Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2207/15.7BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:LINA COSTA
Descritores:IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE EM AUTO-ESTRADA
PRESUNÇÕES
DANOS
Sumário:I - Na impugnação da decisão da matéria de facto recorrida devem ser observados, cumulativamente, os ónus previstos no nº 1 do artigo 640º do CPC;
II - O artigo 12º, nº 1, alínea a) da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, estabelece uma presunção de que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária;
III - A Recorrida ao não diligenciar no sentido de impedir a existência de objectos como o que está em causa nos presentes autos, três volumes pretos, com a dimensão de 1,60 m por 75 cm, na faixa de rodagem, através da vigilância segura e eficaz, incumpriu a obrigação de zelar pela segurança da circulação rodoviária, sendo, consequentemente, responsável pelos danos daí decorrentes;
IV - Tendo-se provado a existência de danos no veículo sinistrado, mas não o seu valor, deve a Recorrida ser condenada no pagamento de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelo 1º Recorrente em valor a liquidar em execução de sentença (cfr. o nº 2 do artigo 358º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA);
V - De acordo com o disposto no artigo 496º do CC na fixação da indemnização deve-se atender apenas aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito, sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (nºs 1 e 3) idem.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

A… e A…, devidamente identificados como 1º e 2ª AA. nos autos de acção administrativa comum, que instauraram contra A…, Auto …., S.A. e A…, S.A. (actual C…, S.A.), na qualidade de interveniente, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 25.7.2017, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente, por não provada, a presente acção administrativa comum, e, em consequência, absolveu a Ré e a Interveniente dos pedidos.
Nas respectivas alegações, os Recorrentes formularam as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A) O Tribunal a quo deu como provado que:
“D. Cerca das 19h00 do dia 29.12.2011, a co-Autora, A…, teve um sinistro com o veículo precedente por si, conduzido no Ponto quilométrico 19+500 da A16, sentido Lisboa Sintra, sublanço Mira Sintra-Cacém;

E. No local precedente estavam na via esquerda da faixa de rodagem estavam 3 (três) volumes pretos com 1,60 m por 75 cm, com placas de lã de vidro com referência da empresa I… – acordo;

H. Era de noite – acordo;

K. Ao local do sinistro deslocou-se também um funcionário da Ré A... que confirmou os objectos indicados em C) – acordo;

N. Os objectos indicados em E) não estavam sinalizados – acordo

P. A 2ª Autora circulava na faixa mais esquerda, por se encontrar a efectuar uma ultrapassagem – confissão e testemunhas C…; descrição do acidente da própria (fls. 36);
Q. DE[sic] forma a evitar o embate com os objectos indicados em E) a 2ª A, tentou desviar-se para a sua direita e embateu na berma do lado direito – testemunhas C...; descrição do acidente da própria (fls. 36)
R. Tendo o veículo capotado – depoimento das testemunhas C..., H...e Participação do acidente (fls. 31)
S. Com o acidente a 2ª Autora sofreu ferimentos ao nível dos membros superiores, omoplata e coluna cervical para além de hematomas no corpo – cfr. doc 16 e 17 juntos à p.i.;
T. A 2ª Autora desde o acidente ficou com tonturas, estando a ser medicada – depoimento da testemunha H...
U. A viatura foi adquirida pelo 1º Autor, em Outubro de 2009, pelo preço de €9.000,00 – cfr doc. 22 junto à p.i.;

AA. Na última passagem no local do sinistro antes da ocorrência do mesmo, o que ocorreu pelas 15.27 não foi observada aí qualquer anomalia, nomeadamente a existência de objectos no pavimento – cfr. doc 1 junto à Contestação da A... e testemunha M…,”
B) Ora com o devido respeito, consideram os AA que tal matéria chegaria para conduzir à responsabilização da R pelo sinistro em causa e consequente condenação da R ao pagamento dos danos patrimoniais e morais à 2ª A;
C) Pois com tal matéria dada como provada, estão provados os factos caracterizadores do acidente, incluindo o facto causal do acidente, os danos da 2ª A, e o nexo de causalidade entre aquele e estes;
D) Pois o Tribunal a quo deu como provado que por causa dos objectos não sinalizados na via, a 2ª A ao tentar desviar-se dos mesmos embateu na berma, tendo o veículo capotado, que na sequência e por causa do acidente a 2ª A sofreu danos patrimoniais e morais;
E) Porém, mesmo com tal matéria de facto dada como provada o Tribunal a quo julgou a acção improcedente também relativamente à A Filipa;
F) Em relação ao A António (1º A) o Tribunal a quo num erro notório na apreciação da prova não considerou provado, quando o deveria ter considerado, a seguinte matéria de facto:
- que a viatura na sequência do acidente ficou danificada;
- que a viatura se encontra nas Oficinas da M... em Mafra;
- que para proceder ao arranjo da mesma são necessários 9.980,22 €;
- e que para adquirir uma viatura no mercado de usados com características idênticas à viatura acidentada são necessários 7.000,00 €;
G) Em relação a ambos os AA, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova ao não dar como provada a seguinte matéria de facto:
- Que no âmbito do contrato de concessão celebrado com o Estado a R A... estava esta obrigada a passar de 3 em 3 horas pelo mesmo local e que a última passagem antes do acidente ocorreu às 15H27 e o acidente ocorreu às 19H00;
- Que em 2011 a R A... dispunha de três carrinhas e respectivos condutores para fazer o patrulhamento em toda a Concessão da Grande Lisboa, a qual incluía pelo menos as seguintes auto-estradas e/ou vias: A16, IC16, IC17, IC19, IC22 e Eixo Norte-Sul;
- Que em certos troços das vias da concessão a carrinha esteve perto de 6 horas sem passar no mesmo local;
- Que enquanto os objectos que provocaram o acidente objecto dos presentes autos permaneceram caídos na faixa de rodagem da esquerda circularam vários veículos pela faixa da direita sem deles se terem apercebido.
H) Com base nos documentos juntos à PI, bem como no depoimento das testemunhas C... e H...e testemunhas da R A... cuja transcrição dos depoimentos se junta impunha, uma correcta valoração da prova, que o Tribunal a quo tivesse considerado provado a matéria de facto supra mencionada;
I) Como se pode constactar[sic] o motivo de os objectos permanecerem na via sem serem vistos não foi o de ali estarem há pouco tempo;
J) Foi o de estarem na faixa da esquerda, da A16 ter naquela altura pouco movimento, e não eram vistos pelos condutores que circulavam pela faixa da direita porque o local é mal iluminado e as placas de lã de vidro estavam embrulhadas em sacos de plástico pretos;
K) Só no âmbito de erro grosseiro na apreciação da prova se pode concluir que sendo os objectos de grandes dimensões só “podem ter sido deixados pouco tempo antes por um veículo que ali circulou” … “se estivessem efectivamente na via há tempo suficiente para serem localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento, fosse há uma, duas ou três horas antes, teriam certamente provocado outros acidentes ou outros condutores teriam alertado quer a Ré ou a autoridade policial.”
L) Ora reitera-se da prova produzida o que resulta é que os objectos estavam caídos há tempo suficiente para poderem ser localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento e não o foram porque o último patrulhamento naquele local, na melhor das hipóteses, a fazer fé no depoimento da testemunha da R com referência ao documento junto pela R com a contestação aperfeiçoada e impugnado pelos AA por requerimento de 24/11/2015, ocorreu às 15H27;
M) Se a R tivesse voltado a passar naquele local passadas 3 (três) horas, conforme se obrigou contratualmente como Estado Português a fazer, teria às 18H27 detectado os referidos objectos;
N) E, portanto, a conclusão que se impõe que seja retirada da prova produzida, é que tais objectos não provocaram antes outros acidentes pela razão de se encontrarem na faixa da esquerda e como tal só se deparariam com eles condutores que fossem naquele exacto local a efectuar uma ultrapassagem;
O) Considerando que a A16 tem pouco tráfego automóvel (não se trata propriamente da IC19) é bastante provável que não tenha existido nas horas antecedentes ao sinistro da 2ª A, outros condutores a efetuarem uma ultrapassagem naquele exacto local;
P) Portanto a conclusão de que se os objectos já lá estivessem há tempo suficiente para poderem ser localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento teriam certamente provocado outros acidentes não tem qualquer acolhimento na prova produzida nem tão pouco alicerce nas regras da experiência ou da lógica; atenta, reitera-se, as circunstâncias acima mencionadas;
Q) E a conclusão de que se já ali estivessem há tempo suficiente para poderem ser localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento outros condutores teriam alertado quer a Ré quer a autoridade policial, para além de também não ter qualquer suporte na prova produzida pelas mesmas razões já supra expostas, não deixa até de ser surpreendente pois que dá para absolver a R A... em todas as acções que lhe sejam intentadas por acidentes rodoviários causados pela existência de objectos na via;
R) Veja-se que em princípio os condutores sinistrados nunca vão ter como provar a que horas os objectos foram deixados cair na via;
S) A R A... nem terá que se preocupar com tal matéria, pois mesmo nada provando o Tribunal pode sempre concluir como o Tribunal a quo fez: os objectos se estivessem efectivamente na via há tempo suficiente para serem localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento, fosse há uma, duas ou três horas antes, teriam certamente provocado outros acidentes!
T) Ou seja, o Tribunal a quo presumiu que se os objectos não provocaram outro acidente antes do provocado à 2ª A é porque não estavam na via há tempo suficiente para poderem ser localizados pela R;
U) Mas, se os ditos objectos tivessem provocado um acidente uma hora antes do acidente da A, diria o Tribunal a quo relativamente a tal acidente a mesma coisa: se estivessem na via há tempo suficiente para poderem ser localizados já teriam provocado um acidente antes;
V) E se os objectos permanecerem na via durante 24 horas, todos os condutores se conseguirem desviar deles mas um condutos passadas essas 24 horas de permanência dos objectos na via não conseguir desviar-se deles e tiver um acidente e na sequência do mesmo venha a interpor acção contra a R A..., o Tribunal a quo pode concluir da mesma maneira: se os objectos estivessem na via há tempo suficiente para poderem ser localizados já teriam provocado um acidente antes;
W) Do raciocínio e da conclusão a que chega o Tribunal a quo, conclui-se que a responsabilidade da R enquanto concessionária está dependente de ocorrer mais do que um acidente; sendo que em relação ao primeiro nunca é a mesma responsabilizada!
X) Ora a R A..., ora Recorrida, não fez qualquer prova no sentido de que os objectos estariam caídos na faixa de rodagem há pouco tempo;
Y) A prova existente nos autos e supra mencionada é precisamente do contrário: os objectos não eram avistados por quem circulava na faixa da direita, havia pouco trânsito e a 2ª A teve o sinistro porque ia a circular pela faixa da esquerda; caso contrário teria certamente passado sem se aperceber dos ditos objectos tal como aconteceu com as duas testemunhas;
Z) E a última passagem da patrulha da R no local na melhor das hipóteses ocorreu às 15H27, não tendo voltado a existir outra no local até às 19H00; hora em que ocorreu o acidente; sendo que a R estava a obrigada a passar de 3 em 3 horas pelo mesmo local;
AA) O Tribunal a quo dá como provado AA: “Na última passagem no local do sinistro antes da ocorrência do mesmo, o que ocorreu pelas 15.27 não foi observada aí qualquer anomalia, nomeadamente a existência de objectos no pavimento – cfr. doc 1 junto à Contestação da A... e testemunha M...,”
Porém o referido documento foi impugnado pelos AA;
Pelo que, para prova de tal matéria restará o depoimento da testemunha N… que acerca da matéria disse o seguinte:
Advogada dos AA: Se eu consigo ler isto correctamente este documento este registo quer dizer que passou no nó de Sacotes às 3 e 29?
Testemunha: Não
Advogada dos AA: Então?
Testemunha: Saiu do nó de Sacotes às 15H20; entrou na A16, saiu da A16 e entrou na A9 às 15H29
Advogada dos AA: Ou às 15H27? Pergunto eu?
Testemunha: Não, isto há-de ser um registo meu por causa da passagem no local do acidente, fiz mais ou menos a conta
Advogada dos AA: Do acidente? Mas isto aqui tem registo de acidentes?
Testemunha: Não, é registos da patrulha, há-de ter sido a última patrulha que lá passou
Advogada dos AA: A última patrulha que lá passou foi às 15H27?
Testemunha: Há-de ter sido à volta disso, foi entre este meio que lá passou
Mas fez o Tribunal a quo constar que deu tal matéria provada também com base no depoimento da testemunha M..., que à cerca da referida matéria disse o seguinte:
Advogado da R: Olhe A... quando dimensionou o CAM para esta concessão ou para esta via dimensionou com base em que dados … sensibilidade foi o quê?
Testemunha: Alguma experiência para trás, é lógico, mas já na fase de concurso com o Estado já se propõe a fazer portanto já vem contratualmente com o Estado nós propomos a fazer X pessoas, uma central, com X viaturas, patrulhamentos de X em X horas, portanto já vem no contrato, portanto é contratual; quando foi dimensionado não fui eu que dimensionei, foi baseado na experiência que se tem, com os quilómetros, com as exigências contratuais neste caso da Grande Lisboa, a passagem obrigatória de X em X horas, na Grande Lisboa varia de concessão para concessão mas penso que é de 3 em 3 ou de 4 em 4; na altura era de três em três agora foi alterado com as negociações com o Estado, passou a de 4 em 4, ou seja, em todos os pontos da concessão, em condições normais, temos que passar de 3 em 3 horas na Concessão da Grande Lisboa, se não me engano
Advogado da R: Portanto isto são parâmetros que foram apresentados ao Estado
Testemunha: Ao Estado
BB) Assim, se o Tribunal a quo deu como provado que a última passagem no local do acidente ocorreu às 15H27 deveria igualmente ter dado como provado que as passagens deveriam ocorrer de 3 em 3 horas (é o próprio Tribunal a quo que cita a testemunha M… acerca das horas de patrulhas no local, sendo certo que a testemunha não afirmou que a patrulha tivesse passado em concreto a determinada hora mas sim que a periocidade dos patrulhamentos eram de 3 em 3 horas);
CC) Não conseguem os AA compreender tal erro do Tribunal a quo…
DD) Para além do erro grosseiro do Tribunal a quo na valoração das provas também neste aspecto em particular (e nos demais supra mencionados) não concebem os Recorrentes como é que se compatibiliza a presunção de licitude e de ausência de culpa feita pelo Tribunal a quo com o disposto no Artigo 12º da Lei 24/2007 de 18 de Julho:
“1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;”
EE) Ora o Tribunal a quo mais não fez do que inverter o ónus da prova colocando o mesmo a cargo dos ora Recorrentes (para além de errar grosseiramente na valoração da prova): estes teriam que provar que os objectos estavam caídos na via há tempo suficiente para poderem ser localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento…
FF) Mas mais, para além disso, o Tribunal a quo ainda criou “a presunção” de que: se não causaram nenhum acidentes[sic] antes é porque estavam caídos na via há pouco tempo!
GG) E, portanto o mesmo é dizer que as concessionárias das auto-estradas ficam impunes a todo e qualquer prejuízo causado por objectos caídos nas respectivas vias: arrecadam milhões com o negócio da exploração das mesmas mas não são responsáveis por assegurar que a circulação seja feita em segurança pelos respectivos utentes que inclusive pagam e pagam bem para as utilizarem (para além do imposto de circulação e dos impostos que incidem sobre os combustíveis);
HH) Os Recorrentes estão não só inconformados com a decisão do Tribunal a quo como estão indignados e desiludidos com a injustiça que a mesma encerra;
II) Consideram que a decisão do Tribunal a quo viola não só a Lei 24/2007 de 18 de Julho como também o disposto nos Artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa assim como o estatuído no Artigo 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ao lhes ter negado o direito a processo justo e equitativo;
JJ) Sobre a Recorrida A... a Lei estabeleceu uma presunção de culpa que funciona também como presunção de ilicitude;
KK) Para as ilidir não basta à Recorrida ter invocado que passou uma patrulha pelo local do sinistro às 15H27 sem que tenha visto qualquer objecto na via e por conseguinte não tem culpa que às 19H00 estivessem objectos na via e que tivessem originado o sinistro objecto dos presentes autos;
LL) Desde logo porque conforme depôs a testemunha M…, engenheiro, chefe de CAM da A... e sou coordenador operacional de uma concessão rodoviária, a R A..., estava contratualmente obrigada para com o Estado a passar de 3 em 3 horas no mesmo local;
MM) Sendo evidente que a R A... não cumpriu com a periocidade das patrulhas nem na altura do acidente nem antes o fazia, razão pela qual os seus funcionários, encarregues de efectuar tais patrulhas, não conheciam ao certo de quanto em quanto tempo teriam que passar pelo mesmo local…
NN) Nos termos do Artigo 12.º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual quer se entenda que é aquiliana, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso - responsabilidade contratual - ou a culpa - responsabilidade extra-contratual -, passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança;
OO) Para este efeito, não basta a genérica alegação e prova de que os funcionários da ré efectuaram diversos patrulhamentos em toda a extensão da concessão, e que passaram por diversas vezes no local onde veio a eclodir o sinistro e, ainda, que os patrulhamentos são efectuados 24 horas por dia todos os dias do ano;
PP) O legislador consagrou a inversão do ónus da prova da culpa da concessionária, ou seja, nos acidentes em auto-estradas concessionadas, cuja causa seja alguma das previstas na norma em questão, é sobre a concessionária que recai o ónus da prova de ter cumprido as obrigações de segurança a que se acha vinculada, e não ao lesado que incumbe provar que aquela as não cumpriu;
QQ) Assim, à R A... competia provar o cumprimento das suas obrigações enquanto concessionária da auto-estrada (o que se provou foi o contrário…);
RR) É sobre a R A... que impende a obrigação de permanentemente garantir uma via desobstruída e em adequadas condições, de molde a permitir a circulação rápida dos veículos em total segurança e comodidade, a qualquer hora do dia e/ou da noite, aos respectivos utentes pagadores da correspondente taxa;
SS) E não a obrigação de garantir a via desobstruída de vez em quando… quando a carrinha do patrulhamento passa lá…
TT) Mas mais do que isso, a R tem que ter e manter sistema de patrulhamento conjugado com sistemas de vídeo vigilância para manter durante 24 horas de cada dia e todos os dias do ano a via desimpedida de qualquer obstáculo e conseguir sinalizar e avisar os condutores enquanto perdurar a remoção dos mesmos;
UU) A R A... não tem só que assegurar que de 3 em 3 horas passa uma carrinha de patrulhamento pelo mesmo local (caso não ocorra mudança de turno ou seja a carrinha chamada para a IC 19, por exemplo) que nem isso logrou fazer nos presentes autos; pois não se concebe que caso houvesse patrulhamento de três em três horas os funcionários que procedem ao patrulhamento desconhecessem que teriam que o fazer com tal periodicidade;
VV) Pois se a R A... só estivesse obrigada a certificar-se que os condutores podiam circular em segurança de 3 em 3 horas então deveria informar que horas são essas para que as pessoas soubessem que nas restantes corriam o risco de encontrar objectos na via;
WW) Mas o mais grave é que nem o patrulhamento de três em três horas a R A... cumpriu no caso sub judice, pois reitera-se a considerar-se, como considerou o Tribunal a quo, que a última passagem ocorreu às 15H27, considerando-se que é matéria provada também que o acidente ocorreu às 19H00, tem que se concluir que a R A... não cumpriu com aquilo que a testemunha M..., Chefe da Concessão à data dos factos, afirmou: que de três em três horas tinham que passar pelo mesmo local;
XX) O Tribunal a quo ignorou esta parte do depoimento da testemunha, pelo que, só deu crédito ao depoimento noutra parte que não se percebe, porque o Tribunal a quo não diz, qual terá sido;
YY) O acidente objecto dos presentes autos ocorreu numa auto-estrada; via que não só permite como é própria para a circulação rápida dos veículos, onde é autorizada a circulação a 120 Km/hora;
ZZ) Onde é suposto os condutores não se depararem com objectos na via;
AAA) Onde é suposto a via estar sempre desimpedida de quaisquer objectos ou quando o não está existir avisos/sinalização;
BBB) Mas pior ainda é o facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que a última passagem no local do sinistro ocorreu às 15H27, que o acidente ocorreu por volta das 19H00 e ter decidido que: “É o que entendemos no caso em apreço, porquanto pela quantidade dos objectos e sua dimensão, os mesmos só podem ter sido deixados pouco tempo antes por um veículo que ali circulou.”
CCC) Ou seja, o Tribunal a quo conclui que sendo os objectos (3) de grandes dimensões, pretos, deixados caídos na faixa da esquerda, durante a noite eram muito visíveis por quem passasse naquele local mesmo que não estando a efectuar qualquer ultrapassagem e por isso circulasse pela faixa da direita!
DDD) Mas não ignora o Tribunal a quo que deu como provado que os objectos foram deixados na faixa da esquerda e que era de noite quando o sinistro ocorreu e que duas testemunhas passaram pela faixa da direita e não os viram;
EEE) Aliás o sinistro ocorreu às 19H00 sendo que em 29 de Dezembro é noite a partir das 17H00;
FFF) Á noite e estando os objectos na faixa da esquerda, claro está que os veículos que não fossem naquele preciso local a efectuar ultrapassagens, circulariam pela faixa da direita e não veriam os objectos!
GGG) Até porque o local tem deficiente iluminação, o que só á R A... pode ser imputado;
HHH) Certo é que não pode ser imputado à A Filipa, condutora da viatura, que não circulasse pela faixa da esquerda para efectuar uma ultrapassagem, como foi produzida prova que estava a fazer, para não correr o risco de encontrar objectos na via…
III) O Tribunal a quo incorreu em erro grosseiro na valoração das provas conforme supra exposto;
JJJ) E também em erro em matéria de direito; a sua decisão viola o disposto no Artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho bem como os Artigos 20º da Constituição da República Portuguesa e 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por quanto o Tribunal a quo mais não fez do que coartar aos ora Recorrentes o direito à JUSTIÇA.».

