Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:972/24.0BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:05/29/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CONTRAPROVA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Na decisão tomada a respeito da (des)necessidade de produzir prova há que considerar as regras do ónus da prova, concretamente que ao autor cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado (artigo 342.º, n.º 1 e 2 do CPC);
II - Para fundar o erro de julgamento, designadamente por violação do seu direito à contraprova, não basta à Recorrente afirmar assistir-lhe tal direito, antes importando concretizar os factos, que teriam sido alegados pela Recorrida, relativamente aos quais tal sucedia;
III - Impõe-se a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra a falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC];
IV - As consequências que o ato suspendendo terá na atividade da Recorrida, concretamente que a redução do horário terá repercussões graves para o estabelecimento e perigaria a estabilidade económica da sociedade, traduzem-se no juízo jurídico-conclusivo que integra o pressuposto da medida cautelar correspondente ao periculum in mora, não podendo, portanto, fazer-se o mesmo constar da matéria factual.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:


1. Relatório

A Sociedade I… - I… Lda. (doravante A./Requerente ou Recorrente), intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, providência cautelar contra o Município de Cascais (doravante Entidade Requerida/R. ou Recorrido), peticionando a “suspensão de eficácia do despacho do Vereador F…, de 30-10-2024, que revogou o horário de funcionamento de forma alargada que o estabelecimento de bar que gere usufruía e determinou, por um lado, a prática do horário definido em regulamento municipal, e, por outro, a laboração em porta fechada, tudo com cumprimento imediato”.

Por sentença proferida em 31 de janeiro de 2025, o referido Tribunal indeferiu a providência cautelar, por julgar não verificados os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.

Inconformada, a Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“A. Vem a presente ALEGAÇÃO do recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo a fls., no qual se procedeu à revogação de acto administrativo, proferido pelo Vereador da Câmara Municipal de Cascais, F…, o qual exerce as suas funções por meio de despacho do Exmo. Senhor Presidente, Dr. C…, “que permitiu que o estabelecimento praticasse um horário de funcionamento de forma alargada e seja praticado o horário de funcionamento do estabelecimento de acordo com o estabelecido no artigo 3.° do Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços, que estabelece que o período de funcionamento a praticar se verifique entre as 06 e as 24horas de domingo a quinta-feira e entre as 06 e as 02 de sexta-feira, sábado e vésperas de feriados.
B. O Tribunal a quo entendeu que “a posição assumida pelas partes, e ainda a natureza urgente da causa”, se basta com uma summario cognitio.
C. A sentença em crise entendeu não se mostrar verificado o pressuposto de fumus boni iuris.
D. O Tribunal a quo não fez qualquer análise crítica dos documentos juntos pela ora recorrente sob os números 3, 4 e 5 com o requerimento inicial.
E. Se tivesse o Tribunal a quo tivesse considerado o documento 7, teria dado por provado que a redução do horário de funcionamento terá repercussões graves para o estabelecimento.
F. No que respeita à decisão de não proceder à inquirição das testemunhas errou o Tribunal a quo ao determinar que isso “redundaria em ato inútil”, carecendo a decisão em crise de qualquer fundamento no que diz respeito à configuração da inquirição como um ato inútil.
G. Ao fazer coincidir tal decisão com a da desnecessidade de audiência final, a sentença recorrida embate desde logo, mas não só contra o disposto no artigo 367.°, n.° 1, do CPC.
H. O Tribunal a quo, ao não fundamentar a inutilidade do ato, está, pura e simplesmente, a atentar contra o respetivo direito de defesa, pois não se alcança em que medida aquela inquirição não seria idónea para contraprova dos factos alegados pela ora recorrida na oposição que deduziu.
I. O princípio do contraditório, com assento no artigo 32.°, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa é estruturante.
J. Se o Tribunal a quo tivesse procedido à correta apreciação da prova produzida, sempre teria concluído que a redução do horário de funcionamento perigaria a estabilidade económica da sociedade, ou seja, o perícuium in mora, o que certamente teria determinado decisão de sentido diametralmente diferente daquela recorrida.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SE SUPRIRÃO, REQUER-SE A V. EXAS., ILUSTRES DESEMBARGADORES:
1. A ampliação da matéria de facto dada por provada, em resultado dos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida;
2. Por força dos pontos de facto incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e da impugnação de direito, supra, a revogação da Decisão recorrida, devendo substituir-se por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Assim fazendo V. Exas., Ilustres Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!””

