Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO
G..., deduziu impugnação judicial, contra a liquidação de imposto sucessório realizada em seu nome, no âmbito do processo de imposto sucessório n.º X instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 7, por óbito de C..., no montante total de €256.617,65.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 19 de novembro de 2021, julgou procedente a impugnação, e, em consequência, determinou a anulação da liquidação de imposto sucessório, bem como a restituição do montante pago em 09/08/1995, acrescido de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até à correspondente emissão da nota de crédito.
Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:
«I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso prende-se em saber se a liquidação do imposto sucessório ora impugnada deveria ter considerado o valor matricial dos prédios [objeto do processo de imposto sucessório nº 1… do SF de Lisboa 7, instaurado por óbito de C..., falecido em …-..-...] em vigor no ano de 1994 [ano da liquidação] ou se, pelo contrário, deveria ter atendido ao valor matricial desses prédios à data da sua transmissão [1980],considerando que, no caso sub judice, os valores matriciais dos prédios em questão são diferentes à data da transmissão e à data da liquidação.
II. Na douta sentença recorrida o Mmo. Juiz considerou que a AT não atuou dentro dos limites legais estabelecidos pelo artigo 30.º do CIMSISSD na sua redação em vigor à data do facto tributário.
III. É desta conclusão e com a fundamentação que a sustenta, expressa no aresto de que se recorre, que a Fazenda Pública não pode deixar de dissentir.
IV. Dispunha o art.º 30º do CMISISSD, na redação à data do facto tributário, que "para efeitos de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações entender-se-á que o valor matricial dos bens ao tempo da transmissão é o produto por 20 ou por 15 do rendimento colectável inscrito na matriz à data da liquidação, consoante se trate, respectivamente, de prédios rústicos ou urbanos”.
V. Por sua vez a norma foi alterada pelo referido DL 252/89, passando a ter a seguinte redação: «Para efeitos de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, o valor dos bens imóveis será o valor patrimonial constante das matrizes.
§ 1.º Tratando-se de transmissões a título oneroso, considerar-se-á o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação.
§ 2.º No caso de transmissões a título gratuito, considerar-se-á o valor patrimonial inscrito na matriz à data da respectiva transmissão.
Apenas com a alteração introduzida ao art.º 30º do CMISISSD pelo DL n.º 252/89, de 9/08, passou a considerar-se, no caso de transmissões a título gratuito, para cálculo do valor matricial dos bens transmitidos, o valor patrimonial inscrito na matriz à data da respetiva transmissão.
VI. Apenas com a alteração introduzida ao art.º 30º do CMISISSD pelo DL n.º 252/89, de 9/08, passou a considerar-se, no caso de transmissões a título gratuito, para cálculo do valor matricial dos bens transmitidos, o valor patrimonial inscrito na matriz à data da respetiva transmissão.
VII. Ora de acordo com o ponto C) do probatório “D... faleceu em 03.04.1980”.
VIII. Isto significa, contrariamente ao entendimento seguido pelo Tribunal a quo, o legislador pretendeu que, até à alteração produzida pelo DL 252/89, de 9/08, se considerasse para efeitos de determinação do valor dos bens imóveis transmitidos a título gratuito, o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação e que, só com essa alteração legislativa se mudou tal sistema de determinação da matéria coletável.
IX. Se assim não fosse e, se houvesse dúvidas sobre a interpretação do referido art.º 30° do CIMSISSD, o legislador teria conferido à alteração efeitos meramente interpretativos, o que não sucedeu.
X. Sendo que a interpretação doutrinal e jurisprudencial, dada ao artigo 30º do CIMSISSD, na redação à data do facto tributário, é a de que para efeitos da liquidação de imposto sucessório o rendimento coletável se deve considerar o valor patrimonial do imóvel à data da liquidação, sem que com isso exista colisão com o disposto no artigo 20º do CIMSISSD, salvo nos casos em que o valor matricial do prédio à data da liquidação resulte de obras, benfeitorias ou melhoramentos que o torne diferente do que era à data da sua transmissão.
XI. Sendo assim apenas de excluir do valor patrimonial do imóvel à data da liquidação apenas esses aumentos [resulte de obras, benfeitorias ou melhoramentos que o torne diferente do que era à data da sua transmissão] e não aqueles que provêm, por exemplo, da atualização ex lege que elevará o valor matricial do prédio para um nível correspondente ao seu valor real atualizado.
XII. Que é o que sucede no caso dos presentes autos.
XIII. Pois, conforme alegado em sede de contestação, o facto de os prédios herdados pelo impugnante terem valores matriciais diferentes à data da transmissão e à data da liquidação resultou da mera atualização dos valores patrimoniais dos imóveis em causa.
XIV. Reitera-se assim a posição assumida em sede de contestação de que, no caso sub judice, “o aumento do valor matricial não revelou, no fundo, uma nova riqueza, mas apenas a que foi transmitida, mas atualizada”.
XV. Pelo que não se compreende o entendimento do Tribunal a quo de que a AT considerou “como valores patrimoniais relevantes para efeitos da liquidação do ISSD os vigentes em 1994, sem explicitar a existência de alguma correspondência com os valores constantes das respetivas matrizes à data da transmissão”.
XVI. Face ao exposto constata-se que relativamente ao valor tributável dos prédios em causa na liquidação ora impugnada a AT considerou corretamente a redação do artigo 30º do CIMSISSD à data do facto tributário em causa nos autos.
