Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 27198/24.0BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/25/2025 |
| Relator: | MARCELO MENDONÇA |
| Descritores: | PROTECÇÃO INTERNACIONAL; ÓNUS DE ALEGAÇÃO |
| Sumário: | I - É sobre o requerente de protecção internacional que impende o ónus de alegação e prova dos motivos concretos, eivados de verosimilhança, pertinência, coerência e credibilidade, que minimamente indiciem, relativamente ao seu país de origem, o ambiente de perseguição traçado pelo artigo 3.º da Lei do Asilo (asilo) ou uma situação de violação sistemática de direitos humanos ou de ameaças, ofensas ou violência, tal como gizadas pelo artigo 7.º da mesmo Lei (protecção subsidiária). II - No caso dos autos, o Recorrente, porém, não cumpriu sob qualquer forma tal ónus, sendo que, para tal desiderato, não bastam vagas referências a ameaças, perseguição ou receio de regressar ao país de origem, sem que lhe venha acoplado a devida descrição factual minimamente circunstanciada, que, por serem de tal modo imprecisas, não consubstanciam, com certeza, razões suficientemente fortes para que possamos conceder ao ora Recorrente o direito de asilo ou de protecção subsidiária. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I - Relatório. M…, cidadão do Reino de Marrocos, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu impugnação judicial contra a AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I.P. (AIMA), doravante Recorrida, com vista à impugnação do despacho proferido pelo Vogal do Conselho Directivo da AIMA, datado de 11/09/2024, que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrente, inconformado que se mostra com a sentença do TACL, de 17/01/2025, que julgou improcedente a impugnação, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: “1. O presente recurso tem por objeto a reforma da sentença supramencionada para que julgue procedente a presente ação e que admita os pedidos de proteção internacional - referidos nos 2031/24 - formulado pelas partes requerente, bem como condene a Agência para Integração, Migração e Asilo – AIMA, I. P. a conceder-lhe o direito de asilo ou, em alternativa, a autorização de residência por protecção subsidiária em Portugal. 2. A proteção internacional subsidiária pode ser concedida ao recorrente, pois a mesmo demostrando receio e perigo a sua integridade física ao retornar ao seu país de origem, foi-lhes ignorada a possibilidade de se aplicar a protecção, o que demonstra uma gravidade na decisão proferida. 3. O requerente está sujeito à violência física, social e institucional por ser homossexual e por não ser muçulmano. 4. Para aferir, assim, a credibilidade da sua versão e a considerar se é ou não expectável que elas viessem a ser vítima de violações de direitos humanos num país que tem histórico de perseguição a homossexuais e agnósticos/ateus, caso regressasse ao seu país de origem, deve-se fazer uma análise minuciosa, o que não ocorreu. 5. Conforme mencionado na petição inicial, o recorrente vive em situação de violação sistemática de direitos humanos, mais precisamente o direito à vida e à integridade física (posto que ele teme que a violência mencionada supra possa culminar com a sua morte); o direito à saúde (posto que ele vive em condições de pobreza generalizada e sem possibilidade de apoio médico de apoio psicológico para tratar de seus traumas decorrentes); direito ao convívio familiar (posto que o contacto com a família é dificultado em virtude da discriminação em razão de sua orientação sexual); direito à privacidade (em virtude da intromissão estatal abusiva em relação à sua sexualidade); direito à liberdade religiosa (por não poder professar livremente uma crença que não seja o islamismo); direito à personalidade (por ter de manter clandestino um componente importante da personalidade que não causa danos à coletividade). 6. A sentença, contudo, sequer mencionou a aplicabilidade desses direitos no caso concreto, o que consiste também uma deficiência na fundamentação. 