Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 2420/14.4BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | ILDA CÔCO |
| Descritores: | PESSOAL DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REMUNERAÇÃO BASE SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO FACTOR DE DISPONIBILIDADE FUNCIONAL |
| Sumário: | I- A norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, estabelece que 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional, não estabelecendo, pois, como resulta da sua redacção literal, um suplemento remuneratório destinado a compensar a disponibilidade funcional do pessoal da Polícia Judiciária. II- O legislador do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, manteve, em consonância com o regime geral previsto nos Decretos-leis n.ºs 184/89, de 2 de Junho, e 353-A/89, de 16 de Outubro, a distinção entre remuneração base, definida nas estruturas/escalas indiciárias que constam dos mapas anexos àquele diploma legal, e suplementos remuneratórios, definindo os suplementos remuneratórios a que o pessoal da Polícia Judiciária tem direito, quais sejam, os suplementos de risco, de piquete, de prevenção e de turno. III- A interpretação sistemática da norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, não permite, assim, concluir em sentido diverso daquele que resulta da sua interpretação literal, qual seja, o de que a mesma norma não consagra um suplemento remuneratório destinado a compensar a disponibilidade funcional do pessoal da Polícia Judiciária. IV- A norma do artigo 97.º do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, não consente a interpretação segundo a qual o seu n.º6 prevê um acréscimo de 25% do valor da remuneração base definida nas escalas indiciárias que constam dos mapas anexos ao mesmo diploma legal, ou seja, que o pessoal de investigação criminal tem direito ao valor da remuneração que resulta da estrutura indiciária que constitui o mapa III acrescido de 25%. V- Quer a norma do n.º6 do artigo 97.º do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, quer a norma do n.º6 do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro, apenas estabelecem a imputação ou afectação de 25% da remuneração base definida nas respectivas estruturas/escalas indiciárias ao factor de disponibilidade funcional, e não um suplemento remuneratório ou acréscimo remuneratório à remuneração base definida naquelas estruturas/escalas indiciárias. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acórdão
I – Relatório AAAAda Polícia Judiciária intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa comum contra o Ministério da Administração Interna, pedindo a condenação do réu “a pagar mensalmente, a partir da data da citação do r. para a presente acção aos funcionários de investigação criminal da Polícia Judiciária representados pela A o suplemento de 25% introduzido pelo nº6, do art.º 97.º do DL 295-A/1990 e continuado no n.º6 do artigo 79º do DL nº275-A/2000, de 9 de Novembro, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada remuneração mensal posterior à data da citação, até efectivo pagamento”. Por sentença proferida em 26/11/2021, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a acção improcedente. Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: A. O objeto do presente recurso abrange a matéria de facto e de direito. B. Quanto à matéria de facto, deverão ser aditados ao elenco dos factos provados as seguintes alíneas: “…) As remunerações base auferidas pelos funcionários que integravam a carreira de investigação da Polícia Judiciária (“PJ”) não sofreram qualquer acréscimo por força do estatuído no n.º 6, do art.º 97.º do Decreto-Lei n.º295-A/90, de 21 de setembro e no n.º 6 do art.º 76.º do Decreto-Lei n.º275-A/2000” (acordo) (cf.n.ºs 4.º e 5.º da contestação do recorrido); “…) A exemplo do ocorrido com a remuneração do agente estagiário (então carreira de ingresso na investigação criminal da PJ) não foi pago qualquer acréscimo relativamente à remuneração base auferida pelos demais funcionários da carreira da investigação criminal da PJ à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/90, a título de disponibilidade funcional” (acordo) (cf. n.ºs 4.º e 5.º da contestação do recorrido); “…) A remuneração base de um agente estagiário era de PTE 58 700,00, em 1988, em consequência do termo da isenção em sede de imposto profissional e da sua posterior sujeição a IRS” (cf. facto articulado no n.º 27.º da p.i., não impugnado e admitido no n.º 101.º da contestação do recorrido); “…) Durante o ano de 1989 a remuneração base da generalidade dos funcionários públicos sofreu diversas alterações, o que determinou que a remuneração base dos agentes estagiários da carreira de investigação criminal tenha passado de PTE 58 700,00 para PTE 60 200,00, de PTE 60200,00 para PTE 65 016,00 e de PTE 65 016,00 para PTE 72 817,00, não incluindo qualquer parcela adicional relativa à disponibilidade funcional.” (cf. factos articulados nos n.ºs 34.º, 35.º e 39.º da p.i., não impugnados pelo recorrido e admitidos nos n.ºs 102.º a 107.º e 4.º e 5.º da contestação do recorrido); ”…) A remuneração base dos estagiários de investigação à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/1990, era de PTE 87 000,00” (facto articulado no n.