE, de que o índice de construção do terreno, de acordo com os instrumentos aplicáveis, é igual ou superior a 0,8 (zero virgula oito);

FOI ACORDADO, E PELO PRESENTE É REDUZIDO A ESCRITO, O CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA QUE SE REGE PELAS CLAUSULAS SEGUINTES:


PRIMEIRA

O PRIMEIRO OUTORGANTE obriga-se a vender, livre de ónus ou encargos, à P..., que àquele promete comprar, nos termos deste contrato - para si ou, para quem esta indicar até à celebração da compra e venda prometida -, o direito de propriedade sobre o PRÉDIO identificado na alínea A) das Considerações Preliminares.

SEGUNDA

O preço da compra e venda prometida é € 3.242.186,33 (três milhões, duzentos e quarenta e dois mil, cento e oitenta e seis euros e trinta e três cêntimos).

TERCEIRA

O preço referido na Cláusula SEGUNDA será pago nos seguintes termos:

(i) Pela entrega já realizada, das importâncias referidas nas anteriores alíneas D) e E) a que as partes atribuem a natureza de sinal e de princípio de pagamento;

(ii) A restante parte do preço no momento da escritura pública da compra e venda aqui prometida.


QUARTA

A escritura pública de compra venda será outorgada hoje, no 9° Cartório Notarial de Lisboa, pelas 14 horas.

(…)”

5. Em 22/10/2003, a Sociedade P... Investimento Imobiliário, SA, emitiu o cheque n.º 2530380367 do Banco …, à ordem de J…, no valor de EUR 1.326.081,14 (cf. cheque constante de fls. 194 dos autos).

6. Em 23/10/2003, a Sociedade P... Investimento Imobiliário, SA, enviou a J… a informação constante de fls. 195 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual informa que a sociedade que irá outorgar a escritura de compra e venda prometida no contrato promessa identificado no ponto 4 que antecede, é a L... Lda.

7. Em 23/10/2003, a L... – S... Comércio Imobiliário emitiu o cheque n.º 6552713143, da Caixa …, à ordem de P... SA no valor de EUR 1.776.081,14 (cf. cheque a fls. 196 dos autos).

8. Em 23/10/2003, no 2.º Cartório Notarial de Lisboa, foi celebrado, por Escritura Pública o “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” entre J…, na qualidade de vendedor e Engenheiro J… na qualidade de Sócio da L... – S... COMÉRCIO DE IMOBILIÁRIOS, Lda. na qualidade de compradora e mutuária, e a CAIXA C… - C…, C.R.L. na qualidade de entidade mutuante, através da qual foi vendido pelo preço de três milhões duzentos e cinquenta mil euros, que afirmou já ter recebido, o lote de terreno para construção, com a área de dez mil setecentos e vinte metros quadrados, sito em P… ou Zambujal, freguesia de Castelo, Concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o n.º 0…- Castelo, inscrito na matriz sob o artigo 1…, com o valor patrimonial de EUR 30,745,90, adquirido no mesmo dia pelo outorgante vendedor por escritura lavrada junto do Notário Privativo da Camara Municipal de Sesimbra.

A entidade mutuante concedeu a favor da sociedade compradora um empréstimo de três milhões duzentos e cinquenta mil euros, pelo prazo de dois anos, por sua vez a sociedade mutuária constituiu a favor da mutuante hipoteca sobre o imóvel adquirido.

9. Em 13/9/2006, a Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, iniciou uma acção inspectiva à ora impugnante, de acordo com a Ordem de Serviço n.º OI200605323 (cf. relatório de inspecção a fls. 89 dos autos).

