Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 178/13.3BEALM |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES DE DESEMPREGO LIMITES DAS CESSAÇÕES DE CONTRATOS DE TRABALHO POR ACORDO |
| Sumário: | I - Os limites estabelecidos no artigo 10.º/4 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável. II - Esse critério mais favorável será o do número ou o da percentagem do quadro de pessoal. III - O artigo 10.º/5 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, não admite a interpretação segundo a qual deve relevar o número de trabalhadores da empresa no momento, dentro dos últimos três anos anteriores à cessação do contrato de trabalho, em que era mais elevado. IV - A responsabilidade do empregador pelo pagamento das prestações de desemprego estabelecida pelo artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na sua versão inicial, abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações iniciais de desemprego efetivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I A…, LDA., intentou, em 15.2.2013, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, ação administrativa especial contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., impugnando os atos administrativos que determinaram o pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão das prestações iniciais de desemprego de I…, J… e V…. * Por sentença de 30.11.2018 o tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente. * Inconformada, a Autora interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: I. A interpretação literal seguida pelo Tribunal a quo na sentença de que agora se recorre não permite aferir as circunstâncias, que rodearam os acordos de cessação de contratos de trabalho levadas a cabo pela Recorrente. II. Aliás, fica-se a saber que para o tribunal a quo seria porventura mais fácil levar a cabo um despedimento coletivo (por acordo com o trabalhador) e, em tal caso, já não haveria problema com os limites previstos na lei. III. Na realidade, de acordo com a interpretação constante da sentença recorrida este sistema de quotas legalmente imposto obriga as empresas, que se encontram numa situação económica difícil e que já atingiram aquelas quotas, a recorrer ao processo unilateral e fortemente regulamentado do despedimento coletivo, do qual resultará igualmente "desemprego involuntário" e a atribuição de prestações de desemprego aos trabalhadores envolvidos, sendo pois indiferente para quem quer que seja que os trabalhadores tenham acesso à prestação do subsídio de desemprego porque celebraram um acordo para cessação do seu contrato de trabalho, no âmbito de reestruturação empresarial, ou porque foram objeto de um despedimento coletivo. IV. Sabendo-se que um processo de despedimento coletivo acarreta sempre mais custos para as empresas e também para os trabalhadores, para as primeiras de carácter temporal, burocrático e económico e para os últimos de carácter social, não se entende como pode vingar a interpretação literal do tribunal a quo. V. A interpretação feita pelo tribunal a quo não abrange todas as vicissitudes empresariais, esquecendo, todavia, que são as empresas o motor da economia e que foram o veículo para a saída da profunda crise que o país atravessou. VI. Na verdade, o artigo 9º, nº 1, do Código Civil, estatui que «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». VII. O artigo 10º do Decreto-Lei n.º 2220/2006, de 03/11, deve ser interpretado no sentido de que o número total de trabalhadores a considerar para efeito do cálculo do número de contratos de cessação de trabalho por acordo que contam para a atribuição do subsídio de desemprego é o verificado dentro do período de três anos contados a partir da data da cessação de trabalho, em concreto, mas tendo em consideração as variações do número de trabalhadores ao serviço da empresa durante todo esse período, classificando- se a empresa, para efeitos de critérios de limites estabelecidos nas alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 10º segundo o número de trabalhadores ao seu serviço no mês anterior ao do início do triénio de referência. VIII. O nº 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.9 220/2006, de 03/11, não pode constituir um elemento de fixação definitiva do número de trabalhadores abrangidos pela cessação por acordo por motivos de reestruturação, por razões tecnológicas ou da evolução do mercado, fundamentadoras de despedimento colectivo ou de extinção do posto de trabalho, sob pena de conduzir a situações fora de toda a racionalidade, como aconteceria na situação sub judice. IX. Quando aquele nº 5 diz que os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos está apenas a concretizar o sentido das alíneas a) e b) do número 4 do artigo 10º, quando elas se referem às