º 45.º da p.i., não impugnado e admitido no n.º 107.º da contestação do recorrido); “…) A exemplo do ocorrido com a remuneração do agente estagiário continuou a não ser pago qualquer acréscimo relativamente à remuneração base auferida pelos outros funcionários da carreira da investigação criminal da PJ após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, a título de disponibilidade funcional” ((acordo) cf. n.ºs 5 e 4 da contestação do recorrido). C. No que respeita à matéria de direito, deverá ser alterada a decisão recorrida porque interpretou erradamente o n.º 6, do art.º 97.º do Decreto-Lei n.º 295-A/1990 e, depois, no n.º 6, do art.º 79.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000. D. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 295-A/1990, de 21 de setembro, que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, previu, inovatoriamente, uma compensação (fator de disponibilidade permanente e obrigatória) a pagar aos funcionários integrados na carreira da inspeção criminal da PJ, a integrar na remuneração base, mas não se confundindo com a mesma, e que devia corresponder a 25% da remuneração base então vigente; E. Ou seja, a expressão gramatical do n.º 6, do art.º 97.º do Decreto-Lei n.º 295-A/1990 e, depois, no n.º 6, do art.º 79.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 (elemento literal), contrariamente ao que refere a sentença recorrida, estabelece inequivocamente o direito dos funcionários que integram a carreira de investigação criminal da PJ a auferirem uma compensação pela obrigação de disponibilidade funcional, igual a 25% da retribuição base e que passaria a integrar esta, embora sem com ela se confundir; F. Ou seja, o legislador quis (elemento histórico e teleológico) que os funcionários integrados na carreira de investigação criminal da PJ, face à obrigação de disponibilidade permanente que lhe é imposta, para proteção do interesse público na prevenção da criminalidade, beneficiassem de um suplemento por essa disponibilidade funcional, ou seja, vissem as suas remunerações base então praticadas adicionadas em 25%, àquele título; G. Remuneração base, que, releve-se, obedecia ao conceito de remuneração base previsto no Decreto-Lei n.º 415/87, de 31 de dezembro, que no n.º2, do seu art.º 2.º, dizia que “entende-se por remunerações base as que correspondem ao vencimento do cargo ou funções, qualquer que seja o regime em que estas sejam prestadas, acrescidas das respectivas diuturnidades e bem assim das diuturnidades especiais, sempre que existam e por remunerações acessórias todos os restantes abonos, subsídios, prémios ou suplementos, atribuídos a título de remuneração, constituam ou não vencimento do exercício …” e, depois, ao conceito de remuneração base previsto no novo regime retributivo para a função pública, que é semelhante (cf. art.º 5.º do Decreto-lei n.º 353-A/89 de 16 de outubro). H. A remuneração base imediatamente anterior àquela que resultou da passagem para o novo sistema retributivo, que estava em vigor desde outubro de 1989, nos termos do previsto na Portaria n.º 904-B/89, de 16 de outubro, no montante de PTE 72 817,00, apenas incluía a remuneração base da função desempenhada, não incluindo qualquer fator/suplemento por disponibilidade, até porque antes do Decreto-Lei n.º 295-A/90 esse fator/suplemento não existia. I. Contudo, o recorrido recusou-se, desde o início, a cumprir com o pagamento daquela nova componente da remuneração base, em manifesto incumprimento do previsto, inicialmente no n.º 6, do art.º 97.º do Decreto-Lei n.º 295-A/1990 e, depois, no n.º 6, do art.º 79.º do Decreto-Lei n.º275-A/2000, de 9 de novembro, que manteve aquele suplemento funcional; J. A sentença recorrida ao julgar improcedente e não provada a presente ação viola, para além das normas indicadas na Conclusão E), direitos adquiridos dos representados da ora recorrente e a lei ao reduzir a remuneração base, que era então auferida pelos representados da recorrente (cf. n.º 3 do art.º178.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro e art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho), bem como a garantia de salário e a tutela da confiança, ínsita no princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos artigos 59.º, n.º 3, e 2.º da Constituição, respetivamente (elemento sistemático), para além de atentar contra o próprio conceito de remuneração base constante inicialmente do Decreto-Lei n.º 415/87, de 31 de dezembro e depois expresso no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro; K. Pretender, como a sentença recorrida, que os n.º 6 do art.º 97.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 e o n.º 6 do art.º 76.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 dizem apenas que 25% da remuneração base é paga àquele título, razão porque o montante da remuneração base até aí paga se manteria intocada, seria fazer uma leitura não consentida da lei, anulando-se pela via administrativa um suplemento, que foi querido como um plus e é devido, para compensar a obrigação de interesse público de disponibilidade funcional dos funcionários da PJ abrangidos, é violar não só aqueles dois dispositivos legais, como o Decreto Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, que estabeleceu os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, que estatui que os suplementos não se confundem com a remuneração base (cf. al. c) do n.