10. Em 29/5/2007, em resultado da acção inspectiva identificada no ponto que antecede, foi emitido o relatório de inspecção constante de fls. 87 a 104 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta em síntese, o seguinte:

“ (…)

g) No dia da realização da escritura de compra e venda (23/10/2003, ou seja no dia seguinte à assinatura do contrato de promessa), a P..., promitente comprador, indicou ao promitente vendedor - J..., que a sociedade que concretizaria a compra do referido prédio era a L…, motivo pelo qual foi emitido por esta o cheque no valor de € 1.776.081,14, a favor da P..., conforme referido na alínea a).

h) Perante os factos expostos, conclui-se pela existência de uma operação sujeita a SISA por transmissão ficcionada dos bens, uma vez que é permitido ao promitente comprador (P...) dos bens imóveis vir a indicar a pessoa que outorgará na escritura de compra e venda, ajusta com um terceiro (L…) que passa a ocupar o lugar que a P... tinha nesse contrato, e a escritura de compra e venda vem a ter lugar exactamente entre esse terceiro e o promitente vendedor (J...), § 2° do Artigo 2°, do Código do Imposto Municipal de Sisa e Sucessões e Doações (CIMSISD).

i) A operação com o enquadramento descrito, no valor de € 3.242.186,33, é sujeita a imposto nos termos do n° 2 artigo 19° CIMSISD e alínea a), n° 1 do artigo 33° do mesmo normativo.

(…)

VIII- Direito de Audição (Artigo 60° da LGT e RCPIT)

O Sujeito Passivo foi notificado pelo ofício n.º 034979, de 30/04/2007 (data de registo dos CTT de 03/05/2007), para no prazo de 10 dias exercer o seu Direito de Audição.

A 17/05/2007 foi recebido, via fax nos Serviços da Direcção de Finanças de Lisboa, o exercício do Direito de Audição da P... manifestando sua discordância relativamente às correcções propostas, por entender que os factos objecto das referidas correcções não se encontram sujeitas a SISA.

A - Em matéria de factos, vem a P... alegar o seguinte:

“No caso concreto em análise o que se verifica é que a P... teve um papel de mera financiadora da compra do prédio pela sociedade L..., a qual não tinha imediata disponibilidade financeira que lhe permitisse concretizar o negócio."

“… a compradora, L..., pediu à P... que lhe emprestasse esses montantes, até que lhe fosse aprovado o financiamento, como única forma de possibilitar que o negócio entre ela, L..., e o vendedor, Senhor J... se concretizasse.

Atendendo às boas relações existentes entre órgãos executivos das duas sociedades, P... e L..., a P... acedeu em fazer adiantamentos necessários à viabilização do negócio, desde que ficasse, em qualquer caso, salvaguardada, evidentemente, quanto à restituição desses mesmos montantes."

“ A P... encontrou esse mecanismo de salvaguarda figurando ela como promitente-compradora no contrato-promessa do prédio em causa, com a expressa possibilidade de indicar outrem para a realização da escritura de compra e venda... "

" Ou seja, a intervenção da P... neste negócio, desde o início, sempre foi feita por conta e no interesse da L..., vestindo a P... unicamente a veste de financiadora da compradora, L...."

" Refira-se aliás que esta função de financiadora, por parte da P..., está bem explicita no contrato-promessa, nos considerandos D) e E), onde se refere expressamente que os adiantamentos feitos pela P... ao vendedor se destinavam a permitir a compra por este do prédio em causa. "

Face ao exposto, cabe-nos tecer as seguintes considerações:

1. A P... é uma sociedade anónima, que tem como actividade a compra e venda de bens imobiliários, a que corresponde o CAE -0701201. Assim, a actividade financeira (concessão de financiamentos) não integram, à priori, o objecto da sociedade.

2. As alegações produzidas pela P... são alicerçadas na tentativa de demonstrar que a sua intervenção no negócio foi única e exclusivamente para financiar a L... (terceiro), justificada pela falta de capacidade financeira desta para a realização da operação.

3. É certo, que não existem impeditivos de ordem legal e fiscal, que impeçam uma sociedade de efectuar empréstimos a terceiros, desde que estas operações sejam devidamente suportados por documentos legalmente emitidos e registados na contabilidade em contas de terceiros não directamente relacionados com a actividade da empresa. Porém:

a) A P... registou um conjunto de pagamentos, suportados por um conjunto recibos emitidos por J... e contrato-promessa, numa conta de Adiantamento a fornecedores - 22.9.1.0011 (J…).

b) O Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto Lei n° 410/89, de 21 de Novembro, nas notas explicativas das contas define o que deve constar nas contas de fornecedores (conta - 22) e adiantamento a fornecedores ( 22.9).

