Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 349/24.7BECTB-A |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 03/13/2025 |
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Relator: | JOANA COSTA E NORA |
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Descritores: | DECISÃO DE REVOGAÇÃO CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO RELAÇÃO CONTRATUAL ADMINISTRATIVA NATUREZA DE ACTO ADMINISTRATIVO PRAZO DE DECISÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO |
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Sumário: | I - A decisão de revogação da concessão de financiamento é um acto praticado no âmbito de uma relação contratual administrativa que se estabelece entre uma entidade administrativa (concedente) e um particular (beneficiário do financiamento), pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 307.º do Código dos Contratos Públicos, por remissão do n.º 1 do artigo 202.º do CPA, reveste a natureza de acto administrativo. II - Não obstante esta natureza da decisão de revogação, nos termos do n.º 1 do artigo 308.º do Código dos Contratos Públicos, a sua formação “não está sujeita ao regime da marcha do procedimento estabelecido pelo Código do Procedimento Administrativo.”, designadamente aos prazos para a decisão do procedimento, estabelecidos no artigo 128.º do CPA. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO P…, S.A., instaurou processo cautelar contra o MINISTÉRIO DA COESÃO TERRITORIAL, pedindo a suspensão da eficácia da deliberação da Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do Programa Regional de Lisboa de 01.07.2024, que revoga a decisão de concessão do financiamento n.º 021038 e determina à requerente a restituição de todo o montante que lhe foi pago nesse financiamento, no valor de € 177.457,97. Na acção principal da qual depende o processo cautelar, a autora pediu a declaração de nulidade ou anulação do identificado acto. Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco foi proferida sentença que, com antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artigo 121.º do CPTA, e julgando procedente a acção, determinou a anulação do acto impugnado. A entidade requerida interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “A. O presente recurso vem interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco de 06/12/2024, que decidiu anular a deliberação da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional de Lisboa (“AG POR Lisboa”) de 01/07/2024, através da qual é tomada a decisão final de “revogação da decisão de aprovação de concessão de financiamento”, no âmbito do Projeto n.º 21038 que a Recorrida se propôs executar. B. Esta decisão assenta no incumprimento, pela Recorrida, da obrigação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do RECI. Incumprimento que determinou a revogação da decisão de concessão do incentivo, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 3, alínea g), do Decreto-Lei 159/2014, de 27 de outubro. C. A única questão a apreciar nesta lide recursória prende-se com saber se o ato administrativo objeto de impugnação é anulável por caducidade do procedimento administrativo que o antecedeu. D. Subsidiariamente, a resposta a esta questão implica que se indague – no cenário hipotético em que o ato fosse, com esse fundamento, anulável – se o princípio do aproveitamento do ato administrativo (artigo 163.º, n.º 5, do CPA) ditaria a não produção do efeito anulatório. Quanto à caducidade do procedimento administrativo E. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao aplicar, ao caso, o artigo 128.º, n.º 6, do CPA. São dois os argumentos que permitem sustentar esta conclusão. F. Em primeiro lugar, porque o artigo 128.º, n.º 6, do CPA, não é aplicável a procedimentos administrativos regulados em lei especial, nem a atos administrativos endocontratuais, como tem concluído unânime e consistentemente a jurisprudência administrativa. G. Ora, no caso: (i) O procedimento administrativo no âmbito do qual foi praticado o ato objeto de impugnação é um procedimento administrativo regulado em lei especial – pois trata-se de procedimento que é regido, numa primeira linha, por normas próprias de um regime especial, vertido nos seguintes instrumentos: no Aviso 04/SI/2016 – QI PME; no Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de outubro; na Portaria n.º 57-A/2015, de 27 de fevereiro, que aprovou o Regulamento Específico do Domínio da Competitividade e Internacionalização (RECI); e no Termo de Aceitação que a Recorrida assinou em 16/12/2016. (ii) O ato foi praticado na execução do contrato de apoio financeiro, titulado pelo Termo de Aceitação, e decorre da verificação do incumprimento das condições contratuais subscritas pela Recorrida. Em particular, o ato em crise foi praticado ao abrigo do disposto nas Cláusulas 9.