| Decisão Texto Integral: | *
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
♣ I – RELATÓRIO
“M………….., Sociedade ………………e Exportação ……………, Lda.”, com demais sinais nos autos, impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 e respetivos juros compensatórios.
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O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de Maio de 2021, julgou a impugnação parcialmente improcedente.
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Inconformada com a decisão, a Fazenda Pública, ora Recorrente, interpôs recurso da mesma, na parte em que decaiu, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
“IV – CONCLUSÕES
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença, proferida em 31 de maio de 2021, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial à margem identificada, apresentada por “M…………., Sociedade ………….. Exportação ……….., L.da,”, NIF: …………., contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2003 com o n.º……………935 e juros compensatórios n.º …………..893, constantes da demonstração de compensação n.º …………240, apurando o valor a pagar de € 32.658,58.
B. Pelo que, o âmbito do presente recurso se restringe ao segmento decisório que determinou a anulação de parte do ato de liquidação adicional de IRC/2003 impugnado, na parte em que incorpora as correções, promovidas pela AT e julgadas ilegais pela sentença recorrida, ou seja, associado ao ponto 18.f da matéria de facto provada: os extratos de conta corrente e os cheques que na sua contabilidade retratariam os pagamentos correspondentes às faturas supra-discriminadas não correspondem aos valores destas, somando € 4.000,00 [sendo que o emitente também declarara serem os pagamentos feitos sobretudo em dinheiro, de acordo com a praxis do meio].
C. Por um lado, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende que foi incorretamente julgada a matéria de facto em que assenta o ponto 18.f da matéria de facto provada e em simultâneo os pontos da matéria de facto não provada, e nesse conformidade, como entendeu o Tribunal a quo está em desconformidade com o entendimento preconizado na restante decisão, que se acompanha, e em desconformidade, com os artigos 34.º a 56.º da informação oficial da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa e que integra o Processo Administrativo Tributário que se encontra junto aos autos de primeira instância e para a qual foi feita remissão no articulado de contestação apresentado, o que consubstancia erro de julgamento.
D. O Tribunal a quo desconsidera o seu entendimento quanto à restante matéria, designadamente que estamos perante operações que não correspondem à realidade, enquanto operações aparentes apenas com o jugo de permitirem a dedução de custos.
E. Importa gizar que a apreciação jurisdicional tem de considerar os sintomas de verdade numa determinada situação, em respeito pela tutela jurisdicional e verdade material, recorrendo a cânones da experiência e da comparabilidade.
F. Nessa conformidade, recorde-se que estamos perante uma contabilidade insuficiente, que não reflete ou impede o conhecimento claro e inequívoco da matéria tributável da Impugnante, o que faz cessar a presunção da veracidade da contabilidade em toda a plenitude.
G. “A importância dos sintomas da verdade reside na circunstância de indicarem ao juiz qual das hipóteses factuais em confronto corresponde à realidade, o que se mostra decisivo na reconstituição da realidade pretérita e na formação da convicção.(…) “in Prova e Formação da Convicção do Juiz, Alberto Agusto Vicente Ruço, 2ª edição, Almedina, 2019, pág.202.
H. Importa reter que do ponto 18.f dos factos provados decorre que: os extratos de conta corrente e os cheques que na sua contabilidade retratariam os pagamentos correspondentes às faturas supra-discriminadas não correspondem aos valores destas, somando €4.000,00 [sendo que o emitente também declarara serem os pagamentos feitos sobretudo em dinheiro, de acordo com a praxis do meio], sendo este ponto 18.f diretamente retirado do relatório de inspeção.
I. Logo, não compreendemos o alcance da decisão, quando o Tribunal a quo refere que não viu razões para desconsiderar os custos associados a relações com José …………………, quando estamos perante indícios de que José ……………… (e Ana ……………) emitia faturas a diferentes empresas, a troco de uma compensação económica, para que tais entidades pudessem integrá-las nas respetivas contabilidades, sem contudo lhes prestar qualquer serviço ou bem, conforme ponto 13 dos factos provados.
J. Se o Tribunal a quo não aceitou as restantes operações entre o emitente José ……………….. e a Impugnante, então jamais poderia aceitar as restantes sob apreço, referente a custos de 4.000,00€.
K. Porque o que decorre da fundamentação e conclusão da ação inspetiva, que o Tribunal a quo assenta com fundamentada, é que esses custos não podem ser aceite por estarmos perante uma contabilidade sem credibilidade e que assenta em operações que não são reais.
L. Ou seja, os elementos da contabilidade e respetiva associação a operações reais tem de ser desconsiderados em toda a linha, e apenas dessa forma, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada.
M. Face ao exposto, nenhuma ilegalidade se vislumbra na correção promovida pela Inspeção Tributária, referente ao ponto 18.f dos factos provados, pelo que, a sentença recorrida, ao decidir em sentido contrário, determinando a sua anulação quanto a esta parte, aceitando custos no valor de 4.000,00€, incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação dos normativos ínsitos no art.º 23º do CIRC, razão pela qual, a sentença recorrida, neste concreto segmento decisório, terá de ser revogada.
N. E, não se vislumbrando, conforme supra deixamos consignado, qualquer ilegalidade no ato de liquidação de IRC que vem impugnado, máxime, nas correções aritméticas que lhe subjazem, e devendo a impugnação em apreço ser julgada improcedente.
O. Finalmente, sendo a presente impugnação julgada totalmente improcedente, será a Recorrida, como parte vencida, que deverá suportar o pagamento das custas, impondo-se, portanto, também neste segmento, a reforma da sentença recorrida.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, nos concretos pontos do segmento decisório aqui sob recurso, e substituída por outra que julgue legais a totalidade das correções promovidas na ação inspetiva, que subjazem ao ato que vem impugnado, e consequentemente, determine a improcedência total da presente impugnação judicial.
Todavia,
Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!” *** Decidamente notificada a Impugnante aqui Recorrida, apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
“B - CONCLUSÕES:
I. A Recorrente Fazenda Pública constrói a sua argumentação na base de que os custos em causa «não podem ser aceites por estarmos perante uma contabilidade sem credibilidade e que assenta em operações que não são reais».
II. Porém, nem a sentença recorrida se refere à a falta de credibilidade da contabilidade da Recorrida, nem a própria AT/Fazenda Pública considerou, aquando do procedimento de inspecção tributária, que a contabilidade da Recorrida fosse uma «contabilidade sem credibilidade».
III. É que, em tal caso, e no cumprimento do princípio da legalidade, a AT/Fazenda Pública deveria ter optado pela tributação por métodos indirectos, o que, manifestamente, recusou fazer, já que entendeu haver lugar exclusivamente lugar a correcções meramente técnicas.
IV. Acresce que tal facto - «estarmos perante uma contabilidade sem credibilidade e que assenta em operações que não são reais» - não se encontra fixado na decisão recorrida, nem a Recorrente requereu, no seu recurso, o respectivo aditamento, suscitando-o de modo processualmente adequado, pelo que não poderá ser tomado em consideração pelo Tribunal ad quem.
V. Daqui resultando que a base na qual a Recorrente AT/Fazenda Pública contruiu a sua argumentação recursiva não é sustentável.
VI. Deste modo, não poderá proceder a pretensão da Recorrente de que «os elementos da contabilidade e respetiva associação a operações reais têm de ser desconsiderados em toda a linha» - Conclusões recursivas, ponto 'L'.
C - PEDIDO:
Nestes termos e nos melhores de Direito o recurso da Fazenda Pública não deverá merecer provimento, confirmando-se a sentença recorrida.”
*** Inconformada com a decisão, a Impugnante, ora Recorrente, interpôs recurso da mesma, na parte em que decaiu, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
“E - CONCLUSÕES:
I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 31-05-2021, nos autos de impugnação judicial n.º 292/10.7BELRS, que correu termos na 1.ª Unidade Orgânica daquele Tribunal
II. A agora Recorrente nunca foi notificada do teor da prova documental que consta no processo administrativo, ficando por tal facto impedida de pronunciar-se, contraditar e/ou impugnar as respectivas validade e autenticidade formal e substantiva, com flagrante violação do princípio do contraditório.
III. A isto acresce que ali consta prova relevante, já que foi expressamente determinadora da convicção do julgador para a fixação da matéria de facto - e daí a respectiva referência explícita na motivação da decisão de facto.
IV. Desde a Lei Geral Tributária que o processo judicial tributário é um processo de partes, enformado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade entre as partes processuais, daqui decorrendo que cabe às partes processuais, entre outros, o ónus de apresentar as provas dos factos por si alegados ou as respeitantes aos factos de que o Tribunal conhece, mesmo na falta de contestação da Fazenda Pública.
V. Ou seja, a lei permite - dir-se-ia que impõe - ao Tribunal que, mesmo no caso de absoluta inacção da Fazenda Pública, confronte os factos alegados pelo Impugnante e os factos relativos à Fazenda Pública - para além dos casos de conhecimento oficioso - com os factos que constam do “processo administrativo”.
VI. Mas se assim é, então os elementos contidos e os factos que resultam do processo administrativo não só são factos processualmente relevantes, como têm a natureza de prova e, por virtude do princípio do contraditório, têm incontornavelmente de ser integralmente notificados ao Impugnante.
VII. Acresce, de resto, que constituindo os elementos constantes do “processo administrativo”, elementos probatórios apresentados pela parte processual Fazenda Pública,16 deveria esta ter dado cabal cumprimento ao disposto no artigo 148.º (anterior 152.º), do Código de Processo Civil, o que esta não fez.
VIII. Acresce ainda que, se porventura se entendesse que o “processo administrativo” possui a natureza jurídica de “informações oficiais” . artigo 111º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, outra não poderia ser a solução, já que não só as informações oficiais têm igualmente valor probatório, como é obrigatória a notificação do «teor das informações oficiais» - cft. artigo 115º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
IX. O incumprimento da notificação do processo administrativo é passível de influir no exame da causa, assim como na decisão a proferir, tal como o demonstra o facto de o processo administrativo ser referido na sentença sob censura como tendo contribuído para a motivação da decisão da matéria de facto, constituindo tal falta de notificação a omissão de um acto exigido por lei que - sendo susceptível de influir no exame ou na decisão da causa - constitui nulidade sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º e 199.º, do CPC.
X. Assim, tem a Recorrente, o direito de ser notificada, não da junção do processo administrativo aos autos ou de uma selecção dos documentos deste que lhe são notificados, mas sim da totalidade dos elementos de prova juntos aos autos, para mais, juntos pela contraparte processual, para que lhe seja possível exercer adequadamente o respectivo direito de contraditório.
XI. Nada obsta a que esta nulidade seja suscitada em sede de recurso, já que, uma vez que a nulidade não estava sanada quando foi proferida a sentença recorrida, esta acabou por lhe dar cobertura, embora de forma 16 O facto de a junção do processo administrativo constituir um dever legal e não apenas um ónus, em nada muda a natureza dos elementos de prova que aquele processo contém. implícita, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua .
XII. Verificou-se deste modo nulidade no processo judicial tributário, por violação dos princípios da igualdade processual, da imparcialidade, da descoberta da verdade material e do contraditório, dos artigos 3º, 148.º (anterior 152.º) e 439.º, todos do Código de Processo Civil, 13º e 115º, nº 3, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 20.º, da Constituição, pelo que deverá a sentença sob recurso ser revogada, determinando-se a notificação, à agora Recorrente, da cópia integral do processo administrativo tributário.
XIII. A Recorrente impugna a matéria que consta no primeiro segmento do número 5) e por consequência, a matéria que consta no ponto 18, alínea c), último segmento, ambos do probatório.
XIV. Decorre dos depoimentos testemunhais que os serviços prestados por José …………………. à Recorrente no ano de 2003 tiveram uma cadência regular, não sendo pontuais ou prestados diversas vezes.
XV. Num contexto em que a sentença recorrida considerou que as facturas em causa seriam simuladas, por não corresponderem a operações reais - facto 17, segmento final e fls. 23 e 24 .pdf da sentença sob recurso17 -considera a Recorrente ser essencial que fique a constar dos autos como provado de que José ………………… prestou à Recorrente no ano de 2003 de modo regular e continuado - e não apenas «por diversas vezes».
