Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:862/06.8BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
RELATÓRIO DE INSPECÇÃO
Sumário:1. O relatório de inspecção tributária é um documento autêntico (artigo 363.º, n.º 2, do CC), que, quando devidamente fundamentado e desde que baseado em critérios objectivos, faz fé pública relativamente aos factos que integra, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LGT.
2. A força probatória plena do relatório de inspecção tributária, no que concerne aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, apenas é ilidível através da arguição da sua falsidade – artigo 372.º, n.º 1, do CC.
3. Ao dar como verificados os factos que constam do relatório de inspecção tributária, que não foi validamente impugnado, a sentença não padece de erro nos pressupostos de facto, por não ser possível afirmar a existência de divergência entre a factualidade considerada provada e a realidade.
4. A destruição de um veículo de transporte não prova da destruição dos documentos contabilísticos da impugnante se esta não prova que esses documentos faziam parte da carga do veículo destruído.
5. O procedimento de inspecção é irrepetível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
1.1. As partes
L….., Lda., não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a IMPUGNAÇÃO JUDICIAL que deduziu contra a Fazenda Pública, impugnando as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios n.° ….. a ….., respeitantes ao ano de 2001, veio apresentar recurso jurisdicional.
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1.2. O objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente concluiu como segue:
1.ª Os factos dados como provados pela primeira instância, assentam em relatórios que por sua vez não contêm qualquer suporte documental, nem mesmo testemunhal. Ocorre assim, manifesto erro nos pressupostos de facto.
2.ª Paralelamente, a douta sentença do tribunal a quo peca por omissão de referência a factos provados e à prova documental apresentada pela impugnante, ocorrendo assim manifesta violação do disposto no artigo 19° n° 3 do CIVA e das alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 668° do CPC.
3.ª A douta sentença proferida pelo Tribunal da primeira instância, viola, salvo o devido respeito, as disposições conjugadas dos artigos 60°, 61° e 63° n° 3 (agora n° 4) da Lei Geral Tributária. Foi efectuado um novo procedimento inspectivo, quando já tinha havido um, sobre os mesmos exercícios. Não se pode confundir procedimento de inspecção regulado pelo artigo 1° a 27° e 44° a 52° do RCPIT, com actos de inspecção regulados pelos artigos 28° a 43° e 53° a 63° do RCPIT procedimento de Inspecção.
4.ª Acresce que no decorrer do procedimento, a recorrente nunca recebeu nenhum despacho fundamentado da entidade que o ordenou, alterando o âmbito ou a extensão da acção inspectiva. Paralelamente, não ocorreram factos novos, como era exigido pelo disposto no n° 3 do artigo 63° da LGT, para que se pudesse iniciar uma segunda inspecção.
5.ª A impugnante não foi notificada para exercer o seu direito de audição, nos termos do artigo 60° do RCPIT e LGT. Não obstante, foi alvo de vários projectos de relatório e de vários relatórios para o mesmo procedimento e para os mesmos anos já inspecionados, o que viola ostensivamente o disposto no n° 3 do artigo 63° da LGT e 61° do RCPIT.
6.ª 6. Ao aplicar correcções meramente aritméticas à contabilidade da recorrente a AF considerou idóneos, todos os elementos aí registados (v.d. o disposto no artigo 75° n° 1 da LGT).
Termos em que se requer:
a) Se dê por nula e de nenhum efeito a presente sentença da 1.ª instância, de acordo com o disposto na primeira parte da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do CPC que não tomou em devida conta, a prova documental e a testemunhal, devidamente arrolada.
b) Se proceda à anulação da presente liquidação (ano de 2001) e respectivos juros compensatórios, porque contrárias à Lei e ao Direito e manifesta ausência total de fundamentação (vicio de forma).
c) A não se decidir como em b) o que só por mera hipótese académica se concede, se proceda à apensação deste processo, ao que corre termos no 2° Juízo — 2° UO, proc. n.° 650/05.9BELSB do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, uma vez que este último, é proveniente da mesma informação, recolhida do mesmo procedimento e acto tributário.
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1.2.2. Contra-alegações
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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1.3. Parecer do M.º P.º
A Exm.ª Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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1.4. Questões a decidir
Apurar se a sentença padece de nulidade por erro na prova e de erros de julgamento.
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2 - Fundamentação
2.1 De facto
2.1.1. Factos provados
Factos considerados provados ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC:
1. A impugnante exercia, por referência a 2001, a actividade de comércio por grosso, importação e exportação de papéis, desperdícios, metais, sucatas, suas ligas e obras (cfr. fls. 93, dos autos).
2. Da carta aviso da Direcção de Finanças de Lisboa, dirigida e remetida à impugnante por correio registado, datada de 11 de Junho de 2004, constante de fls. 767 do PAT, consta designadamente o seguinte:
"Ordens de serviço n. °s
…..; …..; …..; ….. (...)
Nos termos da alínea I) do n.º 3 do artigo 590 da Lei Geral Tributária e do Art.º 49° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) é V.ª Ex.ª notificado de que, a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária (--).
Âmbito da Acção Inspectiva: Geral
(…)
A acção inspectiva abrangerá o(s) exercício(s) 2000; 2001; 2002; 2003 ..." (cfr. fls. 767 e 768, do PAT)
3. Em 29-06-2004 a recorrente/impugnante foi notificada, na pessoa do seu TOC, A….., para, no dia 19-07-2004, “apresentar na sua sede os seguintes elementos:
“Contabilidade, Dossier Fiscal e Livros Selados, assim como os documentos originais que suportam os movimentos contabilísticos dos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003;
Balancetes analíticos antes e depois do apuramento de resultados dos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003;
Listagem do imobilizado acompanhada das fichas de identificação de cada bem, nos termos do art.º 51.º do Código do IVA, actual e referentes a cada um dos exercícios identificados nos pontos anteriores;
Identificação e extracto de contas de fornecedores e de clientes relativos aos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003.”
4. Da Ordem de Serviço (OS) n.º ….., consta o seguinte despacho, datado 07-06-2004: “Proceda-se à Inspecção Externa”; (fls. 798 do PAT)
5. Da mesma OS consta a identificação da recorrente e no espaço reservado à menção do exercício consta apenas o número “1”;
6. Na referida OS foi escrito, na diagonal e entre dois traços, a palavra “SUBSTITUÍDA”;
7. Da OS n.º ….. consta o seguinte despacho, datado de 2005-01-31: “Proceda-se à Inspecção Externa”; (fls. 799 do PAT)
8. Da mesma OS consta a identificação da recorrente e no espaço reservado à menção do Ano/Exercício consta “2001”;
9. A OS referida no ponto anterior mostra-se assinada por A….., TOC da recorrente/impugnante;
10. Com data de 2005-04-04 foi enviada à recorrente/impugnante uma Carta Aviso, dela constando, nomeadamente, o seguinte:
"N.º Ordem de Serviço …..
Nos termos da alínea I) do n.º 3 do artigo 590 da Lei Geral Tributária e do Art.º 49° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) fica(m) V.ª(s) Ex.ª(s) notificado(s) de que, a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária.
A visita do(s) técnico(s) tem como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias por parte de V.ª(s) Ex.ª(s) e terá o âmbito e extensão a seguir indicados:
Âmbito e Extensão da Acção Inspectiva- Anos/Exercícios/Períodos a Fiscalizar
Geral
Ano/Exercício: 2001
Cfr. fls. 800 do PAT
11. A referida OS foi enviada para a recorrente/impugnante por correio registado com AR, datado de 2005-04-04 e recepcionada em 2005-04-06 (fls. 801 e 802 do PAT);
12. Da Nota de Diligência referente à OS n.º ….. constam, nomeadamente, as seguintes menções:
Inspecção iniciada: 2005/04/08
Ano/Exercício: 2001
(Fls. 803 do PAT)
13. A nota de diligência referida no ponto anterior foi assinada por A….. em 18-04-2005
14. No âmbito da acção inspectiva a que se refere a ordem de serviço ….., foi elaborado Projecto de Decisão relativo às conclusões da Acção Inspectiva, datado de 19 de Abril de 2005, constante de fls. 807 a fls. 812 do PAT;
15. Este projecto foi notificado à recorrente/impugnante por correio registado datado de 25-04-2005, para efeitos do “artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar da Inspecção Tributária” (fls. 805 do PAT)