ª, 11.ª, 13.ª e 15.ª do Termo de Aceitação. H. Em segundo lugar, porque, diversamente do que entendeu o Tribunal a quo, o procedimento administrativo iniciou-se por iniciativa particular, e não ex officio. I. Importa notar que o procedimento administrativo de primeiro grau se iniciou com a candidatura da Recorrida; acresce que, no contexto da execução do projeto, a Recorrida submeteu à AG POR Lisboa / organismo intermédio pedidos de pagamento, apresentando despesas cuja elegibilidade foi analisada. Tudo isto são atos de iniciativa particular, da autoria da Recorrida. J. O procedimento em que se insere o ato impugnado não é funcionalmente distinto do procedimento de concessão de incentivo financeiro. Com este ato, o que está em causa é a manutenção, ou não, do ato de concessão do incentivo financeiro à Recorrida – cujo procedimento resultou de iniciativa particular. Até porque o incentivo financeiro concedido à Recorrida, sendo não reembolsável, é atribuído a título não definitivo até à avaliação dos resultados do projeto, em função do grau de cumprimento das metas contratualmente fixadas. K. Seguindo-se o entendimento do Tribunal a quo – o que não se concede –, os atos de acompanhamento e controlo realizados pela entidade administrativa até ao encerramento do projeto, ao abrigo do disposto no artigo 16.º do RECI, estariam absolutamente desgarrados de qualquer procedimento administrativo. Quanto ao aproveitamento do ato administrativo L. Mesmo que se entendesse ser o ato administrativo anulável por ter sido praticado quando o procedimento administrativo já havia caducado, o efeito anulatório não se produziria, por aplicação do disposto no artigo 163.º, n.º 5, alíneas a) e c), do CPA. M. Tomando por hipótese que o ato impugnando padece de vício, esse vício resulta da incompetência ratione temporis do autor do ato, decorrente da caducidade do procedimento. N. Para aplicação do artigo 163.º, n.º 5, alínea c), do CPA, há que dar uma resposta positiva à seguinte questão: se o ato tivesse sido praticado sem que a entidade autora fosse incompetente ratione temporis, a decisão da AG POR Lisboa seria a mesma? Esta indagação pressupõe o cenário hipotético de expurgação do vício do ato (a incompetência). Lidamos, portanto, com a hipótese em que o ato administrativo teria sido praticado dentro do prazo de caducidade do procedimento. O. O Tribunal a quo erra na formulação do dito cenário hipotético: a expurgação do vício do ato, para este tribunal, passa pela “correção” do vício, entendendo que a mesma opera pela “declaração de extinção do procedimento administrativo, por caducidade”. Todavia, o Tribunal a quo está a sobredimensionar as exigências que o artigo 163.º, n.º 5, alínea c), do CPA, impõe ao intérprete-aplicador. Esse preceito não exige que, no cenário hipotético, o vício de que enferma o ato esteja “corrigido”, nem que cenário corresponda ao “comportamento lícito alternativo” da Administração. O cenário hipotético não convive com o vício, nem com os efeitos da sua correção: antes é desenhado sob a premissa de que o vício não existe, e caeteris paribus. P. Não fosse a entidade administrativa incompetente ratione temporis, o ato teria o mesmo conteúdo decisório? A resposta é evidentemente positiva. Até porque está em causa um ato praticado no exercício de poderes vinculados da Administração (como reconheceu o Tribunal a quo na Sentença). Q. O que sempre levaria a que o artigo 163.º, n.º 5, alínea a), do CPA, fosse aplicável ao caso. R. Tanto assim é que, agora, poderia a AG POR Lisboa iniciar novo procedimento, para repetição do ato impugnado. A ultrapassagem do prazo de caducidade do procedimento administrativo não inviabiliza a abertura de novo procedimento; e o caso julgado produzido apenas abrange o procedimento caducado, e não um novo procedimento aberto posteriormente. S. Considerando que o ato não poderia assumir um conteúdo diverso do que foi adotado, por se tratar de um ato vinculado, competia ao Tribunal a quo afastar o efeito anulatório correspondente, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 5, alíneas a) e c), do CPA, em respeito do "princípio do aproveitamento do ato administrativo". T. Assim, a decisão de inaplicabilidade do artigo 163.º, n.