7. Ademais, para efeitos de aplicação do art. 7, nº 02, alínea “b” da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, o autor está sujeito a tratamento degradante no país de origem, na acepção dos arts. 3º da CEDH e 4º da CDFUE, caso regresse lá. 8. a AIMA não realizou quaisquer estudos sobre o tema, se limitando a repetir disposição acerca do Código Penal e Constituição do Marrocos. 9. Tais assertivas deveriam ser suportadas por relatórios de estudos da situação de direitos humanos, e não por notícias fragmentárias sem devido tratamento da informação ou aplicação da metodologia científica. 10. Sem essa análise prévia, há um défice de instrução e a decisão foi proferida sob a fundamentação genérica de que se enquadrava na alínea e, do nº 01 do art. 19º da Lei nº 27/2008, sem apresentar de forma clara como os factos relatados no relatório conduziam a essa conclusão. 11. Dada a insuficiência dos fundamentos de facto que sustentam o decisório, a decisão padece do vício de falta de fundamentação, nos termos do art. 153º, nº 02 do CPA e viola o dever de fundamentação, nos termos do art. 152º do CPA. 12. Pelo exposto, o recorrente tem direito à proteção subsidiária nos termos do nos termos do art. 7, nº 02, alíneas “a”, “b” “c” da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. Em face do exposto, requer que V. Exas reformem a sentença para julgar como procedente a presente ação e que admita o pedido de proteção internacional - referido no processo 2031/24 - formulado pela parte requerente, bem como condene a Agência para Integração, Migração e Asilo – AIMA, I. P. a conceder-lhe o direito de asilo ou, em alternativa, a autorização de residência por protecção subsidiária em Portugal. Caso não seja concedido ao requerente o direito de asilo ou, em alternativa, a autorização de residência por protecção subsidiária em Portugal., requer-se que anule a sentença para determinar que seja reconstituído o procedimento administrativo pela AIMA com informação fidedigna acerca da situação de direitos humanos no Marrocos.” A Recorrida não contra-alegou. O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. O parecer do MP foi notificado às partes. Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento. *** II - Delimitação do objecto do recurso.Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, por um lado, é nula, e, por outro lado, ao julgar improcedente a impugnação judicial, se enferma, ou não, de erro de julgamento. *** III - Matéria de facto.Considerando que a fixação da matéria de facto na sentença recorrida não foi impugnada, mormente, segundo o ónus prescrito ao Recorrente pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, nem há lugar a qualquer alteração dessa mesma factualidade, remetemos para os termos da decisão da 1.ª instância que a decidiu, por ser suficiente a sua consideração para a apreciação do presente recurso, conforme o disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC, aplicáveis tais comandos legais “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA. *** IV - Fundamentação de Direito.a) Da nulidade da sentença recorrida O Recorrente, embora não o assuma de forma explícita e clara, pode deduzir-se que, conjugando o arguido nas conclusões de recurso sob os n.ºs 5 e 6, em que aponta à sentença recorrida uma deficiente fundamentação por, alegadamente, não terem sido considerados os direitos invocados na conclusão de recurso sob o n.º 5, acaba por suscitar a nulidade de sentença preconizada na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA. Acontece que tal causa de nulidade só opera quando o Tribunal não aborda as questões centrais que integram o pedido e a causa de pedir, e não pela circunstância de não responder a todos os argumentos da parte. A omissão de pronúncia só é relevante se o Tribunal não se pronuncia sobre questões que eram essenciais para a decisão do mérito da causa, enquanto pilares do pedido e da causa de pedir. Ou seja, o Tribunal não tem o dever de responder a todos e quaisquer argumentos das partes, mas apenas o de sindicar o fundamental do “thema decidendum”, tanto mais que o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, exceptua do dever de resolução as questões “cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Neste sentido, entre outros, veja-se o entendimento sufragado pelo acórdão do STJ, de 27/11/2024, proferido no processo sob o n.