" Fornecedores (22.) - regista os movimentos com os vendedores de bens e serviços, com excepção dos destinados ao imobilizado.

Adiantamentos a fornecedores (22.9) - regista as entregas feitas pela empresa com relação a fornecimentos a efectuar por terceiros, cujo preço não esteja previamente fixado. Pela recepção das facturas, estas verbas serão transferidas para as respectivas contas na rubrica 22.1 «Fornecedores - Conta corrente» ".

c) Assim, a análise dos registos a débito da contabilidade revelam que os pagamentos de valores a J..., se destinaram a permitir futuras aquisições e não a financiar a U…, como vem alegar a P.... A reforçar esta análise, o movimento a crédito relativo ao recebimento do valor de € 1.776.081,14, pago pelo Cheque n° 713143, emitido pela U…, foi registado na referida conta com a seguinte descrição "Cedência" (…)

Em conclusão, a P... fundamenta as suas discordâncias com base, por um lado no facto de considerar que o contrato-promessa constitui um contrato de pessoa a nomear, e por outro lado no facto de considerar que a existência de um ajuste de revenda carece da existência de um " ganho". Os factos e a fundamentação que vem esgrimir são contraditórios, pelo que deverá manter-se a sujeição a SISA dos factos descritos no Capitulo III., nos termos § 2° do artigo 2° do CIMSISO, tributável de acordo com o artigo 19° CIMSISD e alínea a), n° 1 do artigo 33° do mesmo normativo.

(…)”

11. Em 30/5/2007, o Director de Finanças Adjunto, proferiu o despacho de concordância com o Relatório de Inspecção descrito no ponto que antecede, por delegação de competências do Director de Finanças, nos termos constantes de fls. 86 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

12. Em 2/10/2007, o Serviço de Finanças de Sesimbra enviou à impugnante por carta registada com AR o oficio n.º 4453, constante de fls. 74 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA” assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças com expressa menção “Por Delegação, o Adjunto” recepcionada pela Impugnante em 8/10/2007 (cf. AR assinado a fls. 75 dos autos).

13. Em 19/10/2007, solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Sesimbra, nos termos do artigo 37.º do CPPT, os elementos em falta da notificação, nos termos constantes do requerimento de fls. 109 a 110 dos autos.

14. Em 30/10/2007, o Serviço de Finanças de Sesimbra enviou à impugnante por carta registada com AR o oficio n.º 4943, constante de fls. 111 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA NOTIFICAÇÃO, EM RESPOSTA AO SOLICITADO POR V. EXAS. (EM 18/10/2007), E NOS TERMOS DO ARTIGO 37.º DO CPPT” assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças com expressa menção “Por Delegação, o Adjunto” (cf. AR assinado a fls. 112 dos autos).

15. Foi a amizade pessoal entre J… Presidente do Conselho de Administração da Impugnante e J…, gerente da L... que ditou o financiamento por aquela a esta como forma de viabilizar o negócio desta ultima com J... e por sua vez deste com a Camara de Sesimbra (cf. depoimento das testemunhas J… e S…).

16. Para J... obter o lote de terreno para construção, com a área de dez mil setecentos e vinte metros quadrados, sito em P… ou Zambujal, freguesia de Castelo, Concelho de Sesimbra, precisava de capital rapidamente para efectuar a permuta com Câmara Municipal de Sesimbra (cf. depoimento das testemunhas J… e S…).

17. A L... tinha interesse naquele terreno porque já se encontrava a fazer promoção imobiliária de outros terrenos no mesmo local (cf. depoimento da testemunha J…).

