Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:241/08.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC
ELEMENTOS DO ACTIVO IMOBILIZADO CORPÓREO
REINVESTIMENTO DOS VALORES DE REALIZAÇÃO
REGIME TRANSITÓRIO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO E DA VERDADE MATERIAL
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL
APELAÇÃO AUTÓNOMA
Sumário:I - O recurso autónomo dos despachos interlocutórios proferidos nos processos judiciais tributários, tem em vista a ordem e a disciplina do processo e a sua subordinação ao princípio da preclusão que estão na base do caso julgado formal, e visa a consolidação do processado como sequência ordenada de actos tendentes à realização do fim pretendido fazer valer através da acção;
II - O despacho ou entendimento do juiz que, por os autos fornecerem todos os elementos de prova, após vista ao Ministério Público, conhece imediatamente do pedido, encontra-se fora do âmbito de tal recurso autónomo e não carece de ser notificado às partes, podendo sempre essa questão ser conhecida no recurso interposto da sentença final e mesmo oficiosamente, por via a insuficiência da matéria constante da base instrutória;
III - Dimana do artigo 45.º, nº5 do CIRC, que os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na Declaração Anual (artigo 109.º, nº 1, alínea c), do CIRC) do exercício da realização, comprovando nas Declarações Anuais dos exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados.
IV - Julgando insuficiente para comprovar os reinvestimentos alegadamente efectuados pelo impugnante no próprio exercício da transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo (2001), os extractos dos lançamentos escriturados na contabilidade, ao Mmº juiz a quo, sob pena de preterição do princípio do inquisitório e da verdade material, impunha-se apurar junto da parte se a mesma dispunha dos documentos de despesa (facturas, recibos e outros documentos contabilísticos) de suporte daqueles lançamentos (art.º 115/3, alínea a) do CIRC) e ordenar a sua junção aos autos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

BANCO S…, S.A., na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apresentou impugnação judicial visando a autoliquidação de IRC do exercício de 2001.

Nos autos, recorre:
1. Do despacho da Mmª juiz do Tribunal Tributário de Lisboa proferido em 01/09/2011 (consta a fls.394), que dispensou a produção de prova testemunhal;
2. Da sentença proferida nos autos, que julgou improcedente a impugnação judicial.

No recurso interposto do despacho interlocutório, a que foi atribuído por despacho de 11/04/2012, a fls. 410, regime de subida diferida com o que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do então vigente art.º 285.º, n.º 1 do CPPT, o recorrente apresentou alegações que remata com as seguintes conclusões:
«









».

Não foram apresentadas contra-alegações neste recurso.

No recurso da sentença, o recorrente também apresentou alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«








































».


Também não foram apresentadas contra-alegações neste recurso.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo ser de negar provimento a ambos os recursos.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações dos recursos, são estas as questões que importa resolver:
Ø No recurso do despacho interlocutório: se o despacho no qual se faz um juízo de suficiência da prova constante dos autos é admissível como recurso autónomo com subida a final;
Ø No recurso da sentença: se a sentença incorreu em nulidade por falta de apreciação crítica da prova; se a sentença incorreu em erro de julgamento, devendo ser dados como provados os factos julgados não provados; se ocorre preterição do princípio do inquisitório e da verdade material na medida em que, por um lado, não foi produzida a prova testemunhal requerida na P.I. e, por outro, nada foi diligenciado pelo tribunal junto da parte no sentido da obtenção dos elementos probatórios que o tribunal entendia necessários à demonstração dos factos alegados.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«



«Imagem em texto no original»





«Imagem em texto no original»













«Imagem em texto no original»












«Imagem em texto no original»









«Imagem em texto no original»






«Imagem em texto no original»

















«Imagem em texto no original»








«Imagem em texto no original»











«Imagem em texto no original»










«Imagem em texto no original»









***





B.DE DIREITO

Ø Recurso do despacho interlocutório

A Mmª. Juiz a quo julgou dispensável a produção da prova testemunhal requerida para demonstração da efectiva intenção de reinvestimento do valor de realização resultante da transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo em novos elementos do activo imobilizado corpóreo.