XVII. Considera assim a Fazenda Pública de que o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 30° do CIMSISSD aos factos, motivo pelo qual não se deve manter, devendo ser revogada, na parte em que procedeu, com as legais consequências.
XVIII. Afigura-se que que a Administração Tributária fez uma correta interpretação do artigo 30.º do CIMSISSD, na sua redação em vigor à data do facto tributário, pelo que o ato tributário ora impugnado não viola qualquer disposição legal e deve ser mantido na esfera jurídica da recorrida.
XIX. A atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, justificando-se a manutenção da liquidação efetuada, por se encontrar demonstrada a sua validade e justeza.
XX. Face ao supra exposto entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço,
XXI. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença de que se recorre, julgando totalmente improcedente a presente Impugnação judicial.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada. Tudo com as devidas consequências legais.»
*
Os Recorridos, G... (E OUTROS), vieram apresentar as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem a Fazenda Pública, com o presente recurso, colocar em crise a sentença proferida em primeira instância pela Primeira Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito dos autos referenciados em epígrafe e que julgou “… a presente impugnação PROCEDENTE e, em consequência, anulo[u] a liquidação de Imposto Sucessório realizada no âmbito do processo de imposto sucessório nº X do SF de Lisboa 7, devendo ser restituído o montante de 104.486,08€ (20.947.579$00) pago em 09.08.1995, ao abrigo do Decreto-Lei nº 225/94, de 05.09, 20.947.579$00, acrescido de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até à correspondente emissão da nota de crédito.”
B. Entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo estribou a sua fundamentação numa errónea apreciação dos factos relevantes traduzindo-se a sentença numa errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, pugnando pela bondade do ato de liquidação ora impugnado sustentando que o valor tributável dos bens imóveis, em causa nos autos, foi considerada corretamente face ao preceituado no artigo 30º do CIMSISSD em vigor à data do facto tributário.
C. Como tal, segundo o entendimento da Fazenda Pública, a decisão do Mmo. Juiz do Tribunal a quo não respeitou os limites legais estabelecidos pelo artigo 30.º do CIMSISSD na sua redação em vigor à data do facto tributário.
D. Atenta a fundamentação apresentada pela Fazenda Pública no presente recurso, somos forçados a concluir que o mesmo tem efeitos meramente dilatórios, protelando-se o presente contencioso.
E. A Fazenda Pública não pode ignorar que o presente Recurso não tem qualquer razão de ser e/ou justificação factual e legal. Bem sabendo que não lhe será dado provimento na presente pretensão recursiva.
F. A Fazenda Pública não coloca em causa, em momento algum, a sentença no que respeita à procedência da impugnação relativa à anulação da totalidade dos juros compensatórios liquidados e bem assim da liquidação de um adicional de 15%, contudo peticiona a revogação da sentença (na sua totalidade), e que se julgue totalmente improcedente a Impugnação judicial.
G. O que manifestamente não poderá verificar-se atenta a falta de objeto recursivo que possibilite a anulação da decisão nestas duas matérias.
H. Mesmo que o presente recurso fosse julgado procedente, ainda assim nunca poderia colocar-se em causa o decidido quanto às matérias dos juros compensatórios e do adicional, por inexistência de objeto recursivo que o sustente.
I. A Fazenda Pública sabe não lhe assistir razão processual, mas ainda assim optou por peticionar, algo a que sabe não ter direito, utilizando de forma abusiva, inapropriada e reprovável o processo, bem conhecendo a falta de fundamento do peticionado.
J. Nos termos do art 542.º do CPC, ex vi art 2.º do CPPT, deverá a Fazenda Pública ser condenada em litigância de má-fé e bem assim ser condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, num valor nunca inferior a 5.000,00€.
K. É reprovável que, perante um processo de impugnação interposto em 1994, seja agora alvo de recurso, apenas como uma manobra dilatória e que visa unicamente o adiar do trânsito em julgado da Decisão de Primeira Instância, e como tal deverá ser alvo de imputação de responsabilidades nos termos do disposto no referido art 542.º do CPC.
L. Douta decisão essa que não merece qualquer reparo e que como tal deverá ser acompanhada por este Tribunal julgando improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, acompanhando-se, assim a jurisprudência consolidada sobre esta matéria tributária.
M. A Fazenda Pública pretende que sejam tidos em conta os valores constantes das matrizes à data da liquidação, ou seja, em 1994, independentemente dos referidos bens já terem visto a sua natureza posteriormente alterada e terem as matrizes sido eliminadas, ou de já terem sido alienados a terceiros, quando é entendimento unânime e consolidado da nossa jurisprudência e reiteradamente publicitado que os valores que deverão ser ditos em conta, neste caso, para efeitos de apuramento do ISSD serão os apurados à data da transmissão – o que neste caso corresponde ao ano de 1980.
N. Tendo presente que a AT considerou como valores patrimoniais relevantes para efeitos da liquidação do ISSD os vigentes em 1994, e não os valores existentes à data da transmissão (1980), outra conclusão não haverá a retirar que não seja considerar que a mesma incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito que inquinam a liquidação na sua totalidade, determinado, em consequência, a sua anulação.
O. Na verdade, outra posição da nossa jurisprudência não podia ser que não esta, desde logo porque esta é a que visa tributar a riqueza que se transmite, devendo atender-se ao valor dos bens à data da abertura da herança, com garantia de cumprimento dos princípios constitucionais que informam o sistema fiscal, mormente o da igualdade, o da segurança e o da tributação do valor real.