18. Pelo menos, desde 2001, que a P... não investe ou negoceia para actividade da empresa, terrenos com uma área inferir a 250 hectares, não tinha qualquer interesse por um terreno com uma área de dez mil setecentos e vinte metros quadrados (cf. depoimento da testemunha S…).

19. A L... não tinha o capital para despender de imediato, tinha que recorrer ao crédito bancário (cf. depoimento da testemunha J…).

20. A obtenção de um crédito bancário no valor de três milhões duzentos e cinquenta mil euros demora cerca de dois meses para obtenção de autorização, minutas e marcação da escritura (cf. depoimento das testemunhas J… e S…).

21. A celebração do contrato promessa foi uma forma de garantir que a P... podia reaver o dinheiro que estava a despender no caso de algo não correr bem (cf. depoimento das testemunhas J… e S…).

22. O negócio de compra do terreno pela L... foi realizado quando o empréstimo bancário foi obtido (cf. depoimento das testemunhas J… e S…).

23. J... obteve o terreno por permuta com a Câmara Municipal de Sesimbra no mesmo dia em que realizou a escritura de compra e venda com a L... (cf. depoimento das testemunhas J… e S…).

24. O único valor recebido pela P... por parte da L... foi um cheque emitido pelo Banco … no valor de EUR 1.776.081,14, correspondente ao valor que adiantou pela L... para a concretização do negócio (cf. depoimento das testemunhas J… e S…).

25. Posteriormente a L... adquiriu para a sua actividade outra parcela de terreno contígua ao terreno sito em P… ou Zambujal, freguesia de Castelo, Concelho de Sesimbra (cf. depoimento da testemunha J…).”


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, bem como nos depoimentos das testemunhas J… comercial a trabalhar para a P... SA há data dos factos, e S…, Director Financeiro da P... SA há data dos factos, que se mostraram convincentes e com conhecimento relativamente aos factos provados constantes dos n.ºs 15 a 25, uma vez que responderam às perguntas com isenção.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação do Imposto Municipal de Sisa, referente ao ano de 2003, no valor de €210.742,11, e de juros compensatórios no valor de €30.369,66, tudo perfazendo a quantia global de € 241.111,77.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC, e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Ab initio, importa, desde logo, relevar que a Recorrida, não apresentou contra-alegações, nada requerendo, portanto, em termos de concreta ampliação do objeto de recurso quanto aos fundamentos nos quais decaiu, concretamente, caducidade do direito à liquidação, violação do prazo legal para a realização do procedimento inspetivo, e incompetência do autor do ato, encontrando-se, por conseguinte, firmados na ordem jurídica, donde vedada qualquer apreciação nesta sede.

Assim, feita a aludida delimitação e ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

ü O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que valorou, erroneamente, a prova produzida nos autos, competindo, assim, aferir do preenchimento dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC;

ü A decisão recorrida interpretou erradamente os pressupostos de incidência constantes do artigo 2.º, § 2.º do (CIMSISSD), porquanto da prova produzida nos autos resulta patente a existência de um ajuste de revenda;

ü Ajuizando-se verificado o aludido erro de julgamento, cumpre julgar em substituição, competindo aferir se foi preterida formalidade essencial atinente ao exercício do direito de audição prévia.

Vejamos, então, se a decisão recorrida interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática ao caso vertente.

Importa, desde já, evidenciar que a matéria de facto dos autos se encontra devidamente estabilizada, não tendo a Recorrente procedido à sua impugnação, em conformidade com o consignado no artigo 640.º do CPC.

Senão vejamos.

Em termos de tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, preceitua o citado artigo 640.º do CPC, que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.).

De relevar, neste concreto particular, que para efeitos de cumprimento da impugnação da matéria de facto no concreto domínio da prova testemunhal, tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Ora, atentando nas suas alegações de recurso e respetivas conclusões verifica-se que a Recorrente não convoca qualquer aditamento por complementação ou substituição, nem qualquer supressão do probatório, nada impugnando e retirando da prova testemunhal produzida em termos de asserção fática que reputa relevante para a lide. Com efeito, o que se infere é que a Recorrente entende, tão-só, que a realidade factual constante nos autos permite extrapolar a existência de um ajuste de revenda com o terceiro adquirente do imóvel, donde, pela legalidade da atuação da AT.