º 23239/21.0T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, conforme resulta do ponto II do seu sumário: “A nulidade por omissão de pronúncia [artigo 615.º, n.º 1, d)], sancionando a violação do estatuído no n.º 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e excepções.” Isto significa, pois, que o Tribunal a quo não se encontrava obrigado a sindicar todos os argumentos de direito esgrimidos na p.i., designadamente, a panóplia de direitos que o Recorrente cita genericamente na conclusão de recurso n.º 5, pois que, o importante era que a 1.ª instância, face ao caso concreto, aos factos alegados e aos pedidos formulados, tivesse em conta o thema decidendum (as questões temáticas centrais), ou seja, a subsunção entre a factualidade fixada e os requisitos legais impostos pelos artigos 3.º e 7.º da Lei do Asilo, com vista a determinar se a situação do ora Recorrente seria de molde a enquadrar os peticionados direitos de asilo ou de protecção subsidiária, tarefa que a sentença recorrida inequivocamente enfrentou. Se bem, ou mal, ajuizadas tais questões essenciais, não é, com certeza, de uma causa de nulidade que se pode assacar contra a sentença recorrida, mas de eventual erro de julgamento, mas cuja análise, por ora, ainda não cabe fazer. Não se verifica, portanto, nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia. *** b) Do alegado erro de julgamento O Recorrente, no essencial, reitera em conclusões recursivas o que já havia alegado em sede da p.i., isto é, no fundo, que “está sujeito à violência física, social e institucional por ser homossexual e por não ser muçulmano.” Como se depreende, o ora Recorrente, no que à sua situação pessoal diz respeito, radica os pedidos de asilo ou protecção subsidiária em dois argumentos essenciais: i) na sua homossexualidade; ii) e na circunstância de não professar a religião islâmica. É por conta destas causas que, em síntese, diz ter origem a violência e a perseguição social e institucional que diz ser vítima no Reino de Marrocos e, por conta disso, ter receio de regressar ao seu país natal. Veja-se como julgou a sentença recorrida, destacando-se já o primeiro excerto: “Vertendo ao caso dos autos. Quanto à perseguição, no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008, aquela vem definida pelo legislador como «consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana». Mas, a este respeito, o Autor não alega quaisquer atividades daquela natureza. Prossegue depois o legislador quando se refere a perseguição com fundamento na «sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social». Sendo certo que, para a definição de grupo social, em certos países, é de considerar abrangida a orientação sexual (artigos 2.º, n.º 1, n), iv) e n.º 2 da Lei n.º 27/2008). Recorde-se o que vem alegado pelo Autor, que sempre se referiu a perseguições em termos genéricos e não concretos e individualizados. Quer quanto à homossexualidade, quer quanto à religião. E não concretizou qualquer episódio individualmente relevante. O que, só por si, é fundamento suficiente para o afastar do escopo daquela norma, que tem respaldo num receio individual e concreto, capaz de condicionar o requerente de asilo a voltar ao seu Estado. Mas, no caso concreto, isso é tornado ainda mais evidente quando no seu formulário o Autor nada diz a respeito da sua sexualidade e identifica como fundamento apenas a religião (ponto 4) do probatório). Fundamento que é desacreditado pelo próprio Autor quando, simultaneamente, refere não professar qualquer religião (ponto 4) do probatório). Realçando-se que é o próprio Autor quem refere que a perseguição é sobre quem professe religião diferente e não sobre quem não professe a religião muçulmana. Apesar de ténue, a nuance é suficiente para conseguir imputar ao Autor a sua própria contradição. Se isso não fora suficiente, o Autor admitiu, em suas declarações, que adiante se darão por válidas, que havia já saído para o Brasil e regressado ao seu Estado. O que comprova que o Autor não sentiu receio de o fazer (ponto 5) do probatório). E, do seu articulado inicial nem sequer identifica porque regressou, alvitrando apenas hipóteses justificativas alternativas, como ter ficado sem recursos no Brasil.” Nenhum reparo merece o bem julgado pela 1.