cessações de contrato de trabalho "em cada triénio". Sem a especificação contida neste nº 5, sempre se ficaria sem saber a que triénio se referia o número anterior e como se contava. X. A referência ao número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio tem o sentido de fixar o regime a que fica sujeita a empresa para efeitos de cálculo dos limites da aplicação do nº 4 do artigo 10º. XI. O número concreto de trabalhadores a considerar nas cessações de contratos de trabalho com manutenção do direito às prestações sociais de desemprego afere-se pelo número de trabalhadores que, em cada momento, a empresa tem ao seu serviço e segundo as necessidades de gestão de pessoal determinadas pela conjuntura. XII. A aplicação do critério mais favorável ao caso concreto agora em apreço leva a que o cálculo dos 25% previsto na alínea a) do nº 4 do artigo 10º se faça tendo por base o momento dentro dos últimos três anos anteriores à cessação do contrato de trabalho em que era mais elevado o número de trabalhadores ao serviço da Recorrente. XIII. Ora, o momento dentro dos últimos três anos anteriores à cessação do contrato de trabalho em que era mais elevado o número de trabalhadores foi o mês de Janeiro de 2012, com 50 trabalhadores. XIV. Desta forma, podia a Recorrente celebrar até 13 acordos de cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo com direito às prestações de desemprego. XV. Ao ter interpretado a lei como interpretou, a sentença recorrida viola o artigo 9º do Código Civil e o artigo 10º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11. XVI. A sentença recorrida viola ainda o disposto no artigo 63º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, quando condena a Recorrente ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão das prestações iniciais de desemprego. XVII. O referido preceito legal é uma norma que visa ressarcir a Segurança Social dos montantes pagos ao trabalhador a título de prestações por desemprego, tendo um escopo meramente ressarcitório e não sancionatório. XVIII. Tal conclusão resulta imediatamente da inserção sistemática do citado preceito no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11. XIX. Por não se tratar de uma norma sancionatória, torna-se claro que do artigo 63º não decorre a obrigação de o empregador pagar o valor correspondente, abstratamente, a todo o período em que o trabalhador teria o direito de auferir o subsídio de desemprego, mas apenas o valor correspondente ao subsídio de desemprego que tenha sido concretamente pago pela Segurança Social. XX. A aplicação estrita do artigo 63º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, viola o princípio constitucional da proporcionalidade, na sua vertente da exigibilidade. XXI. A interpretação constante da sentença recorrida viola de forma clara e indubitável o referido princípio e contribui, sem qualquer sustentação legal, para o enriquecimento sem causa da Segurança Social. XXII. Como tem vindo a ser jurisprudência pacífica do STA (cfr. os Acórdãos do STA de 19/06/2014 e de 12/07/2018), sendo ilegal ressarcir alguém de um prejuízo que ele não teve (artigo 483º do Código Civil), é forçoso concluir que se a Segurança Social, por qualquer razão, só pagou uma parte do subsídio de desemprego a que o trabalhador tinha direito a entidade responsável pelo ressarcimento dessa quantia só terá o dever de a compensar por esse valor visto, de outra forma, se estar a exceder o dever indemnizatório do empregador e a provocar um enriquecimento sem causa da Segurança Social. XXIII. Desta forma, devem as notificações de pagamento de prestações de desemprego relativas aos beneficiários V…, J… e I… e respetivas notas de reposição, serem declaradas ilegais, devendo ser anuladas, ou, caso assim não se entenda, deve a Recorrente apenas ser obrigada a restituir as quantias que a Segurança Social efetivamente despendeu no pagamento de prestações sociais de desemprego. Assim se fazendo Justiça. * O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: 1. Os limites estabelecidos no n.° 4 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, “são aferidos por referência ao número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio”; 2. De acordo com esse critério (“claro e taxativo”), a recorrente excedeu os limites previstos naquele dispositivo legal; 3. O artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, tem uma vertente sancionatória e não meramente indemnizatória, qualquer que seja o critério utilizado na interpretação do preceito: literal, teleológico, sistemático, histórico. 4. De acordo com o preâmbulo do diploma, para além de evitar que a Segurança Social assuma o pagamento de um subsídio que resultou de uma situação de desemprego indevida (“promoção da poupança de recursos na segurança social”), o escopo do artigo 63.