P. A interpretação protagonizada pela Fazenda Pública nos presentes autos que pretende fazer valer do disposto no artigo 30º do CIMSISSD, é contrária à Constituição, designadamente, artigo 13.º da CRP (princípio da Igualdade), artigo 2.º e artigo 103.º, n.º 3, da CRP (princípio da segurança jurídica).
Q. O entendimento protagonizado pela sentença aqui posta em causa é o único que garante justiça na tributação da riqueza que se transmite, porquanto não fica dependente e potencialmente condicionada à atuação posterior de terceiros que aumentam ou diminuem o valor da riqueza transmitida.
R. A posição assumida pela Administração Tributária leva à injustiça comparativa de tributação de forma completamente distinta duas situações de igualdade de valor aquando da verificação da transmissãoda herança, apenas e tão só porque num dos caso verificaram-se factos posteriores de alteração do valor dos bens na matriz.
S. Como resulta clarividente da Sentença recorrida a afirmação do Representante da Fazenda Pública na sua contestação, de que a diferença de valores matriciais existentes entre a data da transmissão e a data da liquidação resultou da atualização dos prédios e seus valores patrimoniais entretanto operados, como se estivéssemos perante correções aos valores patrimoniais operada ex lege, carece em absoluto de base de sustentação.
T. Da factualidade dada como provada, a diferença dos valores patrimoniais existentes entre a data da transmissão e a data da liquidação está longe de corresponder a uma mera correção de valores.
U. Pretender equiparar a alteração da natureza jurídica do bem e/ou a sua alienação a terceiros a uma mera atualização ex lege, ou seja a uma mera correção de valores por força da lei, das duas uma: ou é não se conhecer o conceito de “correções ex lege do valor matricial”, ou é pura e simplesmente má-fé!
V. Conforme resulta da nossa jurisprudência, designadamente Acórdão do STA proferido em 28-10-1998, no âmbito do processo 020502 e Acórdão do STA datado de 10-04-2002 proferido no âmbito do processo 026441, não são consideradas meras correções ex-lege aumentos que tiverem existido “…como base [n]a alteraçãoconvencional do contrato, com o inerente aumento da renda (…). Nesse caso, “…então haverá que se considerar o respectivo valor à data da transmissão e não da liquidação.”
W. Mais referindo este Acórdão que “É a interpretação da lei que se nos afigura mais razoável, se se tiver igualmente em conta o art. 20º do referido Código.
X. É assim completamente falsa a afirmação explanada no recurso de que a interpretação protagonizada pela Fazenda Pública vai ao encontro da doutrina e jurisprudência.
Y. A Fazenda Pública pretende fazer passar a ideia estapafúrdia de que só não se poderia atender ao valor da liquidação no caso de se estar perante obras, benfeitorias ou melhoramentos que alterem o valor à data da transmissão. E mais ainda que tal ideia está de acordo com a doutrina e a nossa jurisprudência.
Z. O que é precisamente o contrário do entendimento explanado no mui douto acórdão invocado e parcialmente transcrito na sentença recorrida, do qual resulta que, nesses autos, “…os valores matriciais são diferentes à data da transmissão e à data da liquidação por ter havido alteração de valores para mais, em virtude do aumento das rendas.” – cf. Acórdão do STA de 15.06.2016, proferido no processo nº 0851/13.
AA. Se as alterações de valores em virtude do aumento das rendas estão longe de serem consideradas meras correções por via ex-lege, então forçoso é concluir que a alteração da natureza do prédio e bem assim a sua alienação a terceiros também não pode ser considerada uma mera correção ex-lege.
BB. O entendimento da nossa vasta doutrina e jurisprudência quanto a este tema abrange quaisquer alterações de valor resultante de atos da responsabilidade do proprietário, e não apenas as que resultem de obras, benfeitorias e melhorias realizadas no bem.
CC. É pois claro que as alterações de valor que resultem da alteração jurídica do bem, tais como a posterior alteração da sua natureza, com eliminação das respetivas matrizes, ou a alineação a terceiros, são reconhecidas na posição da nossa jurisprudência e doutrina, no sentido de, também estas, serem abrangidas pela interpretação de que deverá ser tido em conta o valor à data da transmissão.
DD. Outro não poderia ser o entendimento acolhido pela nossa doutrina e jurisprudência, porquanto este é o único que respeita os aludidos princípios constitucionais em causa, designadamente o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP.
EE. A posição interpretativa assumida pela Fazenda Pública viola o mencionado princípio constitucional, desde logo porque consagra uma tributação distinta para situações objetivamente iguais.
FF. Dificilmente se compreenderá que a alteração objetiva para mais do valor matricial seja tratada de forma distinta conforme se trate de uma alteração provocada por eventuais obras realizadas, ou se trate de uma alteração da sua natureza e/ou de proprietário.
GG. Para além da clara violação do princípio da igualdade, tal postura interpretativa para além de não respeitar as mais elementares regras da interpretação das normas, designadamente a atendibilidade da razão teleológica da norma, colide com a mais elementar justiça tributária.
HH. A posição defendida pelo tribunal a quo e protagonizada pela nossa Jurisprudência, ao defender que o imposto apenas atinja a capacidade contributiva expressa pelo valor dos bens à data da transmissão permite uma justa tributação do sujeito passivo e não qualquer outra tributação baseada em factos aleatórios e futuros, capazes de carrear insegurança e injustiça ao facto tributário.
