Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1167/19.0 BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 11/16/2023 |
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Relator: | LUÍSA SOARES |
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Descritores: | TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS (TSAM) |
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Sumário: | I- A “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM) é uma contribuição financeira; II- Não se verifica a inconstitucionalidade orgânica e material das normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 2º, 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, nem do n.º 1, do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio. |
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Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA COMUM DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO Vem o C......, S.A., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação da denominada Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), relativo à primeira prestação de 2019 efectuado pela Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), do Ministério da Agricultura e do Mar, constante da factura nº 2019F/000305 no montante de € 227.375,46. A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “(QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA E MATERIAL DA TSAM) A. Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida. B. Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei – constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado – e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres). C. Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até “mais” no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (“SIRCA”), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio – a taxa do SIRCA. D. Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona – desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar –, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada. E. Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis. F. Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito pelo estipulado na alínea i) do artigo 165º da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.º 3 do artigo 103º da Constituição, inexigível). G. Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que não só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.º 215/2012 quer a Portaria n.º 200/2013). H. A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade – artigo 13º da Constituição). I. Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar. J. Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar – e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão – forem enquadrados nessa obrigação de participação. K. Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um supermercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos. L. Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída. M. No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público. N. Aliás, na senda dos recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03/05/2017 (processo n.º 914/16) e 17/05/2017 (processo 01000/16) – acerca da taxa do SIRCA – também se deve concluir que, se a TSAM fosse uma verdadeira contribuição, então, não sendo as empresas de distribuição efectivas ou presumíveis beneficiárias do SIRCA (pelo menos de modo significativamente diferente do que o é a generalidade da comunidade), o tributo é materialmente inconstitucional. O. Por outro lado, na sua pretensão de capturar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos a que dirigiu a TSAM, o Governo escolheu como base de incidência do tributo a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos de cada um deles, em função das respectivas áreas, podem gerar vendas de bens alimentares. A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos. P. Não se trata, contudo, de um imposto apurado através de uma aproximação directa ao lucro real das empresas, mas sim mediante uma aproximação indirecta ou presumida: a área de venda é, na lógica do legislador, um dado suficiente para a aferição da susceptibilidade de gerar lucros. Trata-se de uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: é que o facto de uma empresa dispor de capacidade de gerar um rendimento não significa que o gere efectivamente, nem muito menos que gere um rendimento líquido (um lucro) – conforme é exigido que ocorra para se poder falar de uma tributação conforme ao princípio da capacidade contributiva. Q. Do que vem dito resulta que a TSAM tem um efeito de sobreposição ao IRC que é inaceitável, até porque potencia também, em benefício do Estado, um efeito de “fraude” à tributação em sede do referido imposto: o Estado pode apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma. R. Finalmente, ao constituir um mecanismo de tributação de lucros (apurados de forma presuntiva), que funciona paralela e simultaneamente com o IRC, acaba por representar a consagração sistemática da dupla tributação jurídica: os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (os lucros), em IRC e neste novo imposto ou contribuição especial. (QUANTO À ILEGALIDADE DA TSAM POR VIOLAÇÃO DO REGIME DA UNIÃO EUROPEIA RELATIVA AOS AUXÍLIOS DE ESTADO) S. A TSAM tem servido para financiamento do SIRCA, por via do Fundo ao qual se dirige a receita obtida pelo tributo, financiamento esse que viola o direito da União, nomeadamente as regras relativas aos auxílios de Estado, na acepção do n.º 1 do artigo 107º do TFUE. T. Com efeito, o financiamento do SIRCA através da TSAM constitui um verdadeiro auxílio de Estado uma vez que se encontram preenchidos todos os critérios cumulativos estabelecidos pelo artigo 107º do TFUE: a medida determina a concessão de uma vantagem económica e selectiva aos produtos pecuários, uma vez que os isenta de suportar custos inerentes à sua actividade económica; é imputável ao Estado Português e assegurada por recursos estatais provenientes das contribuições obrigatórios através das taxas que constituem receitas próprias do Fundo, em especial da TSAM (sendo que estas taxas, enquanto modo de financiamento do auxílio, constituem uma parte integrante da medida); e, por último, o auxílio afecta as trocas comerciais entre Estados-Membros, na medida em que isenta os produtores pecuários portugueses de custos inerentes à sua actividade económica, o que tem um impacto na posição dos produtos portugueses num sector no qual se verifica um elevado nível de trocas intercomunitárias, sendo ainda susceptível de falsear a concorrência por determinar a obtenção de uma vantagem que não seria obtida em condições normais de mercado. U. Constituindo a medida um auxílio de Estado na acepção do n.º 1 do artigo 107º do TFUE, o Estado Português executou-a em violação da obrigação de notificação à Comissão decorrente do n.º 3 do artigo 108º do TFUE, o que determina a ilegalidade do auxílio, nos termos da alínea f) do artigo 1º do Regulamento (UE) 2015/1589. V. De acordo com a jurisprudência reiterada do TJUE, o n.º 3 do artigo 108º produz efeito directo nas jurisdições dos Estados-Membros, pelo que pode ser invocado por particulares junto dos tribunais nacionais, que devem conhecer da existência e ilegalidade do auxílio. W. Os tribunais nacionais são ainda competentes para determinar diversas medidas, nomeadamente para impedir o pagamento de auxílio ilegal e impor o reembolso dos montantes cobrados ao abrigo das taxas que constituem receitas próprias do Fundo, em particular da TSAM. A ilicitude do auxílio contamina a validade da taxa sempre que esta faça parte integrante daquele, consistindo no modo do seu financiamento, como é indubitavelmente aqui o caso. X. Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, passou a existir uma afectação obrigatória de ambas as taxas, Taxa SIRCA e TSAM, ao financiamento do SIRCA. Isto é, com a criação do Fundo como instrumento intermédio para a arrecadação de receita para o financiamento de medidas específicas no quadro da proteção da segurança alimentar, o produto da Taxa SIRCA e da TSAM passaram a constituir receitas próprias do Fundo, as quais são direccionadas para as medidas por aquela financiadas, e de entre as quais o SIRCA detém um peso primordial. Y. Isto porque toda a ratio da criação do Fundo e da TSAM se prendeu com a necessidade de suprimento das insuficiências de financiamento do SIRCA pela sua taxa, através da qual nunca foi possível auto-financiar os custos com estes serviços, o que se torna manifesto ao se verificar que a TSAM constitui efetivamente a receita mais significativa do Fundo, representando a esmagadora maioria do montante das suas receitas próprias. Z. Assim sendo, é indubitável a existência de uma afectação obrigatória da TSAM à medida de auxílio, no sentido em que o montante do auxílio, decorrente do aumento dos custos com estes serviços, determina necessariamente o montante das receitas provenientes da TSAM que são utilizadas para o financiamento desta medida. Termos em que, sem prejuízo da obrigação deste Tribunal de suscitar uma pronúncia, por parte da jurisdição da União Europeia, acerca do tema da violação do regime dos auxílios de Estado, através do mecanismo do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme acima desenvolvido, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.”. * * “I. A, ora, Recorrente, vem nos presentes autos recorrer da liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) relativamente ao anos de 2017, acontece que não é essa a liquidação que está em causa nestes autos mas sim a de 2019, pelo que, de acordo com o principio da cooperação e da celeridade processual, apresentamos contra alegações relativamente ao ato posto em causa nos atos em apreço nomeadamente a liquidação da TSAM do ano de 2019; II. Entendemos que não assiste qualquer razão à Recorrente no pressuposto que a mesma, vem recorrer da douta decisão do Tribunal a quo, por este ter mantido no ordenamento jurídico a liquidação da TSAM do ano de 2019, que lhe foi dirigida; III. Não concordamos com o alegado pela Recorrente quando refere que o ato de liquidação em causa padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, pois, contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Tribunal a quo, bem decidiu ao julgar improcedente a pretensão da, ora, Recorrente e, em consequência ter determinado a manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado, atinente à liquidação da TSAM referente ao ano de 2019 que incidiu sobre os estabelecimentos da Recorrente; IV. Quanto às inconstitucionalidades apontadas pela Recorrente, sempre se dirá que o Acórdão n.