Mais importa referir que, em nada pode relevar, neste e para este efeito, o consignado em XVII) e XVIII), porquanto genérico, não devidamente circunstanciado no atinente ao probatório e sem a inerente cominação.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que atentando no recorte fático dos autos, não se vislumbra que os factos fixados tendo por base a produção de prova testemunhal não pudessem fundar-se na mesma. Noutra formulação dir-se-á que, não nos encontramos no domínio da prova vinculada, decorrente da aplicação de normas imperativas de direito probatório material e sem qualquer margem de apreciação de liberdade por parte do julgador.

E por assim ser, não se vislumbra qualquer erro de julgamento de facto.

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto importa, então, apreciar do aduzido erro de julgamento, por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo valorou, erroneamente, a realidade de facto em apreço, na medida em que a mesma não permite satisfazer o ónus probatório que impende sobre a Impugnante, ora Recorrida, não tendo, por conseguinte, afastado a existência de um ajuste de revenda subsumível no §2 do artigo 2.º do CIMSISD.

Densifica, neste particular, que a Impugnante, apesar de ter cedido a sua posição contratual no contrato-promessa, não apresenta qualquer justificação credível que permita apartar essa cessão e o mencionado ajuste de revenda do imóvel, adensando para o efeito que é estranho que a Recorrida apenas tivesse acautelado o reembolso da quantia no próprio dia da escritura pública, atenta, ademais, a data da entrega da primeira quantia disponibilizada.

O Tribunal a quo esteou, por seu turno, a procedência evidenciando, desde logo, que atenta a “[f]actualidade apurada, afigura-se-nos que a Administração Tributária não podia concluir pela existência de ajuste de revenda entre a impugnante e a L....Na verdade, tudo leva a crer que o papel da impugnante terá sido apenas de assegurar a realização do negócio, já que a redução a escrito do contrato-promessa consubstancia uma mera formalidade a justificar os movimentos bancários na contabilidade da impugnante.”

Mais adensando que “[a] prova de que o interessado inicial no terreno em causa era L..., resulta do facto de que efectivamente a L... iniciou um procedimento de crédito bancário no valor de três milhões duzentos e cinquenta mil euros, junto da Caixa …, alguns meses antes da realização do contrato promessa, instituição bancária que na qualidade de Mutuante veio a constituir hipoteca sobre o imóvel pelo valor da compra.”

Sublinhando, ainda por reporte ao recorte fático dos autos que, “[p]or outro lado, dos factos apurados resulta que o pagamento efectuado pela "L..." à impugnante corresponde unicamente aos adiantamentos efectuados por esta ao promitente vendedor, o que corrobora a falta de interesse económico (pelo menos directo) na operação desenvolvida pela impugnante, transacções estas, tituladas por cheque.”

Concluindo, assim, que a situação não se subsume na previsão do §2º do artigo 2.º do CIMSISSD na medida em que da factualidade assente “[n]ão resulta que a impugnante tenha agido com esse interesse directo no negócio e consubstanciado num presumível ajuste da revenda do prédio que não ficou comprovado. Pelo contrário, da factualidade provada, ficou demonstrado que a impugnante efectivamente possibilitou através da sua capacidade financeira a realização do negócio de J... com o Município de Sintra e a obtenção do terreno por parte da “L...”.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Preceituava o artigo 2.° do CIMSISSD, a propósito da incidência real que se encontram sujeitas a imposto de SISA as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis.

Consignando, por seu turno, o § 1.º, 2.º, do citado normativo que:

“Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária:

2.º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;

(...) § 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.”

Importa, desde já, relevar que não obstante o imposto de SISA vise tributar a transmissão onerosa de bens imóveis, em regra, determinada pela noção civilística da transmissão do direito de propriedade ou de figuras parcelares sobre o mesmo, existem, no entanto, situações em que o legislador optou por tributar operações jurídicas tal como se se tratassem de transmissões onerosas, recorrendo à ficção jurídica.