° é o de, combatendo a fraude, “penalizar os comportamentos que distorcem a concorrência entre empresas”; 5. Penalizar é sinónimo de punir, castigar, sancionar. TERMOS EM QUE DEVE O RECURSO IMPROCEDER, MANTENDO-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, E INDEFERIR-SE OS PEDIDOS FORMULADOS PELA A. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal consistem em determinar se existe erro de julgamento relativamente: a) Aos limites a que se refere o artigo 10.º/5 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro; b) Aos limites da responsabilidade pelo pagamento das prestações. III A matéria de facto constante da decisão recorrida – e não impugnada - é a seguinte: A) Em 06/01/2012, a Autora celebrou com a C…, Lda. o denominado «CONTRATO DE CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL NO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA N.º 1…»; B) Com data de 06/11/2012 e saída de 07/11/2012, a Entidade Demandada dirigiu à Autora o ofício com a referência 94560 e o assunto «Notificação de pagamento de prestações de desemprego», referente ao trabalhador/beneficiário V… (NISS 1…), de cujo teor se extrai o seguinte: C) Em 13/11/2012, a Autora respondeu ao ofício melhor identificado na alínea anterior, argumentando que «no momento da cessão do contrato de trabalho em questão, a A…, Lda., não ultrapassou a quota prevista na lei, não sendo devida qualquer restituição dos montantes a pagar a título de subsídio de desemprego»; D) Em 14/11/2012, a Entidade Demandada dirigiu à Autora a nota de reposição n.º 7976152, da qual resulta o valor a restituir de € 12.737,40 referente a I… e € 34.409,60 referente a V…; E) Com data de 02/10/2012 e saída de 03/12/2012, a Entidade Demandada dirigiu à Autora o ofício com a referência 103044 e o assunto «Notificação de pagamento de prestações de desemprego», referente ao trabalhador/beneficiário I… (NISS 1…), de cujo teor se extrai o seguinte: F) Em 07/12/2012, a Autora respondeu ao ofício identificado referente à trabalhadora I… identificado em E) supra, argumentando que «no momento da cessão do contrato de trabalho em questão, a A…, Lda., não ultrapassou a quota prevista na lei, não sendo devida qualquer restituição dos montantes a pagar a título de subsídio de desemprego»; G) Com data de 23/11/2012 e saída de 10/12/2012, a Entidade Demandada dirigiu à Autora o ofício com a referência 103044 e o assunto «Notificação de pagamento de prestações de desemprego», referente ao trabalhador/beneficiário J… (NISS 1…), de cujo teor se extrai o seguinte: H) H) Com data de 12/12/2012, a Entidade Demandada dirigiu à Autora a nota de reposição n.º 8629007, da qual resulta o valor a restituir de € 31494,60, referente a J…; I) Em 14/12/2012, a Autora respondeu ao ofício identificado referente ao trabalhador J… identificado em G) supra, argumentando que «no momento da cessão do contrato de trabalho em questão, a A…, Lda., não ultrapassou a quota prevista na lei, não sendo devida qualquer restituição dos montantes a pagar a título de subsídio de desemprego»; J) Com data de 07/01/2013 e saída de 16/01/2013, a Entidade Demandada dirigiu à Autora o ofício com a referência 5235 e o assunto «Notificação de pagamento de prestações de desemprego», referente ao trabalhador/beneficiário I… (NISS 1…), de cujo teor se extrai o seguinte: K) Com data de 22/11/2012 e saída de 20/01/2013, a Entidade Demandada dirigiu à Autora o ofício com o assunto «Restituição de prestações – nota de reposição n.º 7976152//Ivone C… – NISS 1… V… – NISS 1…» do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte: «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» L) Em 21/01/2013, a Autora respondeu ao ofício identificado referente ao trabalhador I… identificado em J) supra, argumentando que «no momento da cessão do contrato de trabalho em questão, a A…, Lda., não ultrapassou a quota prevista na lei, não sendo devida qualquer restituição dos montantes a pagar a título de subsídio de desemprego»; M) Com data de 14/12/2012 e saída de 25/01/2013, a Entidade Demandada dirigiu à Autora o ofício n.º 9572, com o assunto «Notificação de pagamento de prestações de desemprego // Nome do beneficiário – J… – NISS 1…», com o seguinte teor: «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» N) Com data de 21/01/2013 e saída de 25/01/2013, a Entidade Demandada dirigiu à Autora o ofício n.º 9579, com o assunto «Notificação de pagamento de prestações de desemprego // Nome do beneficiário – I… – NISS 1…», com o seguinte teor: «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» IV Dos limites a que se refere o artigo 10.º/5 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro 1. Importa, em primeiro lugar, apreciar o julgamento efetuado pelo tribunal a quo relativamente à interpretação da norma contida no artigo 10.