ª instância. Tal como decidiu a sentença recorrida, a situação tal como foi retratada pelo ora Recorrente no seu articulado inicial em nada se encaixa em actos de perseguição ou de grave ameaça persecutória, em consequência, mormente, de actividade que o mesmo exerça no Reino de Marrocos em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, tendo presente o estatuído pelo n.º 1 do artigo 3.º da Lei do Asilo. Aliás, bem vista a p.i., o Recorrente limita-se a discorrer nos primeiros 23 artigos a meras generalidades sobre a alegada violência ou intolerância contra a comunidade homossexual em Marrocos e sobre a falta de liberdade religiosa, limitando-se a conjecturar, designadamente, no artigo 25.º da mesma peça processual, sobre eventual tratamento desumano que possa sofrer em caso de regresso a tal país. Mas, como bem asseverou a sentença recorrida, quer quanto à questão da homossexualidade, quer quanto à da liberdade religiosa, o Recorrente limitou-se a alegar de modo vago e impreciso, sem individualizar, porém, qualquer episódio concreto (devidamente circunstanciado e densificado factualmente) de perseguição ou de violência que contra si haja sido cometido, designadamente, pelas autoridades marroquinas. E sendo certo que os actos de perseguição, de acordo com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Lei do Asilo, podem revestir a forma de violência física ou mental, incluindo de natureza sexual, é necessário, porém, que esses actos assumam pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais (cf. o n.º 1 do mesmo preceito legal), e, sobretudo, que sejam cometidos pelo Estado, partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território, ou por agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição (cf. o artigo 6.º, n.º 1, alíneas a) a c), da Lei do Asilo). Ora, como facilmente se constata, na situação em apreço, compulsada a p.i. e as conclusões de recurso, o ora Recorrente não logrou aduzir qualquer ocorrência concreta que se possa reputar como acto de perseguição/violência de natureza sexual (ou por conta da orientação sexual assumida pelo ora Recorrente) ou/e de natureza religiosa, que contra si haja sido praticada pelo estado marroquino, nem sequer ameaça de tal. Acresce dizer que, exemplificativamente, nada foi alegado pelo Recorrente a título de denúncia ou processo criminal que contra si haja sido instaurado pelas autoridades marroquinas por causa da sua orientação sexual ou religiosidade, ou por falta de qualquer crença religiosa, ou que, por tais causas, corra o risco de, ao regressar a Marrocos, poder ser aprisionado para cumprimento de pena ou medida de segurança, ou ser sujeito a tratamento desumano, degradante ou cruel, factualidade que não foi de modo algum articulada na sua petição inicial. Aliás, como bem apontou a sentença recorrida no excerto que supra destacámos, o ora Recorrente até já saiu de Marrocos, pelo menos, por uma vez, quando viajou para o Brasil, retornando, depois, ao Reino de Marrocos, o que evidencia, afinal, a inconsistência do cenário de perseguição sexual e religiosa que meramente conjecturou na p.i., pois, como se nota, nessa ocasião não teve receio de regressar ao seu país de origem. E ainda no que concerne especificamente à questão da religião, é bem evidente a inconsistência do posicionamento do Recorrente na correlação com as declarações que prestou no âmbito do procedimento administrativo de protecção internacional, porquanto, como bem assinalou a sentença recorrida, por um lado, “refere não professar qualquer religião (ponto 4) do probatório)” - (factualidade não impugnada) -, e, por outro lado, diz que “a perseguição é sobre quem professe religião diferente e não sobre quem não professe a religião muçulmana.”