º 539/2015 do Tribunal Constitucional, onde foi decidida uma situação idêntica àquela que se encontra em discussão nos presentes autos, com efeito, ali, como aqui, estamos perante o mesmo tributo aplicado a um contribuinte que prossegue atividade rigorosamente idêntica à da Recorrente - retalhista do comércio alimentar e não alimentar, foi decidido que as normas que instituem a TSAM são CONFORMES À CONSTITUIÇÃO, pelo que bem decidiu o Tribunal a quo; V. Contrariamente ao alegado pela Recorrente não existem elementos diversos que importe valorar especial ou diferentemente neste processo e, designadamente, não existem elementos que permitam uma valoração e qualificação alternativas do tributo impugnado e que possam contribuir para conclusão diferente daquela que foi tirada no Acórdão supra citado e que foi adotada igualmente em inúmeras outras decisões pelas quais se julgaram CONFORMES À CONSTITUIÇÃO, as normas que instituem a TSAM e, mais concretamente, o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012 e os artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 217/2012. VI. Razão pela qual se nos afigura que a douta argumentação da Recorrente é, neste particular, improcedente e, de resto, contrária à jurisprudência constitucional assente, confirmada por inúmeras decisões daquele Venerando Tribunal das quais se citam, para além do Acórdão referido, as decisões n.ºs 632, 630, 637, 638, 655, 660, 675, 687, 703, 704, 708, 719, 720, 722, 736, 739, 744, 747, 749, 758, 760, 763, 766, 785, 796 de 2015 e 3, 7, 8, 13, 13, 24, 36, 37, 41, 42, 49, 50, 66, 76, 80, 84, 91, 96, 113 e 126 de 2016, e, mais recentemente, nas Decisões sumárias n.ºs 426 e 474 de 2020 respetivamente de 07 de Setembro e de 20 de outubro; VII. Mas porque a Recorrente ainda trouxe à colação algumas questões iremos demonstrar que também nessas nenhuma razão lhe assiste, pelo que torna-se oportuno esclarecer que os controlos designados por HACCP realizados pelos titulares dos estabelecimentos, que a Recorrente diz já fazer, não obstam à indispensabilidade de a Administração realizar outras ações e em concreto não isentam a Recorrente e demais sujeitos passivos de pagar a TSAM; VIII. Isso mesmo, aliás, conclui o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 539/2015, em entendimento reiterado na Decisão sumária n.º 426/2020, de 07 de Setembro de 2020, quando, a propósito de idêntica argumentação (realização pela Impugnante de controlos HACCP) afirmou: “.. Apesar dos principais beneficiários das atividades que incumbe ao Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais financiar, serem os consumidores em geral, não deixa também de aproveitar aos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, uma vez que tais atividades contribuem para o cumprimento do dever que sobre eles incide de garantir que os géneros alimentícios que comercializam preencham os requisitos legais, acabando por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo”; IX. Dúvidas não podem restar que os controlos realizados internamente pela Recorrente apenas dizem respeito à forma como ela manuseia os produtos e nada mais e não são diferentes daqueles que os demais operadores do ramo, desde restaurantes a produtores de queijo, têm também de realizar independentemente da existência de outras ações que a Administração leva a cabo ou determina que os operadores realizem; X. Não se pode, pois, pretender, como a Recorrente, que pelo facto de cumprirem essas obrigações os agentes económicos devam ser dispensados de contribuir financeiramente para o sustento dos custos dos controlos realizados pelo Estado no âmbito da segurança alimentar, como aliás no mesmo sentido concluiu o Venerando Tribunal Constitucional; XI. E tanto assim é que, por exemplo, o Regulamento 882/2004 dispõe (cf. o art.º1.º n.º 4) que “a realização de controlos oficiais nos termos do presente regulamento não afecta a responsabilidade legal principal dos operadores das empresas do sector dos alimentos para animais e do sector alimentar, que consiste em garantir a segurança dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios nos termos do Regulamento (CE) n.o 178/2002, nem a responsabilidade civil ou penal decorrente do incumprimento das suas obrigações”; XII. E, nem de outra forma poderia suceder, pois, como é evidente, a segurança alimentar não começa nem termina nas operações de controlo executadas pela Recorrente, ou seja, no quadro da segurança alimentar, é normal e exigível que as ações de autocontrolo e autorregulação convivam (não substituam) com os indispensáveis mecanismos de hétero-regulação previstos na lei; XIII. Tudo o restante, isto é, tudo o que nas etapas anteriores foi realizado de forma a prevenir a segurança dos produtos que vende e que só poderia vender se elas tivessem sido realizadas, não foi por si assegurado, sem embargo de delas se aproveitar; XIV. A Recorrente, apesar da posição do Tribunal Constitucional, insiste que a TSAM é um imposto, mas sem razão, apesar de se reconhecer que o carácter comutativo, direto, entre a TSAM e as prestações que, em parte, se destina a custear, não ocorrer não se pode deduzir que é um imposto. De facto, ao contrário deste, embora comungue da natureza coativa que lhe é própria (mas que igualmente se verifica nas taxas) ela destina-se, como vimos a custear ações muito específicas de que a impugnante beneficia, pelo que, como as taxas, tem uma natureza comutativa ou, pelo menos, paracomutativa, não sendo a TSAM desse ponto de vista, muito diferente das antigas “taxas” cobradas pelos Organismos de Coordenação Económica ou das modernas “taxas” cobradas pelos reguladores económicos, umas e outras destinadas a financiar atividades específicas de que são alvo determinados sectores ou grupos, que delas colhem frutos. Seguindo a lição de Sérgio Vasques, que acompanhamos, a TSAM integrar-se-á, pelas características que reveste e que analisámos numa figura diversa do imposto e da taxa, que é o das contribuições. XV. As quais se podem definir, segundo o ilustre professor, como “..as prestações pecuniárias e coactivas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo”. Ora, não há dúvida que o “Fundo de Segurança Alimentar Mais”, em favor do qual é cobrada a TSAM, tem como atribuições “a proteção da segurança alimentar e da saúde do consumidor e do cumprimento das normas europeias em matéria de qualidade alimentar” o que, como se referiu, tudo se traduz no custeio de um sem número de prestações administrativas de que a Recorrente, como elo final da cadeia económica do ramo alimentar, vai aproveitar. XVI. Assim e a título de mero exemplo, o «Fundo» financia o SIRCA, sistema de recolha de animais mortos em exploração (cfr. o Regulamento 1069/2009 e em particular os artigos 9.º e 13.º), os controlos veterinários (Diretiva 97/78/CE) as inspeções sanitárias e as ações previstas no Plano Nacional Veterinário em particular as destinadas à prevenção de doenças. XVII. Tudo (incluindo o Sirca) prestações direcionadas à manutenção da segurança alimentar dos produtos que a Impugnante vende aos seus clientes e que não são sustentadas pela cobrança dos demais tributos que constituem receita do FUNDO. XVIII. Prestações que têm como objetivo a segurança alimentar dos produtos que a Impugnante, repete-se, como elo final da cadeia económica de produção e venda de produtos alimentares, vai aproveitar porque os produtos que põe à venda têm, quando são expostos nos seus estabelecimentos, um sem número de ações financiadas pelo Fundo que lhes garantem a qualidade e que permitem à Impugnante a sua exposição e venda, em segurança. XIX. Não colhe, assim, a argumentação, de que os sujeitos passivos da “Taxa“ estão também eles sujeitos ao cumprimento de uma série de exigências relacionadas com a segurança e qualidade alimentares e, por essa via, estariam «isentos» de contribuir para outras despesas, porquanto, os controlos realizados internamente pela impugnante apenas dizem respeito à forma como ela manuseia os produtos e nada mais e não são diferentes saqueles que os que os demais operadores do ramo, desde restaurantes a produtores de queijo, têm também de realizar, não dispensando a Administração de empreender, como se disse, uma miríade de ações preventivas destinadas a assegurar a qualidade dos produtos que a recorrente vende e sem as quais não poderia, ao menos em segurança, transacionar. XX. Podemos, por isso, concluir, com segurança, que a TSAM se pode qualificar como uma contribuição financeira, usando a terminologia constitucional atual; XXI. Por outro lado o facto de o «Fundo» gastar, num determinado ano, uma percentagem maior das suas receitas para financiar uma das duas atividades, in casu, na argumentação da Recorrente, o Sirca, nada altera a destinação da TSAM como financiadora de ações de segurança alimentar. Desde logo porque, a recolha de cadáveres nas explorações é um elemento essencial dessa segurança; depois porque não é o facto de o orçamento (do Estado ou, no caso, do Fundo) aplicar uma maior percentagem de receita para sustentação desta ou daquela despesa, que lhe retira (a esse orçamento) o carácter universalista que detém na recolha das receitas das taxas que o compõem e na aplicação das mesmas às despesas inerentes às atribuições que prossegue. A carência, num determinado ano, de outras receitas para financiar outras ações do Fundo em nada desvirtua a natureza da TSAM. Ou seja, as conclusões que a Recorrente retira desta distribuição de receitas e despesas, são completamente infundadas quando não mesmo atrevidamente incorretas; XXII. Argumenta a recorrente que a TSAM viola o regime comunitário no que concernente aos auxílios de Estado, por considerar que: i) o Sirca é um auxílio de Estado, ilegal, face ao disposto nos art.sº 107.º e 108.º do TFUE; ii) Sendo um auxílio ilegal essa ilegalidade como que «contamina» a TSAM, que serve para o seu financiamento. Baseia-se, para tanto, na suposição de que a taxa aqui em causa financia o Sirca e de este constituir de acordo com o disposto no TFUE uma auxílio de estado ilegal - ilegalidade que, afirma, se «estende» também às fontes de financiamento e mais concretamente à TSAM. No entanto a Recorrente labora em erro ao encarar o problema de forma inversa àquela pela qual ele deve ser analisado pois, saber se o Sirca constitui um «auxílio de Estado» é matéria que diz respeito à legalidade do «apoio» prestado mas não à legalidade da TSAM e é matéria que se encontra subtraída ao exame dos tribunais nacionais; XXIII. De todo o modo, o ponto de partida da Recorrente, repisando infundada alegação que já por diversas vezes foi demonstrado ser incorreta, é a de que a TSAM se destina a financiar o Sirca. Ora, como se nos afigura evidente a TSAM não tem como destino o financiamento do Sirca, o que inquina desde logo toda e qualquer conclusão que se pretenda extrair dessa errónea afirmação, porque para financiar o Sirca existe uma taxa própria; XXIV. O que acontece é que por razões conjunturais e que se prendem com o custo do serviço, o montante arrecadado pode não ser suficiente em dado ano para fazer face à despesa, pelo que, no conjunto de medidas de controlo da segurança alimentar que incumbem ao Fundo de Segurança Alimentar Mais assegurar, este lança, assim, mão de outras receitas de que dispõe e entre elas, se fora caso disso, as provenientes da cobrança da TSAM; XXV. O Fundo gere as receitas de que dispõe da forma mais adequada em ordem a fazer face às despesas que tem de realizar em cada momento no cumprimento da sua missão e tem inteira liberdade para afetar as receitas provenientes da TSAM ao financiamento de planos de vacinação das OPP ou à erradicação da «língua azul» ou, ainda e também, ao Sirca; XXVI. Quem sustenta o Sirca é o “Fundo” através das suas