XVI. E tal facto decorre claramente do depoimento testemunhal indicado no artigo 48, das alegações - depoimentos relativamente ao quais, como se afirma na douta sentença em recurso, «o Tribunal não teve dúvida de que narravam com verdade o que sabiam, tendo nelas acreditado»
XVII. Assim, a Recorrida entende que a redacção do n.º 5 do probatório deverá ser a seguinte: Assim, nesse contexto e para esse fim a 17 Na sentença, não se descortina, no probatório, a descrição da concreta fundamentação do acto impugnado, bem como qual foi a concreta fundamentação aceite pelo Tribunal para a desconsideração das facturas em causa como custo para efeitos de IRC. Impugnante contratou, nomeadamente nos inícios do séc.XXI, em particular no ano de 2003, José ……………, que nessa época prestou serviços à Impugnante, de modo regular e continuado, como cortador de madeira em matas, fosse de matas que “comprava” - no sentido já precisado -, fosse de matas “compradas” por outros, como a Impugnante.
XVIII. Concomitantemente - e para o caso de se entender que o que consta no ponto 18, alínea c), último segmento, do probatório constitui factualidade provada, tal alínea deverá ser eliminada do probatório.
XIX. Caso se entenda que tal ponto contém apenas a descrição do que constou no relatório final do procedimento de inspecção tributária -, deverá então ser suprimida do referido ponto a palavra "ocasionalmente".
XX. A Recorrente impugna a matéria que consta nos pontos 13), 14) e 29), do probatório.
XXI. Ali refere a sentença recorrida que «sucedeu que perante a Guarda Nacional Republicana foi feita uma denúncia de que José ………………. (e Ana ………………) emitia faturas a diferentes empresas, a troco de uma compensação económica, para que tais entidades pudessem integrá-las nas respetivas contabilidades, sem contudo lhes prestar qualquer serviço ou bem» - ponto 13) -, que «com base nessa denúncia foi instaurado um processo crime, a que no Tribunal Judicial da comarca do Cadaval veio a caber o nuipc262/04.4GDCTX» - ponto 14) - e que «a Impugnante, como o seu sócio gerente Jorge ………………… e José ………………….., viria a ser acusada e julgada no processo penal mencionado no ponto 14., então já classificado como comum singular, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, por factos contendendo em suma com a inserção das faturas supra discriminadas, e de outras mais relativas a outros exercícios, na contabilidade da Impugnante, tendo sido todos absolvidos por sentença de 28 de novembro de 2013» - ponto 29).
XXII. Inexistem nos autos e não foram notificados à aqui Recorrente, elementos documentais que permitam suportar os factos dados como provados constantes dos referidos três pontos do probatório, sendo que a referência a alguns desses elementos, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não é apta a fundar um juízo judicial sobre os referidos factos, antes os factos que constam de um processo judicial são, por natureza, comprovados por certidão do processo, não sendo suficiente mera 'informação' de uma das partes envolvidas no presente litígio, pelo que, assim sendo, não podem tais factos serem considerados provados. XXIII.
XXIII. A relevância dos factos impugnados foi essencial para a formação da decisão recorrida, na parte relativa ao invocado vício de caducidade do direito à liquidação.
XXIV. A Recorrente impugna a matéria que consta no ponto 15) do probatório, onde se refere que «nessa sequência seriam instauradas também inspeções tributárias, pelos competentes serviços da Administração Tributária, aos destinatários dessa faturação, ou pelo menos à Impugnante».
XXV. Tal como se encontra fixado, este facto não é suficiente para fundar a decisão agora impugnada, já que a expressão «dessa facturação» é de tal modo genérica que constitui, no mínimo, uma expressão passe partout que não permite individualizar quais facturas em concreto estão em causa e foram consideradas na sentença recorrida.
XXVI. Ora, como se verá adiante, a suspensão do prazo de caducidade, a admitir-se, respeita e limita-se necessariamente ao imposto relativo a tais facturas e não a todo o exercício do sujeito passivo, pelo que a ausência da individualização de quais as facturas em causa no processo-crime não consente o facto impugnado.
XXVII. É que, se as concretas facturas em causa neste ponto do probatório são, hipoteticamente, as facturas sob investigação criminal no inquérito nº 262/04.4GDCTX, então não existem nos autos ou não foram notificados quaisquer documentos que comprovem suficientemente - quer formal, quer materialmente - quais foram essas concretas facturas.
XXVIII. Ora, uma vez que a sentença não fixou os factos concretos que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, verifica-se um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o referido preceito.
XXIX. Pelo que se verifica que não só o facto em causa não pode, tal como está, ser dado como provado, como existe igualmente um claro défice instrutório no apuramento do facto aqui impugnado.
XXX. A isto acrescendo, ainda, que a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LGT - no pressuposto hipotético de que se aplicaria à situação dos autos -, só ocorre se o acto de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, o que não se encontra comprovado nos autos.
XXXI. A Recorrente impugna a matéria de facto dada como não provada, que consta no n.º 4, do probatório, onde é referido «que para além desses pagamentos, no mais as quatro faturas mencionadas na matéria de facto provada hajam sido pagas, nomeadamente em numerário, pela Impugnante».
XXXII. Com efeito, estando em causa nos presentes autos, a consideração das facturas como custos para efeitos fiscais, ou seja, para efeitos de IRC - e apenas para efeitos deste imposto -, será irrelevante saber se as facturas foram pagas ou não, já que, em matéria de IRC, relevante para o apuramento do custo é a factura e não o respectivo pagamento.
XXXIII. Deste modo, a Recorrente impugna a selecção deste facto como relevante para a boa decisão da causa e entende dever este ser eliminado do probatório.
XXXIV. Contudo, para o caso de se entender que a prova do pagamento das facturas é relevante para se apurar a existência do custo representado nas facturas, a Recorrente entende que o pagamento deverá ser dado como provado, com fundamento na prova testemunhal produzida, de acordo com os que é referido no ponto 73 das alegações.
XXXV. Os referidos depoimentos comprovam que era norma que José Luís Branco Gomes fosse habitualmente pago em dinheiro pela Recorrente, sendo aquele que o exigia desta, e que tal procedimento é compatível com os serviços prestados por aquele e descritos nas facturas em causa.
XXXVI. Pelo que o facto impugnado deverá ser retirado do probatório ou, em alternativa, ser substituído pelo seguinte facto, a dar como provado: Era norma que José …………………… fosse habitualmente pago em dinheiro pela Impugnante, a instâncias daquele, sendo tal procedimento compatível com os serviços prestados por aquele e descritos nas facturas em causa.
XXXVII. Entende a Recorrente que deverão ser aditados os seguintes factos, à matéria de facto provada:
XXXVIII. Facto 'A', A ADITAR - Para prestar os serviços à Impugnante, José ………………. apresentava-se sempre acompanhado dos seus trabalhadores, cerca de dez, pelo menos.
XXXIX. Este facto decorre dos depoimentos testemunhais referidos no ponto 78, das alegações.
XL. A fixação deste facto é relevante, uma vez que, para desconsiderar os custos representados pelas facturas em causa, a sentença recorrida refere «a grandeza das contraprestações inscritas nas faturas emitidas por José ……………….., que se revelaram sem correspondência com aquela que seria a sua capacidade de trabalho» - fls. 17 .pdf da sentença e «a falta de capacidade de o emitente exercer um trabalho com a magnitude constante das faturas e com a dimensão financeira nelas inscrita, porque sem meios materiais ou humanos para tanto, por uma parte, militou no sentido da desconsideração da faturação» - fls. 22 .pdf da sentença,
XLI. E é igualmente relevante porque o relatório final do procedimento de inspecção tributária, que consta transcrito na sentença recorrida, a fls. 18 .pdf, concluiu que «os valores nelas inscritos não eram verdadeiros, pois que era só ele [José ………………..] [e sua mulher] a trabalhar».
XLII. Facto 'B', A ADITAR - A fundamentação do acto, quanto a IRC, foi a seguinte:
« Texto no original»
XLIII. Este facto decorre do relatório final do procedimento de inspecção tributária, fls. 8, junto aos autos pela Recorrente com a apresentação da p.i.
XLIV. O aditamento de qual a fundamentação do acto tributário impugnado é relevante para a boa decisão da causa, uma vez que é esta que delimita a discussão nos autos e apenas assim será possível decidir sobre o bem fundado da prática do acto tributário.
XLV. FACTO 'C'.
A ADITAR - Era comum não haver contratos escritos.
XLVI. Este facto decorre do depoimento da 1.ª Testemunha, referido no ponto 85, das alegações.
XLVII. O aditamento deste facto é relevante para a boa decisão da causa, porque a inexistência de contratos escritos foi entendido como um indício de simulação, tendo a sentença sob recurso recebido, no probatório, o seguinte facto, constante do relatório final do procedimento de inspecção tributária: «inexistem contratos [documentados], na documentação de suporte da Impugnante, sobre as operações inscritas nas faturas» - probatório, ponto 18, alínea e).
XLVIII. Verifica-se erro de julgamento quanto à caducidade do direito à liquidação, pois a sentença recorrida entendeu ser aplicável à situação dos presentes autos o n.º 5, do art.º 45.º, da LGT - introduzida pelo artº 57º nº 1, da Lei nº 60-A/2005, de 31-12 -, razão pela qual, no entender da sentença recorrida, a caducidade do direito à liquidação não ocorreu.
XLIX. Contudo, a sentença sob recurso deixou por dilucidar uma questão de primordial importância, a saber: o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, ocorre sempre que o direito à liquidação do tributo respeite a quaisquer factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal?
L. Entende a Recorrente que, para que ocorra o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, se torna necessário que o acto de liquidação e a investigação criminal se refiram não só aos mesmos factos, como também se refiram aos mesmo sujeitos, isto é, a LGT exige uma dupla identidade: dos factos e do agente.
LI. Isto é assim, desde logo porque, constituindo o prazo de caducidade do direito à liquidação uma garantia do contribuinte, o não preenchimento de tais requisitos, (identidade dos factos e identidade do agente) levaria a que o alargamento do prazo do direito de liquidação ficasse numa situação de indefinição tal que viola o princípio constitucional da segurança jurídica.
LII. E esta interpretação é a que melhor se enquadra na unidade do sistema jurídico e tem correspondência com a letra da lei já que o inquérito criminal, a que o n.º 5 do artigo 45.º da LGT se refere, só pode ser interpretado na medida em que o inquérito criminal tem como objecto a averiguação de factos que são também factos atinentes à liquidação cujo prazo para o exercício de tal direito por parte da Administração tributária fica assim alargado.
LIII. Ora, em tal sendo, não constando dos autos se contra a aqui Recorrente e pelos mesmos factos, correu inquérito criminal, não poderia a sentença recorrida ter decidido como decidiu e
LIV. Bem diversamente, haveria que ter-se concluído, em face do probatório, que o prazo de caducidade alargado, a que se refere o artigo 45.º, n.º 5, da LGT, é inaplicável no caso dos presentes autos e, em consequência, deveria ter sido dada como provada a caducidade do direito à liquidação impugnada e, por conseguinte, anulada a liquidação em causa.
LV. Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o artigo 45.º, n.º 5, da LGT,
LVI. Ocorreu erro de julgamento quanto à falta de fundamentação da liquidação de IRC, já que a sentença sob recurso entendeu que, tendo a Recorrente sido notificada do relatório final do procedimento de inspecção tributária, se considera notificada da fundamentação do acto impugnado.
LVII. A Recorrente recebeu uma nota de liquidação, mas nada mais, em especial, não recebeu uma fundamentação expressa, clara e unívoca, relacionada com a liquidação aqui colocada em crise.
LVIII. Com efeito, o documento que corporizou o acto impugnado e que foi notificado à agora Recorrente não contém sequer a remissão para aquele relatório do procedimento de inspecção tributária.
LVIX. E a verdade é que a fundamentação da liquidação, enquanto acto administrativo, tem que ser explícita, não bastando que resulte implicitamente do procedimento administrativo e de eventuais actos preparatórios da liquidação, pois a fundamentação por remissão é, ainda, uma fundamentação expressa.