º 5, do CPA ao caso constitui manifesto erro de julgamento do Tribunal a quo.” Notificada das alegações apresentadas, a requerente, ora recorrida, apresentou contra-alegações, as quais contêm as seguintes conclusões: “A. Ao recurso interposto só pode ser atribuído efeito meramente devolutivo, como resulta do artigo 143.º/2-b) do CPTA, porquanto respeita a decisão proferida em sede de um processo cautelar; B. Ainda que, com a concordância das Partes, a Decisão tenha antecipado o juízo sobre a causa principal, ao recurso aplicam-se as regras do processo cautelar no âmbito do qual tal Decisão foi proferida, quer no que concerne ao prazo (147.º/1 CPTA), quer no que respeita ao efeito meramente devolutivo (143.º/2-b) CPTA); C. O presente recurso é interposto da douta Decisão sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, notificada a 06.12.2024, que julgou procedente a ação, anulando a deliberação da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do Programa Regional de Lisboa de 01.07.2024, que revogou a decisão de aprovação de concessão do financiamento ao projeto n.º 21038, e determina à Recorrida a restituição de todo o montante que lhe foi pago e considerado como indevidamente recebido, no valor de €177.457,97, imputando a Recorrente à Decisão erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do artigo 128.º/6 do Código do Procedimento Administrativo; D. Para tentar – sem que o logre – afastar a aplicação do artigo 128.º n.º 6 do CPA, a Recorrente aventa que: i) o ato impugnado se insere num procedimento administrativo regulado em lei especial e tal normativo não se aplicaria a procedimentos administrativos regulados em lei especial; ii) o artigo 128.º/6 do Código do Procedimento Administrativo não se aplicaria a atos praticados no exercício dos poderes do contraente público, em execução de um contrato; e iii) o procedimento administrativo em causa se iniciou por iniciativa particular e não ex officio. E. Porém, o ato impugnado não se insere num procedimento administrativo regulado em lei especial, porque i) o regime vertido no Aviso 04/SI/2016, no Decreto-Lei n.º 154/2014, na Portaria n.º 57-A/2015 e no Termo de Aceitação não contêm qualquer previsão sobre a caducidade do procedimento; e ii) a atuação da Autoridade de Gestão do PO Regional de Lisboa consubstancia uma relação com particulares no desempenho da atividade administrativa de gestão pública, nos termos definidos no n.º 1 do artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo; F. Acresce que o artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo dispõe que «6 - As disposições do presente Código relativas à organização e à atividade administrativas são aplicáveis a todas as atuações da Administração Pública no domínio da gestão pública. 7 - No domínio da atividade de gestão pública, as restantes disposições do presente Código aplicam-se supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição das garantias dos particulares». G. É assim a própria lei que faz cair por terra toda a tese da Recorrente, porquanto, ainda que estivéssemos perante um procedimento especial – e não estamos –, não contendo a sua regulamentação nenhuma previsão sobre a caducidade do procedimento administrativo, o Código do Procedimento Administrativo em geral, em que se incluiu o artigo 128.º, aplica-se supletivamente, nos termos do transcrito artigo 2.º/6 e 7. H. A Recorrente invoca ainda que o artigo 128.º/6 não se aplicaria a atos praticados no exercício dos poderes do contraente público, em execução de um contrato, mas também este argumento não colhe porquanto o ato impugnado não se insere na execução do contrato, dado que o mesmo que se encontrava plenamente executado há mais de 2 anos. I. A convolação de um ato de revogação de um contrato já totalmente executado há mais de 2 anos como um ato de execução desse mesmo contrato é inaceitável e fere os princípios da boa-fé (artigo 266.º/2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo) da colaboração com os particulares (artigo 11.º do Código do Procedimento Administrativo), da proporcionalidade (artigo 266.º/2 da Constituição da República Portuguesa e artigo7.º do Código do Procedimento Administrativo) e da proteção da confiança e segurança jurídica (artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo). J. É a própria Recorrente quem se contradiz, pois tanto insere o ato impugnado em procedimento administrativo regulado em lei especial, como invoca que consubstancia a execução de contrato. K. Invoca ainda a Recorrente que o procedimento administrativo em causa se iniciou por iniciativa do particular e não ex officio. L. Como demonstrado pela Recorrida e confirmado pelo Tribunal a quo, é indiscutível que se trata de um procedimento de iniciativa oficiosa, e não de um procedimento de iniciativa particular (cfr. artigo 102.