º1 do art.º 15.º e art. 9.º do referido diploma, aplicável por remissão do art.º 179.º do decreto-Lei n.º 295-A/90); o n.º 6 do art.º 97.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90; o n.º 6 do art.º 76.º do DL 275-A/2000 e o Artigo 4.º, número 2 da Carta Social Europeia; L. Acresce que como decorre das conclusões anteriores a sentença recorrida na interpretação dos dois comandos legais referidos no início da Conclusão imediatamente antecedente violou o previsto no art.º 9.º do c.cv., na medida em que se quis cingir, embora mal, apenas à letra daqueles preceitos e ignorou as circunstâncias em que os mesmos foram elaborados e as condições específicas de tempo em que foram aplicados; M. A sentença recorrida ao entender que os referidos preceitos seriam desnecessários, por inúteis, uma vez que não teriam tido qualquer impacto no nível das remunerações que então estavam a ser percebidas pelos funcionários integrados na carreira de investigação criminal, também violou o art.º 9.º do c.cv por admitir que o legislador não se soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e recusar que o legislador consagrou as soluções mais acertadas; Por quanto alegado e Concluído deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, condenando-se o recorrido nos termos peticionados pela recorrente na sua p.i.., isto é, a pagar, a partir da data da citação, aos funcionários que integram a carreira da investigação criminal da Polícia Judiciária, ainda que integrado na sua remuneração base, o suplemento de 25% introduzido pelo n.º 6, do art.º 97.º do DL 295-A/1990 e mantido no n.º 6 do artigo 79.º do DL n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre a parte não paga da remuneração base, correspondente ao fator/suplemento de disponibilidade funcional, desde as datas de vencimento de cada uma das remunerações mensais que se vencerem depois da citação, até efetivo pagamento. O Ministério da Justiça apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. Quanto ao alegado erro da decisão sobre a matéria de facto, não assiste razão à Recorrente, porquanto as questões que pretende sejam aditadas, na verdade, não se traduzem em factos, mas sim em conclusões de interpretarão de normas legais, e que a sentença recorrida considerou como argumentação que ficou prejudicada, porquanto o demais alegado não poderia ultrapassar a circunstância de a norma invocada não conferir o direito reivindicado. 2. E quanto ao alegado erro de julgamento de direito, também não lhe assiste razão porquanto de acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 79.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, não foi criado um novo suplemento, mas antes se determina que, tendo em conta que o serviço na Polícia Judiciária é de carácter permanente e obrigatório, 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional. 3. Tal disposição não comporta um direito de auferir um acréscimo de remuneração de 25% face ao que era a remuneração vigente à data da entrada em vigor dos referidos diplomas, seja por força do acréscimo da remuneração base, seja por força de um suplemento autónomo naquele valor. Significa, sim, que 25% da remuneração base auferida corresponde à remuneração da disponibilidade funcional. 4. Como afirmado no Parecer n.º 22/1989-C do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 39, de 23-02-2006, há uma «imputação (ou «afectação») de 25% da remuneração de base ao factor de disponibilidade funcional. 5. Com efeito, o legislador em nenhum momento manifesta a intenção ou o objetivo de instituir um suplemento (autónomo) por disponibilidade funcional, estabelece, simplesmente, que certa percentagem da remuneração base está imputada à disponibilidade funcional, a qual constitui um imperativo, face ao funcionamento permanente da Polícia Judiciária (n.º 1 do art.º 79° do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro). 6. O legislador estatui que 25% da remuneração base corresponde ao fator disponibilidade funcional, ou seja, está a expressar que essa percentagem de um concreto componente do sistema retributivo incorpora/agrega esse fator. 7. O que evidencia que o legislador não acrescentou um novo suplemento àqueles que prevê no n.º 3 do art.º 79° do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro (suplemento de piquete, de prevenção e de turno, estes depois concretizados no artigo 92.º do citado Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro. 8. Os trabalhadores de investigação criminal que exercem funções no DCIAP beneficiam de um diferente estatuto remuneratório, que resulta do facto de, no art.º 26° do Decreto-Lei n.º333/99, de 20 de agosto, se estabelecer que o pessoal que exerce funções nos Serviços de Apoio da Procuradoria-Geral da República e no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, com exceção do referido nos n.