receitas e entre estas em primeiro lugar, claro, pela taxa respetiva e em seguida pelos saldos de que dispuser, sendo, por isso, falso, enganador e incorreto tentar fazer passar a ideia de que o Sirca é financiado pela cobrança da TSAM ou que esta se destina primacialmente a custear aquele «sistema» pois, em 2015, por exemplo, as receitas do Sirca ultrapassaram as da TSAM; XXVII. Por outro lado e como resulta do texto do D.L. 119/2012 a TSAM não tem como destinação o Sirca (ou a língua azul, ou os planos de vacinação ou a prevenção via OPP), mas o financiamento da segurança alimentar em geral, e, por isso, as conclusões que a Recorrente pretende extrair de tal, erróneo facto, são absolutamente incorretas e imprestáveis para sustentar a alegação da ilegalidade da taxa impugnada. XXVIII. Convém, ainda, referir contrariamente ao alegado pela Recorrente, que o que constitui «auxílio», na aceção do Tratado da União Europeia, é o serviço prestado pelo Estado através do Sirca e não a fonte de financiamento a qual é indiferente para a qualificação, como auxílio, da despesa em questão. XXIX. Aliás, a esmagadora maioria dos auxílios é financiada por recurso a verbas do orçamento do Estado, e se aqueles forem ilegais aos olhos dos tratados tal ilegalidade não se estende ao Orçamento, pelo que o raciocínio que a Impugnante faz a este propósito é, no mínimo, infundado; XXX. Ora como defendemos as receitas provenientes da cobrança da TSAM não estão adstritas ao financiamento de quaisquer medidas específicas, significando tal facto que não existe uma relação de afetação obrigatória entre o produto da TSAM e o financiamento do SIRCA, por força da legislação nacional; XXXI. Assim sendo, tal como descrito no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, são diversas as taxas que concorrem para o financiamento dos objetivos prosseguidos pelo FSAM, constituindo a TSAM uma dessas taxas; XXXII. Consistindo os objetivos do FSAM em assegurar o financiamento das ações necessárias no âmbito da defesa da saúde animal e da garantia da segurança dos produtos de origem animal e vegetal – vide o Preâmbulo da Portaria 215/2012; XXXIII. A TSAM é uma das muitas taxas que contribuem para a receita do FSAM, não se encontrando aquela adstrita a uma finalidade específica. XXXIV. Nesse sentido, contrariamente ao que é referido pela Recorrente, concorrendo a taxa cobrada aos utilizadores ou beneficiários do SIRCA para a receita do FSSAM - alínea a) do número 1 do artigo 4.º do Decreto-lei n.º 119/2012, - a concretização do princípio do poluidor-pagador ficou devidamente demonstrada, no nexo de causalidade existente entre a obrigatoriedade de pagamento de uma taxa pela utilização do SIRCA e a aplicação dessa taxa aos utilizadores ou beneficiários do SIRCA maxime o DL 33/2017, de 23/3 e os parágrafos 34 a 36 da Decisão n.º C(2013)1910 da Comissão Europeia; XXXV. Pelo que se conclui ser o nexo de causalidade estabelecido pela Recorrente é incorreto uma vez que as receitas provenientes da cobrança da TSAM não estão adstritas ao financiamento de quaisquer medidas específicas; XXXVI. Mais, a jurisprudência do TJUE citada não é subsumível ao caso concreto e as conclusões, retiradas da Decisão n.º C(2013)1910 da Comissão Europeia, são interpretadas de forma descontextualizada, torna-se oportuno trazer à colação, o Acórdão proferido em 27 de outubro de 2005 - Distribution Casino France e Outros vs. Caisse nationale de l'organisation autonome d'assurance vieillesse des travailleurs non salariés des professions industrielles et commerciales (Organic), processo n.º C-266/04 a C-270/04, C-276/04 e C-321/04 a C-325/04 (designado por Casino France e Outros) - processo que se debruçou sobre a legalidade, à luz dos artigos 107.º e 108.º do TFUE, de uma taxa francesa de auxílio ao comércio e ao artesanato, que incide sobre os mesmos sujeitos passivos i.e. os estabelecimentos de comércio a retalho localizados em França, e é calculada em função da superfície comercial e do volume de negócios desses estabelecimento; XXXVII. O pedido efetuado pelos sujeitos passivos, nesse processo, era igualmente o da anulabilidade dos atos de liquidação do tributo e reembolso dos montantes pagos, por considerarem que aquele tributo - taxa francesa de auxílio ao comércio e ao artesanato - constituía um auxílio de Estado ilegal. Nessa medida, o TJUE considerou que “ (…) as taxas não entram no âmbito de aplicação das disposições do Tratado CE relativas aos auxílios de Estado, a não ser que constituam o modo de financiamento de uma medida de auxílio de tal forma que façam parte integrante dessa medida”(Casino France e Outros, parágrafo 34); XXXVIII. Da mesma forma, “… para que se possa considerar que uma taxa faz parte integrante de uma medida de auxílio, deve existir uma relação de afetação obrigatória entre a taxa e o auxílio por força da legislação nacional pertinente, no sentido de o produto da taxa ser necessariamente destinado ao financiamento do auxílio”, ora, como defendemos, as receitas provenientes da cobrança da TSAM não estão adstritas ao financiamento de quaisquer medidas específicas, significando tal facto que não existe uma relação de afetação obrigatória entre o produto da TSAM e o financiamento do SIRCA, por força da legislação nacional; XXXIX. Nessa medida, o objetivo de criação da TSAM, tal como referido no preâmbulo do Decreto-lei n.º 119/2012, foi o de estabelecer uma responsabilidade financeira partilhada “ … através de uma contribuição financeira obrigatória que assegure a equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que todos são destes beneficiários”, conforme se pode constatar pelo Preâmbulo do Decreto-lei n.º 119/2012, significando isto que a imposição da TSAM aos sujeitos passivos em causa, não “ … é ilegal à luz [do TFUE]”( Conclusões da Advogada-Geral no processo n.º C-266/04 a C-270/04, C-276/04 e C-321/04 a C-325/04, parágrafo 38.), se não criar uma vantagem seletiva, na medida em que, “ … o conceito de auxílio não visa as medidas que criam uma diferenciação entre empresas em matéria de encargos quando essa diferenciação resultar da natureza e da economia do sistema de encargos em causa» (Conclusões da Advogada-Geral no processo n.º C-266/04 a C-270/04, C-276/04 e C-321/04 a C-325/04, parágrafo 47.), e fazendo uso, novamente, do que foi referido pelo Advogado-Geral, nas Conclusões apresentadas em 22 de janeiro de 2015, no processo n.º C-15/14P parágrafos 47, 53 e 54: 47. Esta exigência de seletividade ou — para retomar um outro termo frequentemente utilizado — de «especificidade» da medida deve ser claramente distinguida da deteção de uma vantagem económica. Por outras palavras, uma vez detetada a presença de uma vantagem, considerada em sentido lato, decorrente direta ou indiretamente de uma dada medida, compete ainda à Comissão demonstrar que essa vantagem se dirige especificamente a uma ou a várias empresas. Em especial, compete à Comissão demonstrar que a medida introduziu diferenciações entre as empresas que estão, em relação ao objetivo prosseguido, numa situação comparável. O que é abolido não é a concessão de uma vantagem enquanto tal, mas o facto de essa concessão, efetuada de maneira discriminatória e seletiva, ser suscetível de colocar algumas empresas numa situação mais favorável do que outras. (…) 53. Isso implica identificar se a medida em questão, não obstante a constatação de que confere uma vantagem de alcance geral, o faz em «benefício exclusivo de certas empresas ou certos sectores de atividade». Esta diligência procura, segundo uma outra fórmula, assegurar que as medidas estatais não introduzem uma diferenciação entre as empresas — ou mais precisamente entre os operadores que se encontram, tendo em conta o principal objetivo assinalado ao sistema nacional em causa, numa situação factual e jurídica comparável — não justificada pela natureza e pela economia do sistema em causa. 54. Embora os Estados-Membros beneficiem de uma certa margem de manobra na definição da respetiva política fiscal, industrial ou ainda social, do ponto de vista do direito dos auxílios estatais, estes não podem funcionar de maneira discriminatória. Neste sentido, deve sublinhar-se que o conceito de seletividade está relacionado com o de discriminação e, assim, que se admite que não é necessariamente proibido prever medidas pelas quais a autoridade dispõe de uma certa margem de apreciação.” XL. Sem esquecer o que foi referido pelo Tribunal Constitucional, sobre a aplicabilidade do princípio da não discriminação à incidência subjetiva da TSAM:“ (…) não faz sentido dizer-se que a seleção dos operadores da distribuição retalhista constitui uma discriminação inexplicada, relativamente aos restantes intervenientes económicos do ramo alimentar, uma vez que a sua seleção visou precisamente fazê-los participar no financiamento de atividades onde os outros já participam através do pagamento de diferentes tributos. Não parece, nesta perspetiva, que a incidência do tributo sobre um grupo delimitado de pessoas, com especiais responsabilidades na concretização do objetivo da qualidade e segurança alimentar e que partilham com outros operadores sobre os quais recaem outros tributos, o aproveitamento presumível do benefício resultante das atividades estaduais no domínio em causa, na base de uma responsabilidade de grupo, ponha em causa o princípio da equivalência, enquanto reflexo de uma ideia de igualdade.”(pag. 28). XLI. Nestes termos, as consequências que a Recorrente pretende retirar quanto à não exigibilidade do pagamento de uma contribuição financeira como a TSAM são falsas, não existindo qualquer fundamento jurídico para a anulabilidade do ato de liquidação, ora posto em crise, com fundamento na violação dos pressupostos do número 1 do artigo 107.º e número 3 do artigo 108.º do TFUE. XLII. Pois, o número 1 do artigo 107.º do TFUE deve ser interpretado no sentido em que, nas circunstâncias do caso concreto, a Taxa de Segurança Alimentar Mais, incidindo apenas sobre os estabelecimentos de comércio alimentar ou misto, não é abrangida pelo conceito de auxílio de Estado, na aceção dada por este artigo, atendendo a que a base jurídica da TSAM assenta no poder reservado à esfera de soberania do Estado em matéria fiscal, sendo certo que “o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, nos termos do número 1 do artigo 103.º da CRP; XLIII. A TSAM constitui uma receita fiscal que tem por objetivo satisfazer as despesas incorridas com medidas de proteção da saúde dos consumidores, através da prevenção da disseminação de agentes patológicos que possam afetar a fauna e flora, e de investimento na melhoria da qualidade, inovação e variedade dos géneros alimentícios; XLIV. Não sendo admissível que, os sujeitos passivos sobre os quais recai esta contribuição financeira, i.e. os titulares de estabelecimentos de comércio alimentar que desenvolvam uma atividade de comércio alimentar a retalho se furtem ao seu pagamento, invocando a existência de um auxílio de Estado putativamente ilegal e incompatível com o mercado interno, quando é certo nada provar a afetação e falseamento da concorrência entre produtores pecuários no mercado interno da União, ou que o princípio da não discriminação tenha sido violado, determinando a existência de uma vantagem seletiva atribuída aos agricultores portugueses face aos demais agricultores da União Europeia. XLV. De acordo com a análise efetuada pela Comissão Europeia na Decisão n.