A Recorrida, notificada para o efeito, apresentou as seguintes contra-alegações:
«A. O[sic] Recorrentes apresentam o presente recurso por discordarem da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto.
B. Porém não lhes assiste qualquer razão, conforme se demonstrará.
C. Alegam os Recorrentes que o Tribunal apreciou mal a prova produzida ao não considerar provados vários factos relativos aos danos no veículo, nomeadamente a oficina onde se encontra, o valor do arranjo e o custo de uma viatura nova.
D. Sempre se diga que não estão em causa a existência ou não de danos na viatura, o que não se nega.
E. Porém, competia aos Recorrentes fazer prova dos concretos danos sofridos e do seu valor, o que não sucedeu.
F. Pois como meio de prova juntaram apenas o Doc. 20, que não está datado, não tendo produzido qualquer prova testemunhal sobre o valor dos danos.
G. Não podia pois o Tribunal a quo julgar provado que a reparação tinha o custo de € 9.980,22 extrapolando esse valor da descrição dos danos feita pelas testemunhas.
H. Pois salvo o devido respeito tal não está no âmbito dos poderes de cognição do Tribunal, que não tem formação específica em mecânica nem se deve substituir às partes na prova que lhes compete.
I. Por outro lado alegam os Recorrentes que diversos factos deviam ter sido dados como provados para provar a falta de diligência da Recorrida.
J. Nesta matéria parecem os Recorrentes defender um regime de responsabilidade objetiva das concessionárias que, salvo o devido respeito, não é o pretendido pela Lei.
K. A inversão do ónus da prova constante da Lei 24/2007 nos casos de acidentes provocados por objetos na via não significa que inexistam casos em que dadas as circunstâncias de facto se demonstre que a diligência, ou falta dela, da concessionária, em nada contribuiu para a produção do sinistro.
L. É o que sucede nos presentes autos uma vez que o sinistro foi provado por três volumes pretos com 1,60m por 75cm, com placas de lã de vidro.
M. Ora, logicamente, dado o volume dos objetos é seguro afirmar que estes, caso se encontrassem há muito tempo na via, teriam sido detetados por outros automobilistas ou provocado outros sinistros, o que não sucedeu.
N. No âmbito das obrigações da Recorrida, que se tratam de obrigações de meios, não lhe pode ser exigido que evite todos e quaisquer acidentes mas apenas que envide esforços nesse sentido.
O. Neste caso não se provou que qualquer ação ou omissão da Recorrida poderia ter tido um efeito diferente na produção final do sinistro, não podendo a Recorrida ser responsabilizada por um sinistro provocado por objetos deixados na via minutos antes.
P. Inexistindo pois razão para imputar à Recorrida qualquer culpa na produção do sinistro, deve também excluir-se a sua responsabilidade.
Q. Assim, bem andou o Tribunal a quo na douta sentença ao absolver a Ré, aqui Recorrida do pedido, decisão que deve ser mantida.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Notificadas do referido parecer, as partes nada disseram.

Por acórdão, de 13.7.2023, foi negado provimento ao recurso com um voto de vencido.

Em sede de recurso de revista, por acórdão, de 13.3.2025, o Supremo Tribunal Administrativo, concedeu provimento ao recuso, revogou o acórdão recorrido, por erro de julgamento de direito quanto à reapreciação da matéria de facto e por erro de julgamento de direito quanto aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual da Recorrida e, em consequência, determinou a baixa dos autos a este Tribunal para reapreciar o fundamento do recurso atinente à impugnação da matéria de facto, julgando verificados os requisitos da ilicitude e da culpa e, no demais, decidir em conformidade, condenando a Recorrida ao pagamento da indemnização aos AA. pelos danos julgados provados.

