Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 41/25.5BCLSB |
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Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
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Data do Acordão: | 01/31/2025 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR JUSTIÇA DESPORTIVA PERICULUM IN MORA |
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Sumário: | ![]() |
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Nº Convencional: | |
Votação: | DECISÃO SINGULAR |
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Indicações Eventuais: | Vice-Presidente em regime de substituição da Juíza Presidente |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Decisão
[art.º41.º, n.º 7, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto1 (TAD)] I. Relatório ZZ (doravante Requerente) intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), contra a Federação de Andebol de Portugal e a VV (doravante Requeridas), uma ação, com requerimento de providência cautelar, pedindo, nesta última, que seja decretada a suspensão da remarcação do jogo n.º ……. Campeonato Nacional Sub16 Feminino – 1.ª fase – Zona 3. Indicou, como contrainteressado, o XX. Para sustentar a sua pretensão, invocou, em síntese, que a realização do jogo é suscetível de lhe causar danos morais e patrimoniais. Alega: • Quanto ao fumus boni iuris: • A remarcação do jogo n.º ……. é irregular e não elegível, de acordo com o Regulamento Geral de Provas – Secção II // Art.º 18.º (“Jogos Adiados”), uma vez que a data livre para reagendamento de jogos decorreu entre 29 e 30 de novembro 2024; • Tal adiamento atenta também contra o previsto no Regulamento Geral de Provas – Secção II // Art.º 19.º (“Jogos adiados, de repetição ou não efetuados”); • Quanto ao periculum in mora: • A hipótese de “não ficar classificado em 1.º lugar é, por si só, um prejuízo para o Clube, com reflexos na sua imagem, mediatez, patrocínios, sentimentos nos adeptos, jogadores, dirigentes, etc”; • “[A] permitir-se a realização daquele jogo, ocorrerá num momento crucial da época, onde a expectativa do clube, jogadoras, adeptos e patrocinadores é grande, existindo um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado”. II. Da intervenção do Presidente do TCAS Por despacho do Ex.mo Presidente do TAD, de 29.01.2025, foram os autos remetidos a este TCAS para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral. O mencionado despacho tem o seguinte teor: “
”. Vejamos, então, se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCAS. O art.º 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que, “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”. Como já referido, vem invocada, in casu, a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos. Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjetivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a preclusão da tutela efetiva do direito invocado, não pode senão concluir-se no sentido de que está preenchido o requisito de que depende a intervenção do Presidente do TCAS, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. art.º 41.º, n.º 7, da Lei do TAD). III. Da dispensa de audição das requeridas e do contrainteressado e da suficiência da prova junta Nos termos do art.º 41.º, n.º 5, da Lei do TAD: “A parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”. Este prazo é injuntivamente fixado, não podendo, pois, ser legalmente encurtado. Tal circunstância importa que, in casu, seja suscetível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, uma vez que a Requerente alega que a utilidade da ação cautelar impõe que se tome a decisão até ao dia 01 de fevereiro (dia de amanhã). Face ao exposto, dispensa-se a audição das Requeridas e do contrainteressado, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar. Após a análise sumária da prova junta, entende-se que nenhuma outra carece de ser produzida, sendo a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa. IV. Da Instância As partes são legítimas. O processo é o próprio. Inexistem exceções ou outras questões prévias que devam ser conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida. Fixa-se aos autos o valor de 30.000,01 Eur., atenta a natureza de valor indeterminável dos interesses em apreciação (art.º 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA). V. Fundamentação de facto V.A. Factos Provados Para a apreciação da presente providência cautelar, estão indiciariamente provados os seguintes factos: 1. O jogo da jornada ….. Campeonato Nacional Sub16 Feminino, entre o XX e o YY, foi agendado para o dia 04.10.2024 (cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento inicial). 2. O jogo mencionado em 1) foi remarcado para o dia 01.02.2025 (cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial). V.B. Factos Não Provados Não existem factos indiciariamente não provados relevantes para a apreciação. V.C. Motivação A decisão proferida sobre a matéria de facto sustenta-se na prova documental junta aos autos, conforme indicado junto a cada um dos factos. VI. Fundamentação de Direito Considera a Requerente que estão reunidos os requisitos para deferimento da presente providência. Assim, de um lado, entende que a remarcação do jogo mencionado em 1) do probatório é ilegal. Por outro lado, alega que a realização do referido jogo ocorre num momento crucial da época, onde a expectativa do clube, jogadoras, adeptos e patrocinadores é grande, existindo um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado. Vejamos, então. Nos termos do art.º 41.º da Lei do TAD: “1 - O TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. 