Tal é o que sucede com a sujeição a SISA dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que suceda uma operação jurídica que se configure como um ajuste revenda com terceiro com o qual o promitente vendedor venha a celebrar a escritura de venda do imóvel, caso em que a lei presume ter existido uma tradição do imóvel para o cedente, com a consequente transmissão económica ou fiscal do imóvel.

Da letra do citado normativo resulta que o CIMSISSD não tipificava a celebração do contrato-promessa de compra e venda de imóveis como facto sujeito a imposto, donde, nenhum dos promitentes tinha que pagar imposto por mero efeito desse contrato, ressalvava, porém, as situações em que tivesse havido tradição do bem.

Neste particular, é preciso ter presente que “[s]e o promitente adquirente cedesse, a sua posição contratual a um terceiro, o CIMSISSD sujeitava-o a imposto na previsão normativa constante do § 2.° do artigo 2.° do CIMSISSD. O sujeito passivo do imposto, neste caso era o cedente e a determinação do valor tributável seguia a regra geral do imposto. O terceiro que adquiriu a posição contratual não pagava qualquer imposto por esse facto, só ficando a ele sujeito na data da celebração da escritura pública de transmissão do imóvel. Era também nessa data que o cedente pagaria o imposto (2-José Maria Fernandes Pires-Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2011, Almedina, p.317.).”

Em sentido idêntico doutrinam F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes (3-in CIMSISSD, 4ª edição, 1997, pág. 60):

“O legislador contentou-se com a tradição jurídica dos bens. A teleologia deste preceito é sujeitar a sisa a revenda ou agenciação de bens alheios feita pelo promitente comprador ao negociar ou ceder a sua posição contratual, entendendo-se que se dá, nestas circunstâncias, uma tradição fiscal do imóvel, embora aquele não intervenha na escritura, uma vez que a sua intervenção no acto é escamoteada.

É também no momento da celebração da escritura que se verifica a transmissão contemplada neste p. 2º. É evidente que havendo tradição efectiva não há que lançar mão deste dispositivo legal, sendo a sisa devida nos termos já ali referidos. O campo de aplicação deste preceito restringe-se, pois, à situação do promitente-comprador, que não entrou na posse do imóvel, ajusta a revenda com um terceiro, sendo a escritura celebrada entre este último e o promitente vendedor.”

Note-se que a ratio legis desta tributação em sede de CIMSISSD radicava no facto de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, “progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos (4-Vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.04.2010, recurso 924/09, e de 06.06.2012, recurso 903/11).”

De relevar, neste particular, que o Código do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis (CIMT), no seu artigo 2.º, n.º 3, alínea e) manteve a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que ocorra a “cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro”, ficcionando, nessas situações, uma transmissão onerosa para efeitos de incidência do imposto.

Tendo, outrossim, alargado, ainda, a incidência do imposto, conforme resulta expresso do citado normativo n.º 3, alíneas a) e b) às situações em que seja clausulado, no contrato promessa ou posteriormente, que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro e à cessão da posição contratual no exercício do direito conferido por esses contratos.

Com efeito, nas situações de promessas de compra e venda estatuídas no normativo que vimos analisando, entende-se verificada a tradição e, consequentemente a sujeição a imposto, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro, estabelecendo-se, assim, uma traditio ficta.

Importando, outrossim, ter presente que para esse efeito não tem de constar no probatório asserção fática expressa e com esse conteúdo, e isto porque, a demonstração se basta com a prova dos factos que, segundo as regras da experiência, geram uma convicção séria da existência do negócio referido naquele § 2º do artigo 2.º do CIMSISD.

Assim, verificados que estejam estes pressupostos de facto, cuja demonstração dos factos índice compete à AT enquanto factos constitutivos do direito à liquidação, a lei faz acionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador, sendo a mesma, naturalmente, ilidível.