º do Código do Procedimento Administrativo), porquanto o impulso inicial não foi dado por qualquer requerimento ou pedido apresentado pela ora Recorrida, mas sim por impulso de um ente administrativo. M. O procedimento em causa tinha por finalidade revogar a anterior decisão de concessão de financiamento da Recorrida, sendo, pois, igualmente indiscutível que essa seria uma decisão final com efeitos desfavoráveis para a ora Recorrida, na qualidade de destinatária da mesma. N. Como se pode ler na Decisão recorrida, é manifesta a iniciativa oficiosa do procedimento em que se insere o ato impugnado, sendo a Doutrina e Jurisprudência unânimes neste entendimento: «A revogação administrativa do apoio, por incumprimento das obrigações do beneficiário, bem como por inexistência ou perda de qualquer dos requisitos de concessão do apoio, é um ato extintivo de uma situação jurídica criada por outro ato administrativo – cfr., a este respeito, a definição cinzelada no n.º 1 do art. 165.º do CPA. Trata-se, por isso, de um procedimento administrativo de segundo grau, dirigido à revogação de um ato administrativo anterior – sobre esta classificação dos procedimentos, vide Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, in Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4.ª ed., Almedina, p. 206». O. Na verdade, o citado n.º 6 do artigo 128.º foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, que aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo, visando os procedimentos administrativos de iniciativa oficiosa e passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados, com a finalidade de estabelecer uma consequência objetiva para a inatividade da Administração decorrido um prazo, que pareceu razoável ao legislador, sem que no procedimento administrativo iniciado oficiosamente tenha sido produzida uma deliberação oponível ao administrado submetido ao poder de gestão da entidade administrativa. P. E o artigo 128.º/6 do Código do Procedimento Administrativo não é uma norma meramente programática, com efeito meramente recomendativo ou ordenador: estabelece um prazo imperativo que obriga a entidade administrativa a abster-se de proferir o ato final. Q. A caducidade do procedimento administrativo ao abrigo do artigo 128.º/6 do Código do Procedimento Administrativo opera ope legis (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018, Proc. n.º 76/17.1YFLSB). R. Sendo esse é o entendimento unânime da jurisprudência nacional: confira-se, nesse sentido e a título meramente exemplificativo, não só o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018 (Proc. n.º 76/17.1YFLSB), mas também o Acórdão do TCA Sul de 20.09.2018 (Proc. n.º 396/18.8BEALM). S. No caso sub judice, o prazo para proferir a decisão final de revogação da decisão de concessão de financiamento à Recorrida iniciou-se em 16.05.2023, data da iniciativa oficiosa: a deliberação do Conselho de Administração da AICEP, e, consequentemente, esse prazo terminou 120 dias úteis depois, i.e., em 03.11.2023, tendo o ato de revogação da decisão de concessão de financiamento à Recorrida sido proferido apenas em 01.07.2024. T. Considera, por isso, a Recorrida que a Decisão do Tribunal a quo faz uma correta interpretação e aplicação do artigo 128.º/6 do Código do Procedimento Administrativo, que deve ser mantida na Ordem Jurídica. U. A Recorrente considera ainda que a Decisão proferida pelo Tribunal incorre em erro de julgamento por ter considerado que não estão verificados os pressupostos previstos no artigo 163.º/5 do Código do Procedimento Administrativo, para que sejam afastados os efeitos anulatórios do vício – mas também aqui não lhe assiste razão. V. O artigo 163.º/5 do Código do Procedimento Administrativo apenas opera se o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível. W. Ora, o conteúdo da deliberação originalmente impugnada não é vinculado, pois o Conselho de Administração da AICEP poderá perfeitamente proferir uma decisão de sentido diferente, dado que conforme foi demonstrado no processo, a Recorrida entregou em 23.06.2023 toda a documentação solicitada e cuja não entrega constituiu o único fundamento para o ato impugnado. X. Ou seja, dado que desde essa data não há qualquer ato ou documento em falta por parte da Recorrida, o Conselho de Administração da AICEP pode pôr termo ao procedimento de revogação. Y. Aliás, a persistência na revogação incorreria também ela em vício de incompetência em razão do tempo: é que o início do procedimento de revogação ocorreu