Sem vistos, mas com apresentação prévia do projecto de acórdão aos Exmos. Juízes-Adjuntos o processo, em cumprimento do decidido no acórdão do STA, vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em saber se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento de facto, considerando não provados factos que deveriam estar provados e não incluindo nos provados outros factos relevantes para a decisão, e de direito, que determinaram que a acção fosse julgada improcedente.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

«A. A Ré A..., S.A., é uma sociedade anónima que tem por objecto “o exercício, em regime de concessão de obra pública, das actividades de:
a) Concepção, projecto, construção, aumento de vias, financiamento, conservação e exploração, com cobrança de portagem aos utentes, dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, identificados como A16/IC16 Nó da Crel (IC 18) – Lourel (IC30) e A16/IC30 Ranholas (IC19) – Linho (EN9);
b) Concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, com cobrança de portagem aos utentes, excepto ao tráfego local, do lanço de auto-estrada, e conjuntos viários associados, identificado como A16//IC30 Linhó (EN9) – Alcabideche (IC15);
c) Exploração, conservação e aumento do número de vias, com cobrança de portagem aos utentes, excepto ao tráfego local, do lanço de auto-estrada, e conjuntos viários associados, identificado como A16//IC30 Lourel (IC16) – Ranholas (IC19);
d) Exploração e Conservação, sem cobrança de portagem aos utentes, dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, identificados como A16/IC16 Lisboa (IC17) nó de Belas (IC18), A30/IC2 Sacavém (IP1) – Santa Iria de Azóia (IP1), A36/IC17 Algés – Sacavém (IP1) A37/IC19 Buraca (IC17) – Ranholas (IC30), A40/IC22 Olival Basto (IC17) Montemor (IC18) e IP7 – Eixo Rodoviário Norte-Sul” – doc certidão do registo comercial, junta como doc. 1 à respectiva contestação;

B. A Ré A... SA é a concessionária da A16 (Base II do contrato de Concessão da Grande Lisboa – cf. contrato de concessão publicado em DR de 28.12.2006);

C. O co-Autor, A… consta no Registo Automóvel como proprietário do veículo automóvel Matrícula 33-...-..., Marca Ford - cf. doc. 1 junto à p.i.;

D. Cerca das 19h00 do dia 29.12.2011, a co-Autora, A…, teve um sinistro com o veículo precedente por si, conduzido no Ponto quilométrico 19 +500 da A16, sentido Lisboa Sintra, sub lanço Mira Sintra-Cacém;

E. No local precedente estavam na via esquerda da faixa de rodagem estavam 3 (três) volumes pretos com 1,60 m por 75 cm, com placas de lã de vidro com referência da empresa ISOVER – acordo;

F. O lanço rodoviário apresenta piso em betão betuminoso com mistura de borracha e em bom estado de conservação – acordo

G. O local do sinistro é uma recta, onde a velocidade máxima permitida é de 120 km/h – acordo;

H. Era de noite - acordo;

I. Foi chamada ao local a PSP que elaborou o Auto de participação de acidente nº 9058 onde refere “Relativamente às causas que levaram á[sic] produção não me pronuncio, uma vez que não presenciei o mesmo. Relativamente às causas que levaram à origem do acidente, os mesmos serão averiguados em sede de inquérito” - cfr. doc. 2 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

J. Para além da assistência médica que lhe foi prestada no local do acidente pelo INEM, a 2ª Autora foi transportada pelos Bombeiros para o Hospital de S. Francisco Xavier, onde foi assistida em episódio de urgência – cfr. doc. 18 e 19 juntos à p.i., e depoimento das testemunhas C…;

K. Ao local do sinistro deslocou-se também um funcionário da Ré A... que confirmou os objectos indicados em C) – acordo;

L. À data indicada em D) a Ré A...SA havia transferido, até ao limite de €30 milhões para a A… EUROPE actual A… Sucursal em Portugal, a sua responsabilidade pelos eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua actividade, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice nº PA09CP002 –junta como doc. 2 à Contestação da interveniente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

M. Nas Condições Particulares foi convencionado que, por cada sinistro participado, a Ré A..., segurada da ora Interveniente, suportaria uma franquia de €3.000 – cf. mesmo documento;

N. Os objectos indicados em E) não estavam sinalizados - acordo.

O. A Ré A... não participou à Interveniente Fidelidade o acidente descrito nos autos – acordo;

P. A 2ª Autora circulava na faixa mais esquerda, por se encontrar a efectuar uma ultrapassagem – confissão e testemunhas C...; descrição do acidente da própria (fls. 36);

Q. De forma a evitar o embate com os objectos indicados em E) a 2ª A., tentou desviar-se para a sua direita e embateu na berma do lado direito – testemunhas C...; descrição do acidente da própria (fls. 36)

R. Tendo o veículo capotado – depoimento das testemunhas C..., H...e Participação do acidente (fls. 31)

S. Com o acidente a 2ª Autora sofreu ferimentos ao nível dos membros superiores, omoplata e coluna cervical para além de hematomas no corpo – cfr. doc. 16 e 17 juntos à p.i.;

T. A 2ª Autora desde o acidente ficou com tonturas, estando a ser medicada – depoimento da testemunha H...

U. A viatura foi adquirida pelo 1º Autor, em Outubro de 2009, pelo preço de €9.000,00 – cfr. doc. 22 junto à p.i.;

V. Para a sua aquisição o 1º A. contraiu junto da C... um mútuo no referido montante, ficando a amortizá-lo em prestações mensais constantes de €163,62 – cfr. doc. 22 junto à pi.

W. A 2ª Autora dependeu[sic] em consultas e despesas médicas o valor de €52,00 – cfr- doc. 23 a 30 da p.i.;

X. Com o capotamento da viatura a 2ª Autora sofreu embates na cabeça, ombros, pescoço, com fortes dores – cfr. depoimento da testemunha H...e doc. 16 junto à p.i;

Y. A 2ª Autora durante muito tempo não conduziu, devido aos momentos vividos com o embate e capotamento do veículo – testemunha H...(marido);

Z. A Ré A... procede ao patrulhamento da A16 todos os dias do ano, dispondo de 1 viatura para o fazer, com 1 pessoa, por 3 turnos ao dia de 8 horas cada – testemunhas M..., Carlos Dias, Nelson Matias;

AA. Na última passagem no local do sinistro antes da ocorrência do mesmo, o que ocorreu pelas 15.27 não foi observada aí qualquer anomalia, nomeadamente a existência de objectos no pavimento – cfr. doc. 1 junto à Contestação e testemunha M...,

BB. Em 26.02.2013, o mandatário da Autora apresentou uma reclamação perante a Ré A..., conforme doc. 4 junto à Contestação da A..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

CC. Ao que a Ré A... respondeu declinando qualquer responsabilidade – cfr. doc. 5 junto à Contestação da A...;

DD. A Ré A... respondeu à Autora, que não foi possível a matrícula do veículo responsável pela queda do objecto que causou o sinistro – cfr. doc. 6 e 7 juntos à Contestação.

Não se provou:

1. A que velocidade circulava o veículo AH conduzido pela 2ª Autora;

2. Há quanto tempo os objectos estavam na faixa de rodagem;

3. Que o custo da reparação do veículo era de €9.980,22 (o orçamento apresentado (doc. 20 junto à p.i.) não tem data e nenhuma testemunha depôs sobre esta matéria, o genro disse não saber);

4. Perante o valor orçamentado para reparação do veículo, o Autor viu-se impossibilitado de custear a reparação (nenhuma testemunha depôs sobre esta matéria);

5. Que o veículo tivesse ficado impedido de circular (não foi junto qualquer documento relativo ao reboque, ou onde ficou o veículo, ou testemunhas que o confirmassem, o genro H...disse “acho que não tem reparação”);

6. À data do acidente encontrava-se em dívida pelo mútuo indicado em … o valor de €4.678,96 – nenhum documento foi junto relativo a pagamentos, montantes, datas, etc. Embora o genro H...tenha referido que ele ainda está a pagar

7. Que os bens indicados em 21 da p.i., se tivessem perdido ou danificado com o acidente (não foi junta qualquer factura da sua aquisição, sendo que pelo tipo de objectos identificados e de marca, teriam facturas ou outros; não foram juntas fotografias de como ficaram, a testemunha marido H..., referiu que a mala tinha sido recuperada);

8. Que a 2ª Autora sentiu grande aflição pensando que ia morrer, temeu que outros veículos embatessem no seu (nenhuma testemunha se referiu a esta matéria);


*

O tribunal baseou a sua convicção para a fixação da matéria de facto, no teor da documentação junta aos autos complementada com o depoimento das testemunhas, que depuseram com conhecimento directo dos factos de forma coerente, escorreita e espontânea, que se conjugam e articulam entre si.

*

C..., vinha na outra faixa aquando do acidente, presenciou o acidente e a chegada do marido da 2ª Autora, assim como confirmou os objectos na via, a chegada dos Bombeiros, viu a viatura e de como a 2ª Autora estava aquando do acidente. Depôs de forma isenta e convincente, permitindo as respostas acima assinaladas.
N..., agente da PSP, não se recordando do sucedido, foi confrontado com o doc. 2 junto à p.i., confirmando a existência das “placas”.
H…, genro do 1º Autor e cônjuge da 2ª Autora, depôs com relativa isenção, considerando as ligações familiares que o unem aos Autores, de qualquer forma o seu depoimento conjugado com as demais testemunhas e prova documental permitiu as respostas acima indicadas (quer à factualidade assente, como não provado). Foi ao local do acidente logo após o embate, referiu quanto ao acidente o que lhe foi relatado pela mulher. O seu depoimento foi relevante para a prova das lesões e estado emocional da 2ª Autora, aquando do acidente e posteriormente. Relativamente aos bens que se teriam danificado ou perdido o seu depoimento não foi de modo convincente, ficando sem se perceber o que estava no interior da mala, que referiu ter sido encontrada; o que aconteceu aos alegados telemóveis (2), até porque teria sido a mulher a contactá-lo via telemóvel. Quanto ao 1º Autor usou expressões como “acho”, nada sabendo quanto à reparação do veículo, para que usava o carro, etc.
M…, trabalha para a Ré A..., é operador do centro de controlo e gestão de tráfego, tem conhecimento do que está em causa nos autos, recebeu a chamada e accionou os meios e a força de segurança, confirmou a existência de objectos na via (placas), falou sobre a forma de patrulhamento da A16, tendo convencido o Tribunal na medida dos factos acima indicados.
C…, é oficial da assistência e vigilância da A..., foi ao local e confirmou a existência e vestígios dos objectos na via; falou ainda da forma de patrulhamento da A 16. Depôs de forma isenta e convincente.
M…, desempenha as funções de Chefe de CAM (centro de apoio e manutenção), nada conhecendo do acidente em concreto, falou somente da forma como são feitos em termos genéricos os patrulhamentos da via.
*
A não prova dos factos acima indicados foi baseada além da motivação que aí consta, de não ter sido feita prova documental ou testemunhal sobre a respectiva matéria.».

Da impugnação da decisão da matéria de facto:

Alegam os Recorrentes que o tribunal, em erro notório, considerou não provados os factos: (i) a viatura na sequência do acidente ficou danificada, quando tal resulta do auto de participação do acidente, junto à petição inicial [p.i.] como Doc. 2, das fotografias da viatura, juntas como Docs 3 a 15, do Orçamento da M..., Doc. 20 e do depoimento de C... e H..., conforme excertos que transcrevem (ii) a viatura se encontra nas oficinas da M... em Mafra, conforme excerto do depoimento de H…; (iii) para proceder ao seu arranjo são necessários €9 980,22, de acordo com o teor do referido Doc.20 (iv) e para adquirir no mercado de usados com características idênticas à viatura acidentada são necessários €7 000,00, de acordo com o Doc. 21.
Nem consta da matéria provada ou não provada que:
- no âmbito do contrato de concessão celebrado com o Estado a Recorrida estava obrigada a passar de 3 em 3 horas pelo mesmo local, conforme resulta do depoimento da testemunha M… (02:18:20);
- em 2011 a Recorrida dispunha de três carrinhas e respectivos condutores para fazer o patrulhamento em toda a C…, a qual incluía pelo menos as seguintes auto-estradas e/ou vias: A16, IC16, IC17, IC19, IC22 e Eixo Norte-Sul, de acordo com os depoimentos de M… (01:42), de C… (01:54:25) e de N… (02:04:30);
- certos troços das vias da concessão a patrulha esteve perto de 6 horas sem passar no mesmo local, cfr. depoimento de N… (02:04:30);
- enquanto os objectos que provocaram o acidente objecto dos presentes autos permaneceram caídos na faixa de rodagem da esquerda circularam vários veículos pela faixa da direita sem deles se terem apercebido, cfr. excertos dos depoimentos de C… e de H….

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Na impugnação em apreciação os Recorrentes observam de forma deficiente o primeiro dos indicados ónus, na medida em que alegam que o tribunal a quo na apreciação da prova não considerou provado, agregando em dois grupos factos relativos ao primeiro A. e os respeitantes a ambos os AA., sem especificar a correspondência entre cada um ou de todos esses factos com os que na sentença recorrida foram expressamente considerados como não provados.
Lidos os factos indicados na impugnação e os não provados na sentença, verificamos que existe correspondência entre o facto (iii) para proceder ao seu arranjo são necessários €9 980,22 e o facto não provado “3. Que o custo da reparação do veículo era de €9.980,22.
Os restantes do primeiro grupo, assim como os do segundo, consubstanciam factos que, no entender dos Recorrentes, não constam da decisão da matéria de facto impugnada, mas aí deveriam ter sido considerados como factos provados.
Feita a observação e porque os demais ónus, enunciados no referido artigo 640º [de alegação dos concretos documentos e excertos/passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que suportam a impugnação efectuada, e a decisão dos factos indicados, diversa da proferida na sentença recorrida] foram observados, entendemos não haver fundamento para rejeitar o recurso na parte da impugnação da decisão da matéria de facto.

Importa ter ainda em atenção na apreciação a efectuar que o nº 1 do artigo 662º do CPC estatui que o tribunal de recurso só deve alterar a decisão da matéria de facto quando a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente.
Significando que o tribunal ad quem pode modificar a matéria de facto recorrida desde que observe o princípio da livre apreciação das provas pelo juiz a quo [v. o nº 5 do artigo 607º], restringindo a análise a efectuar aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios constantes dos autos e a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto.
O mesmo é dizer que não pode estar em causa uma simples divergência na valoração das provas pelo tribunal recorrido e pelo impugnante. Devendo o tribunal ad quem verificar como aquele formou a sua convicção, analisando a motivação apresentada por referência aos vários meios de prova existentes, a forma como a exteriorizou, se é expressa, coerente, razoável plausível, se evidencia ponderação e obedece às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, caso em que não poderá ser atacada a não ser que a lei exija para a prova dos factos impugnados qualquer formalidade especial que não possa ser dispensada e não tenha sido atendida no julgamento efectuado [v. no mesmo sentido o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 4.2.2014, no proc. nº 982/10.4TVLSB.L1-1, consultável em www.dgsi.pt].
Por outro lado, essa alteração da decisão da matéria de facto só se justifica se puder implicar decisão de mérito também ela diferente, mormente no sentido propugnado pelo impugnante/recorrente [v. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.10.2020, no proc. nº 5398/18.3T8BRG.G1, idem].