º/5 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, no que se seguirá a linha de abordagem dos acórdãos deste tribunal central administrativo de 31.10.2024 (processo n.º 344/10.3BEBJA) e de 18.6.2025 (processo n.º 1145/11.7BELSB), do mesmo relator do presente. Relembremos o teor dos n.ºs 4 e 5 do referido artigo: «4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes: a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio; b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio. 5 - Os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável». 2. O n.º 5 não poderia ser mais claro: os limites são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio. Por isso a sentença recorrida fundamentou o decidido nos seguintes termos: «No que respeita à data relevante para aferir o número de trabalhadores impõe-se, então, interpretar o n.º 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006. Ora, da mera leitura do preceito legal em apreço decorre que a interpretação propugnada pela Autora não encontra qualquer apego na letra da lei. Com efeito, decorre do n.º 4 e 5 do artigo 10.º do diploma legal em apreço considera-se cessação por acordo aquelas situações cujo fundamento se integre naqueles que a lei prevê para o despedimento coletivo ou para a extinção de posto de trabalho, sendo que em ambos os casos é necessário atender à dimensão da empresa (inferior ou superior a 250) e ao número de trabalhadores envolvidos (até 3 ou 25% do quadro ou até 62 ou 20% do quadro, com o limite de 80). Aqueles limites devem ser computados tendo em consideração o período de referência dos três últimos anos, contados a partir da data de cessação do contrato e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável (número ou percentagem de trabalhadores do quadro). A redação do preceito legal é clara e taxativa, o número dos trabalhadores é aferido em função do mês anterior ao da data do início do triénio. Ora, recorda-se que na fixação do sentido e alcance da lei, não pode ser considerado pelo intérprete um entendimento que não tenha um mínimo de correspondência verbal com o normativo legal em apreço, sendo certo que se deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil). Destarte, os atos administrativos impugnados não padecem do vício que lhe é assacado pela Autora, tendo sido corretamente interpretadas e aplicadas as normas legais convocadas e sem que a Autora questione os factos subjacentes aos mesmos (alíneas B), G) e J) do probatório). Assim, considerando que a Autora empregava 31 trabalhadores no mês anterior ao da cessação do contrato de trabalho de cada um dos trabalhadores em apreço, I…, J… e V…, a quota para efeitos da aplicação do artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do Decreto-Lei n.º 220/2006, era de 25%, ou seja, 8 trabalhadores». 3. Este tribunal de apelação nada tem a acrescentar. A norma é de interpretação simples, a sentença recorrida demonstrou a evidente inviabilidade do entendimento ensaiado pela Recorrente e esta nada trouxe de novo nas alegações de recurso. Pelo contrário, e mantendo-se longe das regras de hermenêutica jurídica que a sentença recorrida lembrou. 4. De resto, qual a relação entre a alegada «crise económica que o país atravessou e que se fez sentir, sobremaneira, no sector automóvel [e que] afetou muito significativamente a Recorrente» com o que se discute nos autos? O que está em causa, apenas, é a cessação de contratos de trabalho por acordo que teve subjacente a convicção dos trabalhadores, criada pelo empregador, de que a empresa se encontrava numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 10.º ou de que se encontravam preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar. Nada mais. 5. Quanto à pretendida «aplicação do critério mais favorável ao caso concreto» (o artigo 10.º/5/in fine prevê a «observância do critério mais favorável»), a sentença recorrida explicou-o: trata-se de considerar o número ou a percentagem do quadro de pessoal. Dos limites da responsabilidade pelo pagamento das prestações 6. Tal como referido pela Recorrente, a questão relativa aos limites da responsabilidade pelo pagamento das prestações já havia sido decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 19.6.2014, proferido no processo n.º 01308/13. 7. Recorde-se, no entanto, e antes de mais, a norma em causa, constante do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na sua versão inicial: Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego. 8. Da norma transcrita releva, para o presente recurso, a obrigação prevista no seu trecho final, ou seja, a do pagamento, perante a segurança social, do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, relativamente ao qual importa saber se esse período é apenas o da concessão efetiva da prestação ou se respeita ao montante que o trabalhador receberia se se mantivesse na situação de desempregado durante todo o tempo em que tinha direito ao subsídio, independentemente, portanto, da possibilidade de o trabalhador ter perdido o direito à sua perceção e, por essa razão, aquele subsídio não tenha sido pago na sua totalidade. 