16. A fls. 813 do PAT consta cópia de carta registada com AR da recorrente/impugnante, pronunciando-se nos seguintes termos:
“Tendo sido notificados no passado dia 27.04.2005, para em 10 dias exercer o direito de audição, vimos pela presente informar V. Ex.ªs de que para além de não concordarmos com a forma como justificam e utilizam o recurso aos métodos indirectos também não concordamos com a afirmação de V. Exªs. no que concerne de que não foi apresentado nenhum documento oficial que comprove o sinistro ocorrido e que infelizmente danificou a nossa contabilidade”
17. De fls. 819 a fls. 830 do PAT consta um “Projecto de Conclusões de Relatório”, datado de 10-08-2005, e relativo ao exercício de 2001 (OS …..), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
18. Do Projecto de Conclusões de Relatório, datado de 30-08-2005, e relativo ao exercício de 2001 (OS …..), constante de fls. 833 a fls. 844 do PAT, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta designadamente o seguinte:
"... 2.3— CONCESSÃO DE NOVO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
Tendo presente o n.º 2 do art.º 8 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributaria (RCP/T), que dispõe que "O Princípio do Contraditório não pode pôr em causa os objectivos das acções de inspecção tributária nem afectar o rigor, operacionalidade e eficácia que se lhes exigem", e no intuito de apurar a verdade material de acordo com o Princípio da Verdade Material previsto no art.° 6.° do RCPIT e com o Princípio do Inquisitório previsto no art.° 58° da Lei Geral Tributária (LGT), o exercício do direito de audição prévia que o sujeito passivo efectuou à data de 2005/o5/10, levou a uma reapreciação dos elementos então existentes, bem como de outros entretanto recolhidos. Dado as conclusões obtidas não serem exactamente as mesmas do Projecto de Decisão notificado pelo ofício n.° ….., de 2oo5/o4/26, respeitando o princípio da legalidade, previsto no art.° 55º da LGT, e o princípio do contraditório, referido no art. ° 8.° do RCPIT, impõe-se a concessão de novo direito de audição prévia com base no presente Projecto de Decisão...".
19. Foi remetido pela Direcção de Finanças de Lisboa à impugnante ofício datado de 31 de Agosto de 2005 e o projecto de relatório referido no ponto anterior, para efeitos de exercício do direito de audição (cfr. fls. 831 e fls. 832 do PAT).
20. Na sequência do ofício referido no ponto anterior a impugnante exerceu o seu direito de audição, através de documento datado e remetido via correio postal à Direcção de Finanças de Lisboa a 12 de Setembro de 2005 (cfr. fls. 845 a 846, do PAT)
21. No âmbito da acção inspectiva a que respeita a OS ….., foi elaborado relatório da acção inspectiva, datado de 23 de Setembro de 2005, do qual consta designadamente o seguinte:
OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA 2.1- CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A ACÇÃO
Em conformidade com a Ordem de Serviço ….., Cod PNAIT ….., procedeu-se a uma acção inspectiva ao Sujeito Passivo L….., LDA, NIF ….., com sede na Rua …...
A entrega da nota de diligência teve lugar no dia 28/04/2005.
2.2 - MOTIVOS E INCIDÊNCIA TEMPORAL
A abertura da ordem de serviço teve origem em irregularidades na contabilidade, detectadas em fiscalização anterior e na necessidade de verificar a veracidade das facturas emitidas pelo sujeito passivo, em nome de outros contribuintes.
O exercício objecto de análise foi o ano de 2001.
2.3 — CONCESSÃO DE NOVO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
Tendo presente o n.° 2 do art.° 8 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), que dispõe que "O Princípio do Contraditório não pode pôr em causa os objectivos das acções de inspecção tributária nem afectar o rigor, operacionalidade e eficácia que se lhes exigem", e no intuito de apurar a verdade material de acordo com o Princípio da Verdade Material previsto no art.° 6.º do RCPIT e com o Princípio do Inquisitório previsto no art.° 580 da Lei Geral Tributária (LGT), o exercício do direito de audição prévia que o sujeito passivo efectuou à data de 2005/o5/10, levou a uma reapreciação dos elementos então existentes, bem como de outros entretanto recolhidos. Dado as conclusões obtidas não serem exactamente as mesmas do Projecto de Decisão notificado pelo ofício n.° ….., de 2o05/o4/26, respeitando o princípio da legalidade, previsto no artº 550 da LGT, e o princípio do contraditório, referido no art.° 8.° do RCPIT, impõe-se a concessão de novo direito de audição prévia com base no presente Projecto de Decisão.
3 - ANÁLISE CONTABILÍSTICA E FISCAL
3.1— ENQUADRAMENTO DO SUJEITO PASSIVO
3_1.1. Trata-se de um sujeito passivo em IRC, com contabilidade organizada no ano de 2001, e enquadrado para efeitos de IVA, no regime normal mensal. Está enquadrado na actividade de comércio por grosso de sucata, registada com o código da Classificação da Actividade Económica 51700, como consta do cadastro informático do contribuinte.
3.1.2. O sujeito passivo tem a sua sede em Lisboa, sendo a sua morada fiscal coincidente com a da empresa do Técnico Oficial de Contas responsável pela sua contabilidade.
3.2 — ANÁLISE DOCUMENTAL
3.2.1. A análise aos documentos originais não foi possível porque os mesmos não foram apresentados. O responsável pela contabilidade do sujeito passivo afirmou que todos os documentos originais de suporte às operações contabilísticas dos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003, arderam junto com outras mercadorias, quando estavam a ser transportados numa viatura que se incendiou. Embora o sujeito passivo não tenha apresentado nenhum documento relativo à comprovação do alegado incêndio, ao Inspector Tributário durante a acção inspectiva, fê-lo em sede de reclamação para a Comissão de Revisão das correcções efectuadas ao exercício de 2000, onde apresentou duas fotografias de um veículo ardido sendo visível a matricula ….., e de uma certidão da Guarda Nacional Republicana, que certifica que aquela viatura ardeu no dia 27 de Maio de 2004, na EN 118, que a mesma estava assegurada com a apólice ….., desconhecendo-se qual a companhia de seguros, assim como o valor dos danos, não fazendo qualquer referência à mercadoria que transportava.
3.2.2. Apurou-se que a contabilidade do sujeito passivo não costuma nem costumava ser mantida na sede do mesmo. Segundo o responsável pela contabilidade, Sr. A….., os documentos passavam pela sede do sujeito passivo e sede da empresa C….., LDA, com o NIPC ….., para efectivar a contabilização e o preenchimento das declarações fiscais, e depois eram devolvidos aos responsáveis pela empresa.
3.2.3. O sujeito passivo apresentou, após notificação para o efeito, os livros selados e os balancetes analíticos, antes e depois do apuramento de resultados, do exercício em análise. Os valores declarados na declaração Modelo 22 e no Anexo A da Declaração Anual, estão de acordo com os balancetes analíticos apresentados, à excepção dos valores apresentados nas rubricas de Dívidas de Terceiros e de Provisões para Riscos e Encargos (no balanço não apresenta qualquer valor), que não estão de acordo com o balancete analítico a 31/12/2001, embora a diferença entre aquelas rubricas seja igual à diferença entre os saldos credores e o saldos devedores das contas 21, 24, 26 e 29, o que faz com que os saldos devedores e os saldos credores no Balanço se igualem. Assim, o Balanço denota uma falta de rigor na sua elaboração, não se percebendo com exactidão que valores foram incluídos nos campos referentes a Dívidas de Terceiros.
3.3 - ANÁLISE FISCAL
3.3.2 Por consulta ao Sistema Informático da DGCI, verificou-se que o sujeito passivo foi fiscalizado aos exercícios de 1993, 1994, 1995, 1996, 2997, 1998 e 1999, tendo sido efectuadas correcções e apurados resultados fiscais positivos em todos eles, pelo que não existem prejuízos ficais acumulados a deduzir nos termos do art.° 470 do Código do 1RC. Verificou-se também que o sujeito passivo não apresentou declarações Modelo 22 para os exercícios de /994, 1995, 2996, 2997, 2998 e 1999, e que só apresentou as declarações Modelo 22 e as Declarações Anuais, para os exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003, nos meses de Junho e Julho de 2004.
3.3.2. Refira-se que as Declarações Anuais apresentadas só contêm o Anexo A, faltando os Anexos L, O e P, pelo que o sujeito passivo infringiu os artigos 119°, n. ° 1, al. c), do Código do IRS e 28°, n.°, al. d), do Código do IVA.
3.3.3. Por consulta ao Sistema Informático da DGCI, verificou-se que o sujeito passivo liquidou IVA nos montantes indicados no mapa seguinte, onde também se indica o valor da base tributável:


Verificou-se que o sujeito passivo declarou exportações no montante de 105.873,00€ e não apresentou os respectivos documentos comprovativos, previstos no art.° 28°, n.º 8, do Código do IVA. No entanto, dado não ter sido apresentada qualquer factura respeitante àquelas vendas e dado os indícios referidos no capítulo 4 deste relatório, que apontam para a não existência de tais exportações, não se liquida o IVA respectivo a fim de manter a coerência e sob pena de legitimar operações que não existiram.
3.34. Relativamente ao IVA deduzido no exercício de 2002, é o mesmo indevido porque não foram apresentados os documentos que o suportariam, infringindo, portanto, o art.° 19°, n.º 2, do Código do IVA. Tendo em conta os indícios de crime fiscal descritos no capítulo 4 do presente relatório, o IVA deduzido também não é aceite nos termos do n.° 4 do referido art.° 19°. Pois, o sujeito passivo declarou compras a fornecedores que nunca tiveram capacidade nem estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade, logo o sujeito passivo não poderia ter comprado os montantes declarados. No mapa que se segue apresentam-se os valores do IVA deduzido ao longo do exercício de 2001:

3.3.5. Dado, após notificação para o efeito, não terem sido disponibilizados os documentos originais da contabilidade, os quais não constam na sede da empresa, infringindo o art.° 117° do Código do 1RC, não foi possível averiguar a veracidade dos rendimentos declarados pelo sujeito passivo, assim como a existência da própria actividade declarada.
4 - INDÍCIOS DE CRIME FISCAL
4.1— ELEMENTOS RECOLHIDOS QUE INDICIAM CRIME FISCAL
4.1.1. No decurso do procedimento de inspecção tributária ao exercício de 2001, 2002 e 2003, recolheram-se elementos e verificaram-se factos que no seu conjunto consubstanciam fortes indícios de crime fiscal. Esses indícios apontam para a emissão de facturação a outros sujeitos passivos, relativa a operações que não se terão realizado, com o objectivo de legitimar, ou contribuir para legitimar, os pedidos de reembolsos de IVA que são solicitados ao Estado por clientes do sujeito passivo, ou por clientes de clientes, IVA esse que, pela análise da conta corrente cio sujeito passivo e dos seus alegados fornecedores, não chegou a entrar nos cofres do Estado.
41.2. Os referidos indícios de crime fiscal assentam nos factos verificados e elementos recolhidos que se passam a descrever:
2. O sujeito passivo apresenta uma situação de crédito de IVA permanente, no entanto, as compras declaradas foram alegadamente efectuadas a outros sujeitos passivos portugueses, assim como mais de 90% das alegadas vendas.
2. Analisadas as Declarações Periódicas e a Declaração Anual para o exercício de 2002, entregues pelo contribuinte, verifica-se que na Declaração Anual declara compras de z0.759.942,37€ e a soma do IVA dedutível declarado nas Declarações Periódicas perfaz J_.go8.13o,o7€ no campo 22, o que corresponde a compras no montante de 11.230.651,67€, valor diferente do declarado na Declaração Anual.
3. Quanto aos fornecedores e respectivas compras indicados pelo sujeito passivo, o maior fornecedor indicado pelo sujeito passivo é o contribuinte P….., que segundo informações da Direcção de Setúbal, nunca teve capacidade para realizar as operações correspondentes às compras declaradas pela L….., Lda. Quanto aos outros fornecedores constam os seguintes nomes: F….. (Irmão da Sócia Gerente da L….., Lda., D…..), no exercício de 2001/ J….., no exercício de 2001, 2002 e 2003, para o qual não existe nas bases de dados oficiais qualquer registo, nem o sujeito passivo forneceu qualquer número de contribuinte para o mesmo, tratando-se de um dos três maiores fornecedoresJ….., nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, cujo único nome encontrado nas referidas bases de dados é J….., contribuinte contactado tendo afirmado que não conhece o nome L….., Lda., nem nunca exerceu qualquer actividade ligada a sucatas, trata-se de outro grande fornecedor; e C….., no exercício de 2001., que nunca declarou exercer qualquer actividade independente. Além destes nomes o sujeito passivo declarou também ter comprado uma pequena percentagem das suas compras á R….., Lda., cujos sócios são F….. e D…...
4. Somados os valores indicados pelo sujeito passivo para o exercício de 2001, numa listagem onde identifica os nomes dos fornecedores, chegámos ao valor de 1.3.247.287,66f (IVA incluído), valor que não foi comprovado através de inspecções aos alegados fornecedores, visto que a maior parte destas compras teriam sido realizadas a sujeitos passivos que não são conhecidos ou não tem nem tinham capacidade para realizar tais operações.
5. Analisadas as Declarações Periódicas de IVA e a Declaração Anual, entregues para o exercício de 20oz, verifica-se que o sujeito passivo declara COMO vendas e como base tributável o valor de 10.918.054,25€. Somados os valores indicados pelo sujeito passivo numa listagem onde identifica os nomes dos clientes, chegámos ao valor de 12.796.091,68€ (IVA incluído). No entanto, inspeccionados os clientes mais significativos, verificou-se que só nestes estavam contabilizadas facturas emitidas pela L….., Lda. no montante de 13.269.350,89€ (IVA incluído). Esta diferença de valores entre o declarado pelo sujeito passivo e o verificado pela inspecção, deve-se principalmente ao cliente C….., Lda., para o qual são declaradas vendas de 556.955,25€ (IVA incluído) tendo sido verificada neste sujeito passivo a contabilização de compras à L….., Lda., no montante de 1.226.263,00€ (IVA incluído).
6. Analisados os balancetes fornecidos pelo sujeito passivo, verificou-se que não é movimentada a conta de Bancos, o que de facto foi confirmado pela gerente D….., que informou da inibição de movimentar contas bancárias por parte da L….., Lda. Questionada por outras contas por onde movimentassem as elevadas quantias de dinheiro relativo às compras e vendas, a mesma disse que não utilizavam contas bancárias para o efeito sendo os pagamentos e recebimentos realizados em dinheiro, mesmo os mais avultados_
7. Pela análise dos balancetes para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, verificou-se também que a L….., Lda., não apresenta custos com o pessoal, o que coincide com as informações obtidas da Segurança Social, onde não existem registos de pessoal ao serviço do sujeito passivo. Para este exercício não são apresentados custos com combustíveis ou outros com transporte de mercadorias, o que indicia a não existência das operações declaradas. Os restantes custos com os outros fornecimentos e serviços externos são muito reduzidos tendo em conta o volume de negócios declarado, o que indicia a inexistência de urna estrutura adequada e de uma capacidade organizacional capaz de sustentar a realização das operações inerentes.
8. Se a conclusão sobre as compras da L….., Lda., aponta para que sejam fictícias, ou seja, que não se tenham realizado as transacções correspondentes, a conclusão sobre as vendas vai no mesmo sentido, pois, se não há compras não pode haver vendas.
9. Analisados os clientes da L….., Lda., verifica-se que os maiores são a R….., Lda. (em 2003) e o contribuinte F….. (em 2001 e 2002), sócio gerente da R…... Lda., em conjunto com a sua irmã D….., também sócia gerente da L….., Lda. e da R….., Lda..
O contribuinte F….. é indicado como fornecedor e cliente no exercício de 2001.
A R….., Lda. é indicada pelo sujeito passivo como cliente e fornecedor nos exercícios de 2002 e 2002.
12. Dado que estes dois sujeitos passivos, um da família G….., outro controlado pela mesma, foram clientes e fornecedores nos mesmos exercícios, não se percebe, nem foi explicada pelos responsáveis, qualquer lógica comercial nas relações entre aquelas pessoas com relações especiais entre si.
13. Para 2002, aparece como cliente do sujeito passivo a empresa H….., sediada na Bélgica, a qual, segundo informações apuradas pela administração belga, foi constituída por J….., a sua filha D….. e os seus filhos H….. e F….. e por W…... Este último, apesar de ter sido nomeado gerente daquela empresa, trabalha a tempo inteiro noutra empresa. Não foram encontrados documentos relativos ao transporte da L….., Lda. para a H….. nem relativos aos custos de transporte. Esta empresa tem como clientes a R….., Lda. em 2002 e a A….. em 2003. A H….. não possui activos mobiliários ou imobiliários, à excepção de um fax, tendo sede no endereço pessoal do gerente, sem nenhuma infra-estrutura comercial. Em resumo, as vendas declaradas para empresas controladas pela família G….. e para o contribuinte F….., ultrapassam no seu conjunto 89%, 83% e 86% das vendas totais da L….., Lda., para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, respectivamente.