Voltando ao caso em apreciação, impugnam os Recorrentes a decisão de considerar não provados os factos:
(i) a viatura na sequência do acidente ficou danificada, suportado no auto de participação do acidente - “descrição dos danos: Frente, traseira, lateral esquerda, tejadilho e capô danificados.”, como Doc. 2, das fotografias da viatura, Docs 3 a 15, do Orçamento da M..., Doc. 20, juntos à p.i., e dos depoimentos de C... e H..., conforme excertos que transcrevem.
O tribunal recorrido considerou provado o embate do veículo na berma do lado direito e o capotamento – pontos Q. e R. dos factos provados -, e não provado que o veículo tivesse ficado impedido de circular – ponto 5. dos factos não provados - por não ter sido junto qualquer documento relativo ao reboque, ou onde ficou o veículo, ou testemunhas que o confirmassem, o genro H...disse “acho que não tem reparação”.
Importa recordar que a presente acção visa a condenação da Recorrida a pagar aos AA./recorrentes as indemnizações peticionadas, fundadas em responsabilidade civil desta relativamente ao acidente ocorrido com a viatura, propriedade do 1º A., conduzida pela 2ª A., na auto-estrada A16, de que aquela é concessionária.
Pretendendo o 1º A. ser ressarcido pelos danos causados à viatura acidentada e pela privação do seu uso, era seu ónus a alegação dos factos essenciais relativos a esses danos - v. nº 1 do artigo 5º do CPC.
Ora, na p.i. apenas foi alegado que “7. Como consequência directa do acidente resultou que a viatura ficou totalmente danificada, conforme se pode constatar pelas fotografias que se juntam como Docs 6 a 15.” e que o 1º A ficou privado do uso da viatura [v. artigo 19., 20. e 32. da p.i.].
A referência ou mesmo remissão para documentos juntos à p.i. ou depoimentos das testemunhas arroladas/ouvidas, não permite considerar suprida a falta de alegação de factos que constituem a causa de pedir. Explicitando, se na p.i. os AA./recorrentes não especificaram os concretos danos que a viatura sofreu na sequência do acidente, limitando-se a uma alegação genérica e global dos mesmos, a prova produzida apenas pode comprovar o que foi alegado - que a viatura ficou totalmente danificada - e não os concretos danos que a mesma sofreu para poder ser considerada como danificada.
Assim, do teor do auto de participação do acidente resulta que nenhuma referência é feita, por exemplo, à lateral direita ou à parte de baixo ou dentro do capô, do veículo, obstando a que se possa concluir que ficou totalmente danificado.
O mesmo raciocínio é aplicável às fotografias e ao Orçamento da M... – que não respeitam a toda a viatura, mormente ao motor, nem as diferentes rubricas deste perspectivam a sua reparação total.
Dos depoimentos das testemunhas, de acordo com o teor dos excertos reproduzidos nas alegações de recurso, apenas resulta que C... disse que a viatura ficou bastante danificada na carroçaria e interior, e H…, genro do 1º A., que “(…) não sendo também a minha área eu acho que aquilo tem tudo menos reparação”.
Em suma, com base no alegado na p.i. e na prova produzida indicada, poderia ter sido considerado provado que a viatura na sequência do acidente ficou danificada.
Em face do que deve a decisão da matéria de facto ser alterada, acrescentando o facto
EE. A viatura na sequência do acidente ficou danificada – cfr. como Doc.s 2, 6 a 15 e 20, juntos à p.i., e depoimentos de C... e H....

(ii) a viatura encontra-se nas oficinas da M... em Mafra, conforme excerto do depoimento de H… que à pergunta a viatura está onde, respondeu está em Mafra nas Oficinas M....
Na p.i. [quer na versão inicial quer na aperfeiçoada] não consta qualquer alegação sobre o local para onde foi levada ou em que se encontra a viatura e, consequentemente, nenhuma referência é feita a M....
Por outro lado, não resulta dos autos, mormente da acta de julgamento, que, na sequência do referido segmento do depoimento da testemunha H… tal facto tenha sido considerado pelos AA./recorrentes e/ou pelo tribunal a quo como instrumental e sujeito a contraditório.
Assim, por não ter sido alegado pelos AA./recorrente no respectivo articulado, nem considerado relevante pelo tribunal para formar a sua convicção sobre a ocorrência de factos essenciais, andou bem o juiz a quo ao não incluir tal facto na decisão proferida sobre a matéria de facto, provada e não provada.

(iii) para proceder ao seu arranjo são necessários €9 980,22, de acordo com o teor do referido Doc.20.
Para além de não terem sido alegados nem comprovados os concretos danos que o acidente causou à viatura de que o 1ºA. é proprietário, necessários a permitir aferir [com prova testemunhal de alguém com experiência na matéria] da adequação da reparação orçamentada, o referido Doc. 20, como resulta da motivação do facto 3. não provado, não contém data, impossibilitando saber se foi elaborado em 2011, a seguir ao acidente, ou em data posterior, por exemplo de 2015, ano em que foi instaurada a acção, sendo que os preços das peças e de mão de obra nele indicados serão, consoante a data do Orçamento necessariamente diferentes.
Razões suficientes e adequadas para manter o decidido sobre este facto pelo tribunal recorrido.

(iv) para adquirir no mercado de usados com características idênticas à viatura acidentada são necessários €7 000,00, de acordo com o Doc. 21.
No artigo 13. da p.i. vem alegado tal facto, contudo, para além de referido documento ser uma factura proforma sobre o valor que a M..., Comércio de Automóveis teria, em 14.8.2013, cobrado ao 1º A. [se este, então, tivesse decidido comprá-la] por uma viatura da mesma marca, modelo e com as mesmas características da viatura sinistrada – o que, por si só, não permitiria concluir tratar-se do seu valor no mercado de usados -, a indemnização peticionada pelo 1ºA./recorrente é de €14 980,22, correspondendo a €8 500,00, o valor estimado para a viatura à data do acidente, mais €5 000, de danos morais, concretamente pelo dano de privação de uso da mesma [que seria actualizado na p.i. aperfeiçoada].
A saber, atendendo ao alegado e ao pedido formulado na p.i., o referido facto nenhuma relevância tem para a decisão a proferir, razão pela qual não terá sido compreendido na decisão da matéria de facto.

Alegam ainda os Recorrentes que o tribunal a quo deveria ter considerado provados, os seguintes factos relativos ao modo como a Recorrida exerce a sua actuação fiscalizadora na A16:
- no âmbito do contrato de concessão celebrado com o Estado a Recorrida estava obrigada a passar de 3 em 3 horas pelo mesmo local, conforme resulta do depoimento da testemunha M… [e não Mira, de acordo com a acta de julgamento] (02:18:20);
- em 2011 a Recorrida dispunha de três carrinhas e respectivos condutores para fazer o patrulhamento em toda a Concessão da Grande Lisboa, a qual incluía pelo menos as seguintes auto-estradas e/ou vias: A16, IC16, IC17, IC19, IC22 e Eixo Norte-Sul, de acordo com os depoimentos de M… (01:42), de C… (01:54:25) e de N… (02:04:30);
- certos troços das vias da concessão a patrulha esteve perto de 6 horas sem passar no mesmo local, v. depoimento de N…(02:04:30);
Nos pontos A. e B. da decisão da matéria de facto, o tribunal a quo considerou provado que a R./recorrida é concessionária de vários lanços de auto-estrada, entre os quais o da A16 - suportados em prova documental.
Nos pontos Z. e AA., deu por provado que a R./recorrida procede ao patrulhamento da A16 todos os dias do ano, dispondo de 1 viatura para o fazer, com 1 pessoa, por 3 turnos ao dia de 8 horas cada e na última passagem no local do sinistro antes da ocorrência do mesmo, o que ocorreu pelas 15.27 não foi observada aí qualquer anomalia, nomeadamente a existência de objectos no pavimento – de acordo com os depoimentos de M..., C…, N… e do doc. 4, junto à contestação, no que respeita ao último.
Na motivação do decidido, relativamente à testemunha da Recorrida M.., consta que desempenha as funções de Chefe de CAM (centro de apoio e manutenção), nada conhecendo do acidente em concreto, falou somente da forma como são feitos em termos genéricos os patrulhamentos da via.
Do excerto do respectivo depoimento reproduzido nas alegações de recurso resulta que, à pergunta a A... quando dimensionou o CAM para esta concessão ou para esta via dimensionou com base em que dados, respondeu, designadamente, (…) não fui eu que dimensionei, foi baseado na experiência que se tem, com os quilómetros, com as exigências contratuais neste caso da Grande Lisboa, a passagem obrigatória de X em X horas, na Grande Lisboa varia de concessão para concessão mas penso que é de 3 em 3 ou de 4 em 4; na altura era de três em três agora foi alterado com as negociações com o Estado, passou a de 4 em 4, ou seja, em todos os pontos da concessão, em condições normais, temos que passar de 3 em 3 horas na Concessão da Grande Lisboa, se não me engano.
A saber, não foi muito assertivo, dizendo o que achava que resultava do contrato de concessão, variando a prevista passagem obrigatória de 3/3horas para de 4/4 - que antes era de 3/3 e agora mudou para 4/4 - e terminando a utilizar o tempo verbal no presente para de 3/3horas em todos os pontos da concessão da Grande Lisboa, em condições normais, se não se engana.
Donde, tal como entendeu o juiz a quo, esta testemunha depôs de forma genérica, sem o detalhe necessário para suportar o entendimento de que no dia do acidente, se verificavam as condições normais em todos os lances abrangidos pela Concessão da Grande Lisboa, para se poder considerar contratualmente obrigatória a passagem pelo local do acidente na A16 de 3/3horas.
No mais, tendo sido considerado provado que a Recorrida dispõe de uma viatura para o patrulhamento diário da A16 e que no dia do acidente a última passagem no local ocorreu pelas 15.27, irreleva, para o que importa decidir na presente acção, saber e dar por provado que para toda a Concessão, tem três viaturas e que em certos troços desta Concessão a patrulha esteve mais de 6 horas sem por lá passar.

Por fim, entendem os Recorrente, relativamente aos objectos que se encontravam na via e deram azo ao acidente, que se deve considerar provado que:
- enquanto os objectos que provocaram o acidente objecto dos presentes autos permaneceram caídos na faixa de rodagem da esquerda circularam vários veículos pela faixa da direita sem deles se terem apercebido - conforme excertos dos depoimentos de C.. e de H….
Na p.i. vem alegado:
2. No dia 29/12/2011, pelas 19h00, a 2ª A., (…), conduzia a viatura acima mencionada, na A16 sentido (…), pela via da esquerda da faixa de rodagem por se encontrar a efectuar uma ultrapassagem, quando se deparou com objectos de grandes dimensões na referida via (…);
3. A 2ª A, que circulava a cerca de 90Km/hora, (…), atendendo a que já era de noite e que os referidos objectos eram escuros, tornando-se por isso difícil, senão impossível avistá-los atempadamente de forma a evitar o embate (…);
(…)
6. De salientar que os condutores que circulavam na referida via e que pararam para prestar assistência à 2ª A., bem como os Bombeiros que a foram socorrer, só após a 2ª A insistir que estavam objectos caídos na via e com ajuda de lanternas conseguiram ver os referidos objectos;
(…)
36. E foi o facto de se encontrarem tais objectos na via esquerda da faixa de rodagem, na qual a 2ª A circulava, que originou o acidente;
37. Pois atendendo a que a 2ª A só conseguiu avistar tais objectos quando já se encontrava demasiado perto dos mesmos para evitar o embate frontal nos referidos objectos, tentando desviar-se deles, despistou-se;”.
A saber, pretendiam os AA./recorrente nos indicados artigos da p.i. alegar factos demonstrativos que o acidente ocorreu por razões não imputáveis à 2ª A., que seguia a sua marcha dentro dos limites de velocidade, efectuando, de acordo com as regras do Código da Estrada, uma manobra de ultrapassagem do veículo que circulava na via direita, o que a levou à via esquerda, onde inopinadamente se deparou com grandes objectos escuros [que aí não se deviam encontrar] de difícil visibilidade também por ser de noite, e para não embater nos mesmos, despistou-se.
A referência no artigo 6. da p.i. de que os condutores de outros veículos que circulavam na referida via e pararam para prestar assistência à 2ª A. só viram os referidos objectos após insistência desta de que se encontravam no local e com uso de lanternas, visou reforçar a alegada manifesta dificuldade ou mesmo impossibilidade em evitar o acidente.
Apesar do que, concordamos que os depoimentos das referidas testemunhas permitem dar como provado que os condutores que circulavam na referida via e que pararam para prestar assistência à 2ª A. - CC..., condutor da viatura que circulava na via direita da mesma faixa de rodagem, assistiu ao despiste, embate e capotamento do veículo sinistrado e parou para ir socorrer a 2ª A., H… que circulou pela mesma via direita e foi ter com sua mulher, a 2ª A., ao local onde a viatura sinistrada se encontrava parada -, bem como os Bombeiros que a foram socorrer, só após a 2ª A insistir que estavam objectos caídos na via e com ajuda de lanternas conseguiram ver os referidos objectos.
Significando que passaram ao lado dos mesmos sem os ver por serem escuros e estar de noite.
Deve ser aditada esta factualidade ao probatório?
Entendemos que não.
O que os Recorrentes pretendem com a impugnação efectuada é, como alegam, interpretando estes factos em conjugação com os provados e à luz da experiência e da lógica, concluir que ninguém sabe há quanto tempo estavam aqueles objectos caídos na faixa esquerda e os veículos que passaram no local antes da 2ª A.não muitos, por a A16 ter pouco tráfego automóvel - neles não embateram porque circulavam na via direita ou não efectuaram uma ultrapassagem naquele local, e nem sequer se aperceberam da sua presença na via esquerda.
Contudo, dos depoimentos em referência apenas resulta que o condutor que presenciou o acidente e os que depois ocorreram ao local por causa do acidente e/ou para socorrerem a 2ª A. não viram os objectos que estavam na via da esquerda por circularem na via direita.
Dito de outro modo, as regras da condução automóvel determinam que a circulação é feita pela direita e só para efectuar manobras, como as de ultrapassagem ou de mudança de direcção, devem os condutores circular pela esquerda e apenas durante o tempo estritamente necessário para o efeito.
No entanto, resulta da experiência de quem conduz [ou é conduzido] que, nas auto-estradas portuguesas, muitos são os condutores que optam, talvez esperando evitar outros que circulam a menor velocidade ou apenas porque têm pressa de chegar ao destino, efectuar a sua marcha na via esquerda, por ser a mais rápida [quantas vezes, circulando, inclusive à noite, na via direita fomos ultrapassados por uma viatura que, sem ter outros automóveis à nossa frente para ultrapassar, continua na via esquerda até a perdermos de vista? Muitas!].
Nada tendo sido provado nos autos sobre tráfego automóvel da A16, em termos genéricos ou no concreto dia em que ocorreu o acidente, entendemos não ser possível extrapolar à conduta dos condutores que, no dia e local do acidente, aí passaram antes da 19h, a adoptada pelos condutores presentes no momento e após o acidente e que se podem reputar de exemplares, por cumpridores das regras de circulação e terem procurado ajudar a 2ªA. acidentada [com destaque para CC... que assistiu ao despiste, embate e capotamento do veículo e parou para ver se 2ª A. precisava de auxílio].
Assim, não se podendo concluir do referido facto [complexo], como pretendem os Recorrentes, que os objectos em referência não foram deixados na via pouco tempo antes do acidente sofrido pela 2ªA, não tendo provocado acidentes apenas por se encontrarem na via esquerda da faixa de rodagem e os condutores aí circularem na faixa da direita, entendemos não haver fundamento para alterar a decisão da matéria de facto recorrida.
Em face do exposto não pode proceder a impugnação deduzida no recurso.

