Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 410/25.0BELRA |
| Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
| Data do Acordão: | 11/18/2025 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA JUÍZO DE EXECUÇÃO FISCAL E DE RECURSOS CONTRAORDENACIONAIS JUÍZO TRIBUTÁRIO COMUM |
| Sumário: | Sendo percetível que a pretensão da parte é no sentido de se discutir a legalidade em concreto da liquidação, pretensão essa, aliás (e em respeito ao princípio do contraditório, fundamental em casos como o dos autos), esclarecida pela parte, quando interpelada para o efeito, está-se no âmbito do Juízo Tributário Comum. |
| Votação: | DECISÃO SINGULAR |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Decisão [art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)] I. Relatório A Senhora Juíza do Juízo Tributário Comum do Tribunal Tributário de Leiria [a funcionar agregado com o Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, sob a designação unitária Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, designação que adotaremos de ora em diante] veio requerer oficiosamente, junto deste TCAS, ao abrigo do disposto na alínea t) do n.º 1 do art.º 36.º do ETAF, a resolução do Conflito Negativo de Competência, em Razão da Matéria, suscitado entre sua antecessora no Juízo Tributário Comum e Senhora Juíza do Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do mesmo Tribunal, uma vez que ambas se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da Impugnação, apresentada por B ………………………………….. Chegados os autos a este TCAS, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 112.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC). As partes nada disseram. Foram os autos com vista à Ilustre Magistrada do Ministério Público (IMMP), nos termos do art.º 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência ser atribuída ao Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais.
É a seguinte a questão a decidir: a) A competência para decidir os presentes autos cabe ao Juízo Tributário Comum do TAF de Leiria ou ao Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do mesmo Tribunal?
II. Fundamentação II.A. Para a apreciação do presente conflito, são de considerar as seguintes ocorrências processuais, documentadas nos autos: 1) Em 22.04.2025, deu entrada, no TAF de Leiria, petição inicial, designada de impugnação, na qual consta, designadamente, o seguinte: “1. O Autor reside, pelo menos antes do ano de 2013, na Austrália, conforme consta do Doc nº 1 2 que se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; 2. O Autor no ano de 2013, adquiriu um bem imóvel em Portugal, correspondente à fração "L", do prédio constituído em propriedade horizontal sito em ……………., lote 2, C..………., freguesia de União de freguesias de …………….., concelho do C……….o, inscrito na matriz predial sob o artigo ………2, fração L , por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial do Cartaxo, a cargo do Dr P ………………………., em 31/07/2013, exarada a folhas 133 e seguintes do Livro de notas para escrituras diversas número oitenta e dois — A, conforme consta do Doc nº 3 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 3. Na escritura mencionada no ponto anterior, o Autor declarado erradamente, que a fração autónoma se destinava a habitação própria e permanente, consta do Doc nº 3 que se junta. 4. O Autor nunca procedeu ao preenchimento e entrega da declaração de IRS em Portugal, pois não reside no território nacional e não obtém rendimentos no mesmo território. 5. O Autor reside na Austrália, aufere os seus rendimentos nesse país, tem o seu vínculo laboral e, é tributado sobre os mesmos, conforme consta do Doc nº 4 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 6. No ano de 2016 foi liquidado oficiosamente IRS, pelo serviço de finanças do C………., conforme consta do Doc nº 5 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 7. O Autor procedeu à reclamação graciosa que veio indeferida. 8. O Autor por ter declarado erradamente que a fração autónoma se destinava a habitação própria e permanente, no dia 10 de Dezembro de 2024, a escritura de compra e venda mencionada em 2 foi retificada, no sentido em que passou a constar que a fração autónoma se destina a habitação secundária, Conforme consta do Doc nº 6 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 9. O Autor em 10 de Dezembro do ano de 2024, com a retificação da escritura pagou os impostos correspondentes a imposto de selo e IMT, conforme consta do Doc nº 6 que se junta e aqui se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 10. Ora encontram-se sanados todos os argumentos apresentados pela Ré para a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2016. (…) 12. Salvo o devido respeito por opinião diferente, a ré não tem título executivo para instaurar a execução fiscal número ………………….786, pois a mesma baseia-se em fatos inexistentes. 13. Tanto assim é que não existe mais nenhuma liquidação oficiosa contra o Autor a decorrer. 14. O Autor foi tributado sobre os seus rendimentos no país onde reside. no ano de 2016 e seguintes. 