14. O sujeito passivo indica também a empresa espanhola F….. como fornecedor em 2002 e como cliente em 2003, no entanto, por consulta ao sistema informático VÍES, verificou-se que não existe qualquer registo de compras efectuadas àquela empresa espanhola durante os exercícios de 2002, 2002 e 2003. Consultada a administração fiscal espanhola, a mesma informou que não existem registos de compras da empresa espanhola ao sujeito passivo.
15. O sujeito passivo indicou ainda as empresas H…..; R….., S.....; e R….. BV…, como clientes e/ou fornecedores durante os exercícios de 2001, 2002 e 2003, no entanto, não apresentou qualquer número de identificação para as mesmas.
26. Relativamente aos exercícios de 2001 a 2003, não foram apresentados quaisquer documentos de transporte, quer da contabilidade da L….., Lda., que a responsável alega terem ardido, quer dos que deveriam estar nas contabilidades dos seus fornecedores e dos seus clientes,
17. Contactadas várias autoridades locais nos distritos de Braga e de Santarém, obtiveram-se informações de que o sujeito passivo não tem quaisquer estaleiros ou instalações onde pudesse armazenar e tratar a sucata naqueles distritos.
18. Segundo a gerente da L….., D….., a L….. terá tido o seu estaleiro na ….., de 2002-01-01 até Maio de 2004, aquando do alegado incêndio de uma viatura que levava toda a contabilidade. Visitado o referido local verificou-se que o mesmo não tem condições nem dimensão para servir de estaleiro ao volume e tipos de sucata que o sujeito passivo diz ter vendido. Quanto aos comprovativos dos alegados pagamentos pela utilização do espaço, não foram apresentados os respectivos recibos, nem quaisquer outros comprovativos das transferências financeiras.
19. O dono do terreno, C….., apresentou um contrato de cedência de espaço, assinado em z de Janeiro de 2002, por si como primeiro outorgante e por F….. em representação da L….., Lda., o segundo outorgante, em que o primeiro permitia a utilização de parte do terreno em causa (até 15~2) mediante um pagamento anual de 25ooe Ouvido o Sr. C….., pai de R….., empresário em nome individual com actividade no sector das sucatas e cliente da L….., Lda. nos exercícios analisados, em termo de declarações, confirmou o conteúdo do referido contrato de cedência de espaço e o mês em que a L….. terá abandonado o terreno. Disse também que o responsável com quem contactava era F….. que aparecia no terreno com pouca frequência e que também utilizavam um espaço supostamente como escritório, onde ele (C…..) não costumava entrar, mas sabia que não tinham telefone ou fax e não recebia correspondência. Quanto ao tipo de material depositado supostamente pela L….., tratava-se apenas de sucata de ferro, sendo o depósito a céu aberto. Disse também saber que pelo menos algumas das viaturas que lá iam eram da L….., não sabendo indicar as matrículas das mesmas, e que eram descarregadas por um rapaz, do qual só sabe que se chamava P….., que utilizava uma máquina para o efeito.
20. O Sr. C….., nas suas declarações de rendimentos dos últimos anos não declarou os rendimentos que diz ter recebido da L….., Lda. e emitido os respectivos recibos que diz não saber onde estão.
21. De informação recolhida na contabilidade da sociedade R….. estavam registadas, para o ano de 2002 e 2003, facturação emitida pela L….. nos valores de 2.19.263,66€ e 11.023.002,46€ (valores sem IVA), respectivamente. As facturas detalhavam o tipo de material (alumínio, ferro, cobre, etc.) o que pressupõe a utilização de meios para separar estes tipos de material, para os quais não existem provas da sua existência. Por outro lado o dono do terreno em que então a L….. diz ter tido o estaleiro, disse que a L….. depositava lá praticamente só sucata de ferro. Estas aquisições totalizavam 12.870.496 KG. De referir que em 2003 o Sr. F….., NIF ….., surge como cliente da L….. a quem foram registados fornecimentos até Novembro, no valor de 4.7o6,55o,88€, totalizando 5.127.875 KG. Em 2003 a sociedade declarou vendas no valor de 19- 597. 273,53.
22. Pela contabilidade de R….. verificou-se que a L….. emitiu facturas ao mesmo nos exercícios de 2003 e 2004, nos montantes de 36.658,02€ (IVA incluído) e de 144.593,44€ (IVA incluído), respectivamente. Segundo as facturas analisadas, os montantes de mercadoria transaccionada para aquele cliente perfazem 445.815Kg e 1.264.379Kg de sucata de ferro, nos anos de 2003 e 2004, respectivamente. Refira-se também que estas facturas fazem referência a guias de remessa, das quais não foram apresentados comprovativos, quando o depósito de sucata é no próprio terreno do cliente, não fazendo, portanto, qualquer sentido a existência de guias de remessa, L….., Lda. para o R…...
23. Apenas em três clientes e no exercício de 2003, facturou o sujeito passivo uma quantidade de mercadoria superior 19.000 toneladas_ Analisados os elementos disponíveis e verificados os locais onde diz ter exercido actividade, não se lhe conhece uma estrutura (pessoal, máquinas e instalações) mínima que permitisse a realização das operações facturadas.
24. Quanto aos veículos registados em nome da L….., Lda. importa referir que existem 5 viaturas registadas em nome da L….., que a seguir se identificam:
…..Trata-se da viatura indicada como tendo sofrido um incêndio de onde resultou a perda da contabilidade e relativamente à qual foi obtida a seguinte informação:
> Junto da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa constatou-se que se trata de uma viatura da marca Nissan de 1983 e que foi adquirida em 1993 à firma J….., Lda.
>Segundo o sistema informático da DGCI, trata-se de um veículo pesado de mercadorias autorizado a deslocar até 5. 600 Kg.
> Não foi liquidado imposto de circulação entre 2000 e 2002, tendo sido emitido o dístico para 2003 com o pagamento da liquidação em 06/05/2004, mês em que se deu o incêndio que destruiu a contabilidade => Houve comunicação do incêndio por parte dos bombeiros às autoridades.
> Através de informação recolhida junto do /SP constatou-se a existência de seguro na companhia de seguros Lusitânia, apólice ….., com inicio em 29/03/2004. Não foi participado o sinistro à companhia de seguros (seguro não cobria danos próprios).
> Segundo informação da Direcção Geral de Viação esta viatura foi objecto de inspecção periódica até 1998, tendo sido retomada a realização de inspecções periódicas apenas em Maio de 2004. De referir que entre a inspecção de 1998 e a inspecção de 2004 apenas foram realizados 1.105 Km.
> …..Segundo o sistema informático da DGC1, trata-se de um veículo ligeiro de mercadorias autorizado a deslocar até 6.800 Kg, da marca Bedford.
> Foi liquidado imposto de circulação desde 1998.
> Através de informação recolhida junto do 1SP constatou-se a existência de seguro na companhia de seguros Lusitânia, apólice ….., com início em 10/08/1996, mantendo-se em vigor.
> De acordo com informação recolhida junto da Direcção Geral de Viação foram efectuadas inspecções periódicas desde 1995 até 2004. De 18/03/2003 a 17/02/2004 a viatura apenas percorreu 9.290 Km.
> …..Junto da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa constatou-se que se trata de uma viatura da marca DAF de 1990 e que foi adquirida em 1999 à firma A….., Lda.
> Segundo o sistema informático da DGCI, trata-se de um veículo pesado de mercadorias autorizado a deslocar até 40.000 Kg.
> Foi liquidado imposto de circulação desde 1999.
> Através de informação recolhida junto do 1SP constatou-se a existência de seguro na companhia de seguros Lusitânia, apólice ….., com inicio em 25/01/1999, mantendo-se em vigor.
> De acordo com informação recolhida junto da Direcção Geral de Viação foram efectuadas inspecções periódicas desde 1999 até 2004. De 04/06/2002 a 21/10/2003 a viatura apenas percorreu 5.027 Km. De 21/10/2003 a 02/12/2004 apenas percorreu 299 Km.
> …..Segundo o sistema informático da DGCI, trata-se de um veículo pesado de mercadorias, da marca DAF, autorizado a deslocar até 40.000 Kg.
> Apesar de existirem liquidações de imposto de circulação desde 1998, só foram efectuados os pagamentos relativos a 2003 e 2004.
> O ISP não detectou qualquer apólice de seguro.
> Através de informação recolhida junto da Direcção Geral de Viação constatou-se que a ultima inspecção periódica realizada tem data de 01-02-1997.