9. A resposta, como se disse, já havia sido dada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão acima identificado. Fê-lo nos seguintes termos: «O art.º 63.º do DL 220/2006 - cuja epígrafe é «responsabilidade pelo pagamento das prestações» - estatui que “nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.” 10. «O que quer dizer que esta norma teve em vista responsabilizar a entidade patronal pelo pagamento do subsídio de desemprego quando ela, dolosamente, convenceu o trabalhador a acordar na resolução do contrato de trabalho apesar de se não verificarem as condições nele previstas. E ao fazê-lo estatuiu que, ocorrendo essa ilegalidade, o pagamento das prestações devidas continuaria a ser feito pela Segurança Social mas que o empregador tinha de a ressarcir por esse pagamento, obrigando-o a pagar o montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego. Deste modo, nos casos em que o trabalhador aceitou ser dispensado convencido pela sua entidade patronal de que se verificavam as condições que permitiam o despedimento colectivo ou a extinção do seu posto de trabalho e, afinal, tais condições não se verificarem o trabalhador continua a ter direito ao subsídio, a ser assegurado pela Segurança Social, mas esta tem o direito de exigir do empregador o montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego. 11. (…) 12. «A questão que se coloca é, pois, como se vê, a de saber se, por força do que se dispõe no art.º 63.º do DL 220/2006, a entidade patronal está obrigada a pagar à Segurança Social a totalidade das prestações devidas mesmo que – por qualquer razão – o trabalhador tenha perdido o direito à sua percepção e, por essa razão, aquele subsídio não tenha sido pago na sua totalidade. 13. «A resposta a essa interrogação só pode ser a de que o empregador só tem de compensar a Segurança Social pelo valor que esta efectivamente despendeu visto a responsabilidade ora em causa ser indemnizatória e, por essa razão, advir do prejuízo efectivamente sofrido pelo lesado e ter como medida o valor desse dano. 14. «Nesta conformidade, e sendo ilegal ressarcir alguém de um prejuízo que ele não teve (art.º 483.º do CC), é forçoso concluir que se a Segurança Social, por qualquer razão, só pagou uma parte do subsídio de desemprego a que o trabalhador tinha direito a entidade responsável pelo ressarcimento dessa quantia só terá o dever de a compensar por esse valor visto, de outra forma, se estar a exceder o dever indemnizatório do empregador e a provocar um enriquecimento sem causa da Segurança Social. 15. «O Acórdão recorrido entendeu que, no caso, esse princípio não se aplicava justificando esse entendimento com o disposto no art.º 63.º do DL 220/2006 já que nele se lia que, nas circunstâncias dos autos, o empregador fica obrigado perante a Segurança Social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego e esta totalidade só pode ser interpretada como correspondendo ao montante global do subsídio que era devido. 16. «Não nos parece, porém, que aquela norma possa ser lida dessa maneira. 17. «Desde logo, porque, como já se disse, a mesma teve por finalidade responsabilizar o empregador pelo pagamento do subsídio de desemprego nos casos em que, fraudulentamente, convenceu o trabalhador a cessar, por acordo, o seu contrato de trabalho sem que se verificassem os requisitos que permitiam o seu despedimento e não sancioná-lo por essa conduta ilegal. Ou seja, o escopo único daquela norma foi afastar a hipótese de caber à Segurança Social o pagamento de um subsídio provocado pela conduta dolosa de terceiro e não o ter um efeito punitivo. 18. «Depois, porque, se assim é, a responsabilidade indemnizatória do obrigado tem de ter como limite o prejuízo efectivamente sofrido pelo lesado e como medida o valor desse dano pelo que não fará sentido ressarcir o Réu por um prejuízo que ela não teve. 19. «Finalmente, porque, a não ser assim, o pagamento de quantia diversa daquela que a Segurança Social efectivamente pagou configurava uma sanção não prevista no citado diploma (vd. seus art.ºs 64 a 67.º). O que era ilegal uma vez que as sanções estabelecidas nos apontados normativos não incluem a «punição» que o Acórdão recorrido admitiu. 