ºs 3 e 4, tem direito a um suplemento mensal de disponibilidade permanente correspondente a 20% da remuneração base, que acresce ao estatuto remuneratório de origem. Ou seja, neste caso o legislador atribuiu, expressamente, o direito a um suplemento remuneratório, com esse objetivo. O que não sucede, como a norma do n.º 6 do art.º 79° do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro. Mas que ocorreu, nomeadamente, com a atribuição do suplemento de risco, veja-se que no art.º 99° do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, e posteriormente no artigo artigos 91.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, o legislador, aqui sim, atribuiu o direito a esse suplemento ao pessoal da Polícia Judiciária, em termos análogos ao que ocorre no DCIAP com o suplemento de disponibilidade permanente. Parece, pois, evidente que a realidade da PJ não é comparável com a do DCIAP, dado que são dissemelhantes os quadros normativos que regulam a disponibilidade funcional. Pelo que procurar o Recorrente identificar estas diferentes realidades como se de uma igual se tratasse, constitui um exercício inaceitável. 9. Se o legislador tivesse tido a pretensão de compensar o fator disponibilidade pelo incremento/acréscimo da remuneração base, como defende o Recorrente nas alegações de recurso, então as tabelas salariais que acompanham os diplomas legais acima mencionados, teriam de espelhar essa realidade, o que nunca se verificou. 10. O que também mostra bem, que nunca foi intenção do legislador incrementar a remuneração base por este motivo e que, pelo contrário, o legislador se limitou a dar por adquirido que a remuneração base do pessoal da PJ - em geral superior ao pessoal do regime geral - incorporava/acomodava o facto de o serviço ser de caráter permanente, passando a fazer constar da lei a concreta percentagem da remuneração base que corresponde à inerente disponibilidade funcional, Sem embargo de atribuir contrapartidas pelo trabalho prestado para além do horário de funcionamento dos serviços, através dos suplementos de piquete, prevenção e turno. 11. Esta é a única interpretação da citada norma que tem correspondência com a letra da lei, não havendo violação do art.º 9.º do CC., porquanto segundo o art. 9.º, n.º 1, o texto é, desde logo e antes de mais, o ponto de partida da interpretação da norma, pois o intérprete deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, e não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, e na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador […] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que foi cumprido na sentença recorrida. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do CPTA, o Ministério Público não emitiu Parecer. * Com dispensa de vistos, nos termos do disposto no n.º4 do artigo 657.º do CPC, vem o processo à conferência para julgamento. * II – Questões a decidir Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, devendo ser aditados factos à factualidade provada, e de direito, em virtude de, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, mantida pelo artigo 79.º, n.º6, do Decreto-lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro, prever um suplemento ou acréscimo remuneratório no valor de 25% da remuneração base. * III – Fundamentação 3.1 – De Facto A decisão da matéria de facto que consta da sentença recorrida tem o seguinte teor: i. Factos provados A. Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro e do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, a remuneração dos Associados da Autora não foi acrescida em 25% face à que era a sua remuneração base. (Acordo) B. A presente ação foi intentada em 15-10-2014. (Cfr. SITAF) C. Na presente ação, o Estado Português foi citado em 20-10-2014. (Cfr. fls. 60-61 do SITAF) D. Na presente ação, o Ministério da Justiça foi citado em 7-10-2015. (Cfr. fls. 358 do SITAF) ii. Factos não provados Não ficaram por provar factos alegados com relevo para a decisão. iii. Motivação da matéria de facto A convicção do tribunal fundou-se em consulta no SITAF, não havendo matéria controvertida que seja relevante para a decisão a proferir, a qual depende, essencialmente, da interpretação jurídica da norma da Lei Orgânica da Polícia Judiciária invocada como causa de pedir. * 3.2 – De Direito 3.2.1 – Da impugnação da decisão matéria de facto Nos termos do artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. A norma citada estabelece o ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto, sendo que o ónus previsto no n.º1, designado de ónus primário, tem como função delimitar o objecto da impugnação, razão pela qual o seu incumprimento determina a rejeição imediata da impugnação da matéria de facto. Relativamente à modificabilidade da decisão da matéria de facto, o artigo 662.º, n.º1, do CPC, aplicável ex vi do n.º3 do artigo 140.