A Entidade Requerida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que indeferiu o requerimento cautelar apresentado pelo Requerente tendo em vista a suspensão da eficácia do ato administrativo proferido em 30.10.2024, que revogou o ato administrativo que permitiu que o estabelecimento “…” de que a Recorrente é titular praticasse um horário de funcionamento alargado com fundamento nas queixas de incomodidade apresentadas junto do Município por munícipes residentes nas imediações do bar.
B. A Recorrente defende que a douta sentença não procedeu à correta apreciação da prova produzida, requerendo a ampliação da matéria de facto dada como provada e a substituição da decisão por outra que determine o prosseguimento dos autos.
C. Não lhe assiste razão, desde logo porque, tal como entendeu o Tribunal a quo, o ato administrativo em causa está devidamente fundamentado, sendo possível a um destinatário normal conhecer o iter cognoscitivo da decisão.
D. Com efeito, o ato em causa foi proferido depois de promovida a audição da Requerente e depois de se ter concluído que as suas alegações não punham em causa o sentido em que ia a proposta de decisão, conforme resulta expressamente da informação preparatória da decisão final.
E. Sendo certo que, nos termos do artigo 153º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação pode consistir em “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato”.
F. As alegações da Requerente foram devidamente analisadas, tendo os serviços considerado que as mesmas, desacompanhadas aliás de qualquer prova, não constituíam fundamento válido para obstar à decisão de revogação do alargamento do horário de funcionamento.
G. Por outro lado, a revogação da autorização de alargamento do horário de funcionamento e a aplicação do horário de funcionamento previsto para os estabelecimentos do mesmo tipo mostra-se uma medida proporcional no quadro de interesses e direitos em conflito, não sendo razoável que o estabelecimento continuasse a operar sem qualquer restrição, à custa do direito ao repouso, ao sossego e ao sono.
H. Razões para que o Tribunal a quo considerasse ausente o requisito da aparência do bom direito, como se impunha.
I. No entanto, a Requerente defende que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada a matéria constante dos documentos 3, 4 e 5 juntos com o requerimento inicial, designadamente, que as queixas apresentadas junto do Requerido foram efetuadas pelos seus Senhorios com o intuito de pôr fim ao contrato de arrendamento existente sem ter de suportar a inerente indemnização, tendo criado temor e desgaste emocional que motivaram a apresentação de várias queixas-crime.
J. Sucede que, tal como resulta da decisão do Tribunal que recusou a produção de prova testemunhal, trata-se de factos que não respeitam ao ato de revogação do alargamento do horário de funcionamento, mas a uma relação de arrendamento entre particulares.
K. Como resulta da jurisprudência, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se se debruçar sobre factos com interesse para a decisão da causa, o que não ocorre.
L. Também quanto à inexistência do periculum in mora a decisão recorrida se afigura inabalável, tendo efectuado uma correcta apreciação de facto de e de direito.
M. É que, sem prejuízo de a redução do horário de funcionamento ser susceptível de provocar prejuízos, tal circunstância não basta para que se conclua pela verificação do requisito periculum in mora, que exige não só a alegação mas também a concretização de danos de difícil reparação ou que constituam uma situação de facto consumado, de acordo com o artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
N. Não está em causa o encerramento do estabelecimento mas a antecipação do encerramento diário em duas horas, pelo que sempre teria a Requerente de demonstrar prejuízos graves motivados pela redução do funcionamento num período de duas horas.
O. A Requerente não demonstrou os prejuízos que poderão advir da redução do horário de funcionamento nem as suas despensas mensais.
P. Dos documentos apresentados pela Requerente não é possível concluir sem mais, como faz a Requerente, que tem sofrido uma redução de 50% da faturação.
Q. Também não se encontram devidamente demonstradas as despesas mensais da representante legal da Requerente alegadas, desconhecendo-se em que medida o rendimento que auferia na qualidade de gerente (rendimentos do trabalho dependente, de acordo com a declaração modelo 3 junta com o requerimento) seria afetado com o novo horário de funcionamento.
R. Contrariamente ao que alega a Requerente, nos pontos W) a AA) do probatório, o Tribunal levou em consideração documentos apresentados com o requerimento inicial.
S. O que sucedeu foi que o Tribunal concluiu, como se impunha, que não tinham sido apresentados documentos que demonstrassem os prejuízos de difícil reparação que poderiam advir da decisão em causa.
T. Resulta evidente que decisão recorrida se encontra devidamente fundamentada, de facto e de direito, estando o presente recurso votado ao insucesso.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, visto não padecer dos vícios apontados pela Recorrente.”

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificadas do aludido parecer, as partes nada disseram.

Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), as questões a apreciar por este Tribunal reconduzem-se a saber se,
(a) O despacho que dispensou a produção de prova testemunhal padece de erro de julgamento de direito;
(b) A sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e, em consequência daquele, de erro de julgamento de direito.



3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:

A) A Requerente explora um bar na A…, 3 LETRAS B…, 2…-2…, Estoril, denominado «…» – facto não controvertido e cf. documento com a rf. 006953550;
B) Em 19-06-2013, a ora Requerente apresentou um requerimento nos serviços do Requerido, para efeitos de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento referido em A), solicitando o funcionamento entre as 09h00 e as 02h00 de domingo a quinta-feira e feriados e entre as 09h00 e as 04h00 à sexta-feira, sábado e vésperas de feriados – cf. fls. 44 e 45 do documento com a rf. 006964060;
C) O requerimento referido em B) foi deferido por despacho do Vereador, de 04-12-2013 – cf. fls. 46 do documento com a rf. 006964060;
D) Em 21-04-2022, foi recebida nos serviços do requerido uma denúncia anónima, relativa ao funcionamento do bar referido em A), com o seguinte teor:
«[…] Moradora reclama acerca do barulho constante o que incomoda os moradores com o barulho de música e de equipamentos de ar condicionado e a mexerem com o equipamento também fazem bastante barulho […]»
- cf. fls. 2 a 5 do documento com a rf. 006964102;
E) Em 04-03-2023, foi recebida nos serviços do requerido uma exposição-queixa, do Sr. M…, relativa ao bar referido em A), de onde se extrai, além do mais, o seguinte:
«[…] Nos últimos anos o bar tem vindo a ser trespassado e no presente denomina-se "…". Para entrar no estabelecimento que fica no fundo das galerias do R/C, é necessário atravessar o átrio de entrada, e a galeria que liga o átrio ao pátio traseiro. É sobre esta zona que se eleva o edifício.
Acontece que nos últimos anos o utente típico deste equipamento tem alterado para pior no que toca ao comportamento e causado regularmente incómodo aos moradores, que vai desde muito barulho até ao distúrbio grave (com intercessão do piquete de intervenção da PSP). Há um largo historial de queixas à PSP.
Como responsável pelo prédio e numa tentativa de analisar e documentar as ocorrências, instalámos um circuito de videovigilância de acordo com as regras que nos impõe a CNPD. […]
Muitos clientes continuam a entrar muito depois das 04h00 e a saírem por vezes perto das 06h00.
• Vandalização dos equipamentos dos restaurantes, presentes no pátio e nas galerias.
• Não passa uma semana que não apanhe em vídeo alguém que desce a rampa da garagem para ir urinar contra o portão, por vezes até vêm directamente do bar.
De manhã a rampa tem de ser lavada com a mangueira para retirar o cheiro a
urina que permeia a garagem.
• Há muitas situações em que os utentes vêm em BANDOS. Com estes acontecem várias situações:
o Pelo facto de estarem muitos juntos e serem muitos, fazem sempre barulho em excesso. […]
o Mas muitas vezes ficam reunidos longo tempo nas galerias antes de entrarem no bar.
o Pior quando saem, possivelmente já alterados, ficam a gritar ou cantar dentro das galerias ou no átrio de entrada (sobre os quais ficam as janelas dos andares).
o Acontece também que nem todos entram e alguns ou já trazem garrafas de casa ou ficam fora à espera que alguém lhes traga bebidas do bar.
• Indivíduos que saem do bar com bebidas e se vão reunir dentro das galerias mas do lado da rua, junto à entrada do prédio. Regra geral estes grupos não fazem barulho mas deixam um rasto de cerveja entornada e cigarros apagados na parede.
• Indivíduos que ficam nas galerias e aparentam estar a comerciar haxixe a quem passa.
• Indivíduos que não entram no bar porque já chegam a fumar outra coisa que ciganos e ficam em alta cavaqueira nas galerias.
• Colectores de beatas de haxixe que aparecem entre as 06h00 e as 08h00 e procuram as galerias em todos os cantos.
• Copos de cerveja (cheios ou vazios) nas floreiras.
• Vidros de copos, canecas e garrafas partidas na rampa cujas bases podem furar um pneu (ainda não aconteceu — quando o portão sobe, regra geral essas peças começam a rolar pela rampa e vêem-se).
• Paredes pintadas cheias de farrusco de apagar cigarros.
• Vomitado nas floreiras, na rampa e uma vez até contra as caixas de correio.
• Pessoas com zangas entre si, gritos!
[…]
[O]s donos do bar, […] são meus inquilinos. […]. Desde que voltaram a abrir, têm pago a renda a horas. E têm também feito um esforço que me parece sincero em reduzir o ruído e os outros incómodos, mas sem sucesso.
[…] Ter um bar debaixo de um prédio de habitação, com moradores cada vez mais idosos, licenciado para abrir durante a noite, nas circunstâncias degradadas em que está o negócio nocturno, torna-se hoje inviável e mesmo um atentado aos direitos básicos dos moradores.
[…] venho requerer que a CMC se digne tomar todas as medidas que considere necessárias para evitar incómodos pelo "…" aos moradores, num horário nunca para além da meia-noite, horário em que fecham os restaurantes no mesmo edifício […]».
- cf. fls. 10 a 13 do documento com a rf. 006964102;
F) Em 06-04-2023, nos serviços do requerido foi recebido um «Abaixo-Assinado», com dezoito subscritores, sobre o bar referido em A), de onde se extrai, além do mais, o seguinte:
«[…] Nós, moradores da vizinhança do bar "…." na Rua B…, no Estoril, vimos por meio desta petição expressar a nossa preocupação com o ruído excessivo que tem sido causado pelos clientes do estabelecimento. O barulho é provocado não só pelos clientes que entram e saem do bar, mas também por aqueles que permanecem nas galerias do prédio, falando alto.
O problema é ainda mais grave porque o ruído muitas vezes se prolonga até depois das 5h da manhã, o que tem afectado significativamente o nosso sono e o bem-estar geral. Compreendemos que a existência de bares e locais de diversão nocturna é importante para a economia local, mas não podemos permitir que isso prejudique a qualidade de vida dos moradores da zona.
Solicitamos, portanto, que sejam tomadas medidas para resolver o problema do ruído excessivo provocado pelos clientes do bar "…", estabelecendo limites para que não haja mais barulho depois da meia noite, altura em que fecham os restaurantes existentes na mesma morada.
Rogamos a Vossa Excelência que considere seriamente esta petição e tome as medidas necessárias para resolver este problema, de forma a garantir o bem-estar dos moradores da região. Assinam esta petição os moradores da vizinhança do bar "…" na Rua B…, no Estoril. […]».
- cf. fls. 20 a 23 do documento com a rf. 006964102;
G) Em face da exposição referida em F), pelos serviços do requerido foi elaborado parecer, de 26-06-2023, que mereceu a concordância do Vereador N…, em 29-06-2023, e de onde se extrai, além do mais, o seguinte:
«[…] Para efeitos do disposto no Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, alterado […], pode este Município proceder à restrição do período de funcionamento do estabelecimento visado com fundamento em razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos, caso seja devidamente justificado. […]
propõe-se […]
a) Que seja solicitado ao Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização (DPF), que se desloque ao local, em especial nos dias indicados pelo exponente, que considera mais críticos, a fim de confirmar o período de funcionamento do estabelecimento visado e se o ruido produzido no interior do mesmo se transmite para o exterior, provocando, assim, incomodidade sonora.