em 29.06.2022, data em que a AICEP solicitou novamente à Autora a resposta ao pedido de elementos, i.e., fixando para o efeito um prazo até 06.07.2022, sendo que não ocorreu qualquer ato procedimental até 16.05.2023. Z. Portanto, a Recorrente está obrigada a iniciar o procedimento desde o seu início, o qual se situa no momento do pedido de elementos em 2022 (elementos que já tem, note-se) e não desde o momento da audiência prévia. AA. Termos em que, bem andou o Tribunal a quo, ao determinar a anulação da deliberação da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do Programa Regional de Lisboa de 01.07.2024, que revogou a decisão de aprovação de concessão do financiamento ao projeto n.º 21038, devendo o Recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente, por não se verificar qualquer dos vícios imputados pela Recorrente.” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber: a) Se deve ser alterado o efeito atribuído ao recurso; b) Se a sentença padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados: «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A. Do efeito do recurso Nas contra-alegações de recurso, a recorrida pugna pela atribuição do efeito devolutivo ao recurso, nos termos do artigo 143.º, n.º 2, alínea b), do CPTA, porquanto a decisão recorrida foi proferida em sede de processo cautelar. No despacho de admissão, o Tribunal a quo fixou ao recurso o efeito devolutivo, e, portanto, não tem cabimento aferir do acerto de tal decisão, considerando que a pretensão da recorrida vai de encontro ao determinado, tendo sido fixado ao recurso o efeito que a recorrida pretende que lhe seja atribuído, razão pela qual não se aprecia a questão invocada quanto ao efeito do recurso. B. Do erro de julgamento de direito A sentença recorrida, com antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artigo 121.º do CPTA, julgou procedente a acção, determinando a anulação da decisão de revogação da decisão de concessão do financiamento, adoptada pela deliberação da Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do Programa Regional de Lisboa de 01.07.2024, considerando que o procedimento de revogação, iniciado com a deliberação do Conselho de Administração da AICEP de 16.05.2023, que aprovou o encerramento do Projecto e promoveu a “Rescisão Contratual com devolução integral do incentivo já processado”, e terminando com a deliberação impugnada, não reveste natureza especial, seguindo a tramitação prevista no CPA, e, assentando no incumprimento dos deveres impostos ao beneficiário, tem natureza sancionatória, sendo a sua decisão final passível de produzir efeitos desfavoráveis aos destinatários, pelo que caduca na ausência de decisão no prazo de 120 dias, nos termos do n.º 6 do artigo 128.º do CPA. Contado tal prazo de 120 dias úteis, nos termos do artigo 87.º do CPA, a partir de 16.05.2023, o mesmo terminou em 06.11.2023, sem que tenha sido proferida a decisão final, pelo que o procedimento se extinguiu naquela data por caducidade ope legis, tendo o acto impugnado, de revogação da decisão de concessão de financiamento à autora, datado de 01.07.2024, sido praticado após a extinção do procedimento, o que o inquina de vício da incompetência em razão do tempo, determinante da sua anulabilidade (cfr. o artigo 163.º, n.º 1, do CPA). Assim, haveria que reconhecer a caducidade e declarar a extinção do procedimento iniciado (artigo 93.º do CPA), não podendo afirmar-se, como a lei o exige, que “sem margem para dúvidas” tal reconhecimento em nada modificaria o conteúdo do acto administrativo. Pelo contrário, a ser corrigido o vício determinante da anulabilidade da deliberação em juízo, o seu conteúdo deveria ser outro: a declaração de extinção do procedimento administrativo, por caducidade, pelo que não estão verificados os pressupostos previstos no artigo 163.º, n.º 5, do CPA para que sejam afastados os efeitos anulatórios do vício, o que determina a procedência do pedido de anulação do acto. A entidade recorrente insurge-se contra o assim decidido. Começa por alegar que o artigo 128.º, n.º 6, do CPA, não é aplicável ao caso porquanto o acto impugnado se insere num procedimento administrativo regido por normas próprias de um regime especial, e que se iniciou por iniciativa particular, com a candidatura da recorrida, estando em causa a manutenção do acto de concessão do incentivo financeiro. Vejamos. O artigo 128.º do CPA estabelece os prazos para a decisão dos procedimentos administrativos, distinguindo-os em função da sua iniciativa, pública ou privada. No seu n.