º do CPTA, estabelece o seguinte: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Alega a recorrente que deverão ser aditados à factualidade provada os seguintes factos: i. “A exemplo do ocorrido com a remuneração do agente estagiário (então carreira de ingresso na investigação criminal da PJ) não foi pago qualquer acréscimo relativamente à remuneração base auferida pelos demais funcionários da carreira da investigação criminal da PJ à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/90, a título de disponibilidade funcional”; ii. “A remuneração base de um agente estagiário era de PTE 58 700,00, em 1988, em consequência do termo da isenção em sede de imposto profissional e da sua posterior sujeição a IRS”; iii. “Durante o ano de 1989 a remuneração base da generalidade dos funcionários públicos sofreu diversas alterações, o que determinou que a remuneração base dos agentes estagiários da carreira de investigação criminal tenha passado de PTE 58 700,00 para PTE 60 200,00, de PTE 60 200,00 para PTE 65 016,00 e de PTE 65 016,00 para PTE 72 817,00, não incluindo qualquer parcela adicional relativa à disponibilidade funcional.” iv. “A remuneração base dos estagiários de investigação à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/1990, era de PTE 87 000,00”; v. “A exemplo do ocorrido com a remuneração do agente estagiário continuou a não ser pago qualquer acréscimo relativamente à remuneração base auferida pelos outros funcionários da carreira da investigação criminal da PJ após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, a título de disponibilidade funcional”. Vejamos. Como resulta do disposto no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, na decisão da matéria de facto são considerados pelo juiz os seguintes factos: os factos essenciais alegados pelas partes; os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de ser pronunciar; os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Na decisão da matéria de facto, apenas devem ser elencados os factos, provados e não provados, relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não todos os factos alegados pelas partes, pelo que apenas consubstancia erro de julgamento de facto, susceptível de determinar a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, a omissão, no probatório, de factos relevantes para a decisão. Ora, na sentença recorrida, foi considerado provado o seguinte facto: “Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro e do Decreto-Lei n.º275-A/2000, de 9 de novembro, a remuneração dos Associados da Autora não foi acrescida em 25% face à que era a sua remuneração base. (Acordo).” [alínea A) da factualidade provada]. Os factos supra enunciados em i. e v. nada acrescentam, assim, de relevante relativamente ao facto da alínea A) da factualidade provada, sendo certo que, para a decisão da presente acção, apenas é relevante o facto de a remuneração dos associados da autora, ora recorrente, representados na presente acção não ter sido acrescida de 25% face ao que era a sua remuneração base. Por outro lado, e quanto aos factos supra enunciados em ii., iii. e iv., a definição, em determinado momento, do valor da remuneração base dos agentes estagiários da carreira de investigação criminal resulta directamente da lei, pelo que o valor daquela remuneração não tem de constar da factualidade provada. Acresce, noutra perspectiva, que o valor da remuneração base dos agentes estagiários em 1988, 1989 e à data da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 295-A/1990, de 21 de Setembro, não assume qualquer relevância para a decisão da causa, na certeza de que o juízo sobre se é devido aos representados da autora, ora recorrente, o “suplemento de 25% introduzido pelo nº6, do art.º 97.º do DL 295-A/1990 e continuado no n.º6 do artigo 79º do DL nº275-A/2000, de 9 de Novembro” tem de ser efectuado (apenas) face ao disposto nestas normas legais e, caso se conclua que tais normas prevêem um suplemento ou acréscimo remuneratório, tendo em consideração que aqueles não receberam tal suplemento ou acréscimo, matéria a que se reporta a alínea A) da factualidade provada. Atento o exposto, a impugnação da decisão da matéria de facto tem de improceder. * 3.2.2 – Do erro de julgamento Na presente acção administrativa comum, a autora, ora recorrente, pede, em suma, a condenação do réu a pagar aos funcionários de investigação criminal da Polícia Judiciária por si representados “o suplemento de 25% introduzido pelo n.º6, do art.º 97.º do DL 295-A/1999 e continuado no n.º6 do artigo 275-A/2000, de 9 de Novembro”. O Tribunal a quo julgou a acção improcedente, constando da sentença recorrida, designadamente, o seguinte: “Tanto o n.º6 do art.º 97.º do Decreto-Lei n.º295-A/90, de forma inovatória, como o n.º6 do art.º 79.º do Decreto-Lei n.º275-A/2000, que lhe deu continuidade, nos contextos acima expostos, dispõem que «25% da remuneração base (do pessoal que integra o corpo especial da Polícia Judiciária) corresponde(m) ao factor de disponibilidade funcional». Ora, tal como se encontra redigida, tal disposição não comporta um direito de auferir um acréscimo de remuneração de 25% face ao que era a remuneração vigente à data da entrada em vigor dos referidos diplomas, seja por força do acréscimo da remuneração base, seja por força de um suplemento autónomo naquela valor. Significa, sim, como defendido pela Entidade Demandada, que 25% da remuneração base auferida corresponde à remuneração da disponibilidade funcional. Por outras palavras, como afirmado no Parecer n.