15. Não pode haver duplicação de imposto. Pelo que vem exposto, requer a V.Exa que o processo de execução contra si instaurado seja arquivado, por falta de fundamento legal, e, consequentemente a venda judicial do imóvel seja dada sem efeito” (cfr. ………………..47). 2) Nos presentes autos, não foi proferido qualquer despacho de aperfeiçoamento (dos autos nada consta). 3) Foi proferida decisão, no TAF de Leiria – Juízo Tributário Comum, a 30.04.2025, da qual se extrai designadamente o seguinte: “No presente processo, o Impugnante pretende “que o processo de execução contra si instaurado seja arquivado, por falta de fundamento legal, e, consequentemente a venda judicial do imóvel seja dada sem efeito”. Ou seja, em bom rigor, analisando o pedido formulado, a final, na presente Impugnação, resulta claro para o Tribunal que o Impugnante pretende a contra o processos de execução fiscal contra si instaurado e, por consequência, contra a venda judicial do seu imóvel, ou seja, estamos, aqui, perante um litígio emergente de uma execução fiscal. A oposição à execução, regulada nos artigos 203º e ss. do CPPT é o ato processual mediante o qual o executado pode colocar em crise a pretensão executiva do credor tributário (Rocha, Joaquim Freitas da , Lições de Procedimento e Processo Tributário , 6.ª edição, almedina, Coimbra, 2018, pág. 368), ou seja, assume uma função de contestação à pretensão do exequente. Já a impugnação judicial, que vem regulada nos artigos 99.º e seguintes do Código do Procedimento e Processo Tributário, tem como fundamentos os previstos no artigo 99.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, designadamente a «errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários»; a «incompetência»; a «ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida»; e a «preterição de outras formalidades legais» . Em suma, o processo de impugnação judicial tem por objeto, além do mais, o ato de liquidação de tributos (incluindo os tributos parafiscais, os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), conforme resulta dos artigos 101.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 97.º n.º 1 do Código do Procedimento e Processo Tributário, na redação aplicável, e as respetivas (i)legalidades. Ora, conforme se referiu, verifica-se ter sido formulado um pedido que não é adequado à forma de processo escolhida, sendo, pois, adequado aos meios previstos para reagir à execução fiscal, previstos e regulados no Título IV do CPPT, verificando-se, por isso, um erro na forma de processo utilizada. Efetivamente, não sendo a Impugnação o meio adequado ao pedido formulado, verifica–se um erro na forma de processo, gerador de nulidade processual, nos termos do artigo 193.º d o Código do Processo Civil , aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do Código do Procedimento e Processo Tributário, que determina, inclusivamente, no caso dos autos, a incompetência material deste juízo para conhecer desta ação. (…) Ora, estando estes autos distribuídos na 1.ª espécie, a que correspondem os processos de Impugnação, e resultando da petição inicial apresentada que o “Impugnante” pretende reagir contra o processo de execução fiscal contra si instaurado, os mesmos, além de se mostrarem carregados na espécie errada, mostram-se, igualmente, distribuídos num juízo que não tem competência material, pelas razões já explanadas, para dirimir tal litígio. Com efeito, estando-se aqui perante um litígio emergente de um processo de execução fiscal, este juízo comum não tem competência material para se debruçar sobre o mesmo, nem mesmo para se pronunciar sobre a verificação dos requisitos de convolação (em sentido semelhante, e confirmando a decisão de primeira instância, ainda que aqui estivesse em causa a competência do juízo tributário comum para decidir questão que deveria ser afeta ao juízo de execução fiscal, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27/05/2021, processo n.º 00547/20.2BEAVR). Assim, compete ao juízo execução fiscal e de recursos contraordenacionais pronunciar-se sobre tal litígio, e bem assim sobre a verificação, in casu, dos pressupostos da convolação, nos termos do artigo 49.ºA, n.º 1, al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Em face ao exposto, há que concluir pela existência de um erro na forma de processo escolhida, que determina, além do mais, a incompetência material deste juízo tributário comum para dirimir o litígio em causa, exceção dilatória essa que se considera verificada (cfr. artigo 89.º, n.º 2, e n.º 4, al. a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi artigo 2.º, al. c) do Código do Procedimento e Processo Tributário), devendo os presentes autos ser remetidos ao juízo execução fiscal e de recursos contraordenacionais deste Tribunal (cfr. artigo 18.º, n.º 1 do Código do Procedimento e Processo Tributário)” (cfr. ………………………….25). 4) A decisão referida em 3) foi notificada à parte e ao IMMP e os autos foram distribuídos no Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais (cfr. ……………… - Sentença (005777716) de 02/05/2025 09:40:57, ……………….. MP - Registo da sentença com Not MP .……………., ……………Remessa a outra Entidade/Tribunal (…………………..31:26 e …………………. Cota (005777719) de 11/06/2025 10:57:43). 