Neste particular, importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido em Plenário, no processo nº 0895/11, de 02 de maio de 2012, do qual se extrai que:

“IV-O § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir legalmente que existiu uma prévia tradição jurídica do bem para aquele que realizou o ajuste, sendo a partir daí que a lei ficciona a ocorrência da transmissão (económica) do imóvel sujeita a imposto.

V – Para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange estas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de incidência do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º do CIMSISD.”

Aqui chegados, atentemos no recorte probatório dos autos e vejamos, então, se o Tribunal a quo, decidiu acertadamente a ilegalidade do ato de liquidação por ausência dos pressupostos que legitimam a liquidação de SISA.

Do probatório resulta que, a 5 de agosto de 2003, a Recorrida emitiu um cheque à ordem de J…, no valor de €150.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento relativo à venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º 0…, da freguesia do Castelo, venda essa acordada pelo valor global de €3.242.186,33.

Sendo que, a 24 de setembro de 2003, e 15 de outubro de 2003, a Recorrida emitiu mais dois cheques à ordem de J…, no valor de €150.000,00, cada, a título de reforço de sinal relativo à venda do prédio supra identificado.

Tendo, nessa conformidade, a 22 de outubro de 2003, sido celebrado Contrato de Promessa de Compra e Venda entre J…, na qualidade de primeiro outorgante, e promitente vendedor e a ora Recorrida na qualidade de segunda outorgante e enquanto promitente compradora, tendo por objeto, precisamente, o prédio evidenciado anteriormente, do qual dimanava, desde logo, enquanto considerandos gerais e prévios que o primeiro outorgante iria adquirir por permuta, ao Município de Sesimbra, o visado prédio, entregando um outro prédio.

Dele constando, igualmente, que para efeitos de viabilização do evidenciado anteriormente, o mesmo carecia de dispor de meios financeiros para o efeito, adensando-se nesse concreto particular, que por forma a cumprir esse desiderato a Recorrida já havia procedido ao pagamento, ao primeiro outorgante, da quantia total de €450.000,0 e que, justamente, por esse motivo a Recorrida procedia à entrega, nessa data, da quantia de €1.326.081,14, num total de €1.776.081,14.

Dimanando, igualmente, e enquanto clausulado contratual, a faculdade do primeiro outorgante se obrigar a vender, livre de ónus ou encargos, à Recorrida, ou para quem esta indicar, até à celebração da escritura de compra e venda prometida, o direito de propriedade sobre o visado imóvel.

Fluindo, outrossim -e em conformidade e harmonia com o supra clausulado- que a Recorrida mediante comunicação escrita informou J… que a outorga da escritura pública de compra e venda seria realizada pela sociedade L... Lda, tendo, nessa conformidade, e em cumprimento do estipulado contratualmente, a visada sociedade emitido um cheque à ordem da Recorrida, no valor de €1.776.081,14.

Tendo, nessa sequência, sido outorgado, a 23 de outubro de 2003, “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” entre J…, e a sociedade L... Lda na qualidade de compradora e mutuária, e a CAIXA C… -CAIXA C…, C.R.L. enquanto entidade mutuante, mediante o qual ocorreu a alienação do visado prédio pelo preço global de €3.250.000,00.

Dimanando, outrossim, assente que a entidade mutuante concedeu a favor da sociedade compradora um empréstimo nesse exato montante, pelo prazo de dois anos e com a inerente constituição de hipoteca sobre o imóvel adquirido.

Sendo que, tais realidades de facto levaram a que a AT ajuizasse a presença de um ajuste de revenda, subsumindo, para o efeito, no § 2° do artigo 2° do CIMSISD.

E a verdade é que, estando expressamente estipulado no contrato de promessa de compra e venda que o promitente vendedor se obriga a vender o prédio ao promitente comprador ou a quem este indicar, e vindo a escritura definitiva a ser outorgada entre o primitivo vendedor e um terceiro, é razoável presumir-se que houve um ajuste da revenda do prédio entre o promitente comprador e o terceiro que, afinal, veio a outorgar na escritura como comprador.