b) Sem prejuízo de ser feita a auscultação preliminar de um sindicato, da associação empresarial do Concelho de Cascais e da associação de consumidores, propõe-se que sejam ouvidas as forças de segurança, (PSP do Estoril) e a União das Freguesias de Cascais e Estoril, para que se pronunciem acerca da existência de eventuais situações de incomodidade sonora gerada pelo estabelecimento acima melhor identificado, para que seja reunidos elementos probatórios necessários a fim de ser implementada a medida de restrição de horário de funcionamento do estabelecimento reclamado, em cumprimento do disposto no Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio […]».
- cf. fls. 17 a 21 do documento com a rf. 006964103;
H) Em 22-09-2023, o autor da exposição referida em E) apresentou nos serviços do requerido uma nova queixa, sobre o horário, o ruído e os comportamentos dos clientes do Bar referido em A) – cf. fls. 24 do documento com a rf. 006964103;
I) Em 24-10-2023, o autor da exposição referida em E) apresentou nos serviços do requerido uma nova queixa, sobre o horário, o ruído e os comportamentos dos clientes do Bar referido em A) – cf. fls. 32 e 33 do documento com a rf. 006964103
J) Em 24-10-2023, pelo Diretor de Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização do requerido, em face das queixas quanto ao funcionamento do bar referido em A) foi informado, além do mais, o seguinte:
«[…] somos de opinião que a redução do horário deste estabelecimento seria benéfica para os residentes, minorando a presença dos frequentadores e as horas de concentração destes, a realização de atos atentatórios da salubridade e higiene naquele local e incomodativos do direito ao descanso […]».
– cf. fls. 31 do documento com a rf. 006964103;
K) Em 13-11-2023, pelos serviços do requerido foi elaborada informação de onde se extrai, além do mais, o seguinte:
«[…] a Equipa da UPAM, no dia 12/11/2023, pelas 161100, deslocou-se à Rua B…, Freguesia de Estoril, a fim de verificar expediente […] referente a ruído proveniente de clientes do estabelecimento "…", cumprindo informar o seguinte:
1.Chegados ao local, foram abordados os seguintes moradores das frações/habitações que assinaram a petição/abaixo-assinado para cessação do ruído provocado pelos clientes do "…": […]
Todos os moradores abordados foram questionados acerca da reclamação, informando novamente que o ruído não provém do estabelecimento em si, mas sim dos seus clientes, que devido ao horário alargado (horário de fecho às 04hoo) permanecem no espaço comum do prédio, não tendo em conta que se encontram numa área residencial, provocando vários desacatos, desde altercações físicas, estacionamento indevido frente a garagens, tendo como principal consequência o ruído que advém de todas essas circunstâncias, situação essa que na opinião dos moradores seria resolvida com a diminuição do horário de funcionamento;
Posto isto, remete-se para consideração superior. […]».
– cf. fls. 3 e 4 do documento com a rf. 006964104;
L) Em 07-12-2023, o autor da exposição referida em E) apresentou nos serviços do requerido uma nova queixa, sobre o horário, o ruído e os comportamentos dos clientes do Bar referido em A) – cf. fls. 14 do documento com a rf. 006964107
M) Em 09-12-2023 e 12-12-2023, a Sra. C… apresentou, nos serviços do requerido, queixa, sobre o ruído e os comportamentos dos clientes do Bar referido em A) – cf. fls. 13 e 14 do documento com a rf. 006964107
N) Em 07-12-2023, o autor da exposição referida em E) apresentou nos serviços da PSP queixa, sobre o horário, o ruído e os comportamentos dos clientes do Bar referido em A) – cf. fls. 28 e 29 do documento com a rf. 006964107
O) Em 01-02-2024, a autora da exposição referida em M) e outros subscritores apresentaram nos serviços do requerido uma nova queixa, sobre o horário, o ruído e os comportamentos dos clientes do Bar referido em A) – cf. fls. 7 a 14 do documento com a rf. 006964108;
P) Em face das queixas referidas em N) e O), na Divisão de Licenciamentos Económicos do requerido, em 16-09-2024, foi elaborado parecer que elenca as queixas supra referidas, e de onde se extrai, além do mais, o seguinte:
«[…] resulta dos elementos disponíveis que a situação de incomodidade reclamada se observa no exterior do estabelecimento, fora do espaço controlado pelo seu explorador, pelo que a questão principal deve ser controlada pela ação das forças de segurança
[…] importa, ainda assim, tomar todas as diligências ao alcance deste Município, nomeadamente quanto ao funcionamento do referido estabelecimento, que minimizem os problemas sentidos pelos munícipes ali residentes
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, […], os estabelecimentos de restauração ou de bebidas, passaram a ter horário de funcionamento livre, podendo, no entanto, as câmaras municipais restringir os períodos de funcionamento em algumas condições por razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos […] Atendendo à matéria factual, parece, para já, não estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito, que impliquem a tomada de medidas cautelares previstas no Regulamento Geral do Ruído aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, que poderiam consistir na suspensão da atividade […] No entanto, atendendo às inúmeras reclamações dos condóminos, importa perfilhar, para já, medidas que minimizem ou permitam a cessação da situação de incomodidade alegada do horário de funcionamento praticado, revogando-se aquele ato de autorização concedida […] devendo o estabelecimento cumprir os regimes de funcionamento previstos no artigo 3.º, que determina que o período de funcionamento se verifique entre as 06 e as 24 horas, de domingo a quinta-feira e entre as 06 e as 02 horas de sexta-feira, sábado e vésperas de feriados
Face ao exposto, propõe-se:
a) Que seja revogado o ato administrativo que permitiu que o estabelecimento praticasse um horário de funcionamento de forma alargada e seja reposto o horário de funcionamento de acordo com o estabelecido no Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços, devendo o estabelecimento cumprir o regime de funcionamento previsto no artigo 3.º que determina que o período de funcionamento se verifique entre as 06 e as 24 horas, de domingo a quinta-feira e entre as 06 e as 02 de sexta-feira, sábado e vésperas de feriados;
b) Que seja consagrado à titular de exploração o direito de ser ouvida no decurso do procedimento administrativo, em sede de audiência prévia, antes de ser tomada a decisão final, relativamente ao sentido provável da decisão a exarar, com a advertência de que o seu incumprimento e a subsistência da situação de incomodidade sentida pelos moradores, implica a aplicação de medidas cautelares previstas no Artigo 27.º do Regulamento Geral do Ruído, bem como no Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços, que poderão consistir, entre outras, no encerramento imediato do estabelecimento, caso se verifique essa necessidade, por forma a ser evitada a produção de danos graves para a saúde humana e para o bem-estar das pessoas afetadas pela situação de incomodidade em resultado da atividade exercida, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do Artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo, e facultada a possibilidade de se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias a contar da receção da notificação a exarar e a expedir para o efeito, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do Artigo 122.º do mesmo Código;