5) Foi proferido despacho, a 16.06.2025, com o seguinte teor: “Recebido o presente processo, verifica-se que cumpre esclarecer junto do Autor se o que pretende é atacar a legalidade da dívida em causa, ou se, por outro lado, pretende reagir contra a venda judicial do imóvel, uma vez que tal clarificação se reputa essencial para o seguimento da tramitação dos presentes autos, nomeadamente para apurar o meio processual correcto da presente acção. Nestes termos, notifique o Autor para, no prazo de 10 dias, vir aos autos clarificar o supra exposto” (………………… Despacho (005777722) de 16/06/2025 11:53:20). 6) Na sequência do despacho referido em 5), foi apresentado requerimento, com o seguinte teor: “B ………………………, impugnante nos autos à margem referenciados, notificado do douto despacho, vem informar que pretende atacar a legalidade da dívida em causa” (……………..Requerimento (005777725) ………….:00). 7) Foi proferida decisão no TAF de Leiria – Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, a 07.07.2025, da qual se extrai designadamente o seguinte: “Considerando a informação prestada pelo Autor, conjugada com a leitura da petição inicial, não sobram dúvidas que o que está em discussão na presente acção é a legalidade da dívida em causa. Com efeito, apesar de o Autor discorrer sobre a questão da venda judicial, a verdade é que resulta que tal surge como uma consequência da eventual verificação da ilegalidade da liquidação em causa. Na verdade, caso a liquidação em causa venha a ser considerada ilegal, tal terá forçosamente por consequência dar sem efeito todos os actos que dela dependiam, nomeadamente a venda judicial levada a efeito para cobrança do valor em dívida, que advinha da liquidação em causa. Porém, tal não invalida que a questão que o Autor pretende efectivamente ver apreciada é a da legalidade da dívida. Desta forma, o Juízo de Execução e Recursos Contraordenacionais não é competente para decidir a impugnação judicial em causa, que de resto, bem foi instaurada pelo Autor, não se verificando qualquer erro na forma do processo. Nestes termos, e ante o supra exposto, determino a remessa dos presentes autos ao juízo Comum para distribuição e prossecução dos seus ulteriores termos” (cfr. …………………………….:45). 8) Quando os presentes autos chegaram a este Tribunal, ambas as decisões judiciais tinham transitado em julgado (cfr. plataforma Magistratus). * II.B. Apreciando. Considerando o quadro processual descrito, cumpre decidir qual o juízo materialmente competente para o conhecimento dos autos, se o Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, se o Juízo Tributário Comum. Vejamos, então. Nos termos do art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do ETAF, compete ao Presidente de cada Tribunal Central Administrativo “conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo, tribunais tributários ou juízos de competência especializada, da área de jurisdição do respetivo tribunal central administrativo”, sendo que, no âmbito do contencioso administrativo e, subsidiariamente, tributário, os conflitos de competência jurisdicional encontram-se regulados nos art.ºs 135.º a 139.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Estabelece-se no n.º 1 do art.º 135.º do CPTA que a resolução dos conflitos “entre tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ou entre órgãos administrativos” segue o regime da ação administrativa, com as especialidades resultantes das diversas alíneas deste preceito, aplicando-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil (cfr. art.ºs 109.º e ss. do CPC). Por sua vez, o art.º 136.º do mesmo diploma estatui que “a resolução dos conflitos pode ser requerida por qualquer interessado e pelo Ministério Público no prazo de um ano contado da data em que se torne inimpugnável a última das decisões”. Entende-se (como tem sido pacífico na jurisprudência deste TCAS) que, apesar de o art.º 136.º do CPTA manter a redação originária, a mesma não afasta a aplicação da norma constante do n.º 1 do art.º 111.º do CPC, a qual deve ser também aplicada no contencioso administrativo e tributário, com as devidas adaptações, ex vi art.º 135.º, n.º 1, do CPTA. Ademais, a competência, designadamente em razão da matéria, dos tribunais administrativos e fiscais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cfr. o art.º 13.º do CPTA e o art.º 16.º, n.º 2, do CPPT). É também de atentar no art.º 49.º do ETAF, nos termos do qual: “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, compete aos tribunais tributários conhecer: a) Das ações de impugnação: i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos; ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos atos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma; iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais; b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal; c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal; d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal; e) Dos seguintes pedidos: i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas emitidas em matéria fiscal; ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário; iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais; iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e as normas referidas na subalínea i) desta alínea; v) De execução das suas decisões; vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações; f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei. 2 - Compete ainda aos tribunais tributários cumprir os mandatos emitidos pelo Supremo Tribunal Administrativo ou pelos tribunais centrais administrativos e satisfazer as diligências pedidas por carta, ofício ou outros meios de comunicação que lhe sejam dirigidos por outros tribunais tributário”. Por seu turno, nos termos do art.