O Recorrente, que dele discorda, interpôs recurso desse despacho interlocutório, tendo logo apresentado alegações e conclusões.

No entanto, como constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal, tanto no domínio do Código de Processo Civil vigente, como no anterior, o despacho do juiz que conclua pela suficiência de provas existentes nos autos (artigos 113/1 e 114.º, do CPPT), não é objecto de recurso autónomo com regime de subida diferida, com o que for interposto da decisão final (art.º 285/1 do CPPT), antes sendo aquele despacho impugnável no próprio recurso interposto da decisão final.

Esse juízo de valoração da suficiência da prova constante nos autos, anteriormente emitido pelo juiz, não deixa de ser sempre possível sindicar jurisdicionalmente, ainda que não de forma autónoma, mas aquando do recurso interposto da sentença final, sendo mesmo de conhecimento oficioso por parte do tribunal se, em contrário desse entendimento inicial do juiz, os autos, afinal, não fornecerem todos os elementos de prova, padecendo de défice instrutório, causa de anulação da decisão, tendo em vista a ampliação da matéria de facto ou da base instrutória do processo, nos termos do disposto no art.º 712.º n.ºs 1.º, alínea a) e 4 do CPC. – vd. Acórdão deste TCAS, de 2006-03-14, tirado no Processo nº 01313/03.

Porque de tal despacho proferido pela Mmª. Juiz a quo não cabe recurso autónomo, é de indeferir o recurso interposto pelo requerimento de fls.398 e ss. e admitido pelo despacho de fls. 410, que não vincula o Tribunal superior, face à ilegal interposição, ao que se provirá na parte dispositiva do Acórdão.

Ø Recurso da sentença

A invocada falta de apreciação critica da prova constitui ausência de especificação dos fundamentos de facto, nulidade da sentença expressamente prevista no art.º 668.º, n.º 1 alínea b), do CPC/ 61, com correspondência no art.º 125.º, n.º 1 do CPPT.

Seguindo Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado” volume II, 6ª ed., 2011, pp. 321, 322 e 357,
«
Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art.º 659º do CPC.

Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação….

A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.

Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.

Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.

Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.» (fim de cit.).

Procedendo ao exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 348).

In casu, a prova dos autos é exclusivamente documental e a sentença discrimina os factos provados e os não provados e, quanto a estes, deixa explicado na motivação da decisão as razões por que considerou a prova apresentada insuficiente para formar a sua convicção quanto à realidade dos factos alegados (reinvestimento na aquisição de novos elementos do activo imobilizado corpóreo).

Improcede a arguida nulidade da sentença por falta de apreciação crítica da prova.

Quanto ao apontado erro de julgamento, pretende o recorrente que seja dado como provado o facto julgado não provado.

Mas sem razão. Como a sentença bem salienta, os documentos juntos à P.I. não titulam aquisições de bens, apenas representam lançamentos efectuados na contabilidade da impugnante, não apoiados em documentos justificativos (facturas ou documentos equivalentes, recibos…).

Improcede o apontado erro de julgamento de facto.

Quanto à alegada preterição do princípio do inquisitório e da verdade material, vejamos.

Como a sentença deixa bem explicado,
«
(…) a Impugnante em conformidade com o disposto na alínea b) do n. º1 do artigo 109º e 112°, ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22), referente ao exercício de 2001, onde inscreveu no campo 216, o saldo apurado em sede de mais e menos valias realizadas, no valor de €951.718,90 (cfr. ponto 1 do probatório).

Contudo, segundo a Impugnante, ao acrescer a totalidade daquele saldo, incorreu em erro, «porquanto era sua intenção submeter o referido saldo ao regime transitório previsto no artigo 32º, n. º9 da Lei n.º 109-B/2001 de 27.12, considerando na base tributável do exercício de 2001, metade do saldo das mais e menos valias apuradas nesse exercício».