II. Caso fosse admitida a interpretação agora protagonizada pela Fazenda Pública, chegar-se-ia à conclusão que nos presentes autos, o sujeito passivo iria ser tributado com base em factos da exclusiva responsabilidade de terceiros. O sujeito passivo seria tributado com base num valor matricial que dependeu exclusivamente da atuação de terceiros e sobre o qual não obteve qualquer ganho ou riqueza.
JJ. Assim, deverá a sentença recorrida ser confirmada e mantida no nosso ordenamento jurídico, com as legais consequências, julgando-se totalmente procedente a impugnação apresentada pelo aqui recorrido e, em consequência, anulando-se a liquidação de Imposto Sucessório realizada no âmbito do processo de imposto sucessório nº X do SF de Lisboa 7, devendo ser restituído o montante de 104.486,08€ (20.947.579$00) pago em 09.08.1995, ao abrigo do Decreto-Lei nº 225/94, de 05.09, 20.947.579$00, acrescido de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até à correspondente emissão da nota de crédito.
KK. Isto sem prejuízo da condenação em litigância de má-fé da Fazenda Pública em multa e indemnização, esta última, em valor nunca inferior a 5.000,00€, tudo conforme requerido supra nas presentes contra-alegações de recurso.»
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Em 29.06.1936 faleceu C..., tendo deixado testamento do qual resultava que deixava determinados bens na titularidade da família pelo tempo que fosse legalmente possível, pelo que os deixou em usufruto a seu filho D... e a nua propriedade ao filho varão mais velho, se o não tivesse ou se falecesse, passaria o legado para o filho mais velho do seu filho A....(acordo, fls. 54 e informação oficial prestada pelo SF de Lisboa 7 a fls. 92 e 93 dos autos).
B) Em função do óbito referido na alínea antecedente, foi instaurado no SF de Lisboa 7 o processo de imposto sucessório nº X, que, quanto aos bens deixados em usufruto ficou a aguardar a consolidação da propriedade para efeitos de liquidação (acordo e fls. 54 a 60 dos autos).
C) D... faleceu em 03.04.1980 (acordo e fls. 54 a 60 dos autos).
D) Em 05.02.1982, junto do Notário Privativo da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, J... declarou, na qualidade de dono e legítimo possuidor, vender àquela Câmara os prédios rústicos inscritos na matriz rústica da freguesia de Tuías, sob os artigos X e parte do X, pelo preço global de 2.296.175$00 (cfr. fls. 36 e 37 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
E) Em 09.12.1988, junto do Notário Privativo da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, J..., A…, como procurador do ora Impugnante, e o Vereador substituto do Presidente da Câmara de Marco de Canaveses, declararam retificar a escritura referida na alínea antecedente, no sentido de que, tendo-se constatado que o Impugnante, como único e universal herdeiro de C... por ser o filho varão mais velho de A…, é de considerar-se a venda feita pelo Impugnante, estando à data os imóveis inscritos sob os artigos 152º e 223º (cfr. fls. 42 e 43 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
F) Por escritura pública celebrada em 21.09.1984, no Cartório Notarial de Marco de Canaveses, o Impugnante vendeu a A…, o prédio misto inscrito na matriz urbana de Tuías sob o nº X, e na matriz rústica sob o nº X, com o valor matricial total de 14.700$00, e ainda o prédio rústico inscrito na mesma matriz sob o nº X, com o Valor matricial à data de 4.040$00 (cfr. fls. 29 a 32 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
G) Em 12.04.1988 o SF de Marco de Canaveses remeteu ao SF de Lisboa 7 o ofício nº 1309 com o seguinte teor:
(cfr. fls. 54 dos autos).
H) Através do ofício nº 5735 de 21.04.1988, o SF de Lisboa 7 respondeu ao SF de Marco de Canaveses da seguinte forma:
(cfr. fls. 55 dos autos).
I) Pelo ofício nº 11064 de 15.12.1992, o SF de Lisboa 7 solicitou ao SF de Marco de Canaveses informação sobre a morada de J..., por considerar que, atentas as disposições constantes do testamento de C..., se verificar ser aquele o nu-proprietário no processo de imposto sucessório pendente (cfr. fls. 59 dos autos).
J) Pelo ofício de 06.07.1993, o SF de Lisboa 7 notificou J... para proceder à participação a que alude o nº 3 do artigo 61º do CIMSISSD e entregar a relação de bens, na qualidade de proprietário dos bens deixados em usufruto a D..., por C..., autor da herança (cfr. fls. 63 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
K) Por missiva datada de 20.07.1993, M..., informou o SF de Lisboa 7 que o seu marido J..., havia falecido em 30.06.1992 e que o mesmo nunca ficou proprietário pleno dos bens dados em usufruto a D..., mais informando que pela cessação do usufruto ficou apenas proprietário G..., o ora Impugnante (cfr. fls. 64 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
L) Através de ofício datado de 21.12.1993, o SF de Lisboa 7 solicitou informações ao SF de Marco de Canaveses quanto aos bens imóveis abrangidos pelo processo de imposto sucessório nº X, bem como requereu que este Serviço notificasse o Impugnante para apresentar a relação de bens a que alude o artigo 67º do CIMSISSD (cfr. fls. 75 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
M) Em 17.03.1994 o ora Impugnante apresentou junto do SF de Lisboa 7 o Termo de Apresentação da Relação de Bens, referente ao processo de imposto sucessório nº X, compreendendo 22 verbas de ativo, nos termos seguintes:
(ver imagem no original)
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(ver imagem no original)
(ver imagem no original)
(ver imagem no original)
(cfr. fls. X a 85 dos autos).