c) Para efeitos do disposto na alínea a), da notificação a exarar e a enviar para a titular de exploração conste que durante o período de funcionamento do estabelecimento a porta de acesso ao estabelecimento se mantenha fechada, sem que permita a fuga de barulhos e no termo do período de funcionamento deverá a mesma permanecer encerrada e não permitir a entrada de clientes, cessando o fornecimento de qualquer bem ou a prestação de qualquer serviço no interior ou para o exterior do estabelecimento e não seja audível música e/ou ruído no exterior. […]».
- cf. fls. 47 a 53 do documento com a rf. 006964060;
Q) Sob a informação referida em P) recaiu o despacho de concordância do Vereador F…, de 19-09-2024 - cf. fls. 47 do documento com a rf. 006964060;
R) Em 24-09-2024, a informação referida em P) foi notificada à requerente, por e-mail – cf. fls. 56 a 61 do documento com a rf. 006964060;
S) Em resposta à notificação referida em R), em 30-09-2024, a requerente, pela sua legal representante, entregou nos serviços do requerido uma exposição de onde se extrai, além do mais, o seguinte:
«[…] Recebi uma notificação referente ao ruído provocado pelos clientes do …. Venho dizer que isso não corresponde a realidade. o que tem acontecido foi o seguinte:
O senhorio M… […] e a irmã C… […] tem vindo a fazer bullyng, ameaças e perseguição comigo e consequentemente com tudo o que tenha a haver com «…». Foi-me feita uma proposta no valor de 15.000 euros […] para deixar o bar […] que se eu não aceitasse me ia por na rua de qualquer maneira. Quando me recusei começou o meu inferno […] o bar não faz barulho que incomoda porque só mesmo o sr. M… […] e a irmã […] se queixam. Temos vizinhos […] que frequentam o bar […] o baixo assinado é uma fraude porque está basicamente assinado pela família dele […] isso é tudo uma maneira de nos tirar de lá […] tudo o que falei nesta carta é verdade e pode ser provado […]».
- cf. fls. 65 a 69 do documento com a rf. 006964060;
T) Em 29-10-2024, na Divisão de Licenciamentos Económicos do requerido, em 16-09-2024, foi elaborado parecer que elenca as queixas supra referidas, e de onde se extrai, além do mais, o seguinte:
«[…] No âmbito do exercício do direito de pronuncia, a titular de exploração veio pronunciar-se, mediante apresentação de alegações escritas, tendo solicitado que não seja “reduzido” o horário de funcionamento do estabelecimento, com fundamento na falta de veracidade das reclamações apresentadas pelos reclamantes, sem que tenha feito prova bastante dos factos alegados, que se revelassem uteis, necessários e relevantes para que fosse alterado o sentido provável da decisão a exarar nos termos e com os fundamentos de facto e de direito constantes da notificação que lhe foi enviada em sede de audiência prévia, mantendo-se inalterado o sentido de orientação do projeto de decisão, nos termos e com os fundamentos expostos e objeto de notificação.
Face ao exposto, propõe-se:
a) Que se mantenha o projeto de decisão objeto de notificação e seja negada a pretensão da requerente, nos termos e com os fundamentos de facto e de direito expostos, em sede de decisão final;
b) Que seja revogado o ato administrativo que permitiu que o estabelecimento praticasse um horário de funcionamento de forma alargada e seja reposto e praticado o horário de funcionamento do estabelecimento de acordo com o estabelecido no Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços, devendo o estabelecimento cumprir o regime de funcionamento previsto no artigo 3.º que determina que o período de funcionamento se verifique entre as 06 e as 24 horas, de domingo a quinta-feira e entre as 06 e as 02 de sexta-feira, sábado e vésperas de feriados;
c) Que seja advertida a titular de exploração de que deve dar cumprimento imediato ao ato administrativo a praticar, após receção da sua notificação, sob pena de aplicação de medidas cautelares previstas no Artigo 27.º do Regulamento Geral do Ruído, bem como no Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços, que poderão consistir, entre outras, no encerramento imediato do estabelecimento, caso se verifique essa necessidade, por forma a ser evitada a produção de danos graves para a saúde humana e para o bem-estar das pessoas afetadas pela situação de incomodidade em resultado da atividade exercida;
d) Para efeitos do disposto na alínea a), da notificação a exarar e a enviar para a titular de exploração conste ainda que durante o período de funcionamento do estabelecimento a porta de acesso ao estabelecimento se mantenha fechada, sem que permita a fuga de barulhos e no termo do período de funcionamento deverá a mesma permanecer encerrada, sendo vedada a entrada de clientes e a cessação do fornecimento de qualquer bem ou a prestação de qualquer serviço no interior ou para o exterior do estabelecimento e não seja audível música elou ruído no exterior. […]».
- cf. fls. 71 a 78 do documento com a rf. 006964060;
U) Ato suspendendo: Sob a informação referida em T) recaiu o despacho de concordância do Vereador F… de 29-10-2024 - cf. fls. 71 do documento com a rf. 006964060;
V) Para notificação do ato referido em U), pelos serviços do requerido foi expedido ofício, assinado pelo Vereador F…. em 30-10-2024, que se dá por integralmente reproduzido, e que contem, além do mais, a indicação das queixas entregues nos serviços, as diligências de instrução realizadas pelos serviços, o regime legal aplicado, a análise da pronúncia da requerente e a decisão – cf. documento com a rf. 006953552;
W) Com referência ao ano de 2023, na declaração Modelo 3 do agregado da legal representante da requerente, como rendimento da categoria A apenas foi declarado o recebimento de €10.640, pela legal representante da requerente, como pago pela requerente – cf. documento com a rf. 006953561;
X) Com referência ao período de 01-01-2023 a 30-06-2023, na contabilidade da requerente, as contas 72112 e 72113 apresentam um saldo de €61.615,70 – cf. fls. 1 documento com a rf. 006953556;
Y) Com referência ao período de 01-01-2024 a 30-06-2024, na contabilidade da requerente, as contas 72112 e 72113 apresentam um saldo de €31.085,64 – cf. fls. 2 documento com a rf. 006953556;
Z) Com referência ao período de 13-10-2024 a 02-11-2024, na contabilidade da requerente foi lançado um resultado de €4.773,80 – cf. documento com a rf. 006953560;
AA) Com referência ao período de 13-11-2024 a 02-12-2024, na contabilidade da requerente foi lançado um resultado de €2.844,80– cf. documento com a rf. 006953559.