Pelo que, em virtude do incorreto preenchimento da declaração anual de IRC, não manifestou a intenção de reinvestimento, na referida declaração anual. Lapso que, só foi detetado, no exercício de 2004, pelo que perante a impossibilidade de submeter uma declaração de substituição – em virtude de estar precludido o prazo legal concedido para o efeito - “socorreu-se” do único procedimento suscetível de demostrar, à data, a intenção de proceder ao reinvestimento no exercício de 2001 e comprovar que este último veio efetivamente a ocorrer – pelo que apresentou, em 27.05.2004, uma reclamação graciosa, contra a autoliquidação do exercício de 2001 (cfr. ponto 7 do probatório).

Sobre aquela reclamação recaiu uma decisão de indeferimento, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, com o fundamento que «da consulta a informação vigente/Declaração Anual/Anexo A IRC/2001, elementos contabilísticos e Fiscais no Q.10/Mais Valias/Reinvestimento Valores de Realização, que se destina a dar cumprimento ao atual n. º5 do art.º 45º do CIRC, verifica-se o seu não preenchimento. Ou seja, o seu preenchimento “é apenas obrigatório quando haja intenção de reinvestimento”. No caso isso não se verificou, pelo que não se pode concluir como se pretende (…) que exista a “declarada intenção de proceder ao reinvestimento”. Não se encontram reunidos os pressupostos que permitam desconsiderar o saldo das mais e menos valias de €951.718,90, fiscalmente apresentado na MOD.22/IRC/2001 oportunamente entregue, e passar-se a considerar o montante de €475.859,45. (…) não se encontram reunidos os pressupostos, que permitam a usufruição do beneficio fiscal.» (cfr. ponto 8 a 11 do probatório).

Assim segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se encontram preenchidos os pressupostos para usufruir do referido benefício fiscal, porquanto a Impugnante não comprovou a intenção de reinvestir o supradito saldo, através das referidas declarações de rendimentos. Como também não comprovou o referido reinvestimento, nomeadamente através da «descrição dos novos elementos do ativo imobilizado corpóreo adquiridos no ano em crise (2001), por reinvestimento do montante de 10.894.824,66 EURO, acompanhados dos respetivos documentos de aquisição (facturas, Recibos); extratos de conta-corrente, correspondentes à conta de imobilizado, em que registou a efetiva aquisição dos elementos do ativo imobilizado corpóreo. Na falta daqueles elementos, a Administração fiscal apenas pode entender, como já o fez em sede de Reclamação Graciosa, que efetivamente, relativamente ao valor de realização dos bens do activo imobilizado corpóreo alienados no exercício de 2001, a ora impugnante não comprovou, a efectiva intenção de reinvestimento, elemento essencial para aferir do estabelecido no art. 45.° do CIRC (corresponde ao art. 44.°, na redacção anterior à revisão do articulado, efectuada pelo Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho) e deste modo poder usufruir do Regime Transitório das Mais e menos-valias, previsto no n.° 9 do art. 32.° da Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro. De salientar, relativamente à “conta 4249 - Conta Crédito a Fornecedores ” , em que a ora impugnante, reclama haver efectuado o registo contabilístico pela alegada aquisição de novos elementos do imobilizado corpóreo, que, pela descrição da referida conta, os novos elementos do activo foram adquiridos a crédito , o que coloca em causa a totalidade do investimento no exercício de 2001, na medida que, a aquisição a crédito pressupõe um deferimento no tempo da efectiva propriedade do bem, que normalmente está relacionada com um plano de pagamentos a efectuar ao longo de diversos exercícios económicos e não num único exercício.» (cfr. artigo 19º, 21º e 22º da informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa, a qual foi assumida como contestação).».

Passemos ao regime normativo aplicável à situação factual descrita.