N) Através do ofício nº 2575 de 19.04.1994, o SF de Lisboa 7 notificou o Impugnante do seguinte:
(cfr. fls. 90 dos autos).
O) Conjuntamente com o ofício reproduzido na alínea antecedente, seguia certidão contendo a identificação dos bens em causa e os valores patrimoniais de cada um deles considerados na liquidação, conforme a seguir se indica:
(cfr. fls. 87 a 89 dos autos).
P) Em 22.07.1994 foi apresentada a presente impugnação (cfr. fls. 2 dos autos).
Q) O Impugnante efetuou o pagamento da liquidação referida em N), em 09.08.1995, ao abrigo do Decreto-Lei nº 225/94, de 05.09, tendo pago o imposto no montante de 13.322.669$00 e 7.624.910$00 (20%) de juros compensatórios, no total de 20.947.579$00, sendo anulado o montante de 30.499.640$00 de juros compensatórios (cfr. fls. 107 dos autos).
R) Em 03.04.1980 o artigo Xº urbano da matriz da freguesia de Tuías tinha o valor matricial de 10.300$00, tendo sido vendido a A...em 21.09.1984, e tendo posteriormente sido eliminado da matriz e dado origem ao artigo urbano 821º, posteriormente constituído em propriedade horizontal por escritura de 01.07.1992 (cfr. fls. 12, 13 e 34 a 35-verso e informação oficial de fls. 48 dos autos).
S) Em 03.04.1980 o artigo 354º rústico da matriz da freguesia de Tuías tinha o valor matricial de 50.160$00, tendo em 28.09.1982, com a entrada em vigor das novas matrizes, deixado de vigorar e passado a constituir o artigo 95º rústico, sendo averbadoem nome de Maria José Silveira Pereira Soares, com o valor de 1.528$00 (cfr. informação oficial de fls. 48 dos autos).
T) Em 03.04.1980 o artigo 382º rústico da matriz da freguesia de Tuías tinha o valor matricial de 58.360$00, (cfr. informação oficial de fls. 48-verso dos autos).
U) O artigo 313º rústico da matriz da freguesia de Tuías foi eliminado da matriz em 1993 quando tinha o valor patrimonial de 25.103$00, dando origem ao artigo 813º com o valor patrimonial 11.100.000$00, encontrando-se desde 17.03.1993 na titularidade de António Manuel Gouveia, conforme o conhecimento de SISA nº 142 dessa data (cfr. fls. 28 e 167 e informação oficial de fls. 48-verso dos autos).
V) O artigo 295º rústico da matriz da freguesia de Tuías encontrava-se em 1992 em nome de “Inersel, Lda”, tendo por base o conhecimento de SISA nº 37 de 16.01.1992, tendo sido eliminado da matriz em 1993 quando tinha o Valor Patrimonial de 22.299$00, dando origem ao artigo urbano 776º com o valor patrimonial de 23.460.000$00 (cfr. fls. 27 e 168 e informações oficiais de fls. 48-verso e 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»
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Factos não provados
«Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.» *
Motivação da decisão de facto
«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição expressa pelas partes nos seus articulados e bem assim na prova documental junta aos autos, tudo conforme expressamente referido a propósito de cada alínea do probatório.»
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- De Direito
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela ERFP, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por erro na apreciação dos factos relevantes e por erro na interpretação do direito.
Cumpre, por outro lado, apreciar e decidir a questão da litigância de má fé por parte da Recorrente suscitada nas contra-alegações de recurso, pelos Recorridos.
Está em causa, nos presentes autos, a interpretação do artigo 30º do CIMSISSD (na sua redacção originária), concretamente, saber se, no cálculo do imposto, se deve atender ao valor dos bens à data da transmissão ou antes à data da liquidação.
A sentença recorrida, apoiada em jurisprudência dos Tribunais Superiores, em particular no Acórdão do STA de 15/06/2016, proferido no âmbito do processo nº 0851/13, entendeu que o valor dos bens a considerar seria o dos mesmos à data da transmissão. Para chegar a tal conclusão acompanhou o Acórdão citado no sentido de que, o imposto sucessório em causa visa tributar a riqueza que se transmite, devendo atender-se ao valor dos bens à data da abertura da herança, tendo em atenção, na liquidação, (apenas) às correcções ex lege.
Dissente a Recorrente do entendimento preconizado na sentença recorrida, em síntese, por considerar que o facto de os prédios herdados pelo Impugnante terem valores matriciais diferentes à data da transmissão e à data da liquidação resultou de uma mera actualização dos valores patrimoniais dos imóveis em causa.
Reitera a posição assumida na contestação no sentido de que, in casu, o aumento do valor matricial não revelou, no fundo, uma nova riqueza, mas apenas a que foi transmitida, actualizada.
Conclui que a AT interpretou correctamente o preceituado no artigo 30º do CIMSISSD, na redacção em vigor à data do facto tributário, tendo o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e aplicação do normativo aos factos, pelo que entende dever ser revogada.
Vejamos, então.
Comecemos por dizer que não vem posta em causa a factualidade fixada na sentença recorrida.
A questão que nos cumpre apreciar prende-se com a interpretação do artigo 30º do CIMSISSD, na redacção à data dos factos aplicável, especificamente, saber se o valor matricial dos bens transmitidos a considerar no acto de liquidação de imposto sucessório deve ser reportado à data da transmissão (como entendeu a sentença) ou, antes, à data da liquidação.