> …..Junto da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa constatou-se que se trata de uma viatura da marca DAF de 2979 e que foi adquirida em 2993 À firma J….., Lda., sociedade pertencente à família G…...
> Segundo o sistema informático da DGCI, trata-se de um veículo pesado de mercadorias autorizado a deslocar até 40.000 Kg.
> Foi liquidado imposto de circulação em 1998 e 2999, não tendo procedido ao pagamento. Entre 2000 e 2003 não foi emitida qualquer liquidação. Em 2004 foi liquidado e pago imposto de circulação.
> O ISP não detectou qualquer apólice de seguro.
> Não consta dos registos informáticos da Direcção Geral de Viação a realização de inspecções periódicas.
Deste modo as viaturas existentes em nome da sociedade, sendo apenas duas em circulação durante os exercícios em análise e tendo em conta os quilómetros percorridos pelas mesmas, bem como a capacidade de transporte de cada uma, não são suficientes para o exercício da actividade declarada.
25. Não se conhecem contratos de água, luz ou telefone, que provem a existência de instalações próprias ou arrendadas, o que contribui para aumentar a convicção de que o sujeito passivo não tem uma estrutura adequada à realização das operações declaradas. A isto junta-se o facto da sede da empresa ser no escritório do TOC, que alegadamente só servia para receber a correspondência, não trabalhando lá ninguém afecto aos quadros de pessoal da L….., Lda.
26. Quanto à contabilidade da L….., Lda., nunca foi vista pela Inspecção Tributária, apesar da empresa ter sido fiscalizada a quase todos os exercícios desde 1993.
4.2 — CONCLUSÕES A RETIRAR DOS INDÍCIOS DE FRAUDE FISCAL
4.2.1_ Dado o exposto, concluiu-se que existem fortes indícios de as compras declaradas serem fictícias, pois, não existem provas da realização daquelas operações, sendo mesmo apresentados fornecedores que não existem nos registos da Administração Fiscal ou não são contactáveis ou são pessoas que disseram não conhecer a L….., Lda. nem exercer a actividade de comércio de sucata. Consequentemente concluiu-se que a L….., Lda., emitiu facturas falsas, no sentido das mesmas não reflectirem operações reais.
4.2_2. Uma vez que os indícios de crime fiscal apontam para que o sujeito passivo não tenha tido capacidade e estrutura organizacional para realizar as operações declaradas, e não foram apresentados documentos contabilísticos, o IVA deduzido nas Declarações Periódicas do IVA não tem suporte legal pelo que será corrigido relativamente aos exercícios de 2001 a 2003.
5-- CORRECÇÕES
5.2.i. Dado o sujeito passivo não ter apresentado documentos comprovem o IVA deduzido nas Declarações Periódicas referentes ao exercício de 2001, no montante de 1_908.13o/07f, deve este montante ser corrigido conforme fundamentação explanada no ponto 3.3.4..
6 DIREITO DE AUDIÇÃO
6 - TEMPESTIVIDADE
6.1.1. Tendo sido o contribuinte considerado notificado para exercer o direito de audição no dia 05/09/2005, através do Oficio n.° …..de 31/08/2005, para efeitos de exercício do direito de audição previsto no art.° 6o da Lei Geral Tributária e no art.° 6o° do Regime Complementar da Inspecção Tributária, tendo sido estipulado para tal um prazo de 10 dias, e tendo o contribuinte exercido aquele direito em 24/09/2005, verifica-se que reagiu dentro do prazo previsto.
6.2 - ALEGAÇÕES DO CONTRIBUINTE
6.2.1. O contribuinte veio contestar a existência de um segundo direito de audição no procedimento de inspecção, bem como todo o conteúdo do segundo projecto de decisão, referindo que os projectos de relatório não foram acompanhados de nenhum documento identificativo ou comprovativo dos factos invocados.
6.3 - CONCLUSÕES
6.3.1. Quanto à existência do segundo direito de audição, remete-se para o ponto 2.3 deste relatório, onde se explica, fundamentando com base na legislação aplicável, a possibilidade de existir um novo direito de audição, sempre que as conclusões da acção inspectiva se alterem com base em novos elementos ou reconsideração dos então existentes.
6.3.4. Dado o contribuinte não ter apresentado factos ou elementos novos ao processo, propõe-se que o projecto de decisão se convole em definitivo...".
(cfr. fls. 851 a 864, do PAT, cujo teor se dá integralmente por reproduzido)
P) Sobre o relatório referido em O) foi emitido o seguinte parecer, pela Chefe
de Equipa:
"Confirmo.
Em resultado da acção externa de inspecção foram propostas correcções técnicas em sede de IRC e IVA nos montantes de, respectivamente, 102 944,84 por indevido reporte de prejuízos, e 1 go8 130,07 euros por deduções indevidas de IVA.
Foi exercido o direito de audição sem que tivesse produzido alterações.
Foi elaborado o competente DCU, em face das correcções propostas, para efeitos de liquidação adicional e levantado o Auto de Notícia pelas infracções praticadas, quer deve ser remetido à Divisão de Crimes.
Dever-se-á notificar o Sujeito Passivo..."
(cfr. fls. 850, do PAT)
22. Sobre o relatório referido no ponto antecedente e respectivo parecer foi proferido despacho do Chefe de Divisão, no uso de poderes subdelegados, a 3 de Outubro de zoos, com o seguinte teor:
"Concordo
tendo em conta a informação do Técnico e o parecer do Chefe de Equipa.
Dos fundamentos dela constantes resulta que, mantendo-se a avaliação directa, se deve proceder às correcções técnicas propostas, ao lucro tributável de IRC e ao IVA encontrado em falta nos termos dos arts. 81° a 84° da LGT.
Notifique-se o Sujeito Passivo.
Remeta-se o Auto de Notícia à Divisão de Crimes...".
(cfr. fls. 85o, do PAT)
23. Através de ofício datado de 4 de Outubro de 7005, da Direcção de Finanças dirigido à impugnante, remetido a 6 de Outubro de zoos, via correio postal registado, em cujo aviso de recepção, no campo relativo ao destinatário, foi aposta a data de 7 de Outubro de zoos, foi comunicado o relatório referido em O) e respectivos parecer e despachos, referidos em P) e O).
(cfr. fls. 847 a 849, do PAT)
24. Foram emitidas, pela Administração Fiscal, em nome do impugnante, as seguintes de liquidações adicionais de IVA, relativas ao ano de 2002., recebidas pela impugnante em Novembro de zoos, tendo como data limite para pagamento voluntário 31 de Dezembro de 2005:
a) ….., relativa ao período 01010, no valor de € 124.113,87;
b) ….., relativa ao período 0102, no valor de € 178.068,89;
c) ….., relativa ao período 0103, no valor de € 223.939,27;
d) ….., relativa ao período 0104, no valor de € 203.963,63;
e) ….., relativa ao período 0105, no valor de € 43 265,26
f) ….., relativa ao período 0106, no valor de € 29 109,10
g) ….., relativa ao período 0107, no valor de € 48.954,25
h) ….., relativa ao período 0108, no valor de € 4.476,18
i) ….., relativa ao período 0109, no valor de € 34.534,15
j) ….., relativa ao período 0110, no valor de € 28.810,45
k) ….., relativa ao período 0111, no valor de € 28.531,47
l) ….., relativa ao período 0112, no valor de € 21.608,59
(documentos juntos de fls. 66 77 dos autos)
25. Foram emitidas, pela Administração Fiscal, em nome do impugnante, as
seguintes liquidações de juros compensatórios, relativas às liquidações adicionais referidas em S), recebidas pela impugnante em Novembro de 2005, tendo como data limite para pagamento voluntário 31 de Dezembro de 2005:
1) ….., relativa ao período 0201, no valor de € 30.470,81;
2) ….., relativa ao período 0102, no valor de € 42.726,78;
3) ….., relativa ao período 0103, no valor de € 52.444,74;
4) ….., relativa ao período 0104, no valor de € 46.514,88;
5) ….., relativa ao período 0105, no valor de € 43.265,36;
6) ….., relativa ao período 0106, no valor de € 29.109,10;
7) ….., relativa ao período 0107, no valor de € 48.954,25;
8) ….., relativa ao período 0108, no valor de € 4.476,18;
9) ….., relativa ao período 0109, no valor de € 34.534,15i
10) ….., relativa ao período o110, no valor de € 28.810,45;
11) ….., relativa ao período 0111 no valor de € 28.531,47;
12) ….., relativa ao período 0112, no valor de € 21.608,59.
(documentos juntos de fls. 78 a fls. 89, dos autos)
*
2.1.2. Motivação dos factos provados:
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, procedeu-se à alteração da factualidade provada na sentença visto que a mesma encerra evidentes lapsos, dando-se como provados factos que respeitam ao exercício de 2000 que nenhuma pertinência têm para o exercício de 2001, aqui em causa, bem como erros na indicação dos factos provados, como sendo de 2001 quando na verdade se referem ao exercício de 2000 e respectiva inspecção.
A convicção do tribunal emergiu da análise do PAT, bem como da documentação dos autos, conforme indicado em cada ponto provado.
*
2.1.3. Factos não provados na sentença e respectiva motivação:
1. Os documentos de suporte à contabilidade da impugnante, relativos ao exercício de 2001, designadamente os documentos relativos aos fornecimentos, destruíram-se num incêndio acidental num veículo, aquando da mudança de instalações da impugnante.
(apesar de constar dos autos prova de que o referido incêndio ocorreu, não foi produzida qualquer prova de que na carga do veículo em causa estivessem tais documentos. Aliás, a prova produzida, designadamente o testemunho de A….., TOC da impugnante à data da ocorrência do referido acidente, foi em sentido diverso. Com efeito, esta testemunha referiu que nos escritórios de Torres Novas da impugnante, existentes às datas quer dos factos tributários quer da acção inspectiva, estavam arquivados os documentos de suporte contabilístico. Segundo esta testemunha, esses documentos só não estavam em Torres Novas quando lhe eram anualmente enviados, para efeitos de cumprimento de determinadas obrigações, sendo que depois os devolvia. Ou seja, atendendo a este testemunho, a prova produzida foi em sentido inverso, dado que tendo ocorrido o incêndio em 2004, quando muito, de acordo com o referido pela testemunha, estariam no camião dos documentos de suporte à contabilidade do ano anterior)
Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
*
2.2. De Direito
2.2.1. Do erro nos pressupostos de facto da sentença
A recorrente discorda da sentença recorrida com os fundamentos que sintetizou nas conclusões, as quais delimitam o objecto do recurso. Portanto, para maior facilidade de apreciação e exposição efectuar-se-á a análise de cada uma delas, seguindo a ordem de precedência que apresentam.
Assim, a primeira questão a apreciar diz respeito ao alegado erro nos pressupostos de facto que, na óptica da recorrente, resulta de terem sido dados como provados factos que “assentam em relatórios que por sua vez não contêm qualquer suporte documental, nem mesmo testemunhal”.
O erro nos pressupostos de facto tem sido aprofundadamente analisado pela doutrina administrativa e tributária, que em regra o define como umadivergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato” (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª Ed., 2011, Áreas Editora, p. 115).
Portanto, para que tal erro se verifique é necessário que exista uma desconformidade ou falta de sintonia entre a factualidade invocada no acto e realidade factual existente, de tal sorte que a primeira não retracte a segunda.
O erro nos pressupostos de facto não é, porém, unicamente privativo dos actos administrativos ou tributários; como expressão de um vício de vontade, ele afecta qualquer outra decisão que não seja estritamente vinculada. Daí que possa atingir uma decisão jurisdicional, cujo raciocínio decisório pode estar inquinado por uma errada apreciação factual da realidade trazida a juízo.
No caso presente é nesse sentido que devemos encarar a arguição deste vício, que surge mais nitidamente recortado e desenvolvido nas alegações.
Ora, o que a recorrente defende é que a sentença padece desse erro porque se apoiou no RIT, o qual não está suportado em meios probatórios idóneos.
Como é evidente, ao socorrer-se do RIT a sentença não incorreu em erro nos pressupostos de facto: a sentença reproduziu parte do RIT, dando como adquirido para os autos factos que dele constam.
E deu-os como adquiridos porque o RIT não foi impugnado validamente.
O RIT é um documento que, quando devidamente fundamentado e desde que baseado em critérios objectivos, faz fé pública relativamente aos factos que integra (cfr. artigo 76.º, n.º 1, da LGT).
Trata-se de um tipo de documento autêntico (cfr. artigo 363.º, n.º 2, do CC), com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei (através da arguição da sua falsidade – artigo 372.º, n.º 1, do CC), no que concerne aos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Como resulta de mera leitura da petição inicial da impugnação, a recorrente não impugnou eficazmente a valia probatória do RIT, visto que se limitou a afirmar a sua discordância com passagens do mesmo, mas sem colocar em causa a autenticidade daquilo que refere como tendo sido praticado pelo funcionário que o elaborou, ou seja, tudo o que, segundo o documento, é produto do respectivo funcionário documentador, produto esse que se tem de considerar como exacto (cfr. artigo 371.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC).
Por conseguinte, ao apoiar-se no RIT a sentença deu como verificados os factos que dele constam. Não há, pois, qualquer divergência entre os factos considerados e a realidade que permita afirmar a existência de erro nos pressupostos de facto.
Ainda que, por hipótese académica, se admita que os factos que constam do RIT e que estão abrangidos pela força probatória plena dos documentos autênticos, não tivessem ocorrido, mesmo assim inexistiria erro nos pressupostos de facto mas, apenas, errada avaliação probatória, consistente em ter a sentença considerado como provados factos que, em rigor, não poderiam ter sido considerados como tal.
Improcede, portanto, esta questão.
*
2.2.3. Da insuficiência probatória e do erro na valoração de um facto
Alega a recorrente que a sentença omite qualquer “referência a factos provados e à prova documental apresentada pela impugnante, ocorrendo assim manifesta violação do disposto no artigo 19° n° 3 do CIVA e das alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 668° do CPC”.
Cotejando as alegações concluiu-se que a recorrente se refere aos artigos 6.º a 12.º da p.i., nos quais sustenta ter feito prova de ter exercido continuamente a sua actividade entre 1986 e 204 em diversos locais.
Mas essas localizações são irrelevantes, pois mesmo que tivessem sido dadas como provadas em nada alterariam o juízo de subsunção que a sentença operou em relação à restante matéria de facto.
Mais refere a recorrente que, em relação ao facto considerado não provado na sentença, não alegou que o incêndio do camião onde alegadamente transportou a contabilidade, se deu na transferência das instalações.
Porém, basta ler os artigos 10.º a 14.º da p.i. para se concluir que a sentença considerou, acertadamente, que a recorrente alegou que perdeu a sua contabilidade no incêndio do camião e na sequência da mudança de instalações sitas na Sobreda para outro lugar (Torres Novas, segundo refere agora no artigo 43.º das alegações de recurso).
E é óbvio que o facto foi considerado (e bem!) não provado, pois a recorrente apenas fez prova do incêndio do camião e, consequentemente, do seu conteúdo, mas não provou que esse conteúdo fosse constituído pela sua escrita. E não provou porque, explicita a sentença:
“(…) apesar de constar dos autos prova de que o referido incêndio ocorreu, não foi produzida qualquer prova de que na carga do veículo em causa estivessem tais documentos. Aliás, a prova produzida, designadamente o testemunho de A….., TOC da impugnante à data da ocorrência do referido acidente, foi em sentido diverso. Com efeito, esta testemunha referiu que nos escritórios de Torres Novas da impugnante, existentes às datas quer dos factos tributários quer da acção inspectiva, estavam arquivados os documentos de suporte contabilístico. Segundo esta testemunha, esses documentos só não estavam em Torres Novas quando lhe eram anualmente enviados, para efeitos de cumprimento de determinadas obrigações, sendo que depois os devolvia. Ou seja, atendendo a este testemunho, a prova produzida foi em sentido inverso, dado que tendo ocorrido o incêndio em 2004, quando muito, de acordo com o referido pela testemunha, estariam no camião dos documentos de suporte à contabilidade do ano anterior)”.
O que tanto basta para retirar qualquer suporte à argumentação da recorrente nesta parte.
Improcede, por conseguinte, esta questão.
*
2.2.3. Da repetição do procedimento de inspecção
Quanto à questão da repetição da inspecção tributária, os factos provados por nós acima consignados não permitem acompanhar o raciocínio da sentença na apreciação desta questão, na qual se nota alguma confusão entre o exercício em causa (de 2001) e o exercício de 2000, fruto, quiçá, de errada convocação de matéria de facto que nenhuma utilidade tem/tinha para a questão que nos ocupa, que incide sobre o exercício de 2001.
A questão da repetição da inspecção tributária no que concerne ao exercício de 2001 já foi apreciada por este tribunal no acórdão de 28-04-2016 (rec. n.º 05020/11).
A impugnante e a situação de facto são as mesmas, apenas divergindo as liquidações impugnadas, que no referido acórdão respeita ao IRC.
É esta a fundamentação do acórdão:

A Mmª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa para julgar procedente a impugnação judicial deduzida pela “L….. Lda.”, ora recorrente, contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2001, veio a entender ter sido efectuada uma repetição da acção de inspecção ao exercício de 2001 sem que estivessem reunidos os pressupostos contemplados no artigo 63º, n.º 3 da LGT (na redacção à data dos factos).

Inconformada, vem a recorrente sustentar que a sentença incorreu em errada aplicação dos artigos 63° n° 3 da LGT, e artigos 46º, 51° e 62° todos do RCPIT.

E isso porque «Tendo em conta que o procedimento de inspecção se iniciou com a assinatura da ordem de serviço, em 8 de Abril de 2005, pelo TOC e concluiu com a elaboração do relatório final (artº 62° nº 1 do RCPIT) notificado em 7 de Outubro de 2005, não se vislumbra a ocorrência de qualquer sobreposição de procedimentos, quanto ao âmbito e extensão determinando a sua invalidade por inobservância do disposto no nº 3 do art. 63° da LGT.»

Desde já adiantando a nossa posição, consideramos não assistir razão à recorrente e à Exma. PGA.

Expliquemos porquê.

Nos termos do artigo 54.º da LGT, o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente as acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária e, sem prejuízo do disposto na referida Lei Geral Tributária, o exercício do direito de inspecção tributária consta de diploma próprio.

O procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias. (cfr. artigo 2º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 413/99, de 31 de Dezembro, doravante RCPIT).

Como se vê, nos termos do artigo 5º do RCPIT, o procedimento de inspecção tributária obedece aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação. Densificando, o artigo 7º do mesmo diploma legal que por força do princípio da proporcionalidade «as acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária».

Estatui o artigo 46.º, n.º 7 do RCPIT que «as ações de inspeção que visem a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto do sujeito passivo, de qualquer área territorial, com quem o sujeito passivo inspecionado mantenha relações económicas são efetuadas mediante entrega, por parte do funcionário da nota de diligência que indica a tarefa executada.». Ou seja, nos procedimentos inspetivos que visam a consulta, recolha e cruzamento de informação, não há lugar à elaboração de relatório dirigido ao contribuinte visado.

Com relevo nessa matéria, prescreve o n.º 3 do artigo 63º da LGT (na redacção à data do procedimento de inspecção) : « - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas».