º C(2013) 1910, os moldes em que o financiamento do SIRCA é efetuado são conformes com o Direito da União Europeia, beneficiando de uma derrogação às regras gerais, prevista na alínea c) do número 3 do artigo 107.º do TFUE, sendo compatíveis com o mercado interno estando, por essa via, sanada qualquer ilegalidade relativa à sua notificação, inexistindo, assim, qualquer fundamento de ilegalidade que – a admitir-se, o que apenas se equaciona a benefício do raciocínio que segue, que a TSAM estivesse afeta ao financiamento do Sirca – pudesse pôr em causa a conformidade da TSAM com o Direito da União Europeia e, desse modo, fosse suscetível de contaminar a validade jurídica dos atos de liquidação da TSAM efetuados; XLVI. Por maioria de razão se devendo concluir pela inexistência de ilegalidade porquanto a TSAM, como amplamente demonstrado não está afeta ao financiamento do Sirca, aliás torna-se oportuno concluir que a TSAM pode financiar outras atribuições do Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais, não podendo tal ser encarada como um auxílio público aos produtores pecuários beneficiários do SIRCA, XLVII. Não é, assim, passível de qualquer censura a douta sentença recorrida. XLVIII. Relativamente ao reenvio prejudicial reclamado pela Recorrente, sempre se dirá que contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer, o TJUE, em sede prejudicial, já se pronunciou sobre a TSAM, designadamente no Acórdão de 26 de julho de 2017, proferido no processo C-519/16 com a epigrafe: «Reenvio prejudicial – Aproximação das legislações – Regulamento (CE) n. o 882/2004 – Controlos oficiais dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios – Financiamento dos controlos oficiais – Artigos 26.° e 27.° – Fiscalidade geral – Taxas ou encargos – Taxa sobre os estabelecimentos de comércio alimentar» No processo C-519/16, que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267. o TFUE, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (Portugal), por decisão de 5 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de outubro de 2016, no processo S..... – S...... Lda contra Fazenda Pública” XLIX. Que teve por objeto “O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 26.° e 27.° do Regulamento (CE) n.º 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo aos controlos oficiais realizados para assegurar a verificação do cumprimento da legislação relativa aos alimentos para animais e aos géneros alimentícios e das normas relativas à saúde e ao bem-estar dos animais (JO 2004, L 165, p. 1; e retificação no JO 2004, L 191, p.1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n. o 652/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (JO 2014, L 189, p. 1) (a seguir «Regulamento n. o 882/2004»), bem como dos artigos 107.° e 108.° TFUE e dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, da livre concorrência e da liberdade de empresa. 2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a S..... – S...... Lda (a seguir «S.») à Fazenda Pública (Portugal) a propósito do pagamento de uma taxa que se destina a financiar os custos referentes à execução dos controlos oficiais em matéria de segurança alimentar e de proteção e sanidade animal e vegetal. LX. e onde se concluiu “(…) relativo aos controlos oficiais realizados para assegurar a verificação do cumprimento da legislação relativa aos alimentos para animais e aos géneros alimentícios e das normas relativas à saúde e ao bem-estar dos animais, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n. o 652/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à aplicação de uma taxa, como a que está em causa no processo principal, apenas aos estabelecimentos de comércio alimentar a retalho, sem que a receita gerada por essa taxa sirva para financiar especificamente os controlos oficiais de que esses sujeitos passivos são causadores ou beneficiários.” XLI. Por tudo o supra exposto, só se pode concluir que não assiste qualquer razão à Recorrente, atendendo a que contrariamente ao alegado por esta quer o Tribunal Constitucional quer o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciaram sobre as questões trazidas à colação pela Recorrente relativamente à Taxa de Segurança Alimentar Mais e em ambas nada encontrou em desconformidade quer com a Lei, quer com a Constituição e até com o Direito da União Europeia. XLII. Assim, a pretensão da Recorrente só pode ser considerada totalmente improcedente, por não lhe assistir qualquer razão como ficou demonstrado; XLIII. Não sendo, de todo, pois, passível de qualquer censura a douta sentença recorrida. Nestes termos e no mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve o recurso ser indeferido, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida. Fazendo, assim, a costumada JUSTIÇA.”. * * A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.* * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter julgado improcedente a impugnação judicial em virtude de, a TSAM ser uma contribuição financeira e não se verificar a sua inconstitucionalidade material por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto concretização do princípio da igualdade, nem violar o direito da União Europeia. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: a) A Impugnante, «C......, S.A.», é uma sociedade do setor da distribuição, que detém e gere os estabelecimentos de comércio de produtos alimentares a retalho, com as insígnias «C.» e «C. M.», abertos ao público e em funcionamento (facto não controvertido); b) No dia 14-06-2019, a DGAV emitiu a fatura n.º …….05, em nome da Impugnante, no valor de €227.375,46, com o descritivo «Taxa de Segurança Alimentar Mais – 1.ª Prestação do Ano de 2019 (Decreto-Lei n.º 119/2012, Portarias n.º 215/2012, n.º 200/2013 e n.º 326/2018) referente a 50% do valor da taxa anual (7€/m2)» (provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial); c) Através do ofício n.º 010065, de 17-06-2019, do «Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais», a Impugnante foi notificada do teor do documento identificado na alínea anterior, podendo no mesmo ler-se nomeadamente o seguinte: «(…) Assunto: TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS (TSAM) - 2019 O Decreto-Lei n.° 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.° 1 do artigo 9.° do mencionado diploma. Para o ano de 2019 a TSAM é de 7€ por metro quadrado de área de venda do estabelecimento comercial, nos termos do art.º 1.º da Portaria n.° 326/2018 de 14 de dezembro. Nos termos do n.° 3 do artigo 5.° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar, o que sucedeu, tendo V. Exas. informado das respetivas áreas do estabelecimento. Em conformidade com o reportado, foi elaborada a presente liquidação, suportada nos dados comunicados, corrigidos de eventuais alterações que nos tenham sido apontadas no prazo da audiência prévia, concedida ao abrigo do disposto no artigo 45° do Código de Procedimento e de Processo Tributário bem como no n.° 1 do artigo 60° da Lei Geral Tributária. Nestes termos considerando os valores já indicados somos a proceder ao envio das faturas correspondentes às 1.ª e 2.ª prestação, para o ano de 2019, da TSAM. O montante devido pela TSAM do ano de 2019 é de 454 750,93 € (quatrocentos e cinquenta e quatro mil, setecentos e cinquenta euros e noventa e três cêntimos), dividido em duas prestações, conforme faturas n.° 305/F e 306/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação daquela taxa fixada no artigo l.° da Portaria n.° 326/2018, de 14 de dezembro, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas do n.° 1 do artigo 2.° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho e do artigo l.° da Portaria n.° 200/2013, de 31 de maio, sendo os cálculos para a determinação do valor da liquidação da TSAM os seguintes: Somatório da Área Bruta de 96 535,71 estabelecimentos X Coeficiente de ponderação aplicado a cada uma das áreas dos 25 estabelecimentos (n.° 1 do art.º 1.° da portaria n.° 200/2013 de 31 de maio) = Somatório da Área Ponderada de 64 964,42 estabelecimentos (n.º 1do art.° 1.º da portaria n.° 200/2013 de 31 de maio). e Somatório da Área Ponderada de estabelecimentos (n.º 1 do art.º 1.° da portaria n.° 200/2013 de 31 de maio) x Valor da TSAM para 2019 (art.° 1.º da portaria n.° 326/2018 = 7 €) = Montante da STAM para o ano de 2019. (…)» (provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial e fls. 65 e 66 do processo administrativo tributário, incorporado no SITAF); d) Em 11-07-2019, a Impugnante efetuou o pagamento da prestação identificada na alínea b) do probatório (provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial). * Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.* Para a formação da convicção do Tribunal na fixação da matéria de facto, provada e não provada, foram determinantes os elementos documentais constantes dos autos, em especial os elementos constantes do processo administrativo tributário junto aos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas, bem como a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.”.* * * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITONos presentes autos a Recorrente insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida contra o acto de liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) respeitante à primeira prestação do ano de 2019, invocando erro de julgamento porquanto, não obstante a jurisprudência invocada na sentença recorrida, entende que atenta à situação concreta, a TSAM não pode ser qualificada como uma contribuição financeira, mas antes um imposto, pelo que é organicamente inconstitucional nos termos da alínea i) do art. 165.º da CRP porque os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da atividade estadual e cujo financiamento o tributo se destina, pelo que mesmo que fossem presumíveis causadores ou beneficiários da atividade em causa sempre tal presunção se encontra ilidida. Sendo que a violação do princípio da legalidade revela-se com “elevadíssimo grau de intensidade” porque não só o tributo foi criado por Decreto-Lei não autorizado, como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertido em portarias (conclusões A) a G) das alegações de recurso). Invoca ainda a inconstitucionalidade material da TSAM, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto concretização do princípio da igualdade (art. 13.º do CRP) porque, por um lado, a base de incidência subjectivas não atinge todos os contribuintes que com a receita alegadamente o Estado se propõe beneficiar, e por outro lado, a base de incidência subjectivas apenas se aplica a algumas empresas de comércio alimentar a retalho em função das respectivas áreas, trata-se de um imposto apurado através de uma aproximação indirecta ou presumida, sobrepondo-se ao IRC verificando-se uma consagração sistemática da dupla tributação jurídica porque os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (conclusões H) a Q) das alegações de recurso).
Apreciando.