LX. Não consentindo a Lei a fundamentação implícita do acto administrativo - que o acto tributário também é.
LXI. Deste modo - e salvo o devido respeito -, o que a sentença recorrida pareceu entender foi que a fundamentação da liquidação se basta com uma fundamentação meramente implícita no relatório final do procedimento de inspecção tributária,
LXII. Na ausência de fundamentação expressa do acto impugnado, ainda que por remissão, fica demonstrada a preterição de formalidades que determinam a anulação do acto tributário em causa, designadamente, por violação do preceituado no artigo 268.°, n.° 3, da CRP e do artigo 77.°, da LGT, pelo que a sentença sob recurso violou as citadas normas, devendo, em consequência ser revogada a sentença e determinada a anulação do acto impugnado.
LXIII. Por fim, ocorreu erro de julgamento quanto à ilegalidade do acto de liquidação, já que, nesta parte da sentença, entendeu o Tribunal não se verificar qualquer ilegalidade na liquidação impugnada, com os seguintes fundamentos: «Os fundamentos para tanto eficientes foram recolhidos na própria ação inspetiva externa, na verificação da contabilidade da Impugnante e nos contributos para a sua colmatação que esta não deu. Assim, in casu, a falta de capacidade de o emitente exercer um trabalho com a magnitude constante das faturas e com a dimensão financeira nelas inscrita, porque sem meios materiais ou humanos para tanto, por uma parte, militou no sentido da desconsideração da faturação. E, por outra parte, como que corroborando essa impossibilidade prática e a suspeita que levanta, o caráter lacunoso dos correspondentes pagamentos e a fragmentação e inconsistência dos indicados pela Impugnante. É com base nestes dois fundamentos, ou a partir deles, que a ação inspetiva desconsidera os custos insertos nas faturas, sob a congruente conclusão de insubsistência das operações a que se referem»- Sentença, fls. 22 .pdf.
LXIV. Contudo - e ressalvado o devido respeito -, não entende a Recorrente que tenham sido esses os fundamentos da liquidação.
LXV. É que a fundamentação da liquidação encontrou pressuposto no facto de o emitente ter declarado «não ter capacidade para prestar serviços nos montantes efectuados» e na putativa impossibilidade de o sujeito passivo comprovar «que as operações foram efectivamente efectuadas» (sic) - relatório final do procedimento de inspecção tributária, fls. 8.
LXVI. Ora, o certo é que, quanto à alegada incapacidade de José …………….. prestar os serviços em causa, os factos que constam dos presentes autos indiciam que, contrariamente às alegações por este prestadas, o referido José L…………………. claramente mantinha uma estrutura empresarial com dezenas de trabalhadores, os quais geria e que para ele trabalhavam e que a utilizava para prestar serviços à Recorrente, de modo regular e continuado.
LXVII. Por outro lado, não é possível descortinar na sentença recorrida quais os critérios, quais os cálculos e quais os factos em que assentou a conclusão sobre «a grandeza das contraprestações inscritas nas faturas emitidas por José ………………., que se revelaram sem correspondência com aquela que seria a sua capacidade de trabalho» - Sentença, fls. 17 .pdf, pois o que resulta provado é que, quer pelo carácter regular e continuado da prestação de serviços, quer pela estrutura empresarial que mantinha e geria, o referido ……………………. tinha capacidade para prestar os serviços em causa nos autos.
LXVIII. Por fim, decorre claramente dos depoimentos testemunhais prestados e considerados credíveis pela sentença recorrida, a substancialidade das operações em causa.
LXIX. Ora, assim sendo, caem por terra os fundamentos, quer da AT, em sede de inspecção tributária, quer do Tribunal ad quo, quanto aos indícios de eventual simulação nas facturas em causa.
LXX. Posto isto, é indiscutível que a AT não cumpriu o ónus da prova dos pressupostos constitutivos do direito a efectuar correcções, imposto pelo artigo 74.º n.º 1 da LGT.
LXXI. Porquanto o único e singelo facto em que a AT se alicerçou para proceder às correcções que resultaram no acto de liquidação impugnado foi, tão-somente, o depoimento do emitente das facturas - depoimento esse, de resto, que jamais a Recorrente e o Tribunal tiveram oportunidade de contraditar ou (in)validar.
LXXII. E assim, ao considerar que a AT cumpriu o ónus da prova a que estava obrigada dos pressupostos constitutivos do direito a efectuar correcções, violou o Tribunal a quo o princípio da legalidade em sentido material e, bem assim, o art.º 74.º n.º 1 e 3 da LGT.
LXIII. Não vislumbra a Recorrente razão atendível para que as declarações de um arguido num processo-crime tenham sido valoradas contra tudo - incluindo a presunção de veracidade das declarações de um sujeito passivo cumpridor - e contra todos - incluindo as testemunhas.
LXXIV. Também não deve surpreender a discrepância entre o valor global dos cheques emitidos à ordem do referido arguido e o valor dos serviços prestados, pois, como sempre foi dito pela agora Recorrente - e os depoimentos testemunhais confirmaram -, o referido arguido, José ………………, pretendia receber predominantemente em numerário.
LXXV. E sobre evidências de contratos, resulta igualmente dos factos provados que era comum não haver contratos escritos.
LXXVI. Em suma, os factos relevados pela sentença sob recurso, como suficientes para fundar a decisão de correcção do lucro tributável, não constituem prova nem suficiente nem segura que revele indícios de que as operações tituladas pelas facturas não foram efectivamente realizadas.
LXXVII. Deveria a sentença recorrida ter considerado caber à AT «o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação ao abrigo do art. 23º do CIRC e se não conseguir fazer essa prova, designadamente se não provar a realidade dos elementos em que apoiou o seu juízo quanto à inexistência dos custos ou se não provar a adequação entre esses elementos e o juízo que formulou, a questão relativa à legalidade do seu agir terá que ser resolvida contra ela».18
LXXVIII. Não o tendo feito, deverá ser revogada, por violação do artigo 75.° n.° 1 da LGT e do artigo 23.º, do Código do IRC.
LXXIX. Por fim, diga-se que, tal como consta no ponto 29 do probatório, «A Impugnante, como o seu sócio gerente Jorge ………………. e José ……………. ……….., viria a ser acusada e julgada no processo penal mencionado no ponto 14., então já classificado como comum singular, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, por factos contendendo em suma com a inserção das faturas supra- discriminadas, e de outras mais relativas a outros exercícios, na contabilidade da Impugnante, tendo sido todos absolvidos por sentença de 28 de novembro de 2013», o que significa que que, no âmbito do processo-crime, se concluiu pela inexistência de simulação e do crime de fraude fiscal pela utilização de facturas falsas.
LXXX. A falsidade das facturas em causa constituiu o fundamento no qual a AT alicerçou a consideração da inexistência dos serviços facturados e procedeu à correcção do lucro tributável da recorrente e subsequente liquidação de IRC, mas a verdade é que se ficou considerado que as referidas facturas não são susceptíveis de tipificar um crime fiscal cometido mediante a utilização de facturas falsas, o fundamento nuclear das correcções efectivadas pela AT e consequente liquidação objecto dos autos deixa de existir, sendo certo que o acto tributário vale pela fundamentação que incorpora.
LXXXI. E, por isso, o acto impugnado está ferido de ilegalidade por erro nos seus pressupostos de facto, uma vez que considerou que as facturas titulavam operações simuladas com base, unicamente, nas declarações de José ………………….
LXXXII. Em sentido inverso a Recorrente produziu prova, nestes autos, do pagamento das facturas e do circuito e meios de pagamento, em 18 Acórdão nº 01098/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, de 16 Novembro 2004, disponível em http://www.dgsi.pt. especial apresentando testemunhas que corroboraram esses circuito e pagamentos e a efectiva prestação dos serviços e às quais o Tribunal atribuiu elevada credibilidade.
LXXXIII. Donde, ser de concluir, tal como no referido processo-crime, que não existem indícios que a facturação em causa corresponder a serviços não prestados, tendo a Recorrente logrado demonstrar a materialidade das operações em causa.
LXXXIV. E assim sendo, a liquidação em causa padece de erro nos pressupostos de facto, vício que determina a sua anulação, e concomitantemente, de vício de violação de lei, por indevida aplicação da norma de incidência em sede de IRC, determinada por esse erro de facto cometido pela IT, ao considerar que as facturas em causa não titulavam operações reais e que, como tal, ocorria infracção ao disposto nos artigos 23.º e 42.º, n.º 1, al. g), ambos do Código do IRC, normas estas violadas, a par do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, pela sentença sob recurso.
LXXXV. O que deve conduzir à revogação da sentença sob recorrida e à anulação da liquidação.
LXXXVI. A sentença recorrida, entendeu, no que se refere à liquidação de juros compensatórios, que esta se encontrava devidamente fundamentada.
LXXXVII. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que: «São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».
LXXXVIII. A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (artigo 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.
LXXXIX. Ou seja, a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa por parte do contribuinte.
XC. Ora, da inexistência de referência a juros compensatórios no referido relatório - que, recorde-se, foi considerado pela sentença como fundamentador das liquidações impugnadas - , resulta não ser possível saber-se se a AT entendeu que a responsabilidade por juros compensatórios é automática, decorrendo do próprio facto de terem sido efectuadas correcções, ou se formulou um juízo de censura em relação à actuação da Impugnante, susceptível de preencher o requisito da imputabilidade, situação em que a fundamentação deveria conter indicação dos factos subjacentes a esse juízo de censura.
XCI. E contendo o artigo 35.º da LGT várias situações em que pode fundar-se a liquidação de juros compensatórios, uma fundamentação expressa e suficiente exigiria que se indicasse em qual segmento daquele artigo se entendeu enquadrar-se a actuação da Impugnante, sendo que, em qualquer caso, ocorreria falta de fundamentação relativa à verificação de todos os requisitos previstos no artigo 35.º, n.º 1, da LGT.
XCII. Pelo que a liquidação de juros compensatórios em causa é ilegal, devendo a sentença recorrida ser revogada nesta parte, por violação do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, anulando-se a liquidação de juros compensatórios.
F - PEDIDO:
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê provimento à pretensão da Recorrente, tudo o mais com as consequências legais.”
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
Recurso da Fazenda Pública:
- Saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto na fixação do facto 18f., bem como na fixação dos factos não provados.
Recurso da Impugnante:
- Saber se ocorreu violação do princípio do contraditório por não ter sido notificado do teor concreto do processo instrutor, o que origina uma nulidade processual;
- Saber se a sentença enferma de erro de julgamento de facto;
- Saber se está verificada a caducidade do direito à liquidação;
- Saber se a liquidação se encontra devidamente fundamentada:
- Errou no julgamento de Direito ao ter considerado como não relevantes os custos das facturas desconsideradas;
- Saber se a liquidação dos juros se encontra fundamentada.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“1. A Impugnante, M……………, Sociedade …………………. ……………., L.da, iniciou a sua atividade no ano de 1982, dedicando-se ao comércio por grosso de madeira em bruto, bem como ao de produtos dela derivados [enquadrada sob o CAE 046731] e, designadamente nos anos de 2002 e 2003, esteve enquadrada no regime geral do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
2. A atividade da Impugnante consistia principalmente na “compra” de matas – i. e., comprava madeira, pinheiros e, sobretudo, eucaliptos ainda implantados nas matas, mas também já nelas cortados – para vender à indústria de celulose, sendo um dos fornecedores diretos do conjunto restrito de fornecedores de madeira para papel da P………….., em Setúbal – hoje The N………… Company – paralelamente, a Impugnante também introduzia na P................. madeira de pequenos silvicultores, como se fosse sua, acertando depois contas com eles.
3. Para a sua atividade a Impugnante efetuava quase exclusivamente a rechega e o transporte da madeira das matas para os locais da indústria de celulose, para o que tinha máquinas de rechega, manobradores dessas máquinas, bem como uma pequena frota de camiões – não exatamente determinada, mas de cerca de 3 a 7 pelo ano de 2003 –, bem como dispunha de motoristas ao seu serviço, para os conduzirem.
4. Já para o corte da madeira, quando comprava ainda as árvores, a Impugnante servia-se da contratação de terceiros para lhe efetuarem esse serviço, tendo estes os seus trabalhadores.
5. Assim, nesse contexto e para esse fim a Impugnante contratou diversas vezes, nomeadamente nos inícios do séc.XXI, em particular no ano de 2003, ………………., que nessa época trabalhou como cortador de madeira em matas, fosse de matas que “comprava” – no sentido já precisado –, fosse de matas “compradas” por outros, como a Impugnante.