º 49.º-A do mesmo diploma: “1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º-A, compete: a) Ao juízo tributário comum, conhecer de todos os processos que incidam sobre matéria tributária e cuja competência não esteja atribuída ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais tributários; b) Ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes de execuções fiscais e de contraordenações tributárias”. A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, isto é, a mesma tem subjacente a pretensão do, in casu, Impugnante e os fundamentos em que este a alicerça [cfr. Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012 – (Processo: 0189/11): “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pelo quid decidendum, ou seja, pelos objectivos prosseguidos pelo autor, que são, no recurso de acto administrativo, anular este, ou declarar a sua nulidade, com fundamento nos vícios que se lhe apontem”]. Antes de mais, não pode deixar de se sublinhar que a prolação de despacho de aperfeiçoamento se revela como um poder dever do juiz, fundamental para uma melhor compreensão de pretensão da parte, quando a leitura do articulado suscite dúvidas. No entanto, como resulta provado, o mesmo não foi proferido . Atenta a relação controvertida, tal como configurada pela Parte, decorre que foi instaurada contra si uma execução fiscal, que entende, na petição inicial, que deve ser arquivada. Em sede de esclarecimento, é referido que se pretende a apreciação da legalidade da dívida. O que decorre do articulado é que, na perspetiva de parte: a) Pelo menos desde 2013 vive na Austrália; b) Foi emitida uma liquidação oficiosa, relativa a 2016; c) Essa liquidação decorreu do facto de ter havido uma declaração incorreta, em sede de escritura pública de compra de imóvel, onde declarou, erradamente, que o mesmo se destinava a habitação própria e permanente; d) Não teve quaisquer rendimentos em Portugal e não reside cá; e) Reclamou graciosamente da liquidação, tendo sido indeferida a reclamação; f) Em 2024, retificou a escritura, retificando o erro referido em c); g) Estão sanados todos os argumentos da Autoridade Tributária; h) Já foi marcada venda judicial; i) Inexiste, face ao exposto, título executivo e não existe mais nenhuma outra liquidação oficiosa; j) Já foi tributado na Austrália, não podendo haver duplicação de imposto. Ainda que o pedido explícito tenha sido no sentido do arquivamento da execução (pedido que, não obstante a falta de rigor terminológico, não motivou a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento), o que a parte pretende é a discussão da legalidade em concreto da dívida [em situação paralela, v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.12.2015 (Processo: 01508/14)] – como, aliás, esclareceu, no requerimento referido em 6). Trata-se da situação clássica, tratada na jurisprudência dos nossos tribunais superiores há largos anos, de necessidade de ter em conta o chamado pedido implícito. A consideração da existência de um pedido implícito trata-se de um reflexo do princípio pro actione, que aponta para interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo, promovendo, pois, emissões de pronúncia sobre o mérito. Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.09.2012 (Processo: 0678/12): “… afastado o rigor formalista na interpretação das peças processuais, desadequado aos tempos presentes e expressamente rejeitado pelos modernos direitos processuais que procuram dar tradução ao princípio tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes, há-de concluir-se que a petição de oposição apresentada pode interpretar-se como contendo um pedido implícito”. Pelo que, sendo percetível que a pretensão é no sentido de se discutir a legalidade em concreto da liquidação, pretensão essa, aliás (e em respeito ao princípio do contraditório, fundamental em casos como o dos autos), esclarecida pela parte, quando interpelada para o efeito, está-se no âmbito do Juízo Tributário Comum. Como tal, conclui-se que a competência material, in casu, é do Juízo Tributário Comum [art.º 5.º e art.º 49.º-A, n.º 1, alínea a), ambos do ETAF; art.º 7.º, alínea c), do DL n.º 174/2019, de 13 dezembro, conjugado com a alínea f) do art.º 1.º da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio].
III. Decisão Face ao exposto, decide-se o presente conflito pela atribuição de competência para a tramitação e decisão do processo ao Juízo Tributário Comum do TAF de Leiria. Sem custas. Registe e notifique. Baixem os autos. Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente, (Tânia Meireles da Cunha) |