Para o efeito destacamos que sobre a mesma matéria a que se reporta os presentes autos, sendo as conclusões de recurso formuladas de forma idêntica, este Tribunal Central Administrativo Sul proferiu Acórdão em 28/10/2021 no processo nº 552/16.3BESNT cujo entendimento seguiremos sem reservas e que de seguida se transcreve com as necessárias adaptações tendo em vista a aplicação uniforme do Direito, destacando-se, no que aqui releva, o seguinte: “Sobre as questões relativas à inconstitucionalidade orgânica e material das normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho suscitadas pela Recorrente foi decidida pelo acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional (TC) n.º 539/15, de 20/10/2015, processo n.º 27/15, o qual decidiu «não julgar inconstitucional as normas». Esta decisão do Plenário foi reiterada posteriormente pelos acórdãos do TC n.ºs 544/15, 564/15, 565/15, 566/15, 568/15 todos de 28/10/2015. De igual modo, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional o n.º 1, do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, que alterou os critérios para a determinação do âmbito de incidência da TSAM, designadamente os acórdãos n.º 770/2017, de 16/11/2017, n.º 639/2017 de 4/10/2017, e n.º 399/2017 de 12/07/2017. Ora, ao contrário do que a Recorrente pretende defender, a questão de constitucionalidade objeto do presente recurso não apresenta qualquer especificidade relevante para a apreciação da questão da inconstitucionalidade orgânica e material que se encontra vertida no acórdão do TC 539/15, de 20/10/2015, que de resto foi seguido pela sentença recorrida, e por essa razão não merece qualquer censura. Com efeito, a fundamentação expendida naquele Acórdão é transponível para o caso em apreço, e, portanto, haverá que concluir pela aplicação daquela jurisprudência, pela não inconstitucionalidade orgânica e material que ora vêm sindicadas pela Recorrente. Em suma, a TSAM tem sido de forma reiterada qualificada pelo TC de contribuição financeira, e os argumentos avançados pela Recorrente não são aptos a afastar aquela qualificação, designadamente, de que se os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efetivos da atividade estadual e cujo financiamento o tributo se destina, pelo que mesmo que fossem presumíveis causadores ou beneficiários da atividade em causa sempre tal presunção se encontra ilidida (conclusão A) das alegações de recurso) na medida em que a taxa de segurança alimentar constitui uma contribuição porque se destina à compensação de prestações que só presumivelmente são causadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos, ou seja, não carecem de ser efetivamente causadas ou aproveitadas por aqueles (como sucede nas taxas), bastando que se conjeture, que sejam prováveis quanto ao “indivíduo”, pese embora certas quanto ao “grupo” (sector em que o sujeito passivo se integra), e portanto, é irrelevante, in casu, qualquer ilisão de presunção. De igual modo, e no que diz respeito à invocada inconstitucionalidade material da TSAM, designadamente quanto ao critério de incidência subjetiva, também quanto a esta o TC nos acórdãos supra referidos sobre ela se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade, não alterando tal juízo as alegações da Recorrente, porque não se tratam de verdadeiras questões novas que pudessem alterar o sentido de constitucionalidade das normas em causa, mas tão-somente argumentos adicionais para reforçar uma tese já afastada pelo TC, ou seja, esses argumentos não são suscetíveis a conduzir a um juízo diferente daquele reiterado pelo TC. Portanto, e sem mais considerações por desnecessárias, não se verifica a inconstitucionalidade orgânica e material da TSAM que a Recorrente invoca sendo de seguir sobre essa matéria toda a jurisprudência do TC suprarreferida, sendo que, aqui transcrevemos parte do acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional (TC) n.º 539/15, de 20/10/2015, em tudo aplicável ao caso dos autos: “2. Da alegada inconstitucionalidade orgânica O presente recurso vem interposto da sentença de primeira instância que, em processo de impugnação judicial de ato liquidação, recusou a aplicação da norma do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, que criou a “taxa de segurança alimentar mais”, e das normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, que regulamentam, respetivamente, o regime de isenção e o valor daquela taxa para o ano de 2013. O julgamento de inconstitucionalidade que conduziu à recusa de aplicação das normas resultou de a referida “taxa de segurança alimentar mais” ter sido caracterizada, não obstante o seu nomen juris, como uma contribuição financeira a favor de entidade pública e de ter sido criada por decreto-lei não autorizado, quando ainda não se encontra definido por lei parlamentar o regime geral das contribuições financeiras que, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, constitui reserva de competência legislativa da Assembleia da República. O Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, cria, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais que é definido como «um património autónomo, sem personalidade jurídica e dotado de autonomia administrativa e financeira» cuja direção compete, por inerência, ao diretor-geral de Alimentação e Veterinária, coadjuvado pelo diretor da unidade orgânica com competência em matéria financeira da DGAV (artigos 2.º e 6.º). Os objetivos do Fundo enquadram-se na proteção da segurança alimentar e da saúde do consumidor e no cumprimento das normas europeias em matéria de qualidade alimentar, nomeadamente: (a) financiar os custos de execução dos controlos oficiais no âmbito da segurança alimentar, proteção animal e sanidade animal, proteção vegetal e fitossanidade; (b) apoiar a prevenção e erradicação das doenças dos animais e das plantas, bem como das infestações por parasitas, designadamente com controlos sanitários, testes e outras medidas de rastreio, compra e administração de vacinas, de medicamentos e de produtos fitofarmacêuticos, abate e destruição de animais e destruição de culturas; (c) apoiar a preservação do património genético ou em matéria de encefalopatias espongiformes transmissíveis; e (d) incentivar o desenvolvimento da qualidade dos produtos agrícolas (artigo 3.º). A atividade do Fundo consubstancia-se na concessão de apoios financeiros a projetos, iniciativas e ações que visem a prossecução dos objetivos acima referidos, sendo seus potenciais beneficiários, nos termos dos artigos 7.º e 8.º, n.º 1, do Regulamento de Gestão do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, aprovado pela Portaria n.º 214/2012 de 17 de junho: a) a DGAV; b) outros serviços e organismos do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território; c) demais entidades públicas, compreendendo os serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, as autarquias locais e as empresas do setor empresarial do Estado. São receitas do Fundo, entre outras que se encontram discriminadas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, o produto da “taxa de segurança alimentar mais”, que está regulada no artigo 9.º do mesmo diploma nos seguintes termos: Artigo 9.º Taxa de segurança alimentar mais 1 — Como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura. 2 — Estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que: a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2; b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2. 3 — Para efeitos do presente diploma, entende-se por «estabelecimento de comércio alimentar» o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro. Como resulta da respetiva nota preambular, a aprovação do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, insere-se numa política de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores e assenta num princípio da responsabilização de todos os agentes económicos intervenientes em matéria de segurança e qualidade alimentar, em aplicação de normas de direito europeu que consagram a «obrigação de financiamento dos custos referentes à execução dos controlos oficiais por parte dos Estados membros, conferindo a estes a possibilidade de obterem os meios financeiros adequados através da tributação geral ou da criação de taxas ou contribuições especiais a suportar pelos operadores». Ainda segundo o preâmbulo do diploma sob análise, tendo em conta que se encontram já instituídas diversas taxas destinadas a suportar financeiramente os atos de verificação e controlo que incidem quer sobre produtores pecuários e estabelecimentos que laboram produtos de origem animal e também, em geral, sobre os produtores, distribuidores e comerciantes, o diploma, mediante a criação da “taxa de segurança alimentar mais”, pretende «estender a todos os operadores da cadeia alimentar a responsabilidade pelo referido financiamento, através de uma contribuição financeira obrigatória que assegure a equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que todos são destes beneficiários». Tal como resulta do transcrito artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a “taxa de segurança alimentar mais”, cujo valor para 2013 foi definido pelo artigo 4.º da Portaria n.º 215/2012 de 17 de julho, é tida como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar e o seu pagamento incide sobre titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal por aplicação de um valor unitário em função da área do estabelecimento, mas com exclusão dos estabelecimentos com área inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas que preencham as condições previstas nas alíneas a) e b), do n.º 2, desse artigo, e regulamentadas no artigo 3.º da Portaria n.º 2015/2012, de 17 de julho. Como o Tribunal tem sublinhado noutras ocasiões, a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o nomen juris atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/08, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, tal como os restantes acórdãos do Tribunal Constitucional que adiante se referem). No caso presente, com a instituição da “taxa de segurança alimentar mais” pretende-se uma participação dos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal no financiamento dos custos dos programas oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores. Apesar dos principais beneficiários das atividades que incumbe ao Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais financiar, serem os consumidores em geral, não deixa também de aproveitar aos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, uma vez que tais atividades contribuem para o cumprimento do dever que sobre eles incide de garantir que os géneros alimentícios que comercializam preencham os requisitos legais, acabando por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo. É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto. O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária). A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, «a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte» (SÉRGIO VASQUES, em “Manual de Direito Fiscal‖, pág. 207, ed. de 2011, Almedina) Entretanto, a revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, SÉRGIO VASQUES, ob. cit., pág. 221, e SUZANA TAVARES DA SILVA, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2ª edição, Coimbra Editora). Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa. Como sublinha CARDOSO DA COSTA, a este propósito, por via dessa autonomização, o teste da bilateralidade, no sentido preciso que lhe era atribuído como característica essencial do conceito de taxa, deixou de poder ser sempre decisivo para resolver os casos duvidosos ou ambíguos quanto à natureza do tributo; e deixou de poder manter-se, também, a orientação jurisprudencial que tendia a qualificar como imposto, mormente para efeito da aplicação do correspondente regime de reserva parlamentar, as receitas parafiscais que não pudessem ser qualificadas tipicamente como taxas (em “Sobre o Princípio da Legalidade das Taxas e das demais Contribuições Financeiras, in «Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcelo Caetano», vol. I, pág. 806-807, ed. de 2006, Coimbra Editora; sobre a jurisprudência mencionada, cfr. o acórdão do o Tribunal Constitucional n.