3.2. Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,

“Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa cautelar. Considera-se conclusiva, de direito ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.”


3.3. E em sede de motivação de facto consta da sentença,

“Os factos indiciariamente provados resultam da posição assumida pelas partes nos seus articulados, dos documentos constante do processo administrativo, nos documentos juntos com os respetivos articulados, os quais, não obstante terem sido impugnados, não suscitam dúvidas ao Tribunal quanto à sua idoneidade, tudo conforme especificado em cada uma das alíneas do probatório, em conjugação com ao princípio da livre apreciação da prova.”

4. Fundamentação de direito

4.1. Do erro de julgamento quanto à dispensa de produção de prova testemunhal

Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo errou ao considerar inútil a produção de prova requerida, o que entende violar o disposto no artigo 367.º, n.º 1 do CPC, o seu direito de defesa e contraditório previsto no artigo 32.º, n.º 5 da CRP, porquanto, ao não fundamentar a inutilidade do ato, não se alcança em que medida a inquirição não seria idónea para contraprova dos factos alegados pela recorrida na oposição que deduziu.
Como resulta dos autos, tendo sido requerida a produção de prova testemunhal pela Recorrente no requerimento inicial e pelo Recorrido na oposição, na sequência de despacho de 14.1.2025 pelo qual as partes foram notificadas para informarem a matéria factual sobre a qual pretendiam produzir prova, veio a Requerente dar conta pretender fossem inquiridas testemunhas à seguinte matéria,
“- E de que, durante o período de funcionamento a “porta de entrada se mantenha fechada”;
- Nessa sequência foi a requerente contactada pelos actuais Senhorios com vista a proceder à entrega das referidas fracções mediante o pagamento de um valor indemnizatório que ascendia a €15.000,00 (quinze mil euros);
- Recebeu ainda a requerente uma notificação judicial avulsa, a que respondeu;
- Em Fevereiro de 2023, sem aparente motivo, os Senhorios procederam à instalação de uma câmara de captação de imagens e som, no prédio onde se encontra instalado o estabelecimento comercial explorado;
- Ou seja, sem qualquer justificação plausível, procedem até aos dias de hoje à captação de imagens com som dos clientes da requerente e visionam as mesmas, enviando mensagens via WhatsApp para a gerente da requerente com imagens de terceiros;
- A requerente desde então que, receia que algum dos seus clientes possa responsabilizá- la por uso indevido de imagens, pois, na realidade desconhece o uso e respectiva conservação que são dados às mesmas, razão pela qual comunicou - de imediato, a sua preocupação aos então Senhorios;
- No entanto, ao invés do que seria de esperar, os Senhorios interpelados, continuaram a proceder, de forma ininterrupta à captação de imagens;
- Como também, procederam à realização de uma obra de colocação de pavimento na entrada da fração, vedando a entrada para o estabelecimento comercial ora explorado, o que impossibilitou a fruição do locado, por parte da requerente, por um período considerável;
- Com as condutas descritas a requerente tem sofrido um decréscimo muito significativo ao nível da clientela;
- Este comportamento resultou numa redução de pelo menos 50% da faturação da requerente.
- A requerente teve um prejuízo de €30.566,06 (trinta mil euros, quinhentos e sessenta e seis euros e seis cêntimos);
- Mais, coincidentemente tem sido - quase diariamente, convocados ao estabelecimento comercial da requerente, agentes da Polícia Municipal, com queixas de não cumprimento do horário de fecho e ruído.
- Por fim dar nota que, a utilização destes “meios" - expedientes, cria nos envolvidos não só um temor, mas também um enorme desgaste emocional, o que levou à apresentação de várias queixas crime.
- Assim, a requerente apenas pode concluir que a real pretensão dos titulares das queixas apresentadas junto da Câmara Municipal de Cascais, actuais Senhorios da requerente, do qual resultou o acto administrativo, ora sindicado, foi sempre a de, dissimuladamente, proceder à resolução | extinção do contrato de arrendamento do imóvel onde se mostra instalado o estabelecimento comercial, sem, todavia, terem de suportar o inerente encargo de pagamento de uma indemnização, o que, naturalmente, não se aceita.
- A redução do horário de funcionamento terá repercussões graves para o estabelecimento e para a comunidade que serve;
- Mais, este estabelecimento é um ponto de encontro e socialização, ajudando a fortalecer os laços comunitários e a saúde mental das pessoas, com o foco de que neste local há poucas alternativas de lazer;
- Um ponto cultural importante, estando em laboração desde 1973 e hoje um dos únicos estabelecimentos aberto em horários noturnos, ajudando em emergências ou oferecendo um ponto de apoio, constituindo assim uma fonte geradora de segurança aos habitantes daquela localidade.
- É também gerador de emprego directo - fonte de sustento direto para proprietário e trabalhadores e indireto, por via de cadeias de suprimento, como distribuidores de bebidas, alimentos, equipamentos e músicos locais, os quais estão a ser directamente impactados pela redução de atividade da requerente;
- Fonte de promoção e desenvolvimento económico da região;
- A redução de horário implicará a necessidade de reestruturação da equipa, possivelmente resultando em despedimentos, afetando não apenas os trabalhadores, mas também as suas famílias,
- A legal representante da requerente não aufere qualquer outro rendimento.
- O agregado familiar da legal representante da requerente atualmente apenas é composto por si, seu cônjuge e um filho menor dependente,
- O agregado familiar da legal representante da requerente é suportado pelo rendimento mensal que aufere resultante das funções que exerce no respectivo estabelecimento
- A legal representante da requerente, tem despesas mensais, com habitação, água, gás, eletricidade e telecomunicações/internet,
- Ao que acresce os custos inerentes com a alimentação, que mensalmente, e de acordo com o padrão de um homem médio, tudo no valor de €1377,00 (mil trezentos e setenta e sete euros).”
Por sua vez, o Município de Cascais informou pretender produzir prova testemunhal sobre os factos constantes dos artigos 16º, 17º, 26º, 27º, 31º e 51º da oposição que apresentou.
Em despacho que precedeu a prolação da sentença, considerou o Tribunal a quo que,
“Notificadas, as partes vieram indicar qual a matéria de facto sobre a qual pretendem produzir prova testemunhal.
Sobre a matéria de facto indicada pela requerente, a mesma incide, em parte, sobre matéria a provar por documento (artigos 3.°, 76.°, 77.°, 78.°, 81.° e 82.°, todos do requerimento inicial (RI)), sobre matéria que não respeita aos factos relativos ao ato suspendendo, mas a uma relação de arrendamento entre particulares (artigos 8.°, 9.°, 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.°, 17.°, 18.°, 19.°, 20.°, 22.°, todos do RI) ou ainda a matéria conclusiva (artigos 55.°, 56.°, 57.°, 58.°, 59.°, 62.°, todos do RI).
Já a matéria de facto indicada pelo requerido, a mesma respeita também a factos a provar por documentos (artigos 16.°, 17.°, 26.°, 27.°, 31.° e 51.° da oposição).
Tudo colhido, a produção de prova testemunhal como requerida, para além de irrelevante — nomeadamente, a relação de arrendamento entre particulares — revelar-se-ia dilatória, uma vez que iria recair sobre factualidade a provar por documentos, ou sobre meras conclusões.
Tendo tal presente, bem como a prova documental já junta aos autos, a posição assumida pelas partes, e ainda a natureza urgente da causa, que exige e se basta com uma summario cognitio, compulsada a causa de pedir, conexa com a falta de fundamentação do ato suspendendo e com a violação do princípio da proporcionalidade, pelo mesmo ato suspendendo, entende-se que a prova de que o processo dispõe já, sem necessidade de outras diligências, permite apurar, os factos relevantes para a decisão a proferir na presente instância cautelar.