Dos erros de julgamento de direito:

No pressuposto de que, mesmo sem a factualidade indicada na impugnação supra, o decidido sobre a matéria de facto na sentença recorrida seria suficiente para julgar a acção procedente, os Recorrentes defendem que: só por erro manifesto, grosseiro na interpretação e aplicação do direito aos factos poderia concluir-se, como faz o juiz a quo, que a Recorrida ilidiu a presunção de ilicitude e de culpa, prevista no artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho; invertendo o ónus da prova aí previsto para a concessionária; cabendo-lhes provar que os objectos estavam caídos na via há tempo suficiente para poderem ser localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento; criando uma “presunção” de que se os objectos não causaram acidentes antes é porque estavam na via há pouco tempo; o que é injusto e viola a referida norma e o disposto nos artigos 13º e 20º da CRP, bem como o 6º, nº 1, da CEDH, negando-lhes o direito a um processo justo e equitativo; para ilidir a referida presunção de culpa e de ilicitude não basta à Recorrida invocar que passou uma patrulha no local à 15h27 e não ter visto objectos na via para não ter culpa que às 19h aí estivessem objectos causadores do acidente, até porque a mesma devia ter passado no local de 3/3h; sendo evidente que a Recorrida não cumpriu a periodicidade das patrulhas; nos termos do referido artigo 12º, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual ou que é aquiliana, o lesado deixou de ter de provar o cumprimento defeituoso – responsabilidade contratual – ou a culpa – responsabilidade extracontratual, passando para a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança; o que não aconteceu no caso em apreciação, por não bastar a alegação de que os funcionários da Recorrida efectuaram patrulhamentos no local e a periodicidade em que o fazem; havendo que provar que garantiu uma via desobstruída, adequada e segura a qualquer hora do dia ou da noite; e não apenas quando faz os patrulhamentos.

Após efectuar o enquadramento jurídico da pretensão indemnizatória dos Recorrentes, o juiz a quo, na fundamentação de direito do decidido, expendeu o seguinte:
«No caso dos autos verificou-se a existência de objectos na faixa de rodagem (via mais à esquerda), estando a 2ª Autora a efectuar uma ultrapassagem, teve de fazer a manobra para evitar o embate nesses objectos, tendo ido embater na berma do lado direito e o veículo capotado. Foram localizados os restos das placas (lã de vidro), que tinham uma considerável dimensão (1,6m, por 0,75m), cujos restos foram confirmados no local pelo agente da PSP chamado ao local e pelo funcionário da Ré.
Estabelece, assim, aquele preceito [o artigo 12º da Lei 24/2007, de 18 de Junho], uma presunção de culpa e de ilicitude da concessionária em caso de acidentes que tenham causa, nomeadamente, a existência de objectos na via de trânsito da auto-estrada.
Neste sentido mas num caso de existência de líquidos na via, o Acórdão do STJ, de 1511-2011, Processo 1633/05.4TBALQ.L1.S1, Relator: NUNO CAMEIRA:
(…)
Vejamos se se encontra elidida a presunção de ilicitude e culpa da Ré, A....
Neste âmbito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05-05-2015, Processo 27/13.2TBALD.C1, Relator: TELES PEREIRA é sufragado o seguinte:
I – É através do disposto na Base XXXVI do regime geral publicado em anexo ao Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro; e nas Bases LIII e LIV anexas ao Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, que a Doutrina, no contexto de eventos atinentes à circulação dos utentes em auto-estradas, fala, referindo-o à concessionária, num “[…] dever de assegurar um padrão elevado na circulação rodoviária” e isola no quadro deste um concreto dever de informação cautelar ao utente dos factores que sejam aptos a condicionar essa circulação moldado (o dever) por esse padrão prestacional e de segurança qualificado, temperado este por aquilo que seja racionalmente possível – só o que é possível é racionalmente exigível a quem quer que seja – esperar de uma estrutura empresarial sobre a qual impende o dever de se organizar para garantir esse padrão.
II - Vale isto por dizer que o grau de exigência à concessionária será – é – considerável, mas que o mesmo não envolve exacerbamentos cautelares que situem a prestação activa de segurança aos utentes da auto-estrada, concretamente na advertência a estes de perigos inesperadamente desencadeados para a circulação, que, sendo tributários de um padrão de conduta exigente, extravasem do que racionalmente é exigível.
III - O ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança de um troço de auto-estrada concessionada cabe à concessionária, o que não é o mesmo quanto à existência de objectos na faixa de rodagem que estejam na origem de acidentes (artigo 12º, nº 1, alínea a) da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho).
IV - Procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que, nos casos, que acabam por ser os mais comuns na prática dos tribunais, de acidentes em auto-estrada decorrentes da entrada nas vias de animais, acrescem ao dever de vigilância da concessionária sobre a via (à monitorização técnica e humana da própria via), deveres prévios especificamente ligados à estruturação protectiva da via em termos aptos a impedir o acesso de animais a esta e a travessia das faixas por estes.
V - Diversamente, concretamente dentro da facti species da alínea a) do mesmo artigo 12º, nº 1 (acidente causalmente ligado a objectos existentes nas faixas de rodagem que aí possam ter caído), a questão do desempenho probatório pela concessionária (ou seja: o que para esta significa provar um nível de desempenho suficiente das suas obrigações de segurança activa da via) adquire dimensões mais específicas – menos abrangentes que no exemplo dos animais – às quais não é indiferente a ponderação de factores como sejam o momento do conhecimento da existência do obstáculo na via e o lapso de tempo de reacção em função desse conhecimento.
VI - Referimo-nos aqui ao tempo que a concessionária demora a ter conhecimento e a reagir, sendo que para ter conhecimento exige-se que tenha implementado e que execute um sistema de patrulhamento da via ao longo do dia que, a espaços de tempo aceitáveis, lhe permita verificar as condições de circulação ao longo de todo o troço concessionado. Mais do que isto, só se pode exigir que sejam colocados ao longo da via pontos de contacto com a concessionária (SOS) que possibilitem aos utentes adverti-la das situações ocorridas.
VII - É com este sentido que a nossa jurisprudência, sem abandonar um quadro de exigência qualificado à concessionária, mas aferindo-o no domínio do que razoavelmente é possível, entende que “[i]lide a presunção de culpa que sobre si impende no cumprimento das obrigações de segurança a concessionária que procede à fiscalização da via com regularidade, passando pelo mesmo local de duas em duas horas, assim cumprindo o dever de vigilância e actuando com a diligência que lhe era exigida no contrato de concessão”.
Segundo a Jurisprudência considera-se elidida a presunção de ilicitude se a Ré provar que agiu após o conhecimento da existência do objecto na via e/ou que procedeu à fiscalização da via com regularidade, cumprindo desse modo o dever de vigilância. Ou ainda que o objecto na via aconteceu por motivo de força maior ou outro que não pudesse controlar.
In casu, resulta da alínea E) do Probatório que no local estavam 3 volumes pretos com 1,60 m por 0,75 m. Não ficou demonstrado há quanto tempo aí se encontravam ou que a Ré sabia da sua existência.
Ficou também demonstrado que não foi possível localizar o veículo que terá largado os “objectos na via”. Sendo certo que pela sua dimensão (1,60 m por 0,7 m) e seu número (3), segundo as regras da experiência se ali estivessem na via há muito tempo certamente teriam provocado outros acidentes, o que não foi sequer alegado, o que a ser, induziria que a Ré sabia e nada fez.
O que confirma que os mesmos tenham sido abandonados por um veículo pouco tempo antes da passagem do veículo do 1º Autor, conduzido pela 2ª Autora.
Resultou também provado que o Ré faz o patrulhamento todos os dias, e que naquele dia o último foi cerca de 15h27m. O que significa 3h30 antes do acidente.
O lanço rodoviário apresenta um piso betão betuminoso com mistura de borracha e em bom estado de conservação (alínea G) do probatório). O que denota que a Ré cumpriu os deveres de conservação da via.
Quanto à segurança não sendo uniforme a questão de como deve ser resolvida a dúvida nestes casos, de objectos que surgem subitamente na via, acolhemos a jurisprudência do Acórdão do TCA Norte, de 18.11.2016, proferido no rec. nº 426/10, disponível in www.dgsi.pt:
Ou seja, havia de facto uma pedra na faixa de rodagem, mas não se provou qual a sua proveniência.
Ora, como já referimos, nos casos dos autos existe uma presunção de culpa por parte da entidade demandada, que apenas pode ser ilidida se se provar que empregou todas as providências ao seu alcance para evitar o evento danoso e que este só ocorreu por motivos que lhe escaparam e que não podia controlar. Encontra-se provado nos autos que o Réu vigia as estradas que tem sobre a sua jurisdição. Não há sinais e que alguém tivesse chamado à atenção da entidade recorrida para uma pedra que estava no meio da estrada, e que esta nada tivesse feito. Não há notícia nos autos, nem tal foi alegado, de que no local tenha havido desprendimento de pedras. Ora, não é expectável, nem seria razoável que em cada metro de estradas nacionais haja funcionários permanentemente a vigiar as mesmas. Espera-se que a as Insfraestruturas de Portugal, através dos seus organismos encarregues de zelarem pelas estradas nacionais, façam uma manutenção cuidadosa, por forma a evitarem o maior número de acidentes possível. No entanto, motivado pelo movimento da estrada, através de camiões que transportam os mais variados produtos, incluindo entulho e aterro, ou por mero acto de vandalismo, não se pode prever que numa estrada não possa aparecer de repente um obstáculo. Não se pode culpar a entidade gestora da estrada por todas as anomalias que acontecem na mesma. Se estivéssemos perante um buraco na estrada que não foi consertado, perante uma tampa de saneamento que foi mal colocada, era uma coisa. Outra é aparecer no meio da estrada um obstáculo que não se sabe de onde veio. De notar que o obstáculo não podia estar no referido local há muito tempo, até porque não houve notícias de mais nenhum acidente. Não se provou de onde surgiu a pedra. Assim sendo, efectuando a Infraestruturas de Portugal a vigilância da estrada não se pode exigir, neste aspecto, que sejam tomados outras medidas. Temos assim de concluir que foi elidida a presunção de culpa que sobre ela impende. Não se provando que tenha havido uma conduta culposa por parte da entidade recorrida não pode proceder a presente acção.
Aliás questão idêntica já foi decidida por este Tribunal no proc. n.º 00730/12.4BECBR, de 19-122014, quando refere:
1 – Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, pelo que a ação improcederá se um destes requisitos se não verificar.
É verdade que a Lei 24/2007 não introduziu o regime de responsabilidade objectiva para a concessionária em caso de acidentes em autoestradas; mas tornou tão difícil elidir essa presunção de culpa da concessionária, que se pode falar num regime de responsabilidade quase objetiva, ou quase de responsabilidade pelo risco.
Contudo a concessionária poderá afastar essa presunção de culpa se conseguir demonstrar que o facto que esteve na origem do acidente se deveu à intervenção de outrem, de tal forma que, mesmo tomando todas as medidas razoáveis de cautela para evitar o acidente, ele teria igualmente ocorrido devido a essa intervenção, ainda que meramente negligente.
É o que entendemos no caso em apreço, porquanto pela quantidade dos objectos e sua dimensão, os mesmos só podem ter sido deixados pouco tempo antes por um veículo que ali circulou.
Aliás, a testemunha Carlos Dias referiu quanto aos destroços dos objectos “que aquilo não cabia dentro da carrinha, teve de chamar outra viatura”. O que denota a grande dimensão dos mesmos, e se estivessem efectivamente na via há tempo suficiente para serem localizados pela viatura responsável pelo patrulhamento, fosse há uma, duas ou três horas antes, teriam certamente provocado outros acidentes ou outros condutores teriam alertado quer a Ré ou a autoridade policial
A Ré tentou ainda identificar o veículo causador, mas não foi possível.
Assim, a menos que a viatura de patrulhamento da Ré, tivesse circulado à frente do veículo conduzido pela Autora, pouco tempo antes, não poderia a Ré ter evitado o embate com os ditos objectos.
Ou seja, o acidente teria ocorrido independente da sua acção de vigilância que não deixou que ela tivesse tido sucesso – cf. Acórdão STJ de 9.set.2008, Proc. 08P156, www.dgsi.pt
Pelo que se considera elidida a presunção de ilicitude e culpa, e, por isso inexistindo a inversão do ónus da prova, caberiam aos Autores provar a ilicitude do facto e a culpa da Ré, o que não lograram fazer. Não se bastando, para o efeito, a mera existência não sinalizada de um objecto na via.
Termos em que se conclui que não se encontram preenchidos os requisitos ilicitude e culpa necessários para responsabilizar a Ré pelos danos causados pelo embate do veículo conduzido pela 2ª Autora para evitar o embate com os objectos na via, e por isso, a presente acção improcederá, por não provada.» [sublinhados nossos].