Contudo, a realidade fática atinente ao contrato de promessa de compra e venda e ulterior venda não pode ser analisada de forma tão redutora, desconsiderando-se, designadamente, os considerandos prévios subjacentes à outorga do negócio, como visto, devidamente clausulados, o intuito subjacente à intervenção da Recorrida no negócio visado, e a demais prova produzida nos autos, concretamente o efetivo reembolso total das quantias adiantadas.

Dir-se-á, portanto, que do integral acervo probatório, e no sentido propugnado na decisão recorrida, dimana, por um lado, a ausência de intenção de revenda, e, por outro lado, a inexistência de lucro ou finalidade especulativa.

Com efeito, encontra-se refletido no probatório -como visto não devidamente impugnado- que foi a amizade pessoal entre J… Presidente do Conselho de Administração da Recorrida e J…, gerente da L..., lda que ditou o financiamento por aquela a esta como forma de viabilizar o negócio desta última com J... e por sua vez deste com a Câmara de Sesimbra.

E quanto à concreta intenção de aquisição do terreno por parte da Recorrida resultou provado que, pelo menos, desde 2001 a mesma não investe ou negoceia para a atividade da empresa, terrenos com uma área inferir a 250 hectares, não tendo, por conseguinte, qualquer interesse em concretizar um negócio com um âmbito objetivo como o constante nos autos.

Intento diametralmente oposto ao da L..., Lda, tendo esta interesse na sua materialização, porquanto já se encontrava a fazer promoção imobiliária de outros terrenos no mesmo local. Carecendo, como visto, de capital para o efeito, não se aquiescendo o recurso ao recurso ao crédito bancário como solução imediata, porquanto morosa, razão pela qual, acedeu que a outorga do contrato promessa de compra e venda acautelaria esse desiderato, como forma de garantir que a Recorrida pudesse reaver o dinheiro que estava a despender.

Daí que, em termos temporais, o negócio de compra do terreno pela L..., Lda tenha sido realizado aquando a obtenção do competente empréstimo bancário, sendo, outrossim, de relevar que J... obteve o terreno por permuta com a Câmara Municipal de Sesimbra no mesmo dia em que realizou a escritura de compra e venda com a L..., Lda, carecendo, portanto, de relevo as razões alvitradas pela Recorrente e concatenadas com interrogações e alegadas “estranhezas”.

Assim, se existem razões, perfeitamente, identificadas para a outorga do contrato de promessa de compra e venda ter sido realizado com a, ora, Recorrida e o contrato definitivo firmado com um terceiro, daí resultando, de forma inequívoca, ser este a única parte interessada com o negócio translativo, e que obtém, efetivamente, um aumento do poder aquisitivo, não se verifica qualquer ajuste de revenda.

Com efeito, e como dimana, inequivocamente, do doutrinado no Acórdão do STA, proferido no processo nº0924/09, de 21 de abril de 2010, para efeitos de densificação e materialização da ilisão da presunção há que ponderar, e valorar, casuisticamente, “as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa (…) e a própria prova da “inexistência de lucro ou de finalidade especulativa.”, razões que, como visto, in casu, foram ponderadas, valoradas e corporizadas no probatório dos autos. Aliás, a solução propugnada pelo Tribunal a quo e que, ora, se secunda é aquela que se encontra de harmonia e em conformidade com a ratio do imposto de SISA.

Destarte, conclui-se que, não obstante a Recorrida ter cedido a sua posição contratual no contrato-promessa a terceiro, e a venda sido realizada entre o promitente vendedor e esse terceiro, a verdade é que conforme se infere do probatório, a mesma logrou ilidir a presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de SISA.

E por assim ser, face à prova produzida nos autos não se encontram verificados os pressupostos de incidência normativa, pelo que a decisão recorrida que assim o decidiu não merece qualquer censura, mantendo-se, assim, na ordem jurídica.

Face ao exposto, resulta prejudicado a apreciação do demais.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de abril de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Rui Ferreira)

(Ana Cristina Carvalho)