Termos em que se recusa a produção de prova testemunhal — 118.°/3/5/CPTA.”
Vejamos.
É inegável que o direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial.
Neste sentido, «[o] direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal. As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova.
Haverá que constatar que, na prática, as partes têm sempre interesse em produzir provas, seja em relação aos factos que lhe são favoráveis, seja quanto à inexistência dos factos que a podem prejudicar (contraprova ou prova contrária). E se é verdade que o ónus da contraprova só surge quando o onerado com a contraprova tenha feito prova bastante (prova livre ou não plena), cabendo então à parte contrária fazer prova que crie no espírito do juiz dúvida ou incerteza acerca do facto questionado, as restrições impostas ao momento até ao qual cada uma das partes pode apresentar a sua prova/contraprova, levam a que parte não onerada com a prova de um facto não possa ficar à espera que a contraparte faça, ou não, a prova de tal facto, para aí e só então, em caso afirmativo, apresentar a sua contraprova.
Como afirma Eduardo Cambi, “as partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para as respetivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. A noção de direito à prova aumenta as possibilidades das partes influenciarem na formação do convencimento do juiz, ampliando as suas chaces de obter uma decisão favorável aos seus interesses. Assim, as partes têm liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (cf. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.4.2015, proferido no processo 124/14.1TBFND-A.C1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1e851b0d1306f6d580257e49004dccbe?OpenDocument)».
Sem prejuízo, como qualquer direito, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência, isto é, não é um direito ilimitado. De tal forma que pode comportar restrições, designadamente colocadas em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo.
Em conformidade, refira-se que, no âmbito das providências cautelares, dispõe-se nos n.ºs 1, 3 e 5 do art.º 118.º do CPTA – notando-se que, regulando o CPTA a tramitação das providências cautelares, não há que convocar, sequer subsidiariamente, o disposto no artigo 367.º do CPC - que,
1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 118.º do CPTA, atenta a celeridade e eficiência que devem pautar o processo cautelar, a produção de prova – e, portanto, o direito a esta - só tem lugar quando o juiz a considere necessária.
Cumprindo ao julgador, no âmbito das providências cautelares, ponderar se a produção de prova é ou não necessária para o apuramento da matéria de facto pertinente, há que ter em conta que, por um lado, a prova é sumária [art.º 114.º, n.º 2 al. g) do CPTA], feita com base perfunctória e, por outro, que incidindo a prova sobre factos concretos que permitam dar como verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência, ela excluirá conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Acrescente-se que o juiz está sempre limitado pela proibição de prática de atos inúteis prevista no art.º 130.º do CPC, pelo que a necessidade da prova, não deixando de corresponder ao preenchimento de um conceito indeterminado cujo juízo decisório se situa na esfera do Tribunal, devendo restringir-se a uma prova sumária e perfunctória (prova simplesmente informatória, como refere Manuel de Andrade, em “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 193), encontra o seu objeto nos factos, relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos e carecidos de prova, que são necessários para a decisão.
Isto posto, importa notar que o despacho fundamenta, de forma cabal, as razões pelas quais considerou desnecessária a produção de prova requerida pelas partes. Fê-lo por entender, identificando os correspondentes pontos do requerimento inicial, que a matéria indicada pela Recorrente era, em parte, objeto de prova documental, conclusiva e não respeitante aos factos relativos ao ato suspendendo, mas uma a uma relação de arrendamento entre particulares. E quanto ao Recorrido entendeu tratar-se de matéria a provar por documentos. Neste sentido, fazendo relevar a summario cognitio subjacente às providências cautelares e atentas as questões que lhe cumpria decidir, recusou a prova requerida, entendendo encontrarem-se nos autos os meios probatórios necessários à decisão.
Note-se que o ónus de fundamentação que recai sobre o Tribunal é, nos termos do artigo 118.º, n.º 5 do CPTA, que enuncie as concretas razões pelas quais recusa a produção dos meios de prova, seja porque os factos se encontram assentes, são irrelevantes à decisão ou os meios probatórios se apresentam manifestamente dilatórios, mas já não, como pretende a Recorrida, que se fundamentem as razões pelas quais os meios probatórios requeridos pela A. não são idóneos para contraprova dos factos alegados pela Requerida na sua oposição.
Assim é, porque na decisão tomada a respeito da (des)necessidade de produzir prova há que considerar as regras do ónus da prova, concretamente que ao autor cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado (artigo 342.º, n.º 1 e 2 do CPC) e, assim sendo, o que à Requerente cabia, em primeiro lugar, provar eram os factos que, tendo sido por si alegados, respeitassem ao preenchimento dos pressupostos para a adoção da medida cautelar requerida.
É certo que consistindo a contraprova (ou prova contrária) na prova, produzida pela contraparte, destinada a tornar incerto o facto visado, criando a dúvida séria acerca da realidade do facto, em abstrato assistirá ao autor o direito de fazer contraprova dos factos alegados pela Requerida na oposição, sejam eles relativos à defesa por impugnação, seja à defesa por exceção.
O que sucede in casu, analisada a oposição da Recorrida, é que, considerando as regras do ónus da prova, não se detetam os factos, aí alegados e sobre os quais recaísse sobre aquela o ónus probatório – que, ademais, tivessem sido considerados provados (por o Recorrido deles ter feito prova bastante e sem que sobre os mesmos a Recorrente tivesse tido a possibilidade de produzir prova contrária) -, relativamente aos quais assistisse à Recorrente o direito à prova contrária.
Para fundar o erro de julgamento, designadamente por violação do seu direito à contraprova, não bastava afirmar assistir-lhe tal direito, antes importando concretizar os factos, que teriam sido alegados pela Recorrida, relativamente aos quais tal sucedia. Só assim poderia este Tribunal ad quem verificar se, efetivamente, tal direito à contraprova lhe assistia, sendo a produção da prova testemunhal por si requerida idónea à contraprova dos factos alegados pela Requerida.
Cumpre reiterar que “[s]e às partes pertence, em primeira linha, indicar os meios de prova, podendo requerer ou apresentar qualquer meio de prova que seja idóneo a demonstrar os factos que lhe incumba provar ou fazer contraprova dos alegados pela parte contrária, ao juiz incumbe aquilatar da pertinência dos meios de prova oferecidos tendo em conta o objecto da acção (no caso, do articulado superveniente), não estando obrigado a admitir os meios de prova de forma acrítica, podendo e devendo indeferi-los se não forem relevantes para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio, ou se forem dilatórios ou impertinentes” (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.4.2014, proferido no processo 8294/11.0TBCSC-A.L1-7, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bb1b3e06ff80d0f380257cf20030de21?OpenDocument).
E daí que não se possam considerar violados o disposto no artigo 118.º do CPTA e os direitos de defesa e contraditório da Recorrente, na dimensão do seu direito à contraprova, não padecendo, nestes termos, o despacho que recusou a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente de erro de julgamento.