º22/1989-C do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º39, de 23-02-2006, há uma «imputação (ou «afectação») de 25% da remuneração de base ao factor de disponibilidade funcional». Assim, pode discutir-se a razão de ser e a necessidade de tal previsão normativa, mas afigura-se relativamente claro que a norma citada não confere o direito remuneratório reivindicado pela Autora. O que é corroborado, aliás, pela circunstância de, tanto no preâmbulo do Decreto-lei n.º295-A/90, como no articulado, inexistir qualquer alusão ou indício que a norma tenha o significado que a Autora lhe atribui”. A questão que se coloca, no presente recurso, é a de saber se a norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, mantida pelo artigo 79.º, n.º6, do Decreto-lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro, prevê um suplemento ou acréscimo remuneratório de 25% da remuneração base relativo ao factor de disponibilidade funcional. Vejamos. O Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, constando do respectivo preâmbulo, relativamente à remuneração do pessoal de investigação criminal, designadamente, o seguinte: “Os vencimentos referentes ao pessoal de investigação criminal mantêm a sua aproximação aos dos magistrados, embora extinta a anterior indexação; a efectiva melhoria das condições remuneratórias do pessoal de apoio à investigação criminal reflecte a apontada complementaridade funcional e esbate o fosso anteriormente existente entre os vencimentos do mapa I e do mapa II”. Sob a epígrafe “Serviço Permanente”, o artigo 13.º do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, estabelece o seguinte: “1. O serviço na Polícia Judiciária é de carácter permanente e obrigatório. 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, será definido por despacho do Ministro da Justiça o horário normal de prestação de serviço. 3. A permanência nos serviços é assegurada, fora do horário normal, por piquetes de atendimento e unidades de prevenção ou turnos de funcionários, tendo os funcionários direito a suplementos de piquete, de prevenção e de turno. 4. A regulamentação de serviço de piquete e do serviço de unidades de prevenção ou turnos de funcionários é fixada por despacho do Ministro da Justiça”. Relativamente à remuneração do pessoal da Polícia Judiciária, o artigo 97.º, n.ºs 1, 2 e 6, do mesmo diploma legal estabelece o seguinte: “1. A remuneração base mensal dos cargos dirigentes e de chefia da Polícia Judiciária consta do mapa II anexo ao presente diploma, do qual faz parte integrante, tomando como valor padrão a remuneração atribuída ao cargo de director-geral nos termos do Decreto-lei n.º353-A/89, de 16 de Outubro. 2. A remuneração base mensal dos funcionários que integram o corpo especial da Polícia Judiciária consta dos mapas III e V anexos, que fazem parte integrante do presente diploma. (…) 6. 25% da remuneração base correspondem ao factor de disponibilidade funcional”. Por sua vez, o artigo 99.º do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, consagra o direito dos funcionários ao serviço da Polícia Judiciária a um suplemento de risco, sendo que o artigo 100.º do mesmo diploma legal remete para portaria dos Ministros da Justiça e das Finanças a fixação dos suplementos de piquete, de prevenção e de turno. Atento o disposto nas normas citadas, conclui-se que o sistema retributivo do pessoal da Polícia Judiciária é composto por remuneração base, a qual consta dos mapas anexos ao Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, e por suplementos remuneratórios, a saber: os suplementos de risco, de piquete, de prevenção e de turno. Ora, a norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, já citada, estabelece que 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional, não estabelecendo, pois, como resulta da sua redacção literal, um suplemento remuneratório destinado a compensar a disponibilidade funcional do pessoal da Polícia Judiciária, sendo que o elemento sistemático de interpretação da lei não permite concluir em sentido diverso daquele que resulta da sua interpretação literal. Com efeito, à data da aprovação do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, encontrava-se em vigor o Decreto-lei n.º184/89, de 2 de Junho, que estabelece os princípios gerais de salários e gestão de pessoal da função pública, e o Decreto-lei n.º353-A/89, de 16 de Outubro, que estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas. De acordo com o disposto no artigo 15.º do Decreto-lei n.º184/89, de 2 de Junho, o sistema retributivo da função pública é composto por remuneração base, prestações sociais e subsídio de refeição e suplementos, sendo que a estrutura das remunerações base da função integra as escalas indiciárias, designadamente, as escalas indiciárias para os corpos especiais, como é o pessoal de investigação criminal e de apoio à investigação criminal da Polícia Judiciária. Relativamente aos suplementos remuneratórios, o artigo 19.º do mesmo diploma legal estabelece que os mesmos são atribuídos em função das particularidades específicas da prestação de trabalho e que a fixação das condições da sua atribuição é estabelecida mediante decreto-lei. Também o Decreto-lei n.