6. Para o efeito ele dispunha de motosserras e de carrinhas para transporte dos trabalhadores ocasionais de que se socorria, desempenhando por si e/ou por intermédio daqueles o corte das árvores, conforme necessário, não executando nem o trabalho de rechega, nem muito menos o de transporte da madeira para os locais de transformação.
7. A Impugnante acordava com ele, para aquele trabalho, o preço que lhe pagaria por cada estere [ou metro cúbico] de madeira que ele lhe cortasse.
8. Nesses contextos, a Impugnante emitia uma guia de transporte considerando uma medição estimada ou menos rigorosa da carga de cada camião, que era depois de novo medida pela P................. por imersão, aquando da receção e descarga da madeira nas suas instalações.
9. Era com base nesta medição da P................. que a Impugnante era paga por aquela e era com base nela que, por sua vez, procedia aos pagamentos a que se tinha obrigado, nomeadamente, a quem lhe havia feito o corte da madeira, como sucedia com o referido José …………...
10. A Impugnante procedia por regra aos pagamentos no final de cada mês ou semana (ou até às vezes, ao dia) a cada um daqueles que contratava para o corte das árvores, mas não raro tinha de proceder a acertos de contas no final de cada mês, considerando as quantias que lhes adiantara já por conta do pagamento final do serviço de corte que lhe era prestado.
11. Com efeito, amiudadas vezes quem contratava para o corte da madeira pedia-lhe adiantamentos – fosse para proceder ao pagamento de jornas, no próprio dia do trabalho, aos respetivos trabalhadores, fosse para a aquisição de combustível, etc. –, processando-se estes adiantamentos em numerário e sem formalidades, apenas com anotações manuais e pagamentos extraídos de caixa, muitas vezes nos próprios locais onde se procedia aos trabalhos de corte.
12. Assim, os adiantamentos ficavam sem outro documento comprovativo, além de notas e apontamentos internos e informais.
13. Sucedeu que perante a Guarda Nacional Republicana foi feita uma denúncia de que José ……………….. (e Ana ………………..) emitia faturas a diferentes empresas, a troco de uma compensação económica, para que tais entidades pudessem integrá-las nas respetivas contabilidades, sem, contudo lhes prestar qualquer serviço ou bem.
14. Com base nessa denúncia foi instaurado um processo crime, a que no Tribunal Judicial da comarca do Cadaval veio a caber o nuipc262/04.4GDCTX.
15. Nessa sequência seriam instauradas também inspeções tributárias, pelos competentes serviços da Administração Tributária, aos destinatários dessa faturação, ou pelo menos à Impugnante.
16. Assim, a Impugnante viria a ser objeto de uma ação inspetiva externa que abarcou tanto o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas como o Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativa àqueles seus exercícios [ordens de serviço n.osOI20090372901073 e OI200903730, de 21 de maio de 2009], iniciada a 2 de junho de 2009 e concluída a 10 de julho seguinte.
17. No respetivo relatório final, de 31 de agosto de 2009, concluiu-se, quanto às faturas de 2003, que se referiam à aquisição de serviços ao referido José ……………… pela Impugnante e inscritas na sua contabilidade desse exercício:
nº15, de 21VII2003, no valor de €40.504,27 - inclui IVA no valor de €6.467,07 – base tributável: €34.037,20 [documento interno 30428] – com o seguinte descritivo: «2658m3 de madeira de eucalipto, com casca: €9.037,20; venda de uma mata de pinheiros e eucaliptos em Vale Arre (Pedralva): €25.000,00»;
nº16, de 25VIII2003, no valor de €9.534,88 - inclui IVA no valor de €1.522,38 – base tributável: €8.012,50 [documento interno 30502] – com o seguinte descritivo: «venda de uma mata de pinheiros: €4.500,00; 140,5m3 de madeira de eucalipto, com casca: €3.512,50»;
nº17, de 29IX2003, no valor de €12.473,60 - inclui IVA no valor de €1.99160 – base tributável: €10.482,00 [documento interno 30576] – com o seguinte descritivo: «120,3[m3 ?] de madeira de eucalipto, com casca, ao preço de €44,00: €5.293,20; 150,4m3 de madeira de eucalipto, com casca, ao preço de €34,50: €5.188,80»;
nº19, de 7XII2003, no valor de €35.700,00 - inclui IVA no valor de €5.700,00 – base tributável: €30.000,00 [documento interno 30772] – com o seguinte descritivo: «venda de uma mata de eucaliptos e pinheiros: €30.000,00», que a todas faleciam reais operações entre o seu emitente e a Impugnante, que tivessem de facto sido realizadas, com os inerentes custos para esta, que delas constavam.
18. Para tanto concluir, a ação inspetiva elencou e verteu no relatório a seguinte factualidade:
a. o emitente das faturas estivera coletado apenas em 1-2 de março de 1997 [pela atividade de exploração florestal, CAE 024400], sem nunca ter apresentado quaisquer declarações para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – salvo a respeito de 2002, em que declarou, no âmbito deste último tributo, proveitos no valor de €6.185,09;
b. constava a sua indiciação por emissão de faturas sobre operações inexistentes, sobre o que versava o processo referido no ponto 14.;
c. nesse processo ele declarara já que a sua atividade efetiva fora a de corte de árvores com motosserra, que exerceu até 2005, ocasionalmente;
d. reconhecera ali as faturas como sendo da sua emissão [entre elas as supra-discriminadas], mas que os valores nelas inscritos não eram verdadeiros, pois que era só ele [e sua mulher] a trabalhar e, e. f. portanto, por tal trabalho o pagamento correspondente oscilaria mensalmente entre €1.750,00 e €2.000,00;
e. inexistem contratos [documentados], na documentação de suporte da Impugnante, sobre as operações inscritas nas faturas; [e, por outra parte,]
f. os extratos de conta corrente e os cheques que na sua contabilidade retratariam os pagamentos correspondentes às faturas supra-discriminadas não correspondem aos valores destas, somando €4.000,00 [sendo que o emitente também declarara serem os pagamentos feitos sobretudo em dinheiro, de acordo com a praxis do meio].
19. Assim, no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas propôs-se naquele relatório fossem as faturas desconsideradas como documentando os custos nelas inscritos, vertidos na contabilidade da Impugnante e na sua declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 2003, pois não se mostrava ter substância o ali documentado, pelo que os serviços inspetivos propuseram que, nesse conspecto, acrescesse o respetivo valor global base do preço do serviço nelas inscrito, €82.531,70, ao lucro tributável que originalmente havia sido declarado pela Impugnante.
20. Tais conclusões seriam aprovadas por despacho de 3 de setembro de 2009, sendo laborado documento de correção.
21. Do relatório e sua aprovação foi a Impugnante notificada, por ofício de dia 8 desse mês, no qual se lhe dizia ficar notificada, «nos termos do art.77º da LGT [Lei Geral Tributária] e do art.62º do RCPIT [Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária] do Relatório de Inspeção Tributária […][e] das correções meramente aritméticas efetuadas à matéria tributável e/ou imposto […]. A breve prazo os serviços da DGCI [Direção-Geral (das Contribuições e) dos Impostos] procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. § Da presente notificação [sic] e [da] respetiva fundamentação [ora notificada] não cabe reclamação ou impugnação.»
22. A Administração Tributária elaboraria à Impugnante, no dia 21 de setembro de 2009, uma liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, respeitante ao seu exercício de 2003, com o nº[………..]………..935 sobre a originalmente elaborada, agora com:
uma matéria coletável corrigida, de €145.254,58 (e não de €60.722,88, que a oportunamente); originando uma Impugnante declara
uma coleta de €43.576,37 (e não a de €18.816,86, da declaração da Impugnante);
23. A liquidação determinou uma dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de €30.004,37, bem como derrama de €4.357,64 (e não a derrama de €1.881,69, como na declaração da Impugnante).
24. Paralelamente, a Administração Tributária elaborou igualmente a liquidação de juros compensatórios conexa, com o nº[………]………893, nos seguintes termos:
período: 1 de junho de 2004 a 1 de setembro de 2009; valor base: €18.377,63, à taxa de 4%;
montante de juros: €3.864,84.
25. E mais elaborou a liquidação de juros compensatórios conexa, relativa a pagamento especial por conta, com o nº[……….]……..892, nos seguintes termos:
período: 22 de março de 2005 a 1 de setembro de 2009;
valor base: €8.693,88, à taxa de 4%;
montante de juros: €1.548,22.
26. As dívidas de imposto e de juros, sob compensação com a liquidação de imposto originária, com o nº[…….]………….377, determinaram – pela compensação nº(………..)………..240, 7 de outubro de 2009 – uma dívida global de €32.658,58, com prazo de pagamento com termo a 16 de novembro de 2009.
27. Não tendo sido paga a dívida referida no ponto anterior, no dia 7 de dezembro de 2009 foi no Serviço de Finanças de Torres Vedras instaurada a execução nº…………175, visando a sua cobrança coerciva e a do seu acrescido.
28. No dia 10 de fevereiro de 2010 a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.
29. A Impugnante, como o seu sócio gerente Jorge ………….. e José …………….., viria a ser acusada e julgada no processo penal mencionado no ponto 14., então já classificado como comum singular, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, por factos contendendo em suma com a inserção das faturas supradiscriminadas, e de outras mais relativas a outros exercícios, na contabilidade da Impugnante, tendo sido todos absolvidos por sentença de 28 de novembro de 2013.*** A sentença recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
“Não há outros factos com relevo para a decisão, que tenham resultado provados. E, com essa pertinência, não resultou já provado:
1. Que no ano de 2003 José ……………….. não houvesse prestado à Impugnante serviços de corte de árvores, nos termos descritos na matéria de facto provada.
2. Que os pagamentos mencionados no ponto 18. - f. da matéria de facto provada se não inscrevessem no âmbito dessas relações, nesse exercício, entre a Impugnante e José ……………….
3. Que esses pagamentos se não inscrevessem, que fossem estranhos, à emissão das quatro faturas mencionadas na matéria de facto provada.
4. Que para além desses pagamentos, no mais as quatro faturas mencionadas na matéria de facto provada hajam sido pagas, nomeadamente em numerário, pela Impugnante.”
*** A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“Quanto aos factos julgados provados sob os pontos 1. e 13.-21., a convicção do Tribunal sobre eles assentou no exame crítico da prova documental reunida no processo administrativo, nomeadamente o relatório inspetivo e seus anexos, bem como a sua aprovação e notificação à Impugnante (esta última apenas constante do documento análogo «doc.1», onde se encontra o relatório, com que a Impugnante instroi a petição inicial, de fls.27ss. dos autos) e, em especial, as quatro faturas em causa. O teor dos pontos 22.-26., referentes aos atos impugnados, constam de fls.113-117 do processo administrativo e o do ponto 27., que se refere à execução, de suas fls.111-112. Por fim, o teor do ponto 28. extrai-se do sobrescrito de fls.106 dos autos, pelo qual a Impugnante remeteu pelos serviços postais a sua petição. E, por último, o do ponto 29. retirou-se da sentença do citado processo, de fls.218-235 dos autos. Assim, partindo do teor do relatório da ação inspetiva e do aí referido acerca da motivação dessa ação inspetiva, bem como tendo presente o depois indiciado no processo penal, na parte vertida no relatório inspetivo (corroborado pela sentença citada, quanto o objeto dessoutro processo), concluiu-se de forma clara, linear e completa não só sobre qual a génese e motivação da ação inspetiva à Impugnante, como se acedeu às conclusões da respetiva ação inspetiva, na necessária concatenação com os elementos documentais anexos, nomeadamente as faturas descritas, e demais prova documental para que remete o relatório, retirada por sua vez da contabilidade da Impugnante, tendente à comprovação dos pagamentos que estariam envolvidos (faturas, cheques e extrato de movimentos da conta atinente a José ……………, de fls.50-53, 93-94 dos autos, do já citado «doc.1» da petição e de fls.101 – e a fls.97 – dos autos, «doc.2» da petição). Em suma, do relatório e sua fundamentação documental probatória resultou a motivação, bem como a metodologia e os passos seguidos pela ação inspetiva e daí se extraiu a motivação para julgar provados os factos descritos ora em apreço. Toda esta documentação serve de suporte demonstrativo dos factos nela contidos, na medida em que a sua fidedignidade não foi posta em causa, nem se mostra controvertida, sendo que sobre a sua correspondência com os originais não se suscitou dúvida, muito menos foi posta em xeque a sua fidedignidade em relação aos originais. Mostram-se assim tais suportes documentais meios idóneos para prova dos factos neles consignados. Mereceu tal documentação a força probatória que lhe conferem os arts.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº do Código Civil, quanto à de produção da própria Administração Tributária e, da demais, ao abrigo do disposto nos arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1, todos do Código Civil, quanto aos documentos de origem particular.