º 152/2013). No caso vertente, poderá afirmar-se que a “taxa de segurança alimentar mais” não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo antes tida como contrapartida de todo um conjunto de atividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar. E também porque o facto gerador do tributo não é a prestação individualizada de um serviço público mas a mera titularidade de um estabelecimento de comércio alimentar, sendo o valor da taxa calculado, com base na área de venda do estabelecimento e não com base no custo ou encargo que a atividade de controlo da segurança e qualidade alimentar poderia gerar. Mas a “taxa de segurança alimentar mais” não pode também ser qualificada como um imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever geral de cidadania, mas unicamente contribuir para o financiamento de uma atividade continuada de controlo e fiscalização da cadeia alimentar mediante a consignação das receitas a um Fundo que tem a missão específica de apoiar financeiramente projetos, iniciativas e ações a desenvolver nessa área. Na verdade, como resulta do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a “taxa” de segurança alimentar mais” é precisamente uma contribuição para o financiamento da atividade de garantia de segurança e qualidade alimentar. É uma comparticipação nas receitas de um fundo destinado a financiar projetos, iniciativas e ações desenvolvidos pelas entidades que operam nesse mercado. Não estamos, pois, no seu aspeto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a referida “taxa” não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tal tributo antes qualificável como contribuição financeira. E não obsta a essa qualificação o facto de o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, a favor do qual reverte o produto da “taxa de segurança alimentar mais”, não dispor de personalidade jurídica. A contribuição a que alude o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), é designada como uma contribuição financeira a favor de entidade pública e, enquanto categoria tributária autónoma, o que a distingue dos impostos é que se destina, não a financiar as despesas públicas em geral, mas a financiar despesas associadas a certos serviços públicos, por cuja execução são diretamente responsáveis determinadas entidades públicas. Trata-se, por isso, de contribuições que se destinam a retribuir serviços prestados por uma entidade pública e que não se inserem no objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se dirige antes à obtenção de receitas para cobrir despesas gerais do Estado e de outras pessoas coletivas territoriais (regiões autónomas e autarquias locais). Desse ponto de vista o que interessa considerar é o grau de autonomia da entidade que presta o serviço público e à qual se encontra consignada a receita resultante da contribuição financeira, de modo a poder afirmar-se que a receita não será canalizada para a administração geral do Estado ou de outras pessoas coletivas territoriais (dando relevo a este aspeto como um critério decisivo de aferição da independência da entidade administrativa, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 613/2008). Ora, o Fundo, ainda que não disponha de personalidade jurídica e se encontre, como tal, inserido na orgânica da Administração Central do Estado, é tido como um «património autónomo», dotado de «autonomia administrativa e financeira» (artigo 2.º), e com atribuições específicas na área da segurança alimentar e da saúde dos consumidores (artigo 3.º), e cujas despesas são as «resultantes dos encargos e responsabilidades decorrentes da prossecução das suas atividades» (artigo 5.º). A competência do diretor-geral de Alimentação e Veterinária, enquanto seu responsável máximo, é a de «gerir as receitas do Fundo, aplicando-as aos respetivos encargos» (artigo 6.º, n.º 3, alínea a)). É assim claro que o produto da “taxa de segurança alimentar mais”, enquanto receita do Fundo, está consignado à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respetivas atribuições e não poderá ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais. Por outro lado, o Fundo é caracterizadamente uma entidade pública infraestadual, na medida em que é definido como um património autónomo que dispõe de autonomia administrativa e financeira, o que significa que, não só pode praticar atos administrativos em matéria de administração financeira, como possui competência para utilizar formas próprias de execução e controlo de perceção das receitas e realização de despesas, o que leva a concluir que tem uma administração financeira própria e distinta da administração financeira do Estado (sobre todos estes aspetos, SOUSA FRANCO, “Finanças Públicas e Direito Financeiro‖, vol. I, pág. 152 e seg., 4ª edição, Almedina). É quanto basta para considerar que a “taxa de segurança alimentar mais”, sendo uma contribuição especial não subsumível ao conceito de imposto ou taxa é também uma contribuição que reverte a favor de entidade pública e se enquadra na categoria de contribuição financeira a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. A questão que por fim se coloca é a de saber se uma contribuição financeira como aquela que se encontra prevista no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, pode ser criada por diploma do Governo sem autorização legislativa. Seguindo de perto o relato histórico feito no anterior acórdão deste Tribunal com o n.º 365/2008, a criação de impostos foi na nossa história constitucional, apesar das incertezas manifestadas entre 1945 e 1971, após o esvaziamento da competência legislativa da Assembleia Nacional resultante da Revisão Constitucional de 1945, matéria sempre reservada à aprovação parlamentar (sobre a evolução desta competência legislativa, vide JORGE MIRANDA, em “A competência legislativa no domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais”, na R.F.D.U.L., vol. XXIX (1988), pág. 9 e segs. e ANA PAULA DOURADO, em “O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação”, pág. 50 e segs., ed. 2007, Almedina). A fidelidade a esta exigência não deixa de ter justificação no princípio dos ideais liberais “no taxation without representation”, correspondente à ideia de que, sendo o imposto um confisco da riqueza privada, a sua legitimidade tem de resultar duma aprovação dos representantes diretos do povo, numa lógica de autotributação, a qual permitirá a escolha de tributos bem acolhidos pelos contribuintes e, por isso, eficazes (sobre uma mais aprofundada justificação da reserva de lei fiscal, vide ANA PAULA DOURADO, na ob. cit., pág. 75-84). Foi esta a opção da Constituição de 1976, que deixou de fora desta exigência as taxas (sobre esta opção, vide o Parecer da Comissão Constitucional n.º 30/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º volume, pág. 91, da ed. da INCM, o Constitucional n.º 205/87, e CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal”, no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 407-408). Os termos do texto constitucional, antes da Revisão operada em 1997, suscitavam uma representação dicotómica dos tributos, pelo que a doutrina e a jurisprudência procuravam equiparar os apelidados tributos parafiscais à categoria dos impostos, ou das taxas, para concluírem se a sua criação estava ou não sujeita ao princípio da reserva de lei parlamentar. No que respeita às contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais, assumia algum relevo a posição de as incluir na categoria dos impostos, exigindo que a sua previsão constasse de lei aprovada pela Assembleia da República (vide, neste sentido, ALBERTO XAVIER, em “Manual de direito fiscal”, vol. I, pág. 73-75, da ed. de 1974, JORGE MIRANDA, na ob.cit., pág. 22-24, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1239/96, relativo à taxa devida à Comissão Reguladora de Produtos Químicos e Farmacêuticos). Esta qualificação visava combater o objetivo da subtração destas receitas ao regime clássico da legalidade tributária e do orçamento do Estado, considerado um “perigoso aventureirismo fiscal”. Contudo, a alteração introduzida na redação da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição (anterior alínea i), do n,º 1, do artigo 168.º), pela Revisão Constitucional de 1997, veio obrigar a uma reformulação dos pressupostos da discussão sobre a existência de uma reserva de lei formal em matéria de contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais. Onde anteriormente o artigo 168.º, n.º 1, i), da Constituição dizia que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal (…)”, passou a constar que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (…). Para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal a nova redação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, autonomizou a categoria das “contribuições financeiras”, ao lado dos impostos e das taxas, como já acima se referiu. O artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado». Configuram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum. Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado aos das taxas. O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Aquele regime geral das contribuições financeiras, cuja definição compete à Assembleia da República, deve conter os seus princípios estruturantes, bem como as regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais comuns, sendo certo que é difícil imaginar que se consigam subordinar a um mesmo quadro normativo figuras tão diferentes quanto aquelas que se podem abrigar neste novo conceito intermédio. Daí que se preveja, pelo menos, a necessidade de elaborar diferentes regimes gerais para cada um dos tipos destas múltiplas figuras tributárias (vide, neste sentido, SÉRGIO VASQUES, em “As taxas de regulação económica em Portugal: uma introdução”, em “As taxas de regulação económica em Portugal”, pág. 38, da ed. de 2008, da Almedina). Sucede, porém, que perto de atingirmos duas décadas após esta alteração do texto constitucional, ainda não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras, facto a que não serão alheias as mencionadas dificuldades de estabelecer um regime unificado, assim como uma crescente intervenção do direito comunitário neste domínio (vide, neste sentido, SÉRGIO VASQUES, na ob. cit., pág. 39-40). Esta inércia legislativa tem suscitado algumas dúvidas sobre a validade das contribuições financeiras entretanto criadas por ato legislativo do Governo sem a existência do enquadramento geral previsto no artigo 165.º, n.º 1, i), da Constituição. Enquanto Gomes Canotilho e Vital Moreira, se limitam a qualificar essas dúvidas como “sérias” (na ob. cit., pág. 1096), Sérgio Vasques considera que ―até à edição de um regime geral que enquadre estas figuras tributárias, quando quer que ela suceda, dever-se-á continuar a subordinar a criação e disciplina das taxas de regulação económica a intervenção parlamentar e a censurar como organicamente inconstitucionais aquelas que o sejam por decreto-lei simples‖ (na ob.cit., pág. 40; no mesmo sentido SUZANA TAVARES DA SILVA, ob. cit., págs. 22), entendendo Cardoso da Costa que “seria de todo inaceitável atribuir à introdução da reserva parlamentar em apreço (…) seja o efeito, seja o propósito, de paralisar ou bloquear a autonomia da ação governamental num domínio que afinal lhe é próprio, tornando-a dependente em toda a medida de uma intervenção parlamentar prévia: tal não seria compatível com a dinâmica e as necessidades da vida do Estado.” (na ob. cit., pág. 803). O Tribunal Constitucional até este momento, nos casos que foram sujeitos à sua apreciação, não sentiu necessidade de tomar uma posição decisiva nesta polémica, uma vez que sempre descortinou na criação dos tributos sujeitos à sua fiscalização uma intervenção parlamentar suficiente, o que esvaziou o problema da eventual existência de uma reserva integral da Assembleia da República nesta matéria até à aprovação de um regime geral das contribuições financeiras. Assim, nos acórdãos n.º 365/2008 e 613/2008, que se pronunciaram sobre a constitucionalidade da taxa de regulação e supervisão pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e no acórdão n.º 152/2013, que abordou a constitucionalidade da taxa de utilização do espectro radioelétrico, constatou-se a existência de normação primária constante de lei parlamentar que previa e regulava especialmente, em cada caso, os elementos essenciais da contribuição financeira em causa, tendo-se entendido que, por essa forma, se tinham atingido os objetivos visados com a exigência do regime geral a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. E no acórdão n.º 80/2014 que se pronunciou sobre a constitucionalidade das penalizações por emissões excedentárias de dióxido de carbono, apesar de se verificar que a Assembleia da República não tinha, relativamente a este tributo, procedido a uma prévia definição dos princípios e das regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais, como havia ocorrido nas situações paralelas anteriormente objeto de análise pelo Tribunal Constitucional, a mesma não deixou de incumbir expressamente o Governo de recorrer a instrumentos de política ambiental, onde se incluía a possibilidade de criar tributos com as características da “penalização” em causa, tendo-se considerado essa autorização genérica suficientemente habilitante de uma intervenção legislativa do Governo na matéria. Além disso também se atendeu a que, inserindo-se a previsão legislativa daquela “penalização” em diploma que transpunha diretiva europeia de tal modo precisa, clara e incondicional, que não deixava ao Estado Português qualquer margem de apreciação, um eventual regime geral aprovado pela Assembleia da República não seria suscetível de interferir nas opções do legislador, pelo que a sua inexistência não justificava que, relativamente à contribuição em apreciação, fosse exigível a intervenção da Assembleia da República na definição dos seus elementos essenciais. Já, relativamente à “taxa de segurança alimentar mais” não se descortina qualquer intervenção da Assembleia da República que habilitasse minimamente o Governo a proceder à sua criação, nem a mesma resulta de uma imposição específica de legislação europeia, pelo que há que determinar quais são as consequências ao nível da reserva parlamentar da ausência de um regime geral das contribuições financeiras. A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras. E a aprovação desse regime geral não surge como ato-condição ou pressuposto necessário da criação individualizada desses tributos (Cf. Blanco de Morais, em “Curso de direito constitucional‖, Tomo I, pág. 273, nota 400, ed. 2008, da Coimbra Editora), não havendo razões para que se considere que a atribuição reservada daquela competência pelo legislador constitucional tenha procurado refletir uma aplicação mais rarefeita do princípio matriz do parlamentarismo ―no taxation without representation‖. A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa. Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar. Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, ―na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legislador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral‖ (In ―Comentário à IV Revisão Constitucional, pág. 417, ed. de 1999, da AAFDL). O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue. Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais. Por estas razões conclui-se que o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, não viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República estabelecida no artigo 165.º, n.º 1, i), da Constituição. 3. Da alegada inconstitucionalidade material A recorrida, que nas suas contra-alegações defendeu a manutenção da decisão recorrida, invocou também a inconstitucionalidade material das normas que são objeto do presente recurso, por violação do princípio da equivalência em matéria de contribuições financeiras, como expressão do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição). Não estando o Tribunal Constitucional limitado à apreciação das razões que o tribunal recorrido aduziu para recusar a aplicação das normas sub iudicio, com fundamento na sua inconstitucionalidade, conforme expressamente se dispõe no artigo 79.º - C da LTC, cumpre-lhe verificar se a normação sindicada padece do arguido vício de inconstitucionalidade material. Em primeiro lugar, há que reconhecer que, estando em causa um tributo que visa compensar prestações administrativas de que o sujeito passivo, por força da pertença a um grupo (titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados), é presumível beneficiário - assumindo, por isso, natureza comutativa -, é constitucionalmente pertinente avaliar a sua legitimidade material à luz do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), concretizado no invocado princípio da equivalência. Este princípio aplicado às contribuições financeiras diz-nos que estas devem ter uma relação de equivalência com o valor do benefício obtido ou o custo provocado pelos sujeitos passivos dessas contribuições, devendo ter-se em conta que essa equivalência não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes. Nessa perspetiva, que assenta numa ideia central de equilíbrio ou justiça material, cumpre especificamente verificar, à luz da particular configuração teleológica do tributo em causa, se os critérios de igualação ou diferenciação eleitos pelo legislador, na delimitação da sua incidência subjetiva e, bem assim, na determinação do critério de cálculo do valor da contribuição em causa, se apresentam como materialmente infundados, o que será motivo da sua inconstitucionalidade. A Recorrida começa por questionar a constitucionalidade material do critério de incidência subjetiva, na medida em que o tributo atinge apenas os titulares de estabelecimentos de comércio alimentar a retalho e não todos os restantes operadores da cadeia alimentar, e também porque se aplica apenas a algumas das empresas de comércio alimentar por efeito da isenção que é estabelecida, ainda que sob determinadas condições, para as microempresas e para os estabelecimentos de comércio alimentar com áreas de venda ao público inferiores a 2.000 m2. O n.º 1, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho diz que “como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré -embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura‖, esclarecendo o n.º 3 do mesmo artigo que se entende por «estabelecimento de comércio alimentar» “o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro”, ou seja aqueles “no qual se exercem, em simultâneo, atividades de comércio alimentar e não alimentar”, não assumindo este último ramo uma percentagem igual ou superior a 90% no volume total das vendas realizadas. São, pois, os proprietários destes estabelecimentos os devedores da “taxa de segurança alimentar mais”. No caso, e como já se deixou entrever, a contribuição em causa é receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, o qual tem uma intervenção transversal em todas as fases da cadeia alimentar, financiando os custos dos programas e ações oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores, pelo que o conjunto de prestações administrativas que lhe cabe financiar, como já acima dissemos, acaba por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam. E, conforme foi enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a criação da “taxa de segurança alimentar mais” pretendeu dar concretização ao princípio da responsabilidade partilhada na garantia da segurança alimentar entre os diversos operadores económicos, tendo em linha de conta que se encontram já instituídas taxas destinadas a suportar financeiramente atos de verificação e controlo que incidem sobre produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal, e outras taxas, que são cobradas a produtores, distribuidores e comerciantes, para verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos. E, nesse contexto, a ideia central da criação dessa nova contribuição financeira foi a de estender a um grupo de operadores da cadeia alimentar que não estavam onerados por aquelas taxas, a participação na responsabilidade pelo financiamento dos custos dos controlos oficiais da qualidade dos alimentos. Na verdade, note-se que além da “taxa de segurança alimentais mais” são também receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais: - O produto da taxa de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, aprovada pelos Decretos-Leis n.º 244/2003, de 7 de outubro, 122/2006, de 27 de julho, 19/2011, de 7 de fevereiro, e 38/2012, de 16 de fevereiro, e que incide sobre os estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos (artigo 4.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - 10% do produto de outras taxas cobradas pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (artigo 4.º, n.º 1, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas a cobrar às atividades de produção, preparação e transformação de produtos de origem animal e alimentos para animais, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 178/2008, de 26 de agosto, e disciplinadas pelas Portarias n.ºs 1073/2008, de 22 de setembro, e 1450/2009, de 28 de dezembro, e que incidem sobre os respetivos agentes económicos (artigo 4.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela classificação subjetiva das carcaças de suínos, realizada pelos classificadores que prestam serviço na DGAV, previstas pelo Decreto-Lei n.º 168/98, de 25 de junho, e aprovadas pela Portaria n.º 1419/2008, de 9 de dezembro, e que incidem sobre os proprietários ou responsáveis dos estabelecimentos (artigo 4.º, n.º 2, b), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pelos atos relativos aos procedimentos e aos exames laboratoriais e demais atos e serviços prestados pela DGAV, previstas pelo Decreto -Lei n.º 148/2008, de 29 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 314/2009, de 28 de outubro, e aprovadas pela Portaria n.º 27/2011, de 10 de janeiro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela concessão das autorizações de fabrico e distribuição de alimentos medicamentosos, bem como pelas suas alterações e renovações, e pela autorização de ensaios experimentais, previstas pelo Decreto-Lei n.º 151/2005, de 30 de agosto, e aprovadas pela Portaria n.º 1273/2005, de 12 de dezembro, e que incidem sobre os requerentes e outros agentes económicos envolvidos (artigo 4.º, n.º 2, d), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela realização dos pedidos de autorização, alteração, renovação ou reavaliação dos produtos de uso veterinário, bem como pela declaração e emissão de cópias ou certidões, aprovadas pela Portaria n.º 496/2010, de 14 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, e), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pelos atos que sejam prestados pela DGAV no âmbito dos procedimentos de declaração prévia, de autorização prévia e respetivas alterações, previstos nos artigos 23.º, 25.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de agosto, para os centros de atendimentos médico-veterinário, aprovadas pela Portaria n.º 1246/2009, de 13 de outubro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, f), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas de autorização prévia ou declaração prévia dos estabelecimentos industriais, previstas pelo Decreto-Lei n.º 209/2008, de 29 de outubro, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, g), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas do sistema em vigor relativo à recolha, ao transporte e abate sanitário, previstas na Portaria n.º 205/2000, de 5 de abril, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, h), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela execução das intervenções sanitárias do Programa Nacional de Saúde Animal, aprovadas pela Portaria n.º 178/2007, de 9 de fevereiro, e que incidem sobre os criadores (artigo 4.º, n.º 2, i), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela autorização de colocação no mercado de produtos biocidas, previstas pelo Decreto-Lei n.º 121/2002, de 3 de maio, e aprovadas pela Portaria n.º 702/2006, de 13 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, j), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - Os emolumentos devidos pelos exames realizados por peritos veterinários aos produtos alimentares de origem animal submetidos a despacho aduaneiro, previstos no Decreto -Lei n.º 433/89, de 16 de dezembro, e que incidem sobre os agentes importadores (artigo 4.º, n.º 2, k), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela emissão, alteração, renovação e atualização de licença ambiental, aprovadas pela Portaria n.º 1057/2006, de 25 de setembro, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, l), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho). Somando-se as receitas da contribuição financeira em causa às receitas de tributos que incidem sobre outros grupos de operadores económicos no ramo alimentar diversos daquele que integra os sujeitos passivos desta contribuição como meio de financiamento indireto dos custos dos programas e ações oficiais que beneficiam todos estes grupos de sujeitos, não faz sentido dizer-se que a seleção dos operadores da distribuição retalhista constitui uma discriminação inexplicada, relativamente aos restantes intervenientes económicos do ramo alimentar, uma vez que a sua seleção visou precisamente faze-los participar no financiamento de atividades onde os outros já participam através do pagamento de diferentes tributos. Não parece, nesta perspetiva, que a incidência do tributo sobre um grupo delimitado de pessoas, com especiais responsabilidades na concretização do objetivo da qualidade e segurança alimentar e que partilham com outros operadores sobre os quais recaem outros tributos, o aproveitamento presumível do benefício resultante das atividades estaduais no domínio em causa, na base de uma responsabilidade de grupo, ponha em causa o princípio da equivalência, enquanto reflexo de uma ideia de igualdade. E se poderão ainda existir grupos de operadores económicos neste ramo que não estão abrangidos por qualquer tributo que integre as receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, tal circunstância não conduz à conclusão que a contribuição sob análise seja geradora de desigualdades injustificadas, atenta a existência de uma pluralidade de diversificadas fontes tributárias financiadoras das atividades de que todos beneficiam direta ou indiretamente. Por outro lado, o invocado estreitamento da base de incidência subjetiva por efeito da implementação do sistema de isenções, que implica que o tributo apenas recaia sobre os proprietários de estabelecimentos de maior dimensão, não demonstra só por si que se pretenda tributar apenas em função da especial capacidade contributiva de determinados operadores do setor da distribuição. Na verdade, nos termos do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho “estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que: a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2; b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.” E, nos termos do artigo 3.º, n.º 4 e 5, da Portaria n.