º353-A/89, de 16 de Outubro, distingue entre a remuneração base, definida nas escalas indiciárias, e os suplementos remuneratórios, considerando “suplementos os acréscimos remuneratórios atribuídos em função de particularidades específicas da prestação de trabalho, cujos fundamentos obedecem ao estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 19.º do Decreto-lei n.º184/89, de 2 de Junho” [cfr. artigos 4.º, 5.º e 11.º]. O legislador do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, não só teve como pressuposto como manteve, em consonância com o regime geral previsto nos mencionados diplomas legais, a distinção entre remuneração base, definida nas estruturas/escalas indiciárias que constam dos mapas anexos àquele diploma legal, e suplementos remuneratórios, definindo os suplementos remuneratórios a que o pessoal da Polícia Judiciária tem direito, quais sejam, os suplementos a que se referem os artigos 13.º e 99.º do mesmo diploma legal. A interpretação sistemática da norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, não permite, assim, como adiantámos, concluir em sentido diverso daquele que resulta da sua interpretação literal, qual seja, o de que a mesma norma não consagra um suplemento remuneratório destinado a compensar a disponibilidade funcional do pessoal da Polícia Judiciária. Refira-se que a recorrente, apesar de remeter para o elemento histórico e teleológico de interpretação, se limitou a reduzir tais elementos de interpretação da lei àquilo que considera ser a vontade do legislador – “o legislador quis (elemento histórico e teleológico) que os funcionários integrados na carreira de investigação criminal da PJ (…) beneficiassem de um suplemento por essa disponibilidade funcional, ou seja, vissem as suas remunerações base então praticadas adicionadas em 25%” –, que, no entanto, não tem correspondência na letra da lei, sendo que, na interpretação da lei, o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal [artigo 9.º, n.º2, do Código Civil]. Acresce que, tendo presente o alegado pela recorrente, importa distinguir entre um suplemento remuneratório, que, por definição, constitui um acréscimo à remuneração base, e um acréscimo da remuneração base, ou seja, um aumento do valor desta remuneração. Como resulta do que já referimos, e ao contrário do que pretende a recorrente, a norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, não consagra “um verdadeiro suplemento por disponibilidade permanente”, na certeza de que não prevê um qualquer acréscimo remuneratório à remuneração base, antes estabelece que uma parte desta remuneração corresponde ao facto de disponibilidade funcional. É certo que o dever de disponibilidade permanente para o serviço pode ser compensado mediante a atribuição de um suplemento remuneratório, tendo sido essa a opção do legislador em diplomas contemporâneos do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro [v.g., no Decreto-lei n.º274/90, de 7 de Setembro, que estabelece o regime remuneratório dos funcionários que integram as carreiras constantes do quadro de pessoal da Direcção-Geral das Alfândegas, cujo artigo 4.º, n.º1, prevê um suplemento mensal com vista a retribuir a prestação de trabalho em disponibilidade permanente, e no Decreto-lei n.º333/99, de 20 de Agosto, que, no seu artigo 26.º, n.º1, consagra o direito do pessoal que exerce funções nos serviços de apoio à Procuradoria-Geral da República e no Departamento Central de Investigação e Acção Penal a um “suplemento mensal de disponibilidade permanente correspondente a 20% da remuneração base, que acresce ao estatuto remuneratório de origem”]. No entanto, no Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, o legislador não previu o pagamento de um suplemento remuneratório por disponibilidade permanente, apenas estabeleceu, reitere-se, que uma parte da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional. Por outro lado, e tendo presente a distinção que enunciámos, a norma do artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, não prevê um acréscimo remuneratório da remuneração base na percentagem nela prevista, sendo certo que, como resulta do que já referimos, a remuneração base do pessoal da Polícia Judiciária é a que consta dos mapas anexos àquele diploma legal [n.ºs 1 e 2 do artigo 97.º], antes imputa 25% da remuneração base definida naqueles mapas ao factor de disponibilidade funcional. Em suma, a norma do artigo 97.º do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, não consente a interpretação segundo a qual o seu n.º6 prevê um acréscimo de 25% do valor da remuneração base definida nas escalas indiciárias que constam dos mapas anexos ao mesmo diploma legal, ou seja, que o pessoal de investigação criminal tem direito ao valor da remuneração que resulta da estrutura indiciária que constitui o mapa III acrescido de 25%. O Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, foi revogado pelo Decreto-lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro, cujo artigo 79.º, n.