Quanto ao teor dos pontos 2.-12., ele foi julgado provado com base, unicamente, no teor dos depoimentos recolhidos. A primeira testemunha, o Técnico Oficial de Contas da Impugnante, para além de conhecer a atividade desta, cuja razão de ciência circunstanciou não apenas com base na prestação dos serviços da sua profissão, havia vários anos – como a outras entidades dedicadas à mesma atividade e nos mesmos moldes que a da Impugnante –, mas também no conhecimento direto que revelou deter de como uma a atividade da Impugnante era em concreto desenvolvida, e nomeadamente entre esta e as suas contrapartes, a qual descreveu em pormenor como se realizava e, com particular interesse no caso, como se processavam os acordos e os pagamentos com os cortadores de madeira e, entre estes, como em particular era o relacionamento contratual com José ……………….. e porquê. O seu depoimento está assim na origem dos factos consignados nos pontos ora em apreço, apenas não tendo sido tão assertivo sobre a matéria do ponto 6., assente que foi sobretudo com base no depoimento da segunda testemunha. No mais, esta segunda testemunha corroborou no essencial o descrito por aquela, sendo que a sua razão de ciência é diametralmente diversa à daquela, pois primeiro fora trabalhador da Impugnante, como motorista de camiões e, depois, continuou ao longo do tempo a prestar-lhe o mesmo serviço, mas autonomamente, com o camião que entretanto adquiriu. Esta segunda testemunha revelou um conhecimento direto da atividade da Impugnante e de como ela a processava quanto aos tratos com os cortadores de madeira, incluindo também quanto aos pagamentos envolvidos, nos aspetos que lhe eram visíveis, como os adiantamentos “no terreno”, situação esta do cortador de madeira em causa nos autos, confirmando ser tal como a descrevera a primeira testemunha. Como dito, sendo embora bem diversa a experiência e modo de aquisição do conhecimento, esta testemunha corroborou o depoimento da primeira, nas matérias consignadas sob os pontos 3., 4., 5., 7., 8., 9., 10. e 11.. E embora sendo exterior à Impugnante, por ser alguém que apenas por algumas vezes lhe vendeu madeira, também a terceira testemunha não deixou de confirmar os traços gerais das matérias relativas à tipologia de tratos que se estabeleciam no meio dos madeireiros com os cortadores de madeira, ou quanto ao modo de pagamento, embora o seu conhecimento fosse menor e menos frequentes as circunstâncias, ainda que não mediatas, por ter por sua vez conhecimento direto de como eles se processavam, no caso da Impugnante, a partir das relações que com ela teve por sua necessidade. Em suma, dada a espontaneidade e naturalidade como estas duas últimas testemunhas descreveram os factos sobre que foram questionadas, narrando de forma assertiva aqueles de que tiveram conhecimento do mesmo modo que sem pejo nem rebuço refutaram conhecer outras, o Tribunal não teve dúvida de que narravam com verdade o que sabiam, tendo nelas acreditado. E, quanto à primeira, com um discurso bem mais elaborado e construído, mas que se revelou em si coerente e que aqueles haviam de confirmar na sua simplicidade, o Tribunal igualmente acreditou que ela falava com verdade – verdade esta cuja limitação naturalmente conduziu a factos não provados nucleares desta impugnação, em conjugação com a prova documental atinente, como de seguida se exporá. Pelo exposto, não apenas com base na prova documental já citada, mas também na sua concatenação, na parte relevante, com a testemunhal, acedeu o Tribunal à comprovação dos factos ora em apreço, da forma que supra ficou plasmada, ao abrigo também do disposto no art.396º do Código Civil.
Quanto à matéria de facto não provada, o juízo negativo sobre a assunção contida no relatório inspetivo, quanto ao consignado no seu ponto 1., resultou diretamente do facto positivo, e aliás radicalmente inverso, de ter resultado provado que houve tratos entre a Impugnante e José ……………. no ano em causa nestes autos, o que por sua vez determinou o juízo negativo do consignado no ponto 2. desta secção, pois que tendo sido prestados tais serviços, nada mais natural é, no âmbito de atividades extrativas lucrativas, que lhes corresponda um pagamento, sendo que este consta atestado precisamente pelos dois cheques e pelo mais aceite pela ação inspetiva, bem como no extrato de movimentos da conta atinente a José ……………, que compreendem aqueles cheques, de fls.93-94 dos autos, do já citado «doc.1» da petição e de fls.101 – e a fls.97 – dos autos, «doc.2» da petição (elementos extraídos dos anexos do relatório inspetivo, note-se), comprovadamente ambos apresentados a pagamento por aquele, a quem foram emitidos, do que a contabilidade da Impugnante dá a devida nota, no extrato da conta corrente com ele. Assim, nesta parte, ao invés do que vem subentendido pela Fazenda Pública, o Tribunal considera comprovados os correspondentes encargos da Impugnante para com o cortador de madeira em causa, conforme o ónus que sobre ela impendia, nos termos do art.74ºnº1 da Lei Geral Tributária, precisamente porque se trata de um direito a inscrever os encargos incorridos, com relevância fiscal, que lhe cumpria demonstrar, isto sob a desconsideração da veracidade da sua contabilidade, dada a insuficiência e imprecisões que continha, nos termos do art.75º nº1 corpo alíneas a) e b) do mesmo corpo de normas. Já o consignado no ponto 3. desta secção, por sua vez, resultou da prestação daqueles serviços de corte de madeira, à Impugnante, por aquele, no ano em causa, pois da prova reunida resulta ser com esses serviços compatível a emissão das faturas, apesar de estas conterem um descritivo do serviço e um quantum de contraprestações muito além da realidade que resultou comprovada. Por fim, o descrito no ponto 4. resulta do narrado pela primeira testemunha ouvida, o Técnico Oficial de Contas, cujo depoimento, como já acima dito, mereceu o nosso crédito e neste particular referiu uma quase impossibilidade prática de manter pari passu uma nota devidamente descritiva e comprovativa dos pagamentos, como adiantamentos feitos ao longo do período em que o serviço era prestado, aquém dos comprovadamente feitos a final, em acerto de contas, com o que simultaneamente reconheceu também que [por isso] esses pagamentos parciais antecipados eram assim mesmo registados na contabilidade, sem outra comprovação – quando muito com notas manuscritas, que de todo modo não eram levadas à documentação de suporte – e de resto não constam. Ora, se o Tribunal compreende as dificuldades de documentação de tal tipologia de trato e dos fluxos financeiros que gera a sua execução – e é pública e notória a informalidade, bem como a própria precariedade e mesmo evanescência das relações contratuais estabelecidas em meios como aqueles com as caraterísticas do dos cortadores de madeira com os madeireiros –, verdade é também que mesmo nesse circunstancialismo desentende não haja notas de quitação devidamente elaboradas, datadas e assinadas, ainda que manuscritas, com que se conjugassem então os correspondentes movimentos de caixa, que com os de bancos conformariam um todo acertado mensal, a final. Aliás, mal se percebe também como, de quantias tão avultadas – mais valiosas ainda atendendo ao meio social e económico dos beneficiários –, não haja como fundamento desses movimentos, senão, afinal, uma mera notícia de que foram pagas, no que no conspecto apurado se traduz aquilo com base no que a contabilidade da Impugnante era elaborada, quanto a tais pagamentos parciais antecipados. Ora, surge completamente sem-sentido que pagamentos tais, de valores como dito objetivamente elevados, não tenham um qualquer meio de documentação de pagamentos, contendo-os de algum modo atestados, até por uma questão de segurança da própria entidade pagadora, a aqui Impugnante. Acresce que ao vazio da prova destes pagamentos, que portanto cabia à Impugnante demonstrar, novamente como fundamento do direito à sua inscrição [contabilística e] fiscal dos custos por eles representados, nos termos já referidos do art.74ºnº1 da Lei Geral Tributária, sob a desconsideração da veracidade da contabilidade ao abrigo do disposto no art.75ºnº2 corpo e alíneas a) e b) do mesmo corpo de normas, como acima dito em sentido inverso, soma-se ainda a grandeza das contraprestações inscritas nas faturas emitidas por José ………………………, que se revelaram sem correspondência com aquela que seria a sua capacidade de trabalho retratada pelos depoimentos (considerando aqui já que ele tinha amiúde, ao contrário do que disse nas declarações citadas do processo crime, trabalhadores por sua conta). Ora, a perceção das quantias surgiria aqui como elementar demonstração dos custos insertos nas faturas, dos quais portanto se conclui não haver prova alguma. Em suma e pelo exposto, além dos pagamentos que resultam aceites pela ação inspetiva e comprovados, que se inserem no âmbito das relações entre a Impugnante e aquele, o Tribunal não pôde já julgar provados outros que se inserissem igualmente no cômputo das importâncias constantes das faturas em causa.”*** Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, aditam-se, oficiosamente, os seguintes factos:
30. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2004, foi instaurado o processo de inquérito criminal nº 262/04.4GDCTX que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Cadaval (cfr. doc. de fls. 255 do SITAF);
31. Em 02/06/2009 foi iniciada a ação inspetiva que está na origem da liquidação impugnada (facto que se retira do relatório inspetivo junto a fls. 26 a 101 dos autos);
32.Em 31 de Agosto de 2009 foi elaborado o relatório inspetivo referente à ação inspetiva melhor identificada no ponto antecedente, do qual consta com relevo para os autos o seguinte:
« Texto no original»
(…)
« Texto no original»
(…)
« Texto no original»
(cfr. doc. de fls. 26 a 101 dos autos);
33. Por ofício de 08/09/2009, foi a Impugnante notificada do teor do relatório de inspecção a que se reporta no ponto antecedente (cfr. doc. de fls. 26 dos autos);
34. Por ofício registado em 12/10/2009, foi a impugnante notificada da liquidação melhor identificada no ponto 22 deste probatório (cfr. doc. de fls. 113 a 117 do processo instrutor junto aos autos).
***
III. Do Direito
Nos presentes autos discute-se a legalidade de um conjunto de faturas reputadas como não titulando verdadeiras transações.
O Tribunal a quo considerou a impugnação parcialmente procedente, tendo julgado inverificada a caducidade do direito à liquidação, considerando que o ato de liquidação e os respetivos juros se encontravam devidamente fundamentados e, ainda, considerando que apenas uma parte das faturas correspondiam a verdadeiras transações.
Contra o ali decidido dissidem, quer a Fazenda Pública, quer a Impugnante.
Iniciaremos a nossa apreciação pelo recurso apresentado pela Impugnante pois, caso consideremos que se encontrava caducado o direito à liquidação ou que o ato de liquidação de IRC de 2003 não se encontrava devidamente fundamentado, desnecessário se tornará conhecer o recurso da Fazenda Pública.
Começa a apelante por advogar a nulidade processual decorrente do facto de não ter sido notificada do teor do processo instrutor, mas apenas da sua apensação aos autos, arguindo que esta falta além de constituir uma nulidade processual acarreta uma violação do princípio do contraditório.
Esta mesma questão já havia sido suscitada no decurso dos presentes autos junto do Tribunal a quo, tendo sido julgada improcedente.
Que dizer?
Comecemos por chamar à colação o artigo 110º do CPPT, na redação em vigor à data dos factos, em cujo nº 4 se determinava que juntamente com a contestação o Representante da Fazenda Pública deverá juntar aos autos o processo instrutor. Para as situações em que não seja deduzida contestação, sempre o juiz pode ordenar que o serviço periférico local remeta aos autos o processo instrutor (nº 6 do mesmo preceito).
No CPPT, nenhuma norma existe que determine a notificação da junção do processo instrutor, no entanto, quer por força do princípio do contraditório, quer por força do disposto no nº 6 do artigo 84º do CPTA, também na redação em vigor à data dos factos, tal notificação deve ocorrer.
A questão que aqui coloca a Recorrente é a de saber se para além de ser notificada da junção do aludido processo instrutor, também deveria ser notificada do seu teor, ou seja, lhe deveria ser remetida cópia desse processo.
Entendemos que não.