O assim decidido não é para manter pelas razões explanadas no douto acórdão do STA (de 13.3.2025) e que passamos a reproduzir:
«69. A questão suscitada no presente recurso resume-se em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito no tocante à responsabilidade civil extracontratual da Entidade Demandada, concessionária no âmbito do contrato de concessão da Grande Lisboa, que inclui a via A 16 em que se deu o sinistro, nos termos dos factos apurados nas als. A e B) do julgamento da matéria de facto provada.
70. Concretamente, decidir se a mesma é responsável pelos danos causados na viatura e em relação à Autora, em consequência do embate ocorrido na berma do lado direito, seguido de capotamento, nos termos dos danos patrimoniais e não patrimoniais julgados provados, com o fundamento alegado pelos Autores de existir a omissão ilícita do dever de manutenção, vigilância e segurança da circulação automóvel.
[…].
72. Nos termos gerais, a responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e o lesado credor, vide Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 473 e segs.,
73. A lei constitucional, no que respeita à responsabilidade das entidades públicas, consagra no artigo 22.° da Constituição o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas e a regra da solidariedade entre a Administração e os seus funcionários ou agentes, por danos causados no exercício das suas funções, no sentido de o Estado servir como garante da reparação dos danos - a este respeito, Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, Parte IV, Direitos Fundamentais, pp. 286 e segs.,
74. Sobre a responsabilidade das entidades públicas ou entidades privadas dotadas de poderes públicos, as mesmas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
75. No presente caso, trata-se de aferir a responsabilidade da Recorrida, enquanto concessionária da A16, recaindo sobre ela a vigilância, conservação e exploração da via abrangida pelo contrato de concessão.
76. No que respeita à delimitação do direito aplicável, considerando a data dos factos, ocorridos em 29/12/2011, tem aplicação o Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas (RRCEE), aprovado em anexo pela Lei n.° 67/2007, de 31/12, por ser o regime vigente.
77. Prevê-se no artigo 1.°, n.°s 1 e 2 do RRCEE que:
“1. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial
2 Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”.
78. Acresce, com relevo, o disposto no artigo 1.°, n.° 5 do RRCEE:
5 As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”,
79. No presente caso, releva ainda o disposto na Lei n.° 24/2007, de 18/07, que define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas corno autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis aos utentes estabelecidos ou a estabelecer.
80. Não é posto em causa que a Recorrida se encontra submetida à disciplina do RRCEE, aprovada pela Lei n.° 67/2007, de 31 /12, nem tão pouco que se aplique a Lei n.° 24/2007, de 18/08, estando em causa a interpretação e aplicação do disposto no artigo 12.°, n.° 1, a) da Lei n.° 24/2007.
81. Em particular, referente à “Responsabilidade”, estabelece o disposto no artigo 12.° da Lei n.° 24/2007, de 18/07, o seguinte:
1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de seeuranca cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diva respeito a:
a) Obiectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodasem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policia! competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.” (sublinhados nossos).
82. No domínio dos atos da função administrativa, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, não diferem substancialmente dos previstos na lei civil, decalcados no artigo 483.°, n.° I do CC, de verificação cumulativa, distintos e autónomos, a saber: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 510).
83. A este respeito é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) - vide, entre outros, os Acórdãos de 17/01/2002, Processo n.° 44476; de 06/03/2002, Processo n.° 48155; de 28/06/2002, Processo n.° 47263 e de 09/07/2002, Processo n.° 46385.
84. Cada um dos citados pressupostos desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano.
85. Desde logo, em relação ao facto, há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes não só da prática de atos jurídicos, como da realização de operações materiais, pelo que o facto ilícito tanto pode consistir num ato jurídico, como num ato material.
86. Do mesmo modo, tanto pode estar em causa, a responsabilidade civil decorrente de atos, como de omissões, pois a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento comissivo, como numa omissão, segundo o artigo 486.° do Código Civil (CC).
87. O citado regime abrange não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os atos ou omissões que ofendam as regras técnicas e de prudência comum ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração.
88. Com efeito, a conduta geradora do dano tanto pode consistir num comportamento positivo, como numa omissão, pois o citado preceito abrange não só os atos jurídicos ou materiais, que ofendam direitos de terceiros, disposições legais destinadas a proteger os seus interesses e regras técnicas e de prudência comum, como igualmente as omissões que ofendam tais direitos, disposições ou regras, desde que exista o dever legal ou contratual de praticar o ato ou a operação material omitido, em termos paralelos aos previstos no artigo 486.° do Código Civil.
89. O pressuposto da ilicitude, previsto no n.° 1, do artigo 9.° do RRCEE, é, pois, preenchido não apenas pela violação de normas legais, constitucionais ou de regras técnicas da qual resulta a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, mas igualmente da violação de deveres objetivos de cuidado, que conduza à violação de tais direitos ou à ofensa de similares interesses.
90. Desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.
91. Não se afigura controvertido que recaem sobre a Recorrida diversas obrigações de vigilância e de segurança rodoviária.
92. Encontrando-se a A16 inserida no contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a Recorrida, esta estava obrigada a assegurar permanentemente a sua manutenção em boas condições de segurança e comodidade (cfr. Base II constante do Anexo do contrato de concessão, aprovado pelo D.L. n.° 242/2006, de 28/12).
93. É sobre a Recorrida, enquanto concessionária, que, em geral, recai o ónus de implementar as medidas preventivas ou sucessivas que se justificarem, tendo em conta, designadamente, os dados da experiência que só ela possui sobre os fenómenos capazes de constituir fontes de perigo para os condutores.
94. Está em causa uma via especial, de rápida circulação automóvel, proporcionando a quem a utiliza uma expectativa de circulação em segurança, sem que lhe seja exigível um estado de alerta permanente perante a possibilidade de repentino surgimento de obstáculos na via, provocando perigo de despiste ou de embate na berma,
95. Cabe à Entidade Demandada, na qualidade de concessionária, a obrigação de conservação e exploração da estrada em questão, assim como, a obrigação de zelar pela segurança da circulação, devendo tomar todas as medidas necessárias para cumprir esse objetivo.
96. Entre outros, recai sobre a Recorrida o dever de vigilância em relação à presença de objetos na via como o que exerce uma atividade perigosa.
97. Por isso, tem deveres de agir para evitar danos a terceiros, como são os utentes da A 16, cuja violação constitui o cometimento de um facto ilícito.
98. No caso dos autos, efetuando o enquadramento normativo da factualidade dada por assente, está em causa a omissão de vigilância em face do perigo que constitui a presença de objetos numa via destinada à circulação automóvel, podendo provocar acidentes de viação.
99. A Recorrida ao não diligenciar no sentido de impedir a existência de objetos como o que está em causa nos presentes autos, três volumes pretos, com a dimensão de 1,60 m por 75 cm, com placas de lã de vidro, na faixa de rodagem, através da vigilância segura e eficaz, incumpriu a obrigação de zelar pela segurança da circulação rodoviária, sendo, consequentemente, responsável pelos danos daí decorrentes.
100. Quando, apesar da fiscalização que exerce, existem vários objetos na faixa de rodagem, com as dimensões como aqueles que resultam provados, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato celebrado com o Estado Português, ela se obrigou a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação naquela via rodoviária.
101. Por isso, em situações como a dos autos, o legislador determinou no artigo 12.°, n.° 1, da Lei n.° 24/2007, de 18/07 uma inversão do ónus da prova dos factos constitutivos do direito à pretensão indemnizatória que o lesado pretende fazer valer.
102. No que se refere à presunção de incumprimento das obrigações de segurança por parte da concessionária que emerge da inversão do ónus da prova previsto no citado artigo 12.°, n,° 1, da Lei n.° 24/2007, perfilha-se o entendimento de que se trata, simultaneamente, de uma presunção de ilicitude de certo facto e de uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária (cfr. artigo 487.°, n.° 2, do Código Civil) [cfr., no mesmo sentido, Rui Paulo Mascarenhas Ataíde, “Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico da Responsabilidade dos Concessionários” Estudos em Homenagem ao Professor Dr, Carlos Ferreira de Almeida, Vol. II, pp. 159 e 195; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2009, Processo n.° í 082/04.1 TBVFX.S1 e de 15/11/2011, Processo n.° 1633/05.4TBALQ.L1.SI, do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 04/12/2015, Processo n.° 371/13.9BEPRT e do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 21/04/2021, Processo n.° 2744/15.3BESNT].
103. A existência de um defeito, de uma anomalia ou anormalidade no funcionamento da via rodoviária - seja um defeito de construção, de manutenção, de sinalização ou de iluminação - faz presumir não só a culpa da concessionária, mas também a ilicitude, já que estamos perante deveres de agir para evitar danos para terceiros e, portanto, a violação do dever é aqui o elemento da ilicitude.
104. Por isso mesmo, ao lesado cabe apenas provar, num plano puramente objetivo, a existência do vício de manutenção da infraestrutura, o dano e o nexo de causalidade entre essa anomalia no funcionamento e o dano.
105. No presente caso, inexiste controvérsia a respeito das circunstâncias em que ocorreu o sinistro e da existência de objetos na faixa de rodagem, pelo que não pode haver dúvida quanto à anomalia no funcionamento da infraestrutura rodoviária, traduzida na existência de três objetos na via de circulação rodoviária,
106. Donde sustentar a matéria de facto provada o âmbito da previsão normativa do artigo 12.°, n,° 1 da Lei n.° 24/2007, determinando que recaia sobre a Recorrida o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, de modo a ilidir a presunção de ilicitude e culpa que sobre ela recai.
107. Assim, assente que se aplica a presunção inscrita no artigo 12.°, n.° 1, da Lei n.° 24/2007, importa determinar se a Recorrida logrou afastar essa presunção.
108. No caso dos autos, atenta as características dos objetos encontrados na faixa de rodagem afigura-se inequívoco que os mesmos não pertencem à infraestrutura rodoviária que compõe a A 16 e, não se provando a proveniência dos objetos, designadamente, se foram largados intencional ou inintencionalmente por qualquer indivíduo, utilizador ou não da via e enquanto não for conhecido o evento concreto que não permitiu à concessionária cumprir a sua obrigação, é a favor do lesado e não da concessionária que a questão terá de ser resolvida, à luz do preceito do n.° 1 do artigo 12.° da Lei n.° 24/2007 [cfr,, neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n,° 224/2011, de 03/05/2011, Processo n.° 726/2010; os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/12/2012, Processo n.° 6246/10.6TBBRG.G1 e do Tribunal da Relação do Porto, de 15/04/2013, Processo n.° 34IO/08.1TBMAI.P1 e o acórdão do TCAS, de 21/04/2021, Processo n.° 2744/15.3BESNT],
109. Nada se provou nos autos quanto à concreta causa de aparecimento dos três objetos na via, sendo certo que é sobre a Recorrida que recai o dever de vigilância, se, para tanto, através do recurso a sistema de videovigilância, o qual seria idealmente capaz de detetar o depósito na via dos três objetos, atentas as suas respetivas dimensões de 1,60 m por 75 cm.
110. Mas, mesmo que fosse seguro afirmar que foi imprevisível o aparecimento destes obstáculos na via e, por isso, não poderia a Recorrida sinalizá-los, nem adotar outras medidas preventivas ou que também não podia impedir a sua ocorrência, é inquestionável que a Recorrida está obrigada à imediata remoção dos obstáculos à segurança da circulação rodoviária e que só o pode fazer quando os seus serviços detetem esses obstáculos, pelo que, incumbe-lhe uma adequada vigilância para descobrir e afastar essa fonte de perigo, de forma a impedir que esta seja causadora de acidentes rodoviários.
111. Por isso, tudo está em saber se a vigilância exercida pela Recorrida, foi, no circunstancialismo descrito, a adequada e exigível, não bastando, para ilidir a presunção de ilicitude e de culpa que sobre ela recai, que faça prova de que realizou uma qualquer vigilância.
112. Toma-se necessário provar que realizou as operações de vigilância que, em termos razoáveis, são suscetíveis de detetar aquelas ocorrências que, pelo seu perigo, são suscetíveis de causar acidentes graves.
113. Porém, no presente caso, a Recorrida limitou-se a provar que dispõe de um serviço de patrulhamento regular num regime de turnos, 24 horas/dia e 365 dias/ano, com passagem de uma viatura, com uma pessoa, por 3 turnos ao dia, de 8 horas cada e que realizou a última passagem antes do sinistro pelas 15H27, quando o mesmo ocorreu cerca das 19 horas (cfr. ais. Z. e AA. do elenco da matéria assente).
114. Além de ter ficado provado que foi excedido o tempo das 3 horas de intervalo entre a deslocação no local, também nada ficou provado em matéria de implementação e funcionamento de qualquer sistema de videovigilância da via rodoviária.
115. Para ilidir a presunção em causa não basta a demonstração de um genérico cumprimento das obrigações de segurança, mas antes a demonstração de uma atuação exteriorizada, designadamente, nos meios humanos e técnicos utilizados, no concreto modo como foram utilizados, a previsibilidade dos fenómenos causadores do risco, as cautelas adotadas, tendo em conta a maior ou menor previsibilidade ou os alertas dados [cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ, de 14/3/2013, Processo n.° 201 /06.8TBFAL.E1 ,S 1, do TRL de 26/06/2012, Processo n.° 1017/0905TCLRS.L 1 -7, do TRC de 14/04/2015, Processo n.° 9/13.4TBCLB.C1 edoTCAS de 16/06/2016, Processo n.° 13283/16 e de 21/04/2021, Processo n.° 2744/15.3BESNT],
116. Assim, forçoso se tem de concluir que a Recorrida não logrou provar o cumprimento do concreto dever de assegurar as condições de uma livre e segura circulação viária daquela via, no local em que ocorreu o acidente, em data e hora próxima daquela em que o sinistro teve lugar.
117. Atente-se que a A 16, pertencente à Grande Lisboa, é consabidamente uma via de tráfego intenso, especialmente àquela hora da tarde, razão que justifica a dimensão da obrigação de meios e cuidados imposta à Recorrida, seja ao nível da prevenção e vigilância, seja ao nível da reparação e pronta remoção dos obstáculos, de forma a assegurar a segurança no referido troço rodoviário.
118. E, portanto, impõe-se uma atuação conforme com um risco acrescido para a circulação daí decorrente que, não sendo levada ao extremo da omnipresença na via rodoviária, esteja de acordo com padrões de razoável exigibilidade, cfr., neste sentido, os referidos Acórdãos do STJ, de 14/03/2013 e do TRC de 14/04/2015.
119. Face à prova da hora em que foi realizado o último patrulhamento da via da A16 e a hora em que se deu o sinistro automóvel, cumpre concluir que a Recorrida não adotou todas as diligências de vigilância que se impunham para assegurar a segurança na via e a evitar o resultado danoso.
120. O que permite extrair que não foi ilidida a presunção de ilicitude e culpa que incide sobre a Recorrida, por não demonstrar que, no caso concreto, atuou com a diligência que uma boa e normal empresa - por analogia a um bom pai de família - teria em face do condicionalismo do caso concreto e que cumpriu as obrigações que, em matéria de segurança e vigilância, assumiu no contrato de concessão, por resultar do probatório assente que o aparecimento dos citados objetos em plena faixa de rodagem foi a causa direta do embate e do capotamento da viatura, causadores dos danos provocados na viatura e na Autora.
121. Assim, o que decorre da factualidade apurada é que o embate sofrido na viatura e os consequentes danos causados, ficaram a dever-se à existência de três objetos em plena faixa de rodagem quando a viatura aí circulava.
122. Efetivamente decorre da normalidade dos factos e das regras de experiência comum que a existência de tais objetos, com as características apuradas, constitui um fator que agrava o risco que em geral a condução automóvel comporta, sendo certo que já por si se impõem aos condutores especiais precauções para circular em segurança.
123. Como se decidiu no Acórdão do STA, de 03/11/2005, Processo n.° 0792/05:
“A boa circulação rodoviária está sempre dependente de dois factores distintos que se complementam, um físico-material, a via e o seu estado (leito, margens e sinalização) e outro, de carácter humano, traduzido naforma como os condutores a abordam. O acidente rodoviário, excepcionadas as situações inesperadas ou de força maior, é consequência de um desses factores ou da conjugação de ambos. Veja-se que o art.°5 Código da Estrada (CE) impõe a sinalização dos locais e obstáculos que possam oferecer perigo a cargo daqueles que lhes tiverem dado causa (...)".