Na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, dispunha o art.º 109/1 do CIRC, que «Os sujeitos passivos de IRC, ou os seus representantes, são obrigados a apresentar: b) Declaração periódica de rendimentos, nos termos do artigo 112 º; c) Declaração anual de informação contabilística e fiscal, nos termos do artigo 113.º».

Dispunha o art.º 112/1 do CIRC que «A declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 109º deve ser apresentada anualmente, em qualquer serviço de finanças, em suporte de papel ou magnético, ou enviada via Internet até ao último dia útil do mês de Maio.».

E o art.º 113ºdo mesmo Código, tinha a seguinte redacção, nos segmentos pertinentes:

«Artigo 113.º
Declaração anual de informação contabilística e fiscal

1 - A declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 109º deve ser apresentada nos termos e com os anexos que para o efeito sejam mencionados no respectivo modelo.

2 - A declaração deve ser apresentada até ao último dia útil do mês de Junho, em qualquer serviço de finanças, em suporte de papel ou magnético, ou por transmissão electrónica de dados.

3 – (…)

4 – (…)

5 – (…)

6 - Os elementos constantes das declarações devem, sempre que se justificar, concordar exactamente com os obtidos na contabilidade ou registos de escrituração, consoante o caso».

Na redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabelecia o art.º 45.º do CIRC, no segmento pertinente para os autos:
«Artigo 45º
Reinvestimento dos valores de realização

1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58 º.

2 - No caso de se verificar apenas o reinvestimento parcial do valor de realização, o disposto no número anterior é aplicado à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos-valias a que o mesmo se refere.

3- Não é susceptível de beneficiar do regime previsto nos números anteriores o investimento em que tiverem sido utilizadas as provisões referidas nos artigos 37º e 38º.

4 – (…)

5 - Para efeitos do disposto nos nºs 1, 2 e 4, os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 109º do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados.

6 - Não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização, considera-se como proveito ou ganho desse exercício, respectivamente, a diferença ou a parte proporcional da diferença prevista nos nºs 1 e 4 não incluída no lucro tributável, majorada em 15%.

7 – (…)».

Nos termos do regime transitório da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, consagrado no seu art.º 32.º, n.º 9, «A diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no exercício de 2001 nos termos do artigo 45.º do Código do IRC, na redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, pode, por opção do sujeito passivo, ser incluída na base tributável do exercício de 2001, por metade do seu valor, nos termos e condições previstos no artigo 45.º do Código do IRC, na redacção dada pela presente lei».

Assim, para usufruir do benefício fiscal previsto no art.º 45.º do CIRC, o sujeito passivo tem de cumprir dois requisitos cumulativos: mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art.º 109.º do mesmo Código correspondente ao exercício da realização e comprovar na mesma declaração ou nas declarações dos dois exercícios seguintes, os reinvestimentos efectuados.

Como sobressai do ponto 8 do probatório, a AT indeferiu o pedido da reclamação graciosa visando aproveitar o benefício fiscal, porquanto, o impugnante não comprovou a intenção de reinvestir o saldo das mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo.

A sentença, acompanhando a posição do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/02/2006, trado no proc.º 0746/05, em cujo sumário doutrinal se deixou consignado que «…a exigência da menção da intenção de efectuar o reinvestimento na declaração de rendimentos do exercício da realização só se justifica quando no ano desse exercício, a que se reporta essa declaração, esse reinvestimento ainda não foi efectuado, pois não faz sentido declarar a intenção de efectuar um reinvestimento que, comprovadamente, se realizou no ano do próprio exercício, na medida em que, tendo ele sido feito, fica definitivamente afastada a possibilidade da tributação dos ganhos obtidos», veio, no entanto, a considerar não cumprido, por falta de prova, o requisito do reinvestimento, no exercício de 2001, do saldo apurado em sede de mais-valias na aquisição de novos elementos do activo imobilizado corpóreo, na linha do propugnado pela AT na informação assumida como contestação (vd. fls. 97 dos autos, vol. I).