20. «O que fica dito, porém, não significa que, verificado o ilícito, a Segurança Social não possa ordenar a reposição do montante já pago ao trabalhador como ordenar que seja depositado, antecipadamente, o valor que, previsivelmente, irá ser pago e que o devedor não esteja obrigado a proceder a esse pagamento. O que não quer dizer que, nessas circunstâncias, o montante pago antecipadamente não possa ser devolvido se se constatar que o trabalhador – por qualquer razão - perdeu o direito ao subsídio e, por esse motivo, a Segurança Social cessou o seu pagamento e que o empregador não possa reivindicar essa devolução. 21. (…). 22. «Deste modo, e pelas razões já enunciadas, havendo a certeza de que a trabalhadora só esteve desempregada durante 4 meses e que só durante este período recebeu subsídio de desemprego da Segurança Social, esta só pode exigir à Recorrente o montante que, efectivamente, havia pago sob pena de violação do disposto no art.º 63.º do DL 220/2006». 23. Este entendimento veio a ser acolhido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.12.2018, proferido no processo n.º 0606/15.3BELRA, onde se sumariou que «a Segurança Social só pode exigir da entidade patronal, ao abrigo do art.º 63.º do DL n.º 220/2006, de 3/11, o reembolso das prestações a que o trabalhador teve efetivamente direito e não do que corresponderia à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego». 24. Em 25.3.2021 o mesmo tribunal, por acórdão proferido no processo n.º 02550/17.0BEBRG, veio a uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: «A responsabilidade do empregador pelo pagamento das prestações de desemprego estabelecida pelo art.º 63.º, do DL n.º 220/2006, de 3/11, na redacção resultante do DL n.º 64/2012, de 15/3, abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações de desemprego efectivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão». 25. Ali se chegou com o seguinte fundamento: «Sob a epígrafe “Responsabilidade pelo pagamento das prestações”, o art.º 63.º, do DL n.º 220/2006, na redacção resultante do DL n.º 64/2012, dispunha que “nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do art.º 10.º ou que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a Segurança Social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego”. 26. «Este preceito, inserido no Capítulo X que tem por título “Responsabilidade e regime sancionatório”, constitui o único normativo da Secção I que tem por epígrafe “Responsabilidade”, não estando, assim, incluído no regime sancionatório a que se referem os artºs. 64.º e 65.º do DL n.º 220/2006, o que demonstra – como nota o acórdão fundamento – que a intenção do legislador não foi a de punir a entidade patronal, mas de a responsabilizar pelos danos sofridos pela Segurança Social com o montante da prestação de desemprego que suportou. 27. «Ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, esta intenção legislativa tem correspondência no texto do preceito quando interpretado como circunscrevendo o limite máximo da indemnização devida à Segurança Social, ou seja, quando se considere que a totalidade nele referida se reporta ao montante que o trabalhador, beneficiário da Segurança Social, receberia se se mantivesse na situação de desempregado durante todo o tempo em que tinha direito a auferir a prestação de desemprego. 28. «Assim, em consonância com a doutrina do acórdão fundamento, é de considerar que a A. só tinha de compensar a Segurança Social pelo valor que esta tivesse efectivamente despendido a título de prestações de desemprego dos seus trabalhadores, não se podendo entender – como os actos impugnados e o acórdão recorrido – que era irrelevante apurar esse montante efectivamente pago». 29. É este, portanto, o entendimento que se impõe, o qual, aliás, veio a tomar forma de lei com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 113/2023, de 30 de novembro, nos termos do qual o referido artigo 63.º passou a estabelecer o seguinte (o sublinhado é nosso, evidentemente): «Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 10.º ou de que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente às prestações de desemprego efetivamente pagas ao trabalhador». 30. E é aquele entendimento que também aqui se acolhe, do qual decorre que a Recorrente apenas está obrigada perante o Recorrido ao pagamento do montante correspondente às prestações iniciais de desemprego efetivamente pagas aos trabalhadores em causa. V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, anular os atos impugnados na parte em que determinaram o pagamento, pela Recorrente, de valor que excede o montante correspondente às prestações de desemprego efetivamente pagas aos trabalhadores. Custas pela Recorrente e pelo Recorrido, em partes iguais, em ambas as instâncias (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 6 de novembro de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Teresa Caiado Maria Helena Filipe |