124. Por isso, tem de se concluir que existiu uma omissão ilícita do dever de vigilância da Recorrida em relação à via da A 16.
125. Nos termos do artigo 493.°, n.° 1 do CC, “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que no houvesse culpa sua.”.
126. Como tem decidido a jurisprudência do STA, este preceito é aplicável no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, consagrando uma presunção legal de responsabilidade e não apenas de culpa, já que a censurabilidade incide sobre a omissão do dever de vigilância, cfr. Acórdão do STA, de 19/10/2010, Processo n.° 0465/09,
127. Não é possível presumir a culpa sem, concomitantemente, presumir o incumprimento desse dever objetivo em que se consubstancia a ilicitude, designadamente, quando esta assenta na infração das obrigações de agir e das regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração de que fala o artigo 9,° do RRCEE, neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do STA, de 07/07/2010, Processo n.° 222/10 e de 19/10/2010, Processo n.° 0465/09.
128. Não suscita qualquer dúvida que três objetos, com as dimensões como aqueles que se encontravam na via de circulação automóvel, constitui, como os factos o demonstram, um perigo ou um fator de risco acrescido para a circulação automóvel.
129. Por isso, recaem legalmente sobre a Recorrida especiais deveres de vigilância em relação à existência de objetos nas vias de circulação automóvel.
130. Para qualquer condutor automóvel a existência de um objeto na faixa de rodagem, ainda que pequeno, exige cuidados especiais, pois tratando-se de um veículo em circulação - para mais numa via cuja velocidade máxima permitida é de 120 Km/hora (cfr. al. G. do elenco dos factos provados) ~, qualquer obstáculo na faixa de rodagem, consoante a suas características, poderá ser causador de uma perda da direção do veículo, podendo causar o embate ou o despiste na viatura, com os consequentes danos provocados, como efetivamente aconteceu.
131. No caso, estamos na presença de três objetos de grande dimensão na faixa de rodagem, provocando o embate na viatura e o seu capotamento, pelo que, forçoso se impõe dizer que a condução na estrada em causa ofereceu ainda maiores riscos, comprovando-se que foi a existência dos citados objetos na faixa de rodagem que determinou o embate ocorrido, tendo provocado os danos.
132. Com efeito, além do que decorre do artigo 9° do RRCEE quanto à ilicitude, enquanto violação de regras legais ou regulamentares ou ainda na violação de regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em conta, existe ainda a norma geral prevista no artigo 493.° do CC, em relação aos danos causados por coisas, animais ou atividades, fazendo recair sobre a Recorrida, concessionária da A 16 em que ocorreu o acidente, o dever de vigilância em relação a quaisquer objetos na via, fazendo- a responder pelos danos que os mesmos causarem.
133. A que acresce o aludido artigo 12.°, n.° 1, a) da Lei n.° 24/2007, de 18/07, enquanto regime particular aplicável,
134. Pelo que, em face de todo o exposto, tem de se concluir pelo incumprimento da obrigação de vigilância e de segurança da via, por a existência de três objetos como os descritos nos autos terem sido a causa do acidente e dos danos produzidos na viatura e na Autora, fazendo incorrer a Recorrida na violação do dever de vigilância, incorrendo da prática de um facto ilícito, pois nos termos do artigo 12.°, n.° 1, a) da Lei n.° 24/2007, de 18/07, a Recorrida responde civilmente perante terceiros por ofensa de direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultante do incumprimento das obrigações de segurança, quando a sua respetiva causa diga respeito a objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem.
135. O artigo 12.°, n.° 1 da Lei n.° 24/2017, de 18/12 estabelece uma verdadeira presunção legal de incumprimento, sem que a matéria de facto apurada nos autos a permita ilidir, pois não logrou a Recorrida inverter a presunção de incumprimento que sobre si recai.
136. As presunções legais constituem uma derrogação das regras sobre o ónus da prova, invertendo-o, como se extrai do artigo 350.° do CC:
1. Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir”,
137. Assim, em face aos citados preceitos legais, cabia à Recorrida demonstrar que, no presente caso, cumpriu o dever de vigilância relativamente à referida via e que os danos sofridos na viatura e causados à Autora não decorreram de culpa sua, ou que se teriam igualmente produzido mesmo que não houvesse culpa sua, o que não logrou fazer.
138. Como decidido no Acórdão do STA, datado de 27/09/2019, Processo n.° 0765/14.2BECBR, “Esse art. 12°prevê que (...) cabe à concessionária da via em causa «o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança»”.
139. Donde, não existirem quaisquer dúvidas de os danos causados serem consequência do embate e capotamento ocorridos, em face da presença de objetos em plena faixa de rodagem, derivando tais prejuízos de uma conduta omissiva em relação ao dever de vigilância da via rodoviária.
140. Estava a Recorrida legalmente obrigada a vigiar adequadamente a existência de objetos na via, pelo que, tendo omitido esse dever, não pode tal omissão deixar de lhe ser imputável, traduzindo-se numa omissão violadora das citadas disposições legais que consagram o dever de vigilância, em face do disposto artigo 12.°, n.° 1, a) da Lei n.° 24/2007, de 18/07 e por isso considerada ilícita face ao disposto no artigo 9.° do RRCEE.
141. Sobre a omissão ilícita na jurisprudência do STA, cfr. os Acórdãos de 25/03/1999, Processo n.° 41297; de 13/05/1999, Processo n.° 38081 e de 14/03/2002, Processo n.° 48394,
142. Pelo que, mostra-se verificado o requisito da ilicitude, incorrendo a Recorrida na prática omissiva ilícita do dever de vigilância da via rodoviária, por não ter conseguido inverter a presunção de responsabilidade que sobre si impende.
143. No que se refere ao pressuposto da culpa, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito.
144. A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo; é um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor.
145. Dispõe o artigo 10.° do RRCEE sobre o pressuposto da culpa, nos seguintes termos:
“1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos. 3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que lenha havido incumprimento de deveres de vigilância. (...)”.
146. O Código Civil consagra a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstrato ou em sentido objetivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade.
147. No que concerne ao padrão do bom pai de família, o mesmo foi adaptado pela jurisprudência administrativa, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, por ser tido inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos.
148. Assim, foi a jurisprudência pacificamente considerando atender ao padrão não de um qualquer funcionário, mas antes associando-o ao comportamento exigível a um funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres - cfr. Acórdãos do STA, de 27/09/1994 e de 25/03/1999, Processo n.°41297.
149. Ao utilizar-se este critério, facilitou-se a prova da culpa pelo lesado.
150. A jurisprudência e doutrina administrativas, no âmago dos atos de gestão pública, desenvolveram ainda o conceito de culpa do serviço, distinguindo-a em culpa anónima e culpa coletiva, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, pelo que apenas aplicável à responsabilidade civil dos poderes públicos, aferindo-o tomando em consideração os standards de atuação e de rendimento, ou seja, aquilo que habitualmente se pode esperar de uma organização, na pressuposição de que funcione normalmente e não desprezando as características próprias de cada serviço, designadamente, a sua disponibilidade de meios pessoais, materiais e financeiros, sem, todavia, converter acriticamente esses fatores em argumentos de desresponsabilização.
151. Para a demonstração da culpa não é necessário comprovar a violação desses deveres por órgãos ou funcionários e agentes determinados, sendo bastante a falta do próprio serviço, globalmente considerado, vide o Acórdão do STA, de 26/11/2003, Processo n.° 654/03.
152. Além de que, conforme jurisprudência consolidada, à responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas, designadamente no que respeita à violação dos deveres de fiscalização e conservação das vias de trânsito, é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.° 1 do CC. - cfr. Acórdãos do STA, de 01/06/2000, Processo n.° 46068; do Pleno de 25/10/2000, Processo n.° 37510; de 20/03/2002, Processo n.° 4583 1 e de 03/10/2002, Processo n.° 45621.
153. Tanto mais, perante a consagração expressa dessa presunção no n.° 2 do artigo 10.° do RRCEE, para além do que decorre da aplicação do n.° 1, do artigo 487°, do CC e, daí, a admissão de presunções legais de culpa nos termos do n.° 1, do artigo 493°, do CC, por parte das entidades públicas.
154. Pelo que, beneficiando os Autores da presunção de culpa da Recorrida, sobre quem recai a obrigação de vigilância e da criação das condições de segurança na circulação automóvel da estrada, aos Autores lesados apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos.
155. Não ilidindo a Recorrida a presunção do incumprimento (artigo 12.°, n.° 1, a) da Lei n.° 24/2007, de 18/07) e a presunção de culpa (artigo 10.°, n.°s 2 e 3 do RRCEE), por não provar que adotou mecanismos eficazes e eficientes de fiscalização e de vigilância da estrada em que ocorreu o acidente, não tendo conseguido localizar a existência dos objetos na via, nem tão pouco demonstrou que, ainda que tivesse tomado todas as medidas sempre ocorreria o acidente (v.g. por condução sob o efeito de álcool, excesso de velocidade, etc), considera-se provada a culpa da Recorrida, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349,° e 350.°, n°s. 1 e 2, do CC.
156. Deste modo, é indiferente saber quem produziu a respetiva prova, pois impendendo sobre a Recorrida uma presunção legal de culpa, a respetiva ilisão (juris tantum) só é feita com a prova do contrário, não bastando a mera contraprova, pelo que, o non liguet prejudica a pessoa contra quem funciona a presunção - neste sentido, Acórdão do STA, de 30/11/2004, Processo n.° 320/04.
157. No caso dos autos, nenhuns factos são demonstrados a respeito da culpa da condutora do veículo, nem logrou a Recorrida demonstrar que dispõe de mecanismos eficazes de vigilância da estrada, seja através do patrulhamento pelos seus funcionários, seja através do sistema de monitorização do trânsito.
158. Nem ainda, logrou a Recorrida provar qualquer das circunstâncias previstas no artigo 12.°, n.° 3 da Lei n.° 24/2007, de 18/07.
159. De resto, deve atentar-se que a existência de objetos na via não foi concebida pelo legislador da Lei n.° 24/2007, de 18/07 como podendo ficar a dever-se a facto fortuito que afaste a responsabilidade,
160. É, pois, inequívoca a culpa inerente à omissão da atuação, no sentido de não ter conseguido a Recorrida ilidir a presunção de culpa que sobre ela incide nos termos do n.° 1 do artigo 493.° e dos n.°s 2 e 3, do artigo 10.° do RRCEE, reconhecendo-se ter existido da sua parte uma omissão culposa, em função da presunção legal de culpa, sendo por isso ilícita a omissão do dever funcional que lhe era exigível de adotar um sistema eficaz de vigilância que permita identificar a existência de objetos na via, enquanto fator impeditivo da segurança na circulação do veículo.
161. Estando em causa danos causados por coisas ou atividades a respeito das quais existe o dever de vigilância, incumbe a quem tem esse dever provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua ou que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir, o que a factualidade apurada não permite atestar.
162. Assim, o comportamento omissivo, que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos, é também ele culposo.
163. Em suma, não estando demonstrado que a condutora do veículo, nomeadamente, através de eventual violação de alguma disposição do Código da Estrada, tivesse contribuído para a produção do acidente, temos de aceitar que o acidente se deveu ao facto de a Recorrida ter omitido um sistema eficaz de vigilância, de modo a evitar a criação de maior risco e perigo na circulação automóvel, como decorre da existência de objetos na via.
164. Beneficiando os Autores da presunção de culpa da Recorrida, não precisam de alegar ou provar os factos demonstrativos da existência de culpa (cfr. artigos 349.° e 350.° do CC), cabendo antes à Recorrida ilidir essa presunção, o que não logrou fazer,
165. Como se entendeu no Acórdão do STA, datado de 14/10/2003, recurso n.° 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa".
166. Nestes termos, forçoso se impõe concluir pela verificação do pressuposto da culpa em relação à Recorrida.
167. Em suma, será de julgar procedente, por provados os fundamentos do recurso relativo ao erro de julgamento de direito em relação aos requisitos da ilicitude e da culpa, tendo o acórdão recorrido procedido a uma incorreta interpretação e aplicação dos normativos de direito.
168. O que determina que assista o direito à indemnização para ressarcimento dos danos julgados provados.»
Donde, assiste razão aos Recorrentes, porquanto atenta a factualidade assente e o direito aplicável, a Recorrida, concessionária da A16, não logrou provar, como era seu ónus nos termos do nº 1 do artigo 12º da referida Lei nº 24/2007, que cumpriu com as obrigações de segurança, que sobre si impendem, necessárias e adequadas a evitar o acidente ocorrido naquela auto-estrada, que pressupunham ter localizado e retirado ou, pelo menos, sinalizado os objectos de grandes dimensões que estavam na faixa de rodagem esquerda antes de a A. se deparar inopinadamente com os mesmos ao efectuar uma manobra de ultrapassagem, o que não sucedeu, pelo que, não tendo conseguido ilidir nem a presunção de ilicitude nem a de que agiu/omitiu os seus deveres de vigilância com culpa, deve ser responsabilizada pelos danos sofridos por aqueles, em consequência do acidente (nexo de causalidade) e provados nos autos.
O princípio geral da obrigação de indemnização encontra-se definido no artigo 562º do CC, nos termos do qual “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Consagra-se, deste modo, a chamada teoria da diferença, nos termos da qual a situação patrimonial do lesado deve ser reconstituída como se não se tivesse ocorrido o evento, de modo a reparar, integralmente, o prejuízo sofrido.
A indemnização, por sua vez, será fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou, ainda, seja excessivamente onerosa para o devedor (cfr. o nº 1 do artigo 566º do CC).
A indemnização pecuniária é medida pela diferença entre a situação patrimonial (real) em que ficou o lesado e a situação patrimonial (hipotética) em que se encontraria se não tivesse existido o dano (cfr. o nº 2 do mesmo artigo 566º).
Importa, por isso, averiguar a medida dos montantes da indemnização a atribuir aos AA./recorrentes, considerando os pedidos formulados e os danos efectivamente provados nos autos.
Concretizando o 1º A./recorrente indicou a título de danos patrimoniais a quantia de €9 980,22, correspondente ao valor necessário para a reparação dos danos da viatura acidentada ou, se assim não se entender por este valor ser superior ao valor comercial da viatura, subsidiariamente, o de €8 500,00, o valor da viatura à data do acidente.
A título de danos morais pediu o pagamento de €5 000,00 pela privação do uso da viatura, agravada pela impossibilidade em adquirir outra viatura por ter o encargo mensal com a amortização do mútuo para aquisição da viatura acidentada. Em 17.11.2015 requereu a ampliação do seu pedido por danos morais em mais €6 960,00, correspondendo a €10,00 por cada dia de privação do uso da viatura contabilizado desde a data da entrada da acção até à deste pedido de ampliação. Pedido que foi admitido pelo tribunal recorrido.
Sucede que, na acção o 1º A./recorrente apenas logrou provar que: é o proprietário do veículo sinistrado, Matrícula 33-...-..., Marca Ford; adquiriu-o em Outubro de 2009 pelo preço de €9 000,00; para o efeito celebrou contrato de mútuo com a C..., naquele valor, ficando a amortizá-lo em prestações mensais constantes de €163,62; o acidente ocorreu no dia 29.11.2011; o veículo embateu na berma do lado direito da faixa de rodagem, capotou e ficou danificado - v. factos provados C., D., I., Q., R., U. V. e EE.
Não ficou provado que: o custo da reparação era de €9 980,22 (motivação: o orçamento apresentado (doc. 20 junto à p.i.) não tem data e nenhuma testemunha depôs sobre esta matéria, o genro disse não saber); perante esse valor orçamentado o 1º A. se viu impossibilitado de custear a reparação (idem: nenhuma testemunha depôs sobre a matéria); o veículo ficou impedido de circular (ibidem: não foi junto qualquer documento relativo ao reboque, ou onde ficou o veículo, ou testemunhas que o confirmassem, o genro H...disse “acho que não tem reparação”); na data do acidente encontrava-se em dívida pelo mútuo o valor de €4 678,96 (ibidem: nenhum documento foi junto relativo a pagamentos, montantes, datas, etc. Embora o genro H...tenha referido que ele ainda está a pagar) - v. factos não provados 3. a 6.
Assim, provando-se a existência de danos no veículo sinistrado, mas não o seu valor, deve a Entidade demandada/Recorrida ser condenada no pagamento de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelo 1ºA./recorrente em valor a liquidar em execução de sentença (cfr. o nº 2 do artigo 358º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Quanto aos danos morais peticionados, não tendo ficado provado, designadamente, que o veículo ficou impossibilitado de circular e que ficou parado numa oficina ou noutro lugar para ser reparado ou aguardar reparação, a data em que tal ocorreu ou teve início e por quantos dias, forçoso é concluir que o 1º A. não logrou provar o dano decorrente da privação do veículo, pelo que deve improceder este pedido.