ºs 1 e 6, sob a epígrafe “Serviço permanente”, estabelece o seguinte: “1. O serviço na Polícia Judiciária é de carácter permanente e obrigatório. (…) 6. Com excepção do disposto no número seguinte, 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional”. Ainda que com um diferente enquadramento sistemático, o Decreto-lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro, contém, assim, disposição idêntica à que constava do n.º6 do artigo 295-A/90, de 21 de Setembro, estabelecendo que 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional. O referido diploma legal manteve, também, a distinção entre remuneração base, definida, quanto ao pessoal da investigação criminal, na estrutura indiciária das escalas salariais que consta do Anexo II, e suplementos, prevendo, tal como o Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, os suplementos de risco, de piquete, de prevenção e de turno [artigos 90.º a 92.º do Decreto-lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro. Assim, pelas razões já expostas a propósito do disposto no artigo 97.º, n.º6, do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, impõe-se concluir que a norma do n.º6 do artigo 79.º do Decreto-lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro, não prevê um suplemento remuneratório pela disponibilidade funcional ou um acréscimo de 25% da remuneração base face ao valor da remuneração base definida na estrutura indiciária das escalas salariais que consta do Anexo II. Como refere o recorrente, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no Parecer n.º22/1989, de 27/10/2005, entendeu que, relativamente ao pessoal da Polícia Judiciária, a compensação remuneratória pela disponibilidade permanente foi concretizada por duas formas cumulativas, a saber: i. “a primeira efectiva-se através da atribuição dos suplementos de piquete, de prevenção e de turno, correspondentes às três formas expressamente previstas para ser assegurado o serviço permanente fora do horário normal de trabalho (cfr. artigos 79.º, n.º3, e 92.º do Decreto-Lei n.º275-A/2000)”; ii. “a segunda forma de compensação/retribuição da disponibilidade permanente deste pessoal opera através da imputação de 25% da remuneração base ao factor de disponibilidade funcional, como se prevê no citado artigo 79.º, n.º6, do Decreto-lei n.º275-A/2000, disposição que não tinha correspondência nas leis orgânicas da Polícia Judiciária de 1982 (vigente quanto foi solicitada a emissão do Parecer n.º22/89), e de 1990, assumindo, por conseguinte, carácter inovatório”. No mesmo Parecer, pode, ainda, ler-se o seguinte: “O legislador entendeu, portanto, compensar o ónus da disponibilidade permanente inerente ao estatuto funcional da Polícia Judiciária através das formas apontadas. Uma delas a actuar em função dos serviços de piquete, de prevenção e de turnos efectivamente prestados; a outra, actuando a forfait, através da afectação de 25% da remuneração base ao factor de disponibilidade permanente”. No entanto, ao contrário do que pretende a recorrente, a Procuradoria-Geral da República não considera que a compensação pela disponibilidade funcional é um “plus” ou suplemento, antes considera que aquela compensação actua “através da afectação de 25% da remuneração base ao factor de disponibilidade permanente”. Atento o exposto, concluímos que quer a norma do n.º6 do artigo 97.º do Decreto-lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, quer a norma do n.º6 do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º275-A/2000, de 9 de Novembro, apenas estabelecem a imputação ou afectação de 25% da remuneração base definida nas respectivas estruturas/escalas indiciárias ao factor de disponibilidade funcional, e não um suplemento remuneratório ou acréscimo remuneratório à remuneração base definida naquelas estruturas/escalas indiciárias. Questão diferente é a de saber se, por força da imputação de 25% da remuneração base ao factor de disponibilidade funcional, a remuneração base do pessoal da investigação criminal deveria ter sido objecto de um aumento de 25%, sob pena de aquela disponibilidade não ser efectivamente compensada. No entanto, o referido aumento de 25% apenas poderia ser determinado pelo legislador, a quem cabe definir a escala/estrutura indiciária do pessoal da Polícia Judiciária, não cabendo a este Tribunal sindicar a opção do legislador, no quadro da sua liberdade de conformação, de afectar uma parte da remuneração base – 25% - ao factor de disponibilidade funcional sem aumentar o valor da remuneração base na mesma percentagem. Acrescente-se, ainda, que a afectação de 25% da remuneração base ao factor de disponibilidade funcional não implica qualquer redução da remuneração base devida ao pessoal da Polícia Judiciária, pelo que se mostra insusceptível de violar quaisquer direitos adquiridos dos representados da recorrente, bem como a “a garantia de salário e a tutela da confiança”. Atento o exposto, concluindo que as normas supra mencionadas não prevêem um suplemento remuneratório ou um acréscimo remuneratório de 25% face à remuneração base definida nas estruturas/escalas indiciárias aplicáveis ao pessoal de investigação criminal, a pretensão da autora, ora recorrente, tem de improceder. Cumpre, pois, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. * IV – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. * Lisboa, 06/11/2025 Ilda Côco Julieta França Rui Pereira |