Em articulado posterior à contestação e a instâncias do Tribunal, veio o impugnante juntar aos autos os documentos protestados juntar com a P.I., que consistiam nos “extractos contabilísticos relativos à aquisição de imobilizado corpóreo respeitantes aos anos de 2001, 2000 e 1999” (cf. fls. 106 dos autos, vol. I).

Esses documentos foram julgados pelo Tribunal a quo insuficientes para prova do alegado reinvestimento, no exercício de 2001, das mais-valias realizadas nesse mesmo exercício com a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo.

E, com razão, porquanto, se trata de lançamentos efectuados na contabilidade, os quais não estão apoiados em documentos justificativos da despesa (facturas, recibos e outros documentos contabilísticos de compra) (cf. art.º 115/3, alínea a), do CIRC).

A partir daqui, já não podemos acompanhar a douta sentença. Na verdade, alega o recorrente que se o Tribunal a quo entendia que os documentos juntos eram insuficientes para prova do alegado reinvestimento em outros elementos do activo imobilizado corpóreo sempre deveria ter procurado averiguar junto do impugnante se ele dispunha dos documentos que apoiavam os lançamentos efectuados na contabilidade e que entendia como bons à demonstração do alegado reinvestimento em novos elementos do activo imobilizado corpóreo.

Dispõe o art.º 13/1 do CPPT que «Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer».

O princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, constituindo um poder-dever que se impõe ao juiz com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, não podendo o juiz descurar o esforço instrutório que conduza à maior aproximação possível à verdade tributária do contribuinte.

É certo que o ónus probatório recai sobre o impugnante, ora recorrente, posto que pretende o reconhecimento do direito a ver incluído no cálculo do lucro tributável apenas metade da diferença positiva entre as mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de bens do activo imobilizado corpóreo (art.º 74/1 da LGT), mas tal não escusa o juiz do dever de intervir na produção da prova se e quando tal se revelar necessário à descoberta da verdade material, posto que balizado pelo princípio do dispositivo.

A este entendimento não obsta a falta de indicação na P.I. dos “concretos bens em que teria sido efectuado o alegado reinvestimento, a data da aquisição e respectivos recibos de quitação”, como refere a sentença, porquanto, embora tais elementos não se apreendam dos lançamentos escriturados na “conta crédito de fornecedores”, poderão ficar evidenciados com a junção aos autos dos documentos de despesa que apoiem tais lançamentos e aos quais deverão estar concretamente referenciados (cf. artigos 37 e ss. da P.I.).

Torna-se, pois, necessário que os autos baixem ao Tribunal recorrido para que se cumpra o inquisitório omitido, que passa por ordenar ao impugnante que junte aos autos os documentos de despesas que apoiem os lançamentos efectuados na contabilidade e, precedendo contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do CPC), se profira nova sentença com base na factualidade apurada, restando acrescentar que qualquer situação de dúvida sobre a realidade dos factos se resolve contra a parte onerada com a prova, conforme disposto no art.º 414.º do CPC.

Resta contrapor que a pretendida prova testemunhal, não assume qualquer relevância no âmbito da matéria factual que subsiste controvertida, qual a de saber se os valores de realização apurados pelo impugnante com a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, no exercício de 2001, foram integralmente reinvestidos, no próprio exercício, na aquisição de novos elementos do activo imobilizado corpóreo.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Indeferir o recurso interposto do despacho interlocutório que dispensou a produção de prova testemunhal por legalmente inadmissível;
b) Conceder provimento ao recurso da sentença, anulando a mesma para que sejam cumpridas as diligências de prova omitidas e se profira nova sentença, que leve em conta os factos apurados.

Custas a cargo do impugnante/ recorrente no recurso interposto do despacho interlocutório.

Sem custas no recurso da sentença.

Lisboa, 05 de Dezembro de 2024


_______________________________
Vital Lopes



________________________________
Maria da Luz Cardoso



________________________________
Teresa Costa Alemão