º 6, estipula que “Os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 120 dias.” O acto impugnado corresponde à deliberação da Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do Programa Regional de Lisboa de 01.07.2024, que revoga a decisão de concessão do financiamento n.º 021038 e determina à requerente a restituição de todo o montante que lhe foi pago nesse financiamento, no valor de € 177.457,97. Tal decisão assentou no incumprimento da obrigação de apresentação dos elementos solicitados pela AICEP em 19.04.2022 e na norma do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Portaria n.º 57-A/2015, de 27 de Fevereiro. Atentemos, antes de mais, no regime jurídico em que se enquadra o acto impugnado. O Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro, estabelece as regras gerais de aplicação dos programas operacionais e dos programas de desenvolvimento rural financiados pelos fundos europeus estruturais e de investimento, para o período de programação 2014-2020, prevendo que o apoio é concedido mediante a assinatura de “termo de aceitação” pelo beneficiário, o qual constitui “compromisso, subscrito pelo beneficiário em papel ou em suporte digital, de execução de uma operação em concreto, nos termos e condições definidos na decisão de aprovação adotada no âmbito de um PO ou PDR e na legislação europeia e nacional aplicável, designadamente quanto às obrigações dele decorrentes e das consequências por incumprimento.” (artigo 3.º, alínea p)). Mais dispõe, no n.º 3 do artigo 21.º, que “Com a assinatura do termo de aceitação ou com a celebração do contrato, os titulares dos órgãos de direção, de administração e de gestão e outras pessoas que exerçam funções de administração ou gestão ficam subsidiariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações previstas no artigo 24.º.”, constituindo fundamento susceptível de determinar a revogação do apoio à operação ou à despesa “o não envio de elementos solicitados pela autoridade de gestão nos prazos por ela fixados” (cfr. artigo 23.º, n.º 3, alínea g)). Por sua vez, o termo de aceitação do financiamento foi assinado pela autora em 16.12.2016, e prevê – como decorre do ponto 7 do probatório – que o beneficiário se compromete a cumprir todas as obrigações gerais que lhe são aplicáveis e que constam do referido artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro, bem como no artigo 54.º do RECI (cláusula nona), constituindo-se como dívida os montantes por si recebidos indevidamente, nomeadamente por incumprimento de obrigações legais ou contratuais, a recuperar nos termos previstos no artigo 26.º daquele diploma (cláusula décima terceira), podendo o contrato ser resolvido unilateralmente, nos termos da cláusula décima quinta, por incumprimento de qualquer obrigação por parte do beneficiário. Finalmente, a Portaria n.º 57-A/2015, de 27 de Fevereiro, adopta o regulamento específico do domínio da Competitividade e Internacionalização (RECI), dispondo, no seu artigo 54.º, que “Para além das obrigações previstas no artigo 12.º do presente regulamento, é ainda exigível, no que respeita aos projetos no âmbito da qualificação das PME e internacionalização das PME, a manutenção na empresa, dos postos de trabalho apoiados no âmbito do projeto, durante três anos a partir da data da conclusão do projeto, podendo os quadros técnicos contratados ser substituídos, desde que por outros com qualificação mínima equivalente.”, estabelecendo o artigo 12.º as obrigações dos beneficiários e dos promotores que são exigíveis, para além das obrigações previstas no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro, cujo incumprimento pode, nos termos do seu artigo 15.º, determinar a redução do incentivo ou a revogação da decisão, conforme estabelecido no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro, ou ainda a resolução do contrato de concessão de incentivos. Tanto a decisão de concessão de financiamento (decisão revogada), como a decisão de revogação dessa concessão (decisão revogatória), são actos praticados no âmbito de uma relação contratual administrativa que se estabelece entre uma entidade administrativa (concedente) e um particular (beneficiário do financiamento), estabelecendo o n.º 1 do artigo 202.º do CPA que “As relações contratuais administrativas são regidas pelo Código dos Contratos Públicos ou por lei especial, sem prejuízo da aplicação subsidiária daquele quando os tipos dos contratos não afastem as razões justificativas da disciplina em causa.” Assim, não obstante a relação contratual em causa – de concessão de financiamento – ser regida por regime especial, constante dos referidos diplomas legais (Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro, e Portaria n.