2 - No âmbito da arbitragem necessária, a competência para decretar as providências cautelares referidas no número anterior pertence em exclusivo ao TAD. (…) 6 - O procedimento cautelar é urgente, devendo ser decidido no prazo máximo de cinco dias, após a receção do requerimento ou após a dedução da oposição ou a realização da audiência, se houver lugar a uma ou outra. (…) 9 - Ao procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil [CPC]”. Atenta, pois, a disciplina prevista no CPC nesta matéria, somos remetidos para o seu art.º 368.º, nos termos do qual: “1 - A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. 2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”. Nas palavras de Alberto dos Reis, no que concerne ao “1º requisito pede-se ao Tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança; quanto ao 2º pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1980, p. 621]. Como é pacífico na jurisprudência deste TCAS sobre a matéria, são requisitos essenciais de verificação cumulativa das providências cautelares como a presente os seguintes: a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito. Refere-se, a este propósito, na decisão deste TCAS de 20.01.2023 (Processo: 17/23.7BCLSB): “[E]sta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor. Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam. É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”. (…) A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2: “(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte; III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão; IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado; (…) VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção; (…).” O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.”. Feito este introito, cumpre apreciar. Como já se referiu, a procedência de uma providência cautelar como a presente depende da verificação cumulativa dos seus requisitos. Ora, no caso, desde logo, não se pode afirmar que esteja preenchido o periculum in mora. Explicitemos. A propósito deste pressuposto, e apelando às palavras de Vieira de Andrade [A Justiça Administrativa (Lições), 10.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 350]: “O juiz deve (…) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”. Neste contexto, cumpre salientar que, a montante, cabe ao requerente, atentas as regras gerais de distribuição do ónus da prova constantes do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, a prova da existência deste “fundado receio”, o que implica, necessariamente, que sejam invocados factos essenciais que, se indiciariamente provados, venham permitir ao Tribunal concluir pela probabilidade da constituição de uma situação de facto consumado ou pela produção de prejuízos de difícil reparação. In casu, a Requerente refere que, “a permitir-se a realização daquele jogo, ocorrerá num momento crucial da época, onde a expectativa do clube, jogadoras, adeptos e patrocinadores é grande, existindo um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” e que “[a] hipótese de o Requerente não ficar classificado em 1.º lugar é, por si só, um prejuízo para o Clube, com reflexos na sua imagem, mediatez, patrocínios, sentimentos nos adeptos, jogadores, dirigentes, etc”. A análise do alegado no requerimento inicial permite constatar, desde logo, que não foi senão formulado um juízo conclusivo, desacompanhado de qualquer densificação factual que permita sustentar tal conclusão. Ora, como já referimos, cabe, desde logo, ao Requerente o ónus de alegação dos factos essenciais que sustentam a sua pretensão. E este ónus de alegação não se basta com afirmações de cariz conclusivo como as feitas in casu [alegada constatação de que poderá vir a ter danos patrimoniais e não patrimoniais]. Com efeito, o Requerente limita-se a tecer considerações genéricas e conclusivas, desprovidas de contexto factual que as sustente e, naturalmente, sem qualquer tipo de especificação, o que não se compadece com o exigível para efeitos de aferição da existência de periculum in mora, como já explicitado supra. Que danos são esses de que fala? Qual a razão que leva a que a realização do jogo dia 01.02.2025 conduza à existência de danos que redundem em facto consumado? Nada é referido a este respeito. É essencial, num tipo de tutela excecional e urgente, como a conferida por uma providência cautelar, que tal contexto factual esteja suficientemente densificado. O que não foi feito. Por outro lado, não se pode dizer que os factos que sustentam essa conclusão sejam notórios e de conhecimento geral. Não sendo alegados factos essenciais, que cabe sempre à parte alegar (cfr. art.º 3.º, n.º 1, do CPC), e não estando nós perante qualquer situação de factos notórios, improcede necessariamente a pretensão da Requerente. Assim, e uma vez que a Requerente não cumpriu o ónus que sobre si impende, forçosamente se conclui pela não verificação do requisito do periculum in mora, dada a inexistência de alegação (e consequente prova) de factos que indiciariamente permitam concluir nesse sentido. Sendo os requisitos de procedência da providência cautelar de verificação cumulativa, a ausência do periculum in mora inelutavelmente dita o insucesso da pretensão da Requerente, pelo que resulta prejudicada a apreciação dos demais pressupostos. Vencida a Requerente, é a mesma responsável pelas custas da presente providência (art.º 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na ação principal (art.º 539.º, n.º 2, do CPC). VII. Decisão Face ao exposto, julga-se improcedente a providência cautelar requerida. Custas pela Requerente, a atender, a final, na ação principal. Registe e notifique pelo meio mais expedito, também o TAD. Lisboa, 31 de janeiro de 2025 A Vice-Presidente, em substituição da Juíza Presidente, (Tânia Meireles da Cunha)
1. Lei n.º 74/2013, de 06 de setembro.↩︎ |