. Ora, se o Recorrente, como assume, não professa qualquer religião, então, não tem que recear a alegada perseguição do estado marroquino, pois que, como disse o próprio, a perseguição só abrange aqueles que professem religião diversa do islamismo (segundo a versão do Recorrente, claro está) e não os que nenhuma religião prossigam, incluindo-se o Recorrente, como afirma, neste último grupo. Nada de concreto foi alegado, portanto, em relação à situação individual do ora Recorrente, que evidencie, ao regressar a Marrocos, que venha a ser sujeito a pena de morte ou execução; a tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante; ou a ameaça grave contra a sua vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situação de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos que se viva naquele país, pois que, só em tal cenário de gravidade seria admissível a protecção subsidiária do ora Recorrente, atento o disposto no artigo 7.º da Lei do Asilo. E ainda que o Recorrente, na conclusão de recurso n.º 5, venha alegar de rajada uma série de direitos supostamente em crise, indicando o direito à vida e à integridade física, o direito à saúde, o direito ao convívio familiar, o direito à privacidade, o direito à liberdade religiosa e o direito à personalidade, tal não passa, na senda do que temos vindo a considerar, de uma mera enumeração genérica, vaga e imprecisa, adstrita a situações que o Recorrente somente conjectura, sem, contudo, se ter vislumbrado o devido acoplamento na p.i. de qualquer circunstancialismo, factualidade ou episódio que concretamente se ligue de modo directo ao Recorrente. Em suma, como bem decidiu a 1.ª instância, nem do alegado na p.i., nem agora das conclusões recursivas, se infere que o ora Recorrente tivesse cumprido o mínimo sobre o ónus de alegação e prova (cf. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) quanto aos requisitos legais conducentes à concessão do clamado direito de asilo, preconizados no artigo 3.º da Lei do Asilo, ou quanto aos pressupostos legais tendentes ao pretendido direito de protecção subsidiária, estipulado no artigo 7.º da mesma Lei. Neste sentido, entre outros, vai o acórdão deste TCAS, de 13/09/2023, proferido no processo sob o n.º 676/23.0BELSB, “in” www.dgsi.pt, destacando-se os pontos II e III do seu sumário, como segue: “II - O ónus da prova está, como princípio geral, do lado daquele que submete o pedido, cabendo a este alegar os factos concretos que consubstanciam uma das situações previstas no artigo 3º da Lei do Asilo, não sendo suficientes alegações genéricas ou meras percepções de que é perseguido ou alvo de ameaça grave. III - O mesmo entendimento extrai-se do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, do ACNUR, no qual é entendimento pacífico que cabe ao requerente de protecção internacional o ónus da prova dos factos que alega.” De igual modo, seguimos aqui o entendimento já sufragado no acórdão deste TCAS, de 20/09/2024, proferido no processo sob o n.º 2107/24.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt, do qual enfatizamos o ponto I do seu sumário, nos seguintes moldes: “I - É sobre o requerente de protecção internacional que impende o ónus de alegação e prova dos motivos concretos, eivados de verosimilhança, pertinência, coerência e credibilidade, que minimamente indiciem, relativamente ao seu país de origem, o ambiente de perseguição traçado pelo artigo 3.º da Lei do Asilo ou uma situação de violação sistemática de direitos humanos ou de ameaças, ofensas ou violência, tal como gizadas pelo artigo 7.º da mesmo Lei. (…)” O Recorrente pugna ainda em conclusões de recurso a tese do deficit instrutório do procedimento administrativo, aduzindo, em resumo, que a entidade recorrida devia ter procurado “relatórios de estudos da situação de direitos humanos” no Reino de Marrocos. Atentemos o que, nesta específica matéria, afirmou a sentença recorrida. “Tendo isto em mente, o Autor alega não ter sido feito um estudo sério sobre a situação de direitos humanos no país de origem. E falta de fundamentação porque considera que é «deficiente» a fundamentação que não considere a aplicação de proteção internacional subsidiária. Todavia, vem demonstrado terem sido consideradas, ponderadas e apreciadas fontes