A redacção da referida norma à data do óbito do usufrutuário (que é a que releva nos autos) era a seguinte:
“Artigo 30º
Para efeitos de sisa e de imposto sobre as sucessões e doações entender-se-á que o valor matricial dos bens ao tempo da transmissão é o produto por 20 ou por 15 do rendimento colectável inscrito na matriz à data da liquidação, consoante se trate, respectivamente, de prédios rústicos ou urbanos.”
Por força da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 252/89, de 9 de Agosto, foi alterada a redacção do artigo 30º do CIMSISSD, que passou a estatuir o seguinte:
“Artigo 30º
Para efeitos de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, o valor dos bens imóveis será o valor patrimonial constante das matrizes.
§ 1º Tratando-se de transmissões a título oneroso, considerar-se-á o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação.
§ 2º No caso de transmissões a título gratuito, considerar-se-á o valor patrimonial inscrito na matriz à data da respectiva transmissão.”
Ao caso dos autos é de aplicar a redacção do artigo 30º do CIMSISSD em vigor antes da alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 252/89, de 9 de Agosto, estando as partes de acordo quanto a isso.
Relativamente à interpretação da norma a sentença recorrida acolheu a posição expressa no Acórdão do STA de 15/06/2016, proferido no âmbito do processo nº 0851/13, que, de resto, também aqui sufragamos, nos seguintes termos:
“(…) A questão prende-se sim com a interpretação do artº 30º do CIMSISSD na sua redacção originária, cujos termos literais, aparentemente, mas só aparentemente, parecem favorecer a tese da recorrente.
Com efeito a interpretação desta norma deu origem a longa controvérsia jurisprudencial de que se dá devida nota nos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 06.03.2002, recurso 025435, de 10.04.2002, recurso 026441, e de 20.09.2000, recurso 020502. Para uma corrente jurisprudencial atendia-se ao valor dos bens à data da liquidação, para outra atendia-se ao seu valor à data da abertura da herança, tendo em atenção as correcções “ex lege”.
O Acórdão do Pleno de 20.09.2002, proferido no recurso 020502, pese embora a sua vetustez, revela-se de grande actualidade na sua doutrina, não só pela clareza com que se expõem as duas teses em confronto como pela grande profusão de argumentos quanto à, também por nós considerada, correcta interpretação do preceito.
Concordarmos com a respectiva fundamentação, que, aliás, iremos seguir de perto.
Como já referimos os termos literais da norma, na redacção em causa, e numa apreciação perfunctória, poderiam, aparentemente, favorecer a tese da recorrente no sentido de que o valor matricial dos bens ao tempo da transmissão é o produto por 20 ou por 15 do rendimento colectável inscrito na matriz à data da liquidação, consoante se trate, respectivamente, de prédios rústicos ou urbanos.
Porém na interpretação da lei não pode o intérprete limitar-se ao sentido aparente e imediato, ao seu sentido literal, antes tendo que perscrutar a sua finalidade, em suma, o seu sentido e força normativa ( Cfr. Francisco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 4ª edição, tradução de Manuel Andrade, p. 128.).
Pelo que, para se fixar o sentido e alcance da norma jurídica, intervêm, para além, desde logo, do elemento gramatical (o texto ou letra da lei), elementos vários que a doutrina vem considerando: de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. Assim há que ponderar a razão de ser da lei (ratio legis), ou seja o fim visado pelo legislador ao editar a norma. E, por outro lado, há que considerar o elemento sistemático que se funda "na circunstância de que um preceito jurídico não existe por si só, isoladamente, antes se encontrando ligado a vários outros de modo a constituírem todos eles um sistema", podendo a sua confrontação "vir a revelar um nexo de subordinação, uma relação de analogia ou paralelismo (lugares paralelos) ou ainda um certo grau de conexão"( Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 27 de Fevereiro de 2003, in Diário da República, IIª série, de 5 de Agosto de 2004.).
Ora, como se sublinhou no citado Acórdão do Pleno de 20.09.2000, recurso 020502, para resolver a questão «é de importância primordial atender aos específicos termos em que o facto tributário foi legalmente conformado (natureza), à unidade do sistema jurídico, à nossa tradiçãojuridíco-fiscal e aos princípios constitucionais que informam o sistema fiscal, mormente o da igualdade, o da segurança e o da tributação do valor real.
O tipo de imposto em análise visa tributar a riqueza transmitida gratuitamente.
A capacidade contributiva para os encargos da comunidade que o tipo tributário elegeu foi a do valor económico transmitido gratuitamente mortis causa.
Esta opção normativa levou o legislador a identificar essa capacidade contributiva com toda a efectiva transmissão económica gratuita de bens mortis causa e a conformar como momento da perfeição do facto tributário o momento da sua efectiva transmissão. Esta é a concepção normativa que os elementos objectivos do facto tributário tipificados no art.º 30 manifestam sem margem para dúvidas.
Sendo assim, e desde logo, não faria sentido que se fosse atender a elementos temporalmente supervenientes para definir a expressão quantitativa do facto tributário, possibilitando o seu entorse em função dos diferentes sujeitos passivos quando, à partida, o facto tributário se apresenta modelado pelos mesmos factores quânticos.