Na verdade, o que acontece é que o processo instrutor fica apenso ao processo a que respeita, podendo as partes, sempre que entenderem conveniente, consultar o aludido processo.
Significa isto que não ocorreu aqui qualquer violação do princípio do contraditório, tanto mais que a apelante foi devidamente notificada da junção do processo instrutor.
Acresce que a falta da remessa de cópia do processo instrutor às partes (fazenda pública excluída, naturalmente) não constitui qualquer nulidade processual.
Na verdade, como bem nos dizia à data dos factos o artigo 201º do CPC velho, as nulidades processuais que não respeitem à ineptidão da petição inicial, nem à falta de citação, ocorrem sempre que seja praticado ou omitido um ato processual ou de uma formalidade que a lei prescreva. No entanto, e ainda assim, tal apenas ocorre quando a lei culmine com esta sanação essa irregularidade ou quando a mesma possa influir no exame ou na decisão da causa.
Ora, no caso dos autos, a lei não determina que a falta de notificação do teor do processo instrutor origine uma nulidade processual, desde logo, por não obriga a que a mesma ocorra.
Assim sendo, improcedente terá de ser julgado o presente salvatério com este fundamento.
Avancemos.
Advoga ainda a apelante que o Tribunal a quo andou mal quando considerou não caducado o direito à liquidação com base no facto de existir um processo criminal conexo com os factos que estão na origem da liquidação, tanto mais, prossegue, que o mesmo Tribunal errou no julgamento de facto que efetuou, quando dá por provados os factos 13, 14, 15 e 29 e ainda que há deficit instrutório.
Apreciemos começando pela questão do erro de julgamento de facto.
Argui a apelante que não poderia ter sido dado como assente que havia sido efetuada uma denúncia junto da Guarda Nacional Republicana de que José ………………. (e Ana …………..) emitia faturas a diferentes empresas, a troco de uma compensação económica, para que tais entidades pudessem integrá-las nas respetivas contabilidades, sem contudo lhes prestar qualquer serviço ou bem, bem como que com base nela foi instaurado um processo crime, a que no Tribunal Judicial da comarca do Cadaval veio a caber o nuipc262/04.4GDCTX.
Também se insurge contra o facto de ter sido dado como assente que a Impugnante, como o seu sócio gerente Jorge ………….. e José …………., viriam a ser acusados e julgados no processo penal mencionado no ponto 14., então já classificado como comum singular, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, por factos contendendo em suma com a inserção das faturas supradiscriminadas, e de outras mais relativas a outros exercícios, na contabilidade da Impugnante, tendo sido todos absolvidos por sentença de 28 de novembro de 2013.
Advoga que não conhece os documentos com base nos quais tais factos foram julgados provados e que se eles constam dos autos, os mesmos não lhe foram notificados.
Não nenhuma razão assiste à Recorrente.
Se atentarmos ao escrito na sentença aqui criticada sobre a motivação da matéria de facto no que respeita concretamente a estes factos, dela resulta que os mesmos foram fixados tendo por base o relatório inspectivo e os seus anexos, bem como uma sentença junta aos autos.
Assim, no que respeita ao último facto mencionado (29), a sua motivação decorre duma sentença que foi a própria apelante que requereu a sua junção aos autos, em sede de audiência de julgamento, e que foi deferida. Daqui resulta claro que não apenas conhece, e bem, o mencionado documento, como foi a própria que peticionou a sua junção aos autos.
Por outro lado, e no que respeita aos outros dois factos impugnados, como resulta da mencionada motivação da matéria de facto, eles foram fixados tendo por base o relatório inspetivo que também foi junto aos autos pela Recorrente. Significa isto que não se compreende como, tendo a própria apelante a juntar tais documentos aos autos, possa agora vir afirmar que os desconhece ou que desconhece o seu conteúdo.
Mais acresce que, como bem sabemos, o relatório inspetivo e os factos do mesmo constantes fazem fé e têm força probatória plena, nos termos do disposto no artigo 76º da LGT e artigo 115º, nº 2 do CPPT, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, pelo que retirar tais factos do aludido relatório inspetivo nenhuma censura merece.
Ora, no caso dos autos, o relatório inspetivo faz menção a estes dois factos (13 e 14) e no que respeita ao facto inscrito sob o nº 29, tal é o que resulta da sentença junta aos autos pela Recorrente.
Em consequência, improcedente terá de ser julgado o presente salvatério nesta parte.
Mais sustenta a Recorrente que o facto inscrito no probatório sob o nº 15 também não corresponde à verdade, motivo pelo qual tem de ser expurgado do aludido probatório.
Ora, também aqui nenhuma razão lhe assiste.
Na verdade, é mencionado no relatório inspetivo, cuja valor probatório já foi devidamente esclarecido acima, que “As presentes acções inspectivas, de âmbito parcial, para os anos de 2002 e 2003 foram abertas em consequência das OI200805150, OI200800902 e OI200800903 referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006. As quais tiveram por origem uma denuncia apresentada no Posto da GNR de Aveiras de Cima, em que é declarado que os sujeitos passivos José ……………. – NIF ………….. e Ana ………… – NIF ……….., emitem facturas a diversas empresas, com a finalidade de as incorporarem nas respectivas contabilidades e em contrapartida receberem benefícios ilegítimos, realidade que configura a existência de uma fraude económica e falsificação de documentos.
Foi elaborada a correspondente participação e aberto o respectivo processo de inquérito criminal nº 262/04.4GDCTX dos Serviços do Ministério Público de Cadaval, no qual se encontram arquivados alguns duplicados de facturas emitidas pelo Sujeito Passivo José …………… (constam os duplicados das facturas nºs 79 e 82 que foram emitidas ao sujeito passivo M A………… SOC. ………… EXPORTAÇÃO …….., LDA – NIPC …….., no ano de 2000).”
Como facilmente decorre do acima transcrito a origem da ação inspetiva que está na origem das liquidações aqui em dissídio, foi a existência de uma denúncia que culminou na abertura de diversas ordens de serviços, bem como na instauração dum processo criminal.
Assim sendo, nenhuma razão assiste à Recorrente pelo que o presente recurso terá de improceder nesta parte.
Estabilizada que está a matéria de facto relevante para a decisão da questão da caducidade do direito à liquidação, passemos agora a analisar esta linha de argumentação da Recorrente.
Advoga a apelante que a suspensão do prazo de caducidade, a admitir-se, respeita e limita-se necessariamente ao imposto relativo a tais faturas e não a todo o exercício do sujeito passivo, pelo que a ausência da individualização de quais as faturas em causa no processo-crime não consente o facto impugnado.
Prossegue defendendo que se as concretas faturas em causa neste ponto do probatório são, hipoteticamente, as faturas sob investigação criminal no inquérito nº 262/04.4GDCTX, então não existem nos autos ou não foram notificados quaisquer documentos que comprovem suficientemente - quer formal, quer materialmente - quais foram essas concretas faturas.
Mais sustenta que não tendo a sentença fixado os factos concretos que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, verifica-se um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o referido preceito.
Adensa ainda que a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LGT - no pressuposto hipotético de que se aplicaria à situação dos autos -, só ocorre se o ato de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, o que não se encontra comprovado nos autos.
Vejamos, então.
De acordo com o disposto no artigo 45º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos quando a lei não fixar outro.
O mencionado prazo conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (nº 4 do mesmo preceito). Significa isto que estando em causa IRC de 2003, o prazo de caducidade iniciou o seu curso no dia 01/01/2004 e teria terminado no dia 31/12/2008, se não houvesse factos suspensivos ou interruptivos a considerar.
Acontece, porém, que nos termos do disposto no artigo 46º da mesma LGT, este prazo de caducidade pode ser suspenso em situações ali estabelecidas. Assim, e desde logo, o mencionado prazo suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses, após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção, por força do nº 1 deste preceito.
Acresce que o nº 5 do artigo 45º da LGT também consagra um alargamento do prazo de caducidade quando o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais tenha sido instaurado inquérito criminal. Nestas situações, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. Significa isto que o seu termo final deverá situar-se um ano depois do termo do processo-crime, seja por arquivamento do inquérito, seja por trânsito em julgado da sentença proferida no processo criminal.
Como tem vindo a ser defendido pelo STA, de forma constante e uniforme, designadamente no seu Aresto de 6/12/2017, proferido no processo com o n.º 73/16, “a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão. Ou seja, o inquérito criminal teve por objecto a averiguação da eventual prática de crimes fiscais relacionados com a matéria objecto da Inspecção Tributária e da liquidação subsequente – independentemente de o agente que praticou o crime ser o sujeito passivo do imposto.”.
Assim, mesmo que não exista uma identidade subjetiva entre o arguido ou agente e o sujeito passivo do imposto, mas desde que os factos tributários e os factos objeto de inquérito criminal sejam os mesmos, opera o disposto no mencionado nº 5 do art. 45º da LGT.
Exposto assim, brevemente, o Direito importa baixar ao caso dos autos e verificar se, como decidiu o Tribunal a quo, não se encontrava caducado o direito à liquidação.
Comecemos por verificar o que decorre do recorte probatório fixado, designadamente daquele por nós aditado.
Em data não concretamente apurada, mas durante o exercício de 2004, foi instaurado um procedimento criminal no qual se apreciava a responsabilidade criminal da Recorrente e dos seus gerentes no que respeita à contabilização de faturas reputadas como falsas originárias dos sujeitos passivos José …………. e Ana ………………. Estavam em causa faturas emitidas desde 2000 até 2005.
Decorre ainda da matéria de facto por nós aditada que em 02/06/2009 foi iniciada a ação inspetiva que está na origem das liquidações impugnadas, sendo que a mesma foi terminada em 08/09/2009 e as liquidações foram notificadas em Outubro de 2009.
Finalmente em 28/11/2013 foi proferida sentença no âmbito do processo criminal nº 262/04.4GDCTX, absolvendo os réus do pedido.
Como decorre do exposto, aquando da instauração do procedimento criminal, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 46º da LGT, foi suspenso o prazo de caducidade do direito à liquidação, o qual se manteve suspenso até ao termo do ano seguinte àquele em que foi proferida a sentença criminal.
Significa isto que quando em Junho de 2009 se deu início à ação inspetiva e em Outubro de 2009 a Recorrente foi notificada da liquidação impugnada, ainda se encontrava suspenso o prazo de caducidade do direito à liquidação, motivo pelo qual, tal como havia já decidido o Tribunal a quo, aquele direito não se encontrava caducado aquando da notificação da liquidação.
Defende a apelante que teria de ficar demonstrado nos autos que o objeto concreto da ação criminal era o mesmo da presente ação inspetiva, designadamente no que respeita às faturas em causa nestes autos.
E ficou.
Na verdade, encontrando-se em causa no processo criminal a totalidade das faturas emitidas pelo ali arguido Luís ………….. à aqui recorrente, nos anos de 2000 a 2005, naturalmente que as faturas referentes ao exercício de 2003 também se encontravam incluídas.
Acresce que, contrariamente ao que parece ser advogado pela apelante, não seria necessário que do probatório constassem as concretas faturas que se encontravam em causa no processo criminal e as concretas faturas que estavam em causa na inspeção a que foi sujeito, bastando que se diga, como decorre do probatório, que em causa estão as faturas emitidas por Luís ………. à impugnante no exercício de 2003.
Em consequência, improcedente terá também de ser julgado o presente recurso.
Avançando.
Advoga ainda a Recorrente que o ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado motivo pelo qual deveria ter sido anulado pela sentença aqui criticada.
O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação com este fundamento por ter considerado que o ato se encontra devidamente fundamentado.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como bem sabemos os atos administrativos e particularmente os atos tributários estão sujeitos a fundamentação, desde logo por imperativo constitucional consagrado no artigo 268º, nº 3 da CRP, norma esta que veio a ser transposta para a legislação ordinária, passado a estar contemplada no artigo 77º da Lei Geral Tributária.
Como tem vindo a ser posição dos nossos Tribunais Superiores, designadamente este Tribunal Central e o Supremo Tribunal Administrativo, para que se possa considerar o ato devidamente fundamentado do mesmo têm de constar de forma clara, suficiente e coerente os motivos que conduzem à correção.
Significa isto que a fundamentação do ato tem de possibilitar ao destinatário a compreensão da mesma.