credíveis como da Amnistia Internacional sobre os direitos humanos em Marrocos, e, em concreto sobre a religião e a homossexualidade (ponto 6) do probatório). O que, só por si, permite afastar a alegada falta de instrução a que alude o Autor.” Como se verifica, tendo presente o teor do ponto 6 da factualidade provada na sentença recorrida (não impugnada), a entidade recorrida, compulsados que sejam os pontos 8 e 9 da informação prévia que sustentou o acto impugnado, em ordem a averiguar a situação concreta de direitos humanos em Marrocos, suportou-se em várias fontes internacionais de informação, como sejam, o “USDOS-Departamento de Estado dos EUA: Relatório de 2023 sobre Liberdade Religiosa Internacional: Marrocos, 30 de Junho de 2024”; “Amnistia Internacional: O estado dos direitos humanos no mundo; Marrocos/Saara Ocidental 2023, 24 de Abril de 2024”; “USDOS-Departamento de Estado dos EUA: Relatório de 2023 sobre práticas de direitos humanos: Marrocos, 23 de Abril de 2024”. Portanto, por um lado, a entidade recorrida, neste conspecto, instruiu devidamente o procedimento administrativo, munindo-se, por consulta a relatórios inclusos em bases de dados disponíveis, de informação concreta sobre a situação de direitos humanos em Marrocos (e não por singelo recurso a “notícias fragmentárias”, como erroneamente aponta o Recorrente em conclusões de recurso). Por outro lado, dizendo o Recorrente que a entidade recorrida devia ter indagado sobre “relatórios de estudos da situação de direitos humanos” no Reino de Marrocos, disse-o, todavia, de modo vago, cabendo-lhe identificar de modo concreto e preciso que estudos ou relatórios deviam ter sido consultados ou aportados ao procedimento administrativo, e não o foram, no sentido de bem fundar o vício formal de deficit instrutório que assacou contra o acto administrativo impugnado. Não o fez, e, como tal, só podemos concluir que o ora Recorrente não substanciou convenientemente o vício suscitado. Mas não só. Tratando-se de um propalado vício de instrução procedimental, também consideramos que o ora Recorrente devia ter alegado de forma expressa e discriminada quais os factos carecidos de melhor instrução (no pressuposto de os ter alegado, claro está), actividade que, como atrás já vimos, não desenvolveu, ao contrário do que lhe era exigível, pois que, não se olvide, frisa-se que ao Recorrente competia cumprir o ónus de alegação e prova do correspectivo vício, substanciando-o, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, coisa que não fez. Face ao cenário de insuficiência de alegação de facto atrás traçado (falta de discriminação de actividades concretas do ora Recorrente em prol da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e que esteja a ser, comprovadamente, perseguido por causa dessa actuação, e falta de alegação de factos tendentes a demonstrar actos concretos de perseguição contra si ou de tratamento desumano, degradante ou cruel, ou ameaça de tal, por conta das autoridades marroquinas), mais não era exigível aos serviços da Recorrida, nem ao Tribunal de 1.ª instância, na análise de tal vício. Também nesta vertente, a sentença recorrida mostra-se isenta de erro de julgamento. Prosseguindo, o Recorrente relança em conclusões de recurso o argumento da alegada “insuficiência dos fundamentos de facto”, isto é, insiste que o acto impugnado padece do vício de forma por falta de fundamentação. Mas sem razão, adianta-se. Vejamos como a sentença recorrida enfrentou a presente questão, transcrevendo-se os seguintes trechos: “Ora, o Autor, argui a falta de fundamentação por não ter sido ponderada a possibilidade de aplicação de proteção internacional subsidiária. Pese embora esse seu argumento não fosse de reconduzir a uma falta de fundamentação, mas antes a um erro sobre os pressupostos de facto, já apreciado supra, a verdade é que vem demonstrado o seu contrário no ponto 9. l) da proposta que, por remissão, fundamenta o ato impugnado (pontos 6) e 7) do probatório). Aliás, no fundo, o que releva é se o destinatário do ato pode, com fundamento nos elementos recebidos, conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido tal como foi e não de qualquer outro modo. (…) Assim sendo, o Autor demonstrou conhecer os motivos do ato impugnado. Decai, por isso, o Autor quando argui a falta de fundamentação, de que não padece o ato impugnado.” A sentença recorrida considera, e bem, que o acto impugnado teve como suporte documentalmente fundamentador a informação dos serviços da Recorrida que imediatamente antecedeu tal acto, na qual incidiu declaração de concordância do titular do órgão investido de competência decisora e, como tal, para a prolação do acto impugnado (cf. o ponto 6 do probatório da sentença recorrida – não impugnado). O acto impugnado absorveu, assim, a fundamentação de facto inclusa em tal informação técnica antecedente, no que, comumente, se denomina por fundamentação “per relationem”, preconizada no artigo 153.º, n.º 1, do CPA. Percebe-se, pois, do teor daquele ponto 6 da factualidade da sentença recorrida que ao acto impugnado foi aportada fundamentação de facto, como bem ajuizou a sentença recorrida, que o ora Recorrente mostra ter compreendido adequadamente, atenta, sobretudo, a forma como patenteou o seu inconformismo na p.i., evidenciando, assim, que cabalmente percebeu o iter cognoscitivo seguido pela entidade recorrida quanto ao segmento factual do acto impugnado. E se a problemática residia não na absoluta falta de fundamentação factual do acto impugnado, mas na sua insuficiência, então, devia o ora Recorrente ter indicado na p.i. quais os concretos factos que estariam em falta, ou quais os que não haviam sido considerados pela entidade recorrida, e que tenderiam a demonstrar o bem fundado da sua pretensão material. Ou seja, factos directamente interligados com as exigências dos artigos 3.º e 7.º da Lei do Asilo, isto é, que se mostrassem aptos a demonstrar que o Recorrente estava conectado com actividades concretas em prol da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e que estivesse a ser, comprovadamente, perseguido por causa dessa actuação, ou tendentes a demonstrar actos concretos de perseguição contra si ou de tratamento desumano, degradante ou cruel, ou ameaça de tal, por conta das autoridades marroquinas. Mas, como temos visto, o Recorrente nada alegou nesse sentido, nem em fase administrativa, nem em fase judicial, nem, muito menos, em conclusões de recurso, pois, como já demos nota, limitou-se sempre a invocar meras generalidades e conjecturas. Deste modo, mostra-se sem erro a sentença recorrida quando julgou improcedente o vício de forma por falta de fundamentação, ou seja, de que o acto impugnado mostra-se fundamentado de facto, ainda que “per relationem”, conforme o previsto no artigo 153.º, n.º 1, do CPA. Em suma, vistas as conclusões de recurso, nenhum erro de julgamento se pode apontar à sentença recorrida, que, assim, merece inteira confirmação, mais se impondo negar provimento ao recurso. *** Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. *** Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:I - É sobre o requerente de protecção internacional que impende o ónus de alegação e prova dos motivos concretos, eivados de verosimilhança, pertinência, coerência e credibilidade, que minimamente indiciem, relativamente ao seu país de origem, o ambiente de perseguição traçado pelo artigo 3.º da Lei do Asilo (asilo) ou uma situação de violação sistemática de direitos humanos ou de ameaças, ofensas ou violência, tal como gizadas pelo artigo 7.º da mesmo Lei (protecção subsidiária). II - No caso dos autos, o Recorrente, porém, não cumpriu sob qualquer forma tal ónus, sendo que, para tal desiderato, não bastam vagas referências a ameaças, perseguição ou receio de regressar ao país de origem, sem que lhe venha acoplado a devida descrição factual minimamente circunstanciada, que, por serem de tal modo imprecisas, não consubstanciam, com certeza, razões suficientemente fortes para que possamos conceder ao ora Recorrente o direito de asilo ou de protecção subsidiária. *** V - Decisão.Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 25 de Setembro de 2025. Marcelo Mendonça – (Relator) Ana Lameira – (1.ª Adjunta) Lina Costa – (2.ª Adjunta) |