A 2ª A./recorrente peticionou na acção a condenação da Recorrida no pagamento, a título de danos patrimoniais, a quantia de €1 497,00 relativa ao valor dos bens perdidos/danificados no acidente, indicados no artigo 21º da petição, e de €52,00, de despesas médicas que suportou por causa do mesmo.
A título de danos morais, pediu o pagamento de €20 000,00 pelas lesões corporais sofridas pelo acidente, dores que sofreu, tonturas de que ainda hoje padece e que a obrigam a tomar medicamentação há dois anos, pelos momentos aterrorizadores que viveu, pensando que ia morrer, pelos transtornos com deslocações várias para consultas e exames médicos, bem como pelo trauma psicológico com que ficou que a impedem de circular em auto-estradas ou vias equiparadas, conforme melhor descrito de 24º a 31º da PI.
Na sentença recorrida apenas ficou provado que a A. despendeu em consultas e despesas médicas o valor €52,00 – v. facto provado W.
Quanto ao valor dos bens perdidos/danificados indicados em 21 da p.i., consta como não provado no correspondente facto 7, com a seguinte motivação (não foi junta qualquer factura da sua aquisição, sendo que pelo tipo de objectos identificados e de marca, teriam facturas ou outros; não foram juntas fotografias de como ficaram, a testemunha marido H..., referiu que a mala tinha sido recuperada).
No que respeita aos danos morais, provou-se na sentença recorrida que: para além da assistência médica que lhe foi prestada no local do acidente pelo INEM, a 2ª Autora foi transportada pelos Bombeiros para o Hospital de S. Francisco Xavier, onde foi assistida em episódio de urgência; com o acidente a 2ª Autora sofreu ferimentos ao nível dos membros superiores, omoplata e coluna cervical para além de hematomas no corpo; a 2ª Autora desde o acidente ficou com tonturas, estando a ser medicada; com o capotamento da viatura a 2ª Autora sofreu embates na cabeça, ombros, pescoço, com fortes dores; a 2ª Autora durante muito tempo não conduziu, devido aos momentos vividos com o embate e capotamento do veículo - v. factos provados J., S., T., X. e Y..
Não se considerou provado que a 2ª Autora sentiu grande aflição pensando que ia morrer, temeu que outros veículos embatessem no seu (nenhuma testemunha se referiu a esta matéria) – v. facto não provado 8.
De acordo com o disposto no artigo 496º do CC na fixação da indemnização deve-se atender apenas aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito, sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (nºs 1 e 3) idem.
Como decidiu o STA, no Acórdão, de 12.7.2017, no proc. nº 0865/15, in www.dgsi.pt: «(…)
XX. Na caraterização deste tipo de danos poderá partir-se do axioma que estabelece que tal prejuízo é o sofrimento psicossomático experimentado pelo lesado ou pessoas que tenham direito a indemnização por esse tipo de dano à luz dos normativos próprios.
XXI. Os mesmos traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas, o desgosto pela perda, o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas supra aludidas e que atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza.
(…)
XXIV. Tal como constitui entendimento comum ao nível doutrinal a “… gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)...” [cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in: “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª edição, nota 1, pág. 499; M. Almeida e Costa in: “Direito das Obrigações”, 11.ª edição, revista e aumentada, págs. 602/603; Antunes Varela in: “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª edição, pág. 606].
XXV. Também ao nível jurisprudencial o mesmo entendimento tem sido acolhido e defendido [cfr., entre outros, Acs. deste STA de 31.05.2005 - Proc. n.º 0127/03, de 29.06.2005 - Proc. n.º 0395/05, de 08.11.2007 - Proc. n.º 0643/07, de 06.03.2008 - Proc. n.º 0865/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0572/07, de 01.10.2008 - Proc. n.º 063/08, de 12.11.2008 - Proc. n.º 0682/07, de 07.10.2010 - Proc. n.º 0870/09].»
Ora, dos danos alegados pela 2ª A. apenas não se provou que temeu pela sua vida, os demais correspondem a lesões físicas, ferimentos ao nível dos membros superiores, omoplata e coluna cervical, hematomas no corpo e dores fortes, aquando do acidente e, na decorrência deste, tonturas que persistem, sendo necessário continuar a ser medicada, e ao trauma psicológico que levou a que durante muito tempo tenha deixado de conduzir, e que entendemos, pela sua gravidade, que são merecedores de reparação.
Desconhecendo-se a idade da 2ª A, o que fazia em termos profissionais na data do acidente ou mesmo depois, o concreto grau das dores sofridas, o impacto ou esforço acrescido que terá resultado para a sua vida dessas lesões, mormente das que persistem, recorrendo a um juízo de equidade (cfr. artigo 566º, nº 3 do CC), fixamos o valor da indemnização por danos morais em €5 000,00.
Em face do que, procede em parte o recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada em conformidade.

As custas do recurso são da responsabilidade da Entidade recorrida.
Da acção são a repartir pelas partes na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1/3 para os AA./recorrentes e 2/3 para a Entidade demandada/recorrida.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e, em substituição, condenar a Entidade demandada/recorrida a pagar ao 1º A./recorrente o valor dos danos patrimoniais decorrentes do acidente, a liquidar em execução de sentença, e à 2º A./recorrente o valor de €52,00, por danos patrimoniais e de €5 000,00 por danos morais, absolvendo-a dos demais pedidos indemnizatórios.

Custas do recurso pela Entidade recorrida e da acção pelas partes, na proporção de 1/3 para os AA. e de 2/3 para a Entidade demandada.

Registe e Notifique.

Lisboa, 9 de Outubro de 2025


(Lina Costa – relatora)

(Ricardo Ferreira Leite, em substituição)

(Joana Costa e Nora)