º 205/2012, de 17 de junho: - relativamente às situações previstas na alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, “considera-se como pertencendo a outra as empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente: a) De uma participação maioritária no capital; b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais; c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização; d) Do poder de gerir os respetivos negócios. - e no que respeita às situações previstas da alínea b), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, “considera–se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro. Ora, as microempresas que se dedicam ao comércio alimentar (as que empregam menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros, segundo o artigo 2.º, n.º 3, do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro) e, bem assim, as empresas com estabelecimentos de comércio alimentar cuja área de venda seja inferior a 2.000 m2 (desde que não tenham uma área acumulada de implantação nacional igual ou superior a 6000m2), são aquelas que, pela sua dimensão, menos beneficiam dos financiamentos do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, não sendo equiparáveis, na perspetiva do impacto global que a sua intervenção pode ter no domínio da segurança alimentar e saúde do consumidor final, às empresas que detêm grandes superfícies comerciais e nelas se dedicam à distribuição massificada de produtos alimentares, em grande número e diversidade. Daí que, tendo em atenção a finalidade compensatória da “taxa de segurança alimentar mais”, não é contrária à ideia constitucional de igualdade a opção de restringir a sua base de incidência subjetiva, sujeitando ao seu pagamento apenas aqueles que se presume serem os principais beneficiários dos custos públicos suportados com a atividade administrativa destinada a garantir a segurança alimentar. Não é a sua capacidade contributiva que determina a sujeição a esta contribuição, mas sim o maior grau do benefício que podem usufruir. Daí que não se possa afirmar que a exclusão destes operadores do âmbito de incidência subjetiva da “taxa de segurança alimentar mais” se traduza numa diferenciação manifestamente arbitrária. No que respeita ao método de cálculo para a determinação do montante da taxa, o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, estipula que o seu valor será fixado por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da agricultura entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda do estabelecimento, ou seja, segundo o disposto no artigo 2.º, b), da Portaria n.º 215/2012 de 17 de julho, toda a área destinada à venda, onde os compradores têm acesso ou os produtos se encontram expostos ou são preparados para entrega imediata, tendo o artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, vindo clarificar a aplicação deste critério do seguinte modo: “1- Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2º da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, entende-se por «área de venda do estabelecimento» toda a área de comércio alimentar apurada de acordo com os seguintes coeficientes de ponderação: i) A área de venda do estabelecimento inferior a 1750 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 90%; ii) A área de venda do estabelecimento igual ou superior a 1750 m2 e inferior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 75%; iii) A área de venda igual ou superior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 60%. 2 - Para efeitos de aplicação da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, é considerado «estabelecimento autónomo» o estabelecimento alojado ou compreendido no interior de um outro estabelecimento de comércio, independentemente de ambos usarem a mesma insígnia ou nome de estabelecimento ou serem explorados pelo mesmo titular, ou de terem sido objeto de licenciamento específico, no qual se prestam serviços ou vendem produtos distintos dos que são transacionados no estabelecimento de comércio que o aloja, dotado de caixas de saída próprias ou de barreiras físicas análogas destinadas a delimitar a área de venda, e em que as transações nele efetuadas são exclusivamente registadas e pagas no seu interior ou nas respetivas caixas de saída próprias, onde não podem ser registadas ou pagas transações efetuadas no estabelecimento de comércio que os aloja. 3- A área de venda dos estabelecimentos autónomos só releva se estes forem estabelecimentos de comércio alimentar ou misto, caso em que o respetivo volume total de vendas e a sua área não têm qualquer repercussão nos estabelecimentos que os alojam, para os efeitos da presente portaria” Deste quadro normativo resulta que a “taxa de segurança alimentar mais” é uma compensação financeira anual que incide sobre a área de venda do estabelecimento, entendendo-se como tal «toda a área de comércio alimentar», apurada de acordo com determinados coeficientes de ponderação, e o seu valor é fixado, por portaria, entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda alimentar do estabelecimento, o que revela ter sido opção do legislador graduar a tributação em função do maior ou menor volume de produtos alimentares comercializados, indiciado pela dimensão da área do estabelecimento destinada a essa finalidade, uma vez que o valor do benefício resultante da adoção das diversas ações públicas visando garantir a qualidade e segurança alimentar para os operadores da distribuição retalhista variará em função do volume dos produtos comercializados no estabelecimento em causa. Assim, no que respeita ao método de cálculo para a determinação da incidência objetiva da contribuição financeira e da sua base tributável, é possível descortinar que o critério adotado tem uma relação objetiva com a finalidade compensatória que está presente na estruturação do tributo em causa. O grau do benefício obtido com as atividades financiadas pela entidade da qual constitui uma das receitas a contribuição sub iudicio, está relacionado com o volume de produtos alimentares comercializados, constituindo um indício aproximado suficientemente credível deste a área dos estabelecimentos afeta à sua comercialização. Não se ignora que era possível definir outros critérios cuja aplicação tivesse como resultado uma maior aproximação ao real benefício obtido pelos sujeitos passivos desta contribuição, mas ao Tribunal Constitucional apenas compete verificar se o critério escolhido não respeita os parâmetros constitucionais no domínio das contribuições financeiras. Ora, conforme acima se explicou, o critério adotado pelo legislador para definir a base objetiva de incidência da “taxa de segurança alimentar mais”, cumpre a exigência de que os tributos comutativos sejam diferenciados em função dos benefícios a compensar, de modo a que não se encontrem sujeitos ao mesmo encargo tributário contribuintes que, por virtude da sua maior ou menor intervenção no mercado, aproveitam benefícios manifestamente diferentes. Por estas razões é de concluir, no que se refere à questão de inconstitucionalidade material, pela improcedência da alegada violação do princípio da equivalência quanto às normas constantes dos artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho.”
Atento o exposto conclui-se assim que a TSAM não é um imposto mas sim uma contribuição financeira, improcedendo a questão da inconstitucionalidade material invocada pela Recorrente. Por outro lado não se verifica a alegada dupla tributação jurídica face à tributação em IRC, porquanto trata-se de realidades tributárias de distinta natureza.
Alega ainda a Recorrente que a TSAM é ilegal por violação do regime da União Europeia relativo aos auxílios de Estado, concluindo que “os montantes pagos pela DGAV ao prestador de serviços SIRCA constituem uma vantagem selectiva a uma empresa”, e que propicia a distorção de concorrência, consubstanciando um auxílio ilegal.
Na senda do que sucede relativamente às inconstitucionalidades que lhe são imputadas, também esta questão já foi abordada, discutida e decidida pelos Tribunais Superiores, convocando para a presente decisão o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em 21-05-2020, no processo n.º 923/16.5BELRS, onde concluiu a este respeito que: “7. De acordo com a jurisprudência reiterada do TJUE, o n.º 3 do artigo 108.º produz efeito directo nas jurisdições dos Estados-membros, pelo que pode ser invocado por particulares junto dos tribunais nacionais a propósito de um caso concreto; 8. Não estando a TSAM consignada ao financiamento do SIRCA, podendo financiar outras atribuições do Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais, não pode ser encarada como um auxílio público aos produtores pecuários beneficiários do SIRCA, nem a impugnante tem legitimidade para suscitar a questão do auxílio de Estado na impugnação da TSAM”.
Aderindo à fundamentação ali expendida, citamos na integra atenta a identidade das questões decidendas: “Passando à questão dos auxílios de Estado, pretende a Recorrente que o financiamento do SIRCA através da TSAM constitui um verdadeiro auxílio de Estado uma vez que se encontram preenchidos os requisitos cumulativos estabelecidos pelo art.º 107.ºdo TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), cujo n.º 1 determina: «Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções», sem prejuízo das excepções que o próprio preceito estabelece. Por outro lado, estabelece o Artigo 108.º do TFUE: «1. A Comissão procederá, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados-Membros as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno. (…)». O princípio do primado do Direito da União sobre o direito nacional implica, com especial relevância para os Tribunais nacionais, a não aplicação do direito nacional incompatível com o Direito da União, a supressão ou reparação das consequências de um acto nacional contrário ao Direito da União, e a obrigação dos Estados membros fazerem respeitar o Direito da União. A desaplicação do direito nacional incompatível com o direito europeu configura uma obrigação do Tribunal nacional, devendo o juiz nacional desaplicar ex officio as normas nacionais desconformes com as normas europeias. Do princípio do efeito directo das normas europeias deriva a possibilidade de os particulares invocarem contra os poderes públicos de um Estado membro as normas europeias que imponham deveres ou reconheçam direitos de forma suficientemente clara e incondicionada, inclusivamente contra normas nacionais violadoras do Direito da União. E impõe aos Tribunais nacionais, em virtude do primado do Direito da União, que extraia as consequências jurídicas, para o caso concreto, do efeito directo da norma europeia em causa, esteja esta incluída nos Tratados ou numa directiva. Sucede que, embora seja verdade que de acordo com a jurisprudência reiterada do TJUE, o n.º 3 do artigo 108.º produz efeito directo nas jurisdições dos Estados-membros, pelo que pode ser invocado por particulares junto dos tribunais nacionais a propósito de um caso concreto, a verdade é que não se alcança em que termos a Recorrente é susceptível de ser directamente afectada pela medida que interpreta como sendo um auxílio público ilegal, nem a Recorrente diz que direitos afectados pela execução do que interpreta como auxílio público ilegal pretende, afinal, ver salvaguardados. É que a TSAM, insiste-se, não está vinculada ao financiamento do SIRCA, esse financiamento é eventual e pode nem sequer ocorrer, ou ocorrer em maior ou menor medida e, em todo o caso, (…), o auxílio (isto é, o financiamento do SIRCA através da TSAM), afecta as trocas comerciais entre Estados-membros, na medida em que isenta os produtores pecuários portugueses de custos inerentes à sua actividade económica, o que tem um impacto na posição dos produtos portugueses num sector no qual se verifica um elevado nível de trocas intercomunitárias, sendo ainda susceptível de falsear a concorrência por determinar a obtenção de uma vantagem que não seria obtida em condições normais de mercado. Ora, a impugnante como empresa do sector da distribuição, não é um operador económico que possa ver a sua posição concorrencial afectada pela dita isenção aos produtores pecuários de suportarem os custos da recolha e eliminação dos cadáveres de animais, financiados através da taxa SIRCA”.
Aqui chegados, e considerando que a TSAM não constitui um auxílio de Estado aos produtores pecuniários beneficiários do SIRCA, haverá que concluir, pela improcedência do vício alegado.
Destarte, relativamente à invocada ilegalidade por violação do regime da União Europeia relativa aos auxílios de Estado, nenhum reparo importar fazer ao decidido que acompanha jurisprudência deste TCAS que aliás, é reiterada pelos acórdãos TCAS de 27/05/2021, proc. n.º 1283/18.5BESNT, de 24/06/2021, proc. n.º 1641/17.2BESNT, e que aqui também sufragamos, pelo que improcedem as respetivas conclusões de recurso.
Em face do exposto e sem necessidade de mais considerações conclui-se serem improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença ora recorrida.
V- DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 16 de Novembro de 2023 Luisa Soares Maria Cardoso Ana Cristina Gomes de Carvalho |