4.2. Do erro de julgamento de facto

Da conjugação das conclusões com as alegações de recurso verifica-se que a Recorrente, peticionando “[a] ampliação da matéria de facto dada por provada, em resultado dos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida”, sustenta que o Tribunal a quo não fez a análise crítica dos documentos 3, 4 e 5 juntos com o requerimento inicial (conclusão D.), os quais seriam fundamentais para firmar o seu direito e o justo receio de lesão, porquanto, por confronto com a demais prova, serviriam para demonstrar os factos, que reputa deverem ter sido considerados na matéria de facto provada, e que elenca nas alíneas a) a f) de fls. 9 e 10 das alegações, concretamente,
a) as queixas que alegadamente deram origem ao acto administrativa cuja suspensão se requereu foram realizadas pela mesma pessoa que, até ao momento, com todas as condutas melhor descritas na petição, gerou a ora recorrente um prejuízo de €30.566,06 (trinta mil euros, quinhentos e sessenta e seis euros e seis cêntimos) - vide factos provados E), H) I) L), M) N).
b) Com as condutas descritas a recorrente tem sofrido um decréscimo muito significativo ao nível da clientela;
c) Este comportamento resultou numa redução de pelo menos 50% da faturação da recorrente.
d) Mais, coincidentemente tem sido - quase diariamente, convocados ao estabelecimento comercial da requerente, agentes da Polícia Municipal, com queixas de não cumprimento do horário de fecho e ruído.
e) Por fim dar nota que, a utilização destes "meios" - expedientes, cria nos envolvidos não só um temor, mas também um enorme desgaste emocional, o que levou à apresentação de várias queixas-crime.
f) A real pretensão dos titulares das queixas apresentadas junto da Câmara Municipal de Cascais, actuais Senhorios da requerente, do qual resultou o acto administrativo, ora sindicado, foi sempre a de, dissimuladamente, proceder à resolução e extinção do contrato de arrendamento do imóvel onde se mostra instalado o estabelecimento comercial, sem, todavia, terem de suportar o inerente encargo de pagamento de uma indemnização.
Advoga, ainda, que se o Tribunal tivesse considerado o documento 7 teria dado como provado que “[d]esde o momento em que a requerente foi notificada do acto administrativo ora em crise, até ao dia de hoje a teve um prejuízo de €1931,00 (mil novecentos e trinta e um ouros)” (fls. 11 das alegações) e que a redução do horário terá repercussões graves para o estabelecimento (fls. 12 e conclusão E. e J.). E que se tivesse procedido à correta apreciação da prova produzido, o que, em sede de alegações refere consistir nos documentos 5 e 7 junto com o requerimento inicial (fls. 14), teria concluído que a redução do horário de funcionamento perigaria a estabilidade económica da sociedade (conclusão J.).
Em primeiro lugar, importa considerar que atento o disposto no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC], entendendo-se que o recorrente deve expressar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR, disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/cc39bb581d8ca5de80258a6f004dba88?OpenDocument).
Refira-se que, “[q]uanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que impugna e, bem assim, de acordo com uma corrente do STJ, indicar, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (sendo que, a corrente maioritária, relembra-se, propende no sentido de que essa indicação tem de constar da motivação do recurso) e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640.º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que o mencionado critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em relação à qual se verifique a omissão, sem que seja admitido despacho de convite ao aperfeiçoamento” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR, supra referenciado).
Constata-se que a respeito dos pontos de facto que elencou nas als. a) a f) fls. 9 e 10 das alegações e a fls. 11 das alegações - “[d]esde o momento em que a requerente foi notificada do acto administrativo ora em crise, até ao dia de hoje a teve um prejuízo de €1931,00 (mil novecentos e trinta e um ouros)”- como tendo sido incorretamente julgados e que entende deverem constar do elenco dos factos provados, com base nos documentos 3 a 5 e 7, mostra-se inegável que a Recorrente não os fez constar das conclusões, não identificando, consequentemente, com clareza, nas conclusões de recurso – que, como se sabe, delimitam o seu objeto - a matéria que pôs em causa. Na realidade, em sede de conclusões, limita-se a dar conta que o Tribunal não teria procedido à análise crítica daquela prova documental sem, contudo, concretizar relativamente a quais factos, tidos por incorretamente julgados, tal sucederia.
Daí que, nessa parte, se imponha a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto por ocorrer a falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [art. 640.º, n.º 1, al. a) do CPC].
Já o mesmo não sucede, mostrando-se cumpridos os ónus impugnatórios, quanto ao expresso nas conclusões E. e F. a respeito de que a Recorrente entende que deveria ter sido dado como provado, com base nos documentos 5 e 7 junto com o requerimento inicial (fls. 14), que a redução do horário terá repercussões graves para o estabelecimento e perigaria a estabilidade económica da sociedade.
Sucede que, neste caso, não estamos perante factos, mas sim conclusões a alcançar aquando da realização, em sede de fundamentação de direito, do juízo de prognose a respeito do preenchimento do requisito do periculum in mora.
Com efeito, da matéria de facto apenas devem constar factos, entendendo-se como tal “tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” , sendo que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais” (Henrique Araújo, A matéria de facto no processo civil, disponível em https://carlospintodeabreu.com/public/files/materia_facto_processo_civil.pdf, consult. Março 2024).
Não podendo integrar a matéria de facto, juízos de facto, afirmações conclusivas e questões de direito. Neste sentido, reiterando o Acórdão deste Tribunal de 22 de maio de 2019, proferido no processo 1134/10.9BELRA, “[a] seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento”.
Ora, as consequências que o ato suspendendo terá na atividade da Recorrida traduzem-se no juízo jurídico-conclusivo que integra o pressuposto da medida cautelar correspondente ao periculum in mora, não podendo, portanto, fazer-se o mesmo constar da matéria factual. Na realidade, em sede de factos importaria a alegação e demonstração da atual situação económico-financeira da Requerente e dos termos, designadamente ao nível de pessoal em que desenvolve a sua atividade, com particular relevância quanto ao período que será reduzido. Seria à luz de tais dados que o Tribunal, em sede de direito, poderia concluir no sentido pugnado pela Requerente de que a redução do horário terá repercussões graves para o estabelecimento e perigaria a estabilidade económica da sociedade. Mas tal não corresponde a facto a fazer constar da matéria de facto provada, mas sim a um juízo jurídico-conclusivo.
Em face do exposto, naturalmente que não assiste razão à Recorrente no erro de julgamento que aponta à sentença recorrida, de que esta não padece.

4.3. Do erro de julgamento de direito

Face à improcedência do erro de julgamento apontado à decisão de dispensa de produção de prova e à decisão que recaiu sobre a matéria de facto, constata-se que a Recorrente não assaca, verdadeiramente, à sentença qualquer erro de julgamento de direito. Isto é, não aponta ao julgado qualquer erro no que respeita à decisão que, em face dos factos provados, foi tomada quanto ao não preenchimento dos pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, antes fazendo depender da alteração da decisão quanto aos factos provados, a inversão no julgamento de direito.
Sucede que o recurso jurisdicional é um pedido de reapreciação do julgamento produzido no tribunal a quo e não um pedido de nova apreciação da pretensão deduzida em juízo, pelo que se impõe que o recorrente impute vícios ou erros de julgamento nas alegações de recurso e nas respetivas conclusões à decisão recorrida. Porque a Recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso para este Tribunal - peça e local onde o recorrente delimita o objeto do recurso (art.º 690.º, n.º 1, do CPC) e assim, em princípio, também fixa os poderes de cognição do Tribunal - não arguiu qualquer vício ou erro de julgamento da sentença recorrida, então a este respeito – face à improcedência do erro de julgamento de facto - nada há a apreciar.

4.4. Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrente condenada nas custas do presente recurso (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Rejeitar parcialmente o recurso quanto à matéria de facto;
b. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho e a sentença recorridos;
c. Custas pela Recorrente.


Mara de Magalhães Silveira
Marta Cavaleira
Joana Costa e Nora