In casu, tal significa que tem de constar do relatório inspetivos os motivos pelos quais se considerou que as faturas em questão não titulam verdadeiras transações.
Ora, analisando o relatório inspetivo verificamos que o mesmo ancora as suas correções do seguinte modo:
- No ano de 2003 estão em causa 4 faturas, no valor total de € 82.531,70, valor ao qual acresceria IVA;
- Depois de ouvido o emitente das faturas para os anos de 2004 e seguintes, Luís Branco, este teria afirmado que não tem ninguém a trabalhar com ele pelo que ele e a mulher nunca poderiam faturar mais de € 1.750 a € 2.000/mês.
- O emitente das faturas nunca cumpriu as suas obrigações fiscais e encontra-se indiciado pela emissão de faturas que não correspondem à realidade:
- O emitente afirma que as suas faturas desapareceram, já assinadas;
- Os pagamentos das faturas eram efetuados em cheque ou em numerário, mas confrontados os cheques com os valores das faturas não era possível estabelecer qualquer ligação entre ambos;
- Não foram apresentados contratos, folhas de presença, folhas de obra e qualquer troca de correspondência entre o emitente e a Impugnante.
Tudo isto para concluir que estamos perante fortes indícios de que as faturas emitidas não titulam verdadeiras transações e para afirmar que não ficou provada a indispensabilidade dos custos.
Do exposto decorre facilmente que, concorde-se ou não com o pugnado pela AT no seu relatório inspetivo, a verdade é que ela externou de modo claro, suficiente e coerente os motivos que determinavam a correção, motivo pelo se tem de considerar que o ato de liquidação se encontra devidamente fundamentado e, consequentemente, improcedente terá de ser julgado o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Prosseguindo.
Procurando colocar em causa a decisão de improcedência da impugnação no que respeita à alegada falsidade das faturas por si contabilizadas relativas a serviços prestados por Luís …………, começa a Recorrente por impugnar a matéria de facto assente.
Sustenta a apelante que em face da prova testemunhal produzida sempre teriam de ter sido fixados mais factos, e nunca poderiam ter sido dados por assentes os factos indicados sobre os números 5 e 18, alínea c).
Argui que contrariamente ao que é afirmado no ponto 5 do probatório, a contratação daquele prestador de serviços ocorreu com regularidade, não sendo pontual ou esporádica. Ancora este seu entendimento no depoimento das testemunhas arroladas, indicado as concretas passagens de tais depoimentos que serviriam para alterar tais factos.
Uma primeira nota vai para a circunstância de o que foi dado como assente no ponto 18, alínea c), não resultar de qualquer prova testemunhal, mas constituir apenas um resumo do que é afirmado no relatório inspetivo, como bem se retira do corpo do ponto 18, bem como da motivação da matéria de facto, motivo pelo qual, nenhum depoimento prestado pelas testemunhas possa ter a virtualidade de o alterar. Na verdade, tal é o que é afirmado no relatório inspetivo e foram conclusões que sustentaram a correção.
Assim sendo, improcede o recurso nesta parte.
Quanto ao ponto 5 do probatório, se bem entendemos o por si alegado, pretende a Recorrente que dele se retire uma expressão concreta, a saber: “por diversas vezes”.
Ouvido o depoimento da primeira testemunha, contabilista da apelante, esta limitou-se a dizer que o senhor Luís ………….. fazia corte e rechega de madeira ou então vendia madeira já cortada à impugnante. Esta testemunha disse que nunca presenciou os negócios, e apenas uma vez se deslocou ao local de corte, mas disse que dado o volume de faturação não podia fazer esta prestação de serviços sozinho. Mais afirmou, a pergunta formulada pela advogada da impugnante sobre quantas vezes os serviços deste prestador de serviço eram contratados, afirmou que não podia precisar.
Mais afirmou que apenas tinha conhecimento da madeira que entrava na P................., mais nada.
Significa isto que não se pode retirar deste depoimento que os serviços deste prestador de serviço eram regulares ou não, apenas ficou claro que ao longo dos anos foram vários os serviços prestados.
Já a segunda testemunha, afirmou que trabalhou com a impugnante e conhecia o senhor Luís …….. que cortava madeira para a impugnante. Mais foi dito que mesmo no ano de 2003 o via a cortar madeira para a apelante, embora sem nunca precisar a frequência com que tal acontecia.
Significa isto que não se consegue retirar dos depoimentos prestados qual a frequência com que este prestador de serviços trabalhava para a apelante, sendo, no entanto, certo que o fazia e que o fez no ano de 2003.
Acontece, porém, que nunca o afirmado no ponto 5 do probatório se a frequência com que este prestador de serviços é grande ou pequena. É referido que este prestador de serviços foi contratado várias vezes e outra coisa não se consegue retirar dos depoimentos ouvidos.
Assim sendo, improcedente terá de ser o recurso nesta parte.
Já quanto à impugnação do ponto 4 da matéria de facto não provada, insurge-se a apelante por entender que não é relevante a prova do pagamento das faturas.
Ora, aqui não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, e como melhor veremos mais adiante, a reconstituição do circuito financeiro do pagamento das faturas pode revestir extrema importância na prova da veracidade dos serviços a que se reportam as faturas.
No entanto, a apelante pretende que caso se entenda que o pagamento das faturas é relevante, então que ficou provado que eram efetuados pagamentos em numerário àquele prestador de serviços.
Vejamos, então.
Dos depoimentos prestados resulta que é habitual, nestas áreas de negócio, existirem pagamentos em dinheiro, tendo a primeira testemunha corroborado esta situação, bem como a segunda testemunha afirmou que sabia que havia pagamentos a dinheiro, designadamente porque atento o facto de estarem todos a trabalhar juntos, se saber que muitas vezes os trabalhadores que não eram fixos serem pagos a dinheiro.
Aliás, tal circunstância já resulta refletida na matéria de facto assente pelo Tribunal a quo, mais concretamente nos seus pontos 11 e 12, onde é afirmado ser comum os pagamentos em numerário, designadamente como adiantamentos de pagamentos de faturas posteriores emitidas.
Assim sendo, desnecessário se torna aditar tal facto à matéria de facto, pois o mesmo já da mesma consta.
Ligada a esta questão pretende ainda a Recorrente que sejam aditados ao probatório os seguintes factos:
- Para prestar os serviços à Impugnante, José ………………. apresentava-se sempre acompanhado dos seus trabalhadores, cerca de dez, pelo menos.
Quanto a esta questão, quer a primeira testemunha, quer a segunda testemunha fazem referência à existência de vários trabalhadores que trabalhavam para o senhor Luís ………….., embora sem nunca se conseguir fixar o seu número exato, tanto mais que como foi dito pela segunda testemunha, eles variavam no tempo.
Acontece, porém, que já consta do probatório, embora sem se precisar o número, que este prestador de serviços tinha ao seu serviço vários trabalhadores para prestar o serviço para que era contratado (ponto 6 do probatório), pelo que saber se eram 10 ou não, para além de não existirem elementos suficientemente fortes para o afirmar, de pouca relevância reveste para a decisão dos autos.
Assim sendo, improcede também nesta parte o recurso.
Pretende ainda a Recorrente que seja dado como provada uma parte do relatório inspetivo em que a AT afirma que tudo aponta para estarmos perante faturas que não titulam verdadeiras transações e que deverá ser a apelante a provar a sua veracidade.
Ora, este Tribunal ad quem já aditou oficiosamente ao probatório o relatório inspetivo, pelo que tal facto já resulta do mesmo.
Finalmente, pretende ainda a Recorrente que seja aditado ao probatório que era comum não existirem contratos escritos nesta área de atividade.
Do probatório fixado pelo Tribunal a quo, consta, no seu ponto 7, que a apelante acordava com o senhor Luís ………….. a realização dos trabalhos sem que, no entanto, se esclareça se esses acordos eram reduzidos a escrito ou não.
No entanto, do depoimento da primeira testemunha resultou claro que, nessa época, não existiam, por regra contratos escritos e que com este prestador de serviços não existiam.
Assim sendo, adita-se à matéria de facto assente tal facto:
35. À época era comum nesta área de negócios não existirem contratos escritos para o corte de madeira e outros trabalhos (facto que se retira do depoimento da primeira testemunha).
Estabilizada que está a matéria de facto, cumpre agora saber se o Tribunal a quo, como pretende a Recorrente, errou no julgamento de Direito que fez, ao ter considerado improcedente a impugnação judicial por ter considerado que não ficou provada a veracidade das faturas emitidas pelo prestador de serviços José …………., senão quanto ao valor pago através de cheque.
Vejamos então.
Dispõe o artigo 74º, nº 1 da LGT, que impende sobre a AT a prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca, tanto mais que, de acordo com o disposto no art. 75º do mesmo diploma legal, as declarações dos contribuintes se presumem verdadeiras e de boa-fé.
Sobre esta matéria das faturas fictícias é muito vasta a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, sendo que toda ela é no sentido de que é sobre a AT que impende o ónus de provar factos suficientemente indiciadores daquela falsidade, por forma a que o Tribunal, no controle jurisdicional que seja chamado a fazer, possa concluir “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura” (Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 25/05/2017, tirado no processo nº 0866/15, bem como nos Arestos do mesmo Tribunal de 14/02/2019, no processo 509/09.0BELRA e de 11/04/2019 no processo 1834/10.3BESNT).
No entanto, essa prova não tem de ser direta e dogmática, podendo resultar dum conjunto de circunstâncias colaterais e indiretas que, atentas as regras da experiência comum, bem como os meios de suporte, indiciem de forma séria, objetiva e consistente a falsidade das mesmas (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/07/2022, tirado no processo nº 548/18.0BEAVR).
Esta prova pode resultar de indícios recolhidos junto dos fornecedores de serviços ou de bens do sujeito passivo, designadamente em fiscalização cruzada, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, como bem se afirma nos Arestos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 25/05/2017, no proc. 08666/15, bem como nos dois Arestos já mencionados. No entanto, a aludida prova não se pode ficar por indícios externos, tendo também de estar amparada por indícios internos, como melhor veremos, ou seja, recolhidos junto do sujeito passivo onde é efetuada a correção.
Mas mais, como também resulta da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo a AT “(…) não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende” (vide Acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 17/02/2016, no proc. n.º 0591/15, de 16/03/2016, no proc. n.º 0400/15, de 19/10/2016, no proc. n.º 0511/15, de 16/11/2016, no proc. n.º 0600/15, e, ainda, de 27/02/2019, no proc. 01424/05.2BEVIS).
Importa ainda esclarecer o que se deve entender como factos probatórios indiciários. Ora, como nos ensina o Prof. Castro Mendes, “O conceito de Prova em Processo Civil”, Edições Ática. S.L., 1961, estes serão aqueles factos que permitem concluir, pela verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas dos homens e que funcionam como máximas de experiência. Significa isto que dos factos arrolados deverá resultar, ainda que de forma meramente indiciária, que o imposto mencionado nas faturas não se reporta a uma verdadeira transação. A simples circunstância de o emitente das faturas estar referenciado como emitente de faturação falsa, só por si e desacompanhado de outros indícios relacionados com a concreta situação em análise, nenhuma relevância assumem.
Resulta do exposto que, para além de ter de ficar comprovado que o emitente das faturas contabilizadas pelo sujeito passivo é um emitente de faturas falsas, têm de existir outros elementos que indiciem que aquelas concretas faturas não titulam verdadeiras operações, desde logo, recolhidos junto do sujeito passivo objeto da correção.
No que ao IVA respeita, por exemplo, a jurisprudência do TJUE tem vindo a ser unânime ao defender que não basta essa prova indiciária da falsidade das faturas. Considera aquele Tribunal que a AT deverá também provar que o sujeito passivo recetor das faturas sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens ou serviços em questão, participava numa fraude ao IVA, tanto mais que constituindo o direito à dedução do IVA um princípio estruturante do imposto, este não pode, em princípio, ser limitado. (vide, entre outros, os Acórdãos de 6/12/2012, Bonik, C-285/11; de 19/10/2017, Paper Consult, C-101/16; 21/03/2018, Volkswagen, C-533/16; de 16/10/2019, Glencore, C-189/18 e 24/02/2022, SC Cridar Cons SRL, C-582/20).
Nesta medida, o direito à dedução do IVA, apenas pode ser negado quando esteja demonstrado, à luz de critérios objetivos, que o mesmo é invocado de forma fraudulenta ou abusiva.