A mesma concepção do facto tributário explica também os termos absolutamente concordantes com que se estabeleceu a medida de mensuração da capacidade contributiva no art.° 20º do mesmo compêndio, referenciando-a ao valor dos bens transmitidos, ao falar-se que este imposto "será liquidado pelo valor dos bens transmitidos" e que "o valor dos imóveis será o resultante da matriz...» (§ 2° do mesmo artigo).
É ainda esta ideia estruturante de que o tipo de imposto pretende apenas atingir a capacidade contributiva expressa pelo valor dos bens à data da transmissão que justifica que o código mande atender, nos casos em que tal valor é determinado por avaliação, às condições em que eles se encontravam à data da transmissão (§ 2° do art.° 94º do código).»
A nosso ver esta é a interpretação do preceito que melhor se adapta ao respectivo texto legal e que é também mais conforme ao sistema jurídico em que ele se integra e ao princípio da tributação do valor real ali consagrado.
E é também a que se retira da leitura conjugada de diversos preceitos do CSISSD, nomeadamente o seu art.° 3° (“o imposto incide sobre as transmissões a título gratuito"), o art. 20° (o imposto “será liquidado pelo valor dos bens transmitidos”) e o § 2° do art° 94° ("os bens serão avaliados tendo apenas em conta as condições em que se encontravam à data da transmissão”)
Da conjugação de tais normas resulta evidente que o valor matricial dos bens transmitidos a considerar para efeitos de liquidação, nos termos do referido art. 30° não poderá ser o que resulta da matriz na data daquela, sob pena de se estar a permitir a tributação de riqueza não transmitida, o que violaria a lei.
Seria esse o caso se a liquidação incidisse sobre o valor correspondente às benfeitorias, à celebração de novos contratos de arrendamentos ou à renegociação dos anteriores ou a quaisquer melhoramentos introduzidos no imóvel no período compreendido entre a morte do autor da herança e a data da liquidação, casos em que o aumento da valor do bem transmitido resultaria de uma actividade pessoal do sucessor, desenvolvida em momentos posteriores à transmissão e que com esta directamente nada tem a ver.
Mas, por outro lado, também não parece razoável que se pretenda que o valor matricial a considerar seja, sempre e em qualquer caso, pura e simplesmente, o valor constante da matriz à data da transmissão.
A boa interpretação do texto legal conduz a que sejam consideradas as correcções ex-lege do valor matricial. Tais correcções permitem manter actualizado o valor matricial dos bens, impedindo que, aquando da liquidação, os mesmos tenham um valor inferir à data da transmissão.(Cf., neste sentido, Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 28.10.2998, recurso 20502, e de 10.04.2002, recurso 026441, in www.dgsi.pt. )
Por tudo isso propendemos a considerar que a interpretação que melhor se adapta ao texto daquele dispositivo e que é mais conforme ao sistema jurídico em que ele se integra é a que entende que o valor tributável dos imóveis para efeitos do artº 30º do CIMSISSD, na redacção inicial, é o valor inscrito na matriz à data da transmissão actualizado com as correcções ex lege que ocorram entre tal data e a da liquidação, não relevando para tal cálculo valor o resultante de benfeitorias, melhoramentos ou quaisquer actos do proprietário realizados após a transmissão, cf., neste sentido, e para além dos acórdãos supracitados, os Acórdãos desta Secção de 27/12/85, in BMJ 344/312, de 5/2/86, in AD 293/598, de 5/4/89, Rec, 5849 e 10383, in Ap. DR de 15/1/91, pg. 380 e 397, de 7/3/90 (P), in AD 362/250, de 9/2/94, in AD 396i’1415, de 14/2/96 in AD 418/1163 e de 14/2/96 (P), Recs 13.456, 15.073 e 17.374, o primeiro destes publicado in AD 422/228.(…)”
Assente que a melhor interpretação da norma é a que entende que o valor tributável dos imóveis para efeitos do artº 30º do CIMSISSD, na redacção inicial, é o valor inscrito na matriz à data da transmissão actualizado com as correcções ex lege que ocorram entre tal data e a da liquidação, não relevando para tal cálculo valor o resultante de benfeitorias, melhoramentos ou quaisquer actos do proprietário realizados após a transmissão, a questão está, agora, em saber se a sentença errou no seu julgamento ao considerar que o valor dos bens transmitidos tido em conta pela AT ao liquidar o imposto, sem explicitar a existência de alguma correspondência com os valores constantes das respectivas matrizes à data da transmissão, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito que inquinam a liquidação na sua totalidade, determinando, em consequência, a sua anulação.
Adiantemos que a sentença decidiu com acerto.
A Recorrente reitera a argumentação por si avançada em sede de contestação no sentido de que o facto de os prédios herdados pelo impugnante terem valores matriciais diferentes à data da transmissão e à data da liquidação resultou da mera actualização dos valores patrimoniais dos imóveis em causa.
Não podemos concordar com a alegação recursiva.
Contrariamente ao afirmado pela Recorrente, não ficou demonstrado que a diferença de valores ocorrida se deveu, apenas, a uma mera actualização dos valores patrimoniais dos bens imóveis transmitidos. Se assim fosse, tendo em consideração a interpretação da norma acolhida, poder-se-ia concluir que seriam alterações ocorridas ope legis o que levaria à conclusão de que a liquidação seria legal.
Contudo, como se bem deu nota na sentença, as diferenças de valores matriciais não decorreram por força da lei.