º 57-A/2015, de 27 de Fevereiro, conforme estabelecido no termo de aceitação), faz sentido recorrer ao Código dos Contratos Públicos para aferir da natureza de tais actos, uma vez que aquele regime especial nada refere sobre isso. Acerca da “Natureza das declarações do contraente público”, dispõe o n.º 1 do seu artigo 307.º que, “Com exceção dos casos previstos no número seguinte, as declarações do contraente público sobre interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução são meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do cocontratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à ação administrativa.”, acrescentando o n.º 2 que “Revestem a natureza de ato administrativo as declarações do contraente público sobre a execução do contrato que se traduzam em: a) Ordens, diretivas ou instruções no exercício dos poderes de direção e de fiscalização; b) Modificação unilateral das cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público; c) Aplicação das sanções previstas para a inexecução do contrato; d) Resolução unilateral do contrato; e) Cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro.” Nestes termos, a decisão do contraente público de revogar a decisão de concessão de financiamento reveste a natureza de acto administrativo. Não obstante esta natureza da decisão de revogação, nos termos do n.º 1 do artigo 308.º do Código dos Contratos Públicos, “A formação dos atos administrativos emitidos no exercício dos poderes do contraente público não está sujeita ao regime da marcha do procedimento estabelecido pelo Código do Procedimento Administrativo.”, e, portanto, a formação da decisão de revogar a concessão de financiamento não está sujeita aos prazos para a decisão do procedimento, estabelecidos no artigo 128.º do CPA. No mesmo sentido, decidiu também o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 07.11.2019, proferido no processo n.º 1451/18.0BELSB (in www.dgsi.pt), que “(…) o art. 128.º do CPA – “Prazos para a decisão dos procedimentos” - não se aplica aos actos praticados no âmbito de um contrato; na sua previsão não se integra a tomada de decisões no âmbito da execução de contratos.” Assim, o artigo 128.º, n.º 6, do CPA, não é aplicável ao caso, não porque o acto impugnado se insere num procedimento administrativo regido por normas próprias de um regime especial, nem porque se tenha iniciado por iniciativa particular, com a candidatura da recorrida, mas porque se trata de um acto de revogação do financiamento concedido, proferido no âmbito de uma relação contratual e, como tal, não lhe são aplicáveis as normas relativas à marcha do procedimento administrativo previstas no CPA – designadamente a que estabelece prazos para a decisão do procedimento administrativo -, nos termos das disposições acima enunciadas. Deste modo, errou a sentença recorrida ao determinar a anulação da decisão de revogação da decisão de concessão do financiamento, por considerar que o procedimento de revogação, iniciado com a deliberação do Conselho de Administração da AICEP de 16.05.2023, que aprovou o encerramento do Projecto e promoveu a “Rescisão Contratual com devolução integral do incentivo já processado”, e terminando com a deliberação impugnada, seguia a tramitação prevista no CPA, e, assentando no incumprimento dos deveres impostos ao beneficiário, tinha natureza sancionatória, sendo a sua decisão final passível de produzir efeitos desfavoráveis aos destinatários, pelo que caducaria na ausência de decisão no prazo de 120 dias, nos termos do n.º 6 do artigo 128.º do CPA. Termos em que, enfermando a decisão recorrida de erro de julgamento, se impõe a respectiva revogação, com o que fica prejudicado o conhecimento do outro fundamento do recurso, relacionado com a não produção do efeito anulatório do acto, nos termos do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, e, portanto, pressupondo a caducidade do procedimento administrativo, que concluímos não se verificar. Aqui chegados, considerando que os demais vícios imputados ao acto impugnado foram julgados não verificados pela sentença recorrida, sem que a autora recorrida tenha interposto recurso da sentença nessa parte, nada mais se impõe conhecer, procedendo o recurso, com a revogação da sentença recorrida. * Vencida, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas, nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a acção. Custas pela recorrida. Lisboa, 13 de Março de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Marcelo Mendonça Ricardo Ferreira Leite |