Efetuada que esteja esta prova pela AT, impenderá sobre o contribuinte a prova de que as transações desconsideradas pela AT, com base na falsidade dos serviços, correspondem a verdadeiras transações. (Neste sentido, podemos ver o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA datado de 2016-02-17, tirado no proc. n.º 0591/15).
Exposto assim o quadro jurídico aplicável aos autos, cumpre saber se a sentença recorrida, ao ter considerado que as faturas que não se mostravam pagas através de cheque não titulavam verdadeiras transações erro no julgamento que efetuou.
Adiantamos, desde já, que entendemos que sim.
Comecemos por ver como sustentou a AT, no seu relatório inspetivo a correção efetuada.
Depois de ter esclarecido que todos os procedimentos inspetivos haviam sido espoletados pela existência dum processo de inquérito criminal decorrente duma denúncia, afirmou que estando nós perante um emissor de faturas falsas, sem capacidade a nível de mão-de-obra para prestar tais serviços e não existindo meios de pagamento capazes de comprovar a sua veracidade, não existindo contratos, nem outros meios de prova que teremos de considerar que as faturas em questão não titulam verdadeiras transações e, nessa medida, não podem ser aceites como custos para efeitos fiscais, lançando mão do disposto no artigo 23º do CIRC.
Significa isto que a AT reuniu indícios sérios e credíveis de que tais faturas não correspondiam a verdadeiras transações, desde logo porque apenas relativamente a uma ínfima parte do valor das faturas existiam comprovativos de pagamento, designadamente cheques.
Posto isto, cumpre verificar se a apelante reuniu prova bastante para convencer o Tribunal da realidade das transações tituladas pelas faturas contabilizadas como custo na sua contabilidade.
Vejamos então o que resulta do probatório supra.
Resultou provado que a atividade da Impugnante consistia principalmente na “compra” de matas, compra de madeira, pinheiros e, sobretudo, eucaliptos ainda implantados nas matas, mas também já nelas cortados – para vender à indústria de celulose, sendo um dos fornecedores diretos do conjunto restrito de fornecedores de madeira para papel da P................., em Setúbal – hoje The N…………….. Company – e que paralelamente, a Impugnante também introduzia na P................. madeira de pequenos silvicultores, como se fosse sua, acertando depois contas com eles.
No desenvolvimento da sua atividade a Impugnante efetuava quase exclusivamente a rechega e o transporte da madeira das matas para os locais da indústria de celulose, para o que tinha máquinas de rechega, manobradores dessas máquinas, bem como uma pequena frota de camiões.
No entanto, para o corte da madeira, quando comprava ainda as árvores, a apelante servia-se da contratação de terceiros para lhe efetuarem esse serviço, tendo estes os seus trabalhadores, resultando provado que em particular no exercício de 2003, esta contratou por diversas vezes o senhor José ……………., que nessa época trabalhava como cortador de madeira em matas, fosse de matas onde comprava a madeira, fosse cortando madeiras para outros e para a Recorrente.
Ou seja, do probatório nenhuma duvida resulta quanto à prestação de serviços por este sujeito passivo para apelante, no exercício de 2003, sendo certo que não apenas dispunha de motosserras e de carrinhas para transporte dos trabalhadores ocasionais de que se socorria, desempenhando por si e/ou por intermédio daqueles o corte das árvores, conforme necessário, não executando nem o trabalho de rechega, nem muito menos o de transporte da madeira para os locais de transformação.
Mais resultou provado que a Recorrente celebrava acordos verbais com este prestador de serviços, acordando não apenas o trabalho a realizar como o preço a pagar por cada metro cúbico de madeira cortada, sendo o valor a pagar determinado após a medição efetuada na P................., a quem a madeira se destinava.
Também resultou provado que muitas vezes a apelante ia efetuando adiantamentos por conta do valor final a pagar, sem ficar com comprovativos dos mesmos, e que muitos deles eram efetuados em numerário, como era comum nesta área de negócio.
Ora, o Tribunal a quo, embora tenha dado como provados estes factos, deles não retirou nenhuma conclusão, limitando a sua análise à alegação e prova da AT no relatório inspetivo, olvidando a repartição do ónus da prova.
Como é bom de ver, do probatório supra resultou provado que o prestador de serviços prestava efetivamente os serviços à apelante, quer através do seu trabalho direto, quer através de outros trabalhadores que contratava para o efeito.
É verdade que apenas parte das faturas aqui em dissídio foram pagas através de cheques, no entanto, também é verdade que decorre das regras da experiência comum que muitos destes trabalhos eram pagos em dinheiro, não apenas pela volatilidade dos trabalhadores, que hoje trabalham para uns e amanhã para outros, como também pela volatilidade da própria frequência com que os trabalhos são efetuados. Hoje há muito trabalho é necessário subcontratar pessoal, amanhã já há menos e não é necessária tanta gente a trabalhar.
Ora, tendo ficado provado que este prestador de serviços era contratado com alguma frequência para a realização destes trabalhos, sendo uma pessoa conhecida quer dos trabalhadores da Recorrente, quer mesmo doutros prestadores de serviços, situação que se foi mantendo ao longo de vários anos, bem como que à data muitos daqueles pagamentos eram feitos em numerário, resulta claro que a apelante cumpriu o ónus que sobre si impendia de provar a veracidade das faturas desconsideradas pela AT no seu relatório inspetivo.
Acresce que mesmo no que respeita ao facto dos pagamentos não serem efetuados através das contas bancárias da apelante, designadamente através de cheques, não podemos esquecer que nestes ramos de atividade a informalidade no que respeita ao pagamentos era uma constante, para além de que, à data dos factos, nem sequer ainda se encontrava em vigor a norma a que corresponde o artigo 63º-C da LGT, que passou a obrigar, a partir de 2004, que os pagamentos acima de determinados montantes devessem sempre ser efetuados através das contas bancárias dos sujeitos passivos.
Assim sendo, e uma vez que a impugnante logrou provar a veracidade das operações procedente terá de ser julgado o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida que não efetuou a ponderação da prova produzida pela Recorrente.
Uma última palavra para a questão da liquidação de juros.
Defende a Recorrente que os mesmos devem ser anulados, desde logo, por falta de fundamentação.
A decisão recorrida, negou provimento à impugnação, nesta parte.
No entanto, anulada que está a liquidação de IRC de 2003, necessariamente e consequentemente, anulados são também os juros compensatórios. * Passemos agora à apreciação do recurso apresentado pela Fazenda Pública.
Discorda a apelante do decidido na parte em que a sentença recorrida julgou procedente a impugnação por se encontrar provado o pagamento das faturas, no montante de € 4.000,00, por entender que esse montante, como aliás resulta do ponto 18.f do probatório não corresponder ao valor das faturas.
Mais defende que o aludido ponto do probatório foi incorretamente julgado, bem como a matéria de facto não provada, embora sem indicar concretamente qual dos pontos da matéria de facto não prova foi erradamente julgado, sem que, contudo, explique em que medida concreta esse erro de julgamento ocorreu. Apenas advoga que é contrário à informação oficial da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa.
Acontece, porém, que essa informação, que mais não é do que uma informação prestada aquando da interposição da impugnação e que as mais das vezes, como ocorreu no caso dos autos, mais não é do que uma contestação, sem assumir essa concreta forma. Aliás, essa informação mais não é do que a informação a que faz referência o artigo 111º, nº 2, al. b) do CPPT, sendo que no seu articulado a contestar a impugnação, a própria Fazenda Pública afirma que a informação em questão deve assumir a natureza de contestação.
Assim sendo, essa informação não beneficia da presunção de veracidade que é conferida pelo artigo 76º da LGT, pois a mesma mais não é do que a visão da AT sobre os factos que constam do processo instrutor e onde são rebatidos os argumentos esgrimidos pelos impugnantes nas suas petições iniciais.
No que respeita à impugnação do ponto 18.f da matéria de facto assente, o mesmo corresponde ao que resulta do relatório inspetivo, como aliás facilmente se retira da conjugação do aí afirmado com o ponto 32 por nós aditado.
Assim sendo, improcedente terá de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Advoga ainda a Recorrente que, tal como aconteceu nas situações em que não havia cheques a comprovar o pagamento das faturas, também aqui o Tribunal a quo deveria ter considerado improcedente a impugnação, uma vez que nenhum daqueles montantes corresponde ao que consta de qualquer das faturas desconsideradas.
Sustenta que estamos perante uma contabilidade insuficiente, que não reflete ou impede o conhecimento claro e inequívoco da matéria tributável da Impugnante, o que faz cessar a presunção da veracidade da contabilidade em toda a plenitude.
Prossegue alegando que se o Tribunal a quo não aceitou as restantes operações entre o emitente José ……………… e a Impugnante, então jamais poderia aceitar as restantes sob apreço, referente a custos de 4.000,00€.
Ora, como é bom de ver e decorre da apreciação do recurso da Impugnante, nenhuma razão assiste à Recorrente.
Desde logo, porque embora a contabilidade não possuísse todos os cheques referentes aos pagamentos das faturas em questão, não deixa de ser verdade que a Recorrida logrou provar a veracidade das operações que estão subjacentes às faturas desconsideradas. A falta de comprovação do seu pagamento fica a dever-se à circunstância de grande parte das mesmas serem pagas em numerário, pratica infelizmente normal à data dos factos e nestas áreas de negócio em que a informalidade impera.
Que os serviços foram prestados pelo senhor Luís …………. e pelos seus funcionários, no exercício de 2003, não restam dúvidas, tanto mais que ele e os seus trabalhadores eram vistos por outros trabalhadores nos locais de corte das madeiras e de pagamento das faturas.
Estando provada, como está, a materialidade das operações, embora não existam documentos comprovativos dos pagamentos em numerário, pela natureza das coisas, ainda existem pagamentos em cheque, embora em valor muito reduzido se comparado com os valores das faturas.
No entanto, pelas regras da experiencia comum é bem sabido que nestes ambientes dominados pela informalidade, como é o caso da área de negócios aqui em apreço, era normal, nessa data, existirem grande parte de pagamentos em numerário, desde logo e como já se referiu, pela simples circunstância de os trabalhadores que prestam estes serviços para as próprias empresas e, neste caso, para a subcontratada ou subempreiteira, serem pessoas que hoje estão ali a prestar aquele concreto serviço, mas amanhã já se encontram noutro lado, porque ali não há trabalho, mas no outro local há. Ou seja, até pela volatilidade destes trabalhadores se compreende que, muitas vezes, estes queiram ser pagos no próprio dia, até porque não sabem se no dia seguinte ali estarão a trabalhar.
Mais acresce que se a AT, como parece ser agora a linha de argumentação expendida pela Recorrente, Fazenda Pública, era a circunstância de a contabilidade não se encontrar devidamente organizada, então, o caminho a seguir não seria o de desconsiderar estas concretas faturas, mas sim de lançar mão de métodos indiretos de tributação, previstos nos artigos 85º e 87º da LGT, onde um dos fundamentos para tal é exatamente a circunstância da contabilidade não se encontrar organizada de modo a possibilitar comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável
Ademais, sempre convém deixar dito que não consta do relatório inspetivo que tenham sido feitas análises as Contas “Bancos” e “Caixa” de modo a verificar se as quantias a que respeitam as faturas desconsideradas foram ou não das mesmas retirados, ou se foram retirados valores aproximados aos valores das faturas.
Na verdade, independentemente do meio de pagamento utilizado para pagar as faturas desconsideradas pela AT, a verdade é que a Impugnante logrou provar a veracidade das operações, pelo que quer as pagas em numerário, quer aquelas que foram pagas através de cheque, correspondem a verdadeiras transações.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, improcedente terá de ser considerado o recurso da Fazenda Pública.* CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à Fazenda Pública, não apenas pela procedência do recurso da Impugnante, mas também pela improcedência do seu recurso, embora sem taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, julgar improcedente o recurso da Fazenda Pública e julgar totalmente procedente o recurso da impugnante, revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a impugnação e, em substituição, julgar totalmente procedente a impugnação judicial, anulando-se o ato impugnado e respetivos juros.
Custas pela Recorrente Fazenda Pública, em ambas as instâncias.
Lisboa, 13 de Novembro de 2025
Cristina Coelho da Silva (Relatora)
Maria da Luz Cardoso
Sara Loureiro |