Doutrina e jurisprudência estão de acordo que este preceito consagra o princípio da irrepetibilidade do procedimento de fiscalização (neste sentido entre outros o Acórdão deste TCA de 27.02.2014, proferido no processo n.º 07343/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt, Diogo Leite de Campos Benjamim Silva Rodrigues Jorge Lopes de sousa, Lei Geral Tributária, Comentada, 3ª Edição, 2003 e Lopes Courinha, Irrepetibilidade das Inspecções, Um Contributo Jurisprudencial, Revista do IDEFF, Ano 7, N.º 1).

Como referem Diogo Leite de Campos Benjamim Silva Rodrigues Jorge Lopes de Sousa em anotação ao preceito transcrito, « No n.° 3 do presente art. 63.°, introduziu-se uma importante limitação dos poderes de fiscalização, estabelecendo-se a regra de que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e haja uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efectivação de novo procedimento.

Com esta restrição dos poderes de fiscalização, visa-se assegurar que um mesmo contribuinte ou obrigado tributário seja sobrecarregado com os incómodos que as acções de fiscalização externas são susceptíveis de lhe provocar

Sendo esta a razão de ser do preceito, a restrição dos poderes de fiscalização não se reportará apenas a tributos que tenham a qualificação de impostos, mas à generalidade dos tributos, designadamente a taxas e outras contribuições financeiras para entidades públicas. Na verdade, se essa restrição, com o consequente possível prejuízo dos interesses tributários da administração tributária, é de aceitar, em face da ponderação dos interesses dos contribuintes ou obrigados tributários, mesmo em relação aos impostos, que constituem a primacial fonte de receitas, por evidente maioria de razão ela será tolerável em relação a tributos de menor significado económico. Por isso, deverá interpretar-se extensivamente aquela referência injustificadamente restritiva a «impostos», de forma a abranger a generalidade dos tributos. Por outro lado, por ser aquela a razão desta restrição dos poderes de fiscalização, ela deverá aplicar-se apenas nos casos em que os procedimentos de fiscalização são susceptíveis de afectar os contribuintes, o que não é o caso de algumas das diligências arroladas no n.° 1 deste artigo, designadamente a solicitação da colaboração de entidades públicas ou terceiros e da requisição de documentos aos notários, conservadores e outras autoridades oficiais, previstas nas alíneas d) e e) .

Pela mesma razão, na parte final do n.° 3 prevê-se a possibilidade fiscalização da situação tributária do sujeito passivo, mesmo relativamente a factos que já foram objecto de acção de fiscalização externa dirigida àquele, por meio de inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.»

E, continuam:

«Deverão considerar-se como factos novos, para este efeito, aqueles que chegaram ao conhecimento da administração tributária após a primeira acção de fiscalização e não apenas os objectivamente supervenientes. Com efeito, é esta a única interpretação que assegura um alcance útil apreciável a esta disposição, já que os factos que são objecto de acções de fiscalização são normalmente referentes a períodos de tributação anteriores ao tempo em que ocorrem aquelas e, por isso, não são factos objectivamente supervenientes.» (ob. cit. pág. 308 e 309)

Pois bem. No caso que nos ocupa, verifica-se que, foi enviada à impugnante, em 2004, carta aviso indicando que seriam inspeccionados os exercícios de 2000 a 2003, sendo tal inspecção de âmbito geral. ( al. B) do probatório)

Mais se verifica, também, que em 2005, foi enviada nova carta aviso, indicando que seria efectuada uma inspecção, de âmbito parcial, abrangendo o IRC do exercido de 2001, que culminou com o Relatório de Inspecção que dá conta, além do mais, do seguinte: «a abertura da ordem de serviço teve origem em irregularidades na contabilidade, detectadas em fiscalização anterior e na necessidade de verificar a veracidade das facturas emitidas pelo sujeito passivo, em nome de outros contribuintes.».

Ora, perante a factualidade assente e não impugnada, tal como se salienta na sentença recorrida quanto ao exercício de 2001, decorreram dois procedimentos inspectivos. Relembrando: o primeiro, a coberto da Ordens de Serviço n.ºs ….., ….., ….., ….., Âmbito da Acção Inspectiva: Geral, abrangendo os exercícios 2000; 2001; 2002; 2003, que culminou com o Relatório de Inspecção notificado á Impugnante em 26.10.2004, o segundo, a coberto da Ordem de Serviço n.º ….., Âmbito da Acção Inspectiva: Parcial - IRC do exercício de 2001, que culminou com o Relatório de Inspecção Tributária, datado de 23 de Setembro de 2005, do qual resultaram correcções técnicas no valor de €102.944,84.

Resulta, assim, que estamos perante dois procedimentos que decorreram nas instalações da impugnante, forçoso é concluir que ambos os procedimentos se devem qualificar como externos.

Se, no caso vertente, pode dizer-se que a segunda ordem emitida visava não uma repetição do procedimento, pode, da mesma forma, afirmar-se estar em causa a recolha de esclarecimentos circunscritos às facturas emitidas pela impugnante. Ora, como bem refere a Mmª Juiz «a quo» a segunda inspecção visava apenas esclarecer elementos, não resulta que durante a primeira os mesmos não pudessem ter sido logo conhecidos, se a Administração Tributária tivesse actuado diligentemente.

De resto, da factualidade apurada e não impugnada não existe “rasto” de qualquer decisão fundamentada, que invoque os factos novos a que se refere o artigo 63º, n.º3 da LGT.

E, como sumariou no Acórdão do TCA Norte de 20.12.2005, no processo n.º 00079/02, aqui aplicável: «Numa segunda acção inspectiva externa a A. Fiscal não pode, por lhe não ser consentido pelo nº 3 do artigo 63º da LGT, em relação ao mesmo sujeito passivo, conhecer de factos que, à luz dos deveres normais de diligência da inspecção tributária, devia conhecer, posto que não tivesse efectivamente conhecido, aquando da realização da primeira acção

Não oferece dúvidas, pois, que o procedimento de inspecção que desencadeou as correcções controvertidas nos autos é ilegal por violação do disposto no artigo 63.º, n.º 3 da LGT, tal como foi entendido pela sentença recorrida.

Sendo esta argumentação aplicável in tottum ao caso presente, em que a matéria de facto não deixa dúvidas que em relação ao exercício de 2001 foram iniciados dois procedimentos inspectivos, embora apenas um tenha sido terminado, outro caminho não resta do que considerar, em linha com o referido acórdão, que ocorreu uma violação do disposto no artigo 63.º, n.º 3 da LGT, que determina a ilegalidade das liquidações adicionais praticadas, dispensando mais desenvolvidas considerações, por inúteis.
Neste contexto, concluiu-se que se justifica que se deva conceder provimento ao recurso, revogando a sentença por esta não ter decidido com acerto, o que implica, como consequência dessa revogação, que se tenha de julgar a impugnação procedente e anular as liquidações impugnadas.

*
2.2.4. Da apensação dos autos
Quanto ao pedido de apensação dos presentes autos ao processo n.º 650/05.9BELSB, o mesmo não é de deferir, por duas ordens de razões:
Em primeiro lugar a apensação deve ser requerida no processo onde se pretende apensar um outro e não o inverso. É o juiz titular deste processo que deve ordenar a apensação e não o juiz titular do processo a apensar (cfr. artigo 267.º, n.º 3, do CPC). É naquele processo que deve ser aferida a bondade e pertinência da apensação.
A segunda razão prende-se com a decisão a proferir, que retira qualquer utilidade à apensação.
Donde ser de indeferir a requerida apensação.
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3. Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação totalmente procedente, com anulação das liquidações impugnadas.
Indefere-se a apensação dos presentes autos ao processo n.º 650/05.9BELSB
Custas pela Fazenda Pública, em ambas as instâncias.
D.n.
Lisboa, 2020-07-09
Benjamim Barbosa
Ana Pinhol
Isabel Fernandes