Recuperando o que se escreveu na sentença recorrida, com a qual concordamos, há que ter em conta o seguinte:
“(…) Como resulta da matéria de facto dada por assente, fica claro que a AT considerou, para efeitos de liquidação do imposto sucessório impugnado nos autos, os valores patrimoniais das 22 verbas (bens imóveis) relacionadas pelo Impugnante constantes na matriz em 1994, ano da liquidação, independentemente de todas as vicissitudes que nos catorze anos entretanto decorridos desde a data da transmissão pudessem ter ocorrido.
Assim, temos como evidenciado que bens imóveis alienados pelo Impugnante ainda na década de 80, e depois transformados pelos novos proprietários em prédios urbanos ou valorizados de qualquer outra forma, foram considerados na liquidação com os valores patrimoniais resultantes dessas transformações ou valorizações operadas por terceiros, sendo um caso flagrante o do artigo X º urbano da matriz da freguesia de Tuías que em 1980 tinha o valor matricial de 10.300$00, tendo sido vendido a A...em 21.09.1984, e tendo posteriormente sido eliminado da matriz e dado origem ao artigo urbano 821º, posteriormente constituído em propriedade horizontal por escritura de 01.07.1992, e que a AT considerou na liquidação impugnada pelo valor patrimonial total de 6.300.000$00 (resultante da soma das suas 8 frações autónomas).
Também o artigo 295º rústico da matriz da freguesia de Tuías encontrava-se em 1992 em nome de “I…, Lda”, tendo por base o conhecimento de SISA nº 37 de 16.01.1992, tendo sido eliminado da matriz em 1993 quando tinha o Valor Patrimonial de 22.299$00, dando origem ao artigo urbano 776º com o valor patrimonial de 23.460.000$00, que foi o considerado pela AT na liquidação impugnada.
Igualmente o artigo Xº rústico da matriz da freguesia de Tuías foi eliminado da matriz em 1993 quando tinha o valor patrimonial de 25.103$00, dando origem ao artigo Xº com o valor patrimonial de 11.100.000$00, encontrando-se desde 17.03.1993 na titularidade de António Manuel Gouveia, conforme o conhecimento de SISA nº 142 dessa data.(…)
Como resulta dos autos, os valores patrimoniais dos bens imóveis relacionados não foram os constantes das respetivas matrizes à data da transmissão, mas os constantes das matrizes à data da liquidação, ou seja, em 1994, independentemente dos referidos bens já terem visto a sua natureza posteriormente alterada e terem as matrizes sido eliminadas, ou de já terem sido alienados a terceiros.
Aliás, a afirmação do Representante da Fazenda na sua contestação, de que a diferença de valores matriciais existentes entre a data da transmissão e a data da liquidação resultou da atualização dos prédios e seus valores patrimoniais entretanto operados, como se estivéssemos perante correções aos valores patrimoniais operadas ex lege, carece em absoluto de base de sustentação.(…)”
Constata-se, assim, que não se verificou uma mera actualização de valores matriciais como pretende a Recorrente. Aliás, em bom rigor, a verdade é que a alegação recursiva não logra contrariar a sentença, quanto a este aspecto, sendo que resulta, claramente, da matéria de facto dada como assente a qual, como supra vimos, não vem posta em causa.
É que os bens imóveis transmitidos, nos anos que medeiam entre a data da transmissão e a data da liquidação viram a sua natureza alterada, as matrizes eliminadas tendo, inclusivamente, sido alienados a terceiros. Nenhuma destas circunstâncias se pode considerar como uma mera actualização de valores matriciais, razão para que improceda in totum a alegação recursiva, pelo que será de negar provimento ao recurso.
*
Da litigância de má fé
Vem invocada pelos Recorridos, nas contra-alegações de recurso, a má fé da Recorrente por ter interposto o presente recurso, assim retardando o trânsito em julgado da sentença recorrida.
Vejamos.
A propósito do conceito de má fé processual, atentemos no que se escreveu no Acórdão do STJ, de 11/12/2020, proferido no âmbito do processo nº 279/17.9:
“(…) O modelo processual vigente consagra, como um dos seus princípios fundamentais, o princípio da cooperação, segundo o qual “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” – art. 7º, do CPC que reproduz o anterior art. 266º, nº1, do CPC (apenas com a ressalva da atualização da remissão do seu nº3).
No que respeita às partes, o dever de cooperação vem concretizado no art. 8º, do CPC que impõe às partes o dever de agir de boa fé e cuja violação pode traduzir-se em litigância de má fé.
Por sua vez, de harmonia com o disposto no art. 542º, do CPC diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Distinguem-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial - que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º - e a má fé instrumental (al. c) e d) do mesmo artigo).
Contudo, em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.
Por outras palavras:
A conduta do agente deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da ação pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. "A má fé processual (...) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito".
A condenação como litigante de má fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito. (…)”
Feito este enquadramento, diremos que, não obstante se compreender o desagrado dos recorridos pela interposição do presente recurso jurisdicional que, necessariamente, implica uma demora na resolução do pleito, o certo é que, considerando a letra da lei e as correntes jurisprudenciais sobre o assunto desenvolvidas ao longo dos anos, não se pode considerar que a utilização da possibilidade legal de recorrer seja reveladora de má fé, pelo que improcede o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má fé, bem como os pedidos a este associados.
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III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e considerar improcedente o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má fé.
Sem custas.
Registe e Notifique.
Lisboa, 24 de Março de 2022
(Isabel Fernandes)
(Hélia Gameiro Silva)
(Jorge Cortês) |