Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:171/12.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS POR APOSENTADOS
INATEL
FUNDAÇÃO
PESSOA COLETIVA PÚBLICA
Sumário:I - A Fundação INATEL foi instituída pelo Estado Português e sucedeu ao INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, I. P., no conjunto dos seus direitos e obrigações, bem como na prossecução dos seus fins e atribuições de serviço público.
II - Mantiveram-se as atribuições sociais e de serviço público antes cometidas ao INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, I. P., integrante da administração central do Estado.
III - A Fundação INATEL não passou a prosseguir fins privados.
IV - Apenas se alterou – à luz de uma opção política legítima - o regime normativo de atuação para, segundo ponderação do poder político, melhor alcançar tais fins.
V - A Fundação INATEL passou a atuar ao abrigo de normas de direito privado, mas sempre, e apenas, como meio para agilizar o caminho para atingir fins prosseguidos pelo Estado.
VI - A Fundação INATEL é uma pessoa coletiva pública.
VII - O Recorrente não poderia cumular a pensão de aposentação e a subvenção mensal vitalícia com a remuneração pelo exercício de funções como secretário-geral da Fundação INATEL.
Votação:Unanimidade com declaração de voto
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
C...... intentou, em 23.1.2012, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa especial contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P., pedindo que seja:

«a. reconhecido ao A. o direito a cumular o recebimento da sua pensão de aposentação e o recebimento da sua subvenção mensal vitalícia com a remuneração que lhe é devida pelo exercício de funções para a Fundação Inatel;
b. anulado, por vício de violação de lei por ofensa do disposto no art. 79° n° 1 do Estatuto da Aposentação e art. 9° da Lei n° 52-A/2005, de 10/07/2011, o despacho que determina que a pensão de aposentação e a subvenção mensal vitalícia serão suspensas até que o A. opte pelo recebimento das mesmas ou pela remuneração pelo exercício das funções de secretário-geral da Fundação Inatel».

*

Por acórdão proferido em 30.6.2014 o tribunal a quo julgou a ação improcedente.
*

Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

I. O Tribunal a quo não aplicou a lei, mas antes ensaiou uma espécie de teoria da desconsideração da personalidade jurídica da Fundação Inatel, justificando a sua decisão segundo critérios ilegais, mais próximos da equidade do que do direito constituído. Tal entendimento é inadmissível, sob a perspetiva do princípio da legalidade, traduzindo-se numa inversão do regime jurídico, operada por via judicial.
II. A sentença recorrida revela um desacordo político acerca da figura das fundações privadas criadas por entidades públicas. Porém, não cabe ao Tribunal definir as opções políticas e legislativas do Estado; ao invés, cabe-lhe julgar os litígios que lhe são submetidos segundo o direito constituído. E segundo o direito constituído, o Estado e demais entidades públicas podiam constituir fundações de direito privado, sendo a constituição da Fundação Inatel perfeitamente legal.
III. O controlo e ingerência sobre a fundação não são critérios válidos para distinguir a natureza pública ou privada, uma vez que são comuns a ambos e não individualizadores de uma ou outra naturezas.
IV. Independentemente da sua génese - pública ou privada - e do seu carácter - originário ou derivado -, importa salientar a natureza inegavelmente privada destas fundações criadas por iniciativa pública, mas submetidas ao direito privado, pelo que não surpreende a sua integração no seio das pessoas coletivas (privadas) de utilidade pública, à imagem do que sucede com as fundações de criação privada às quais seja atribuído este mesmo estatuto (7-Miguel Lucas Pires, “Regime Jurídico Aplicável às Fundações de Direito Privado e de Utilidade Pública”, Publicações CEDIPRE, Coimbra, Maio de 2011.).
V. Aliás, um dos sinais mais evidenciadores e distintivos assenta na omissão de.
VI. O único elemento verdadeiramente caracterizador de um ente público é conservar o predicado fundamental das entidades públicas, que é a posse de prerrogativas de direito público, ou seja, os poderes exorbitantes do direito privado.
VII. Esse é, na verdade, o único critério que permite de forma segura distinguir entre entidades privadas criadas pelo Estado (ou outras entidades públicas); todos os demais critérios (génese, forma de criação, património) tendem a impor a conclusão de que a entidade criada será sempre pública, esvaziando o conceito das fundações privadas criadas por entidade pública.
VIII. A Fundação Inatel, apesar de criada pelo Estado, através do Decreto-Lei n.° 106/2008, de 25/6 (iniciativa pública), apesar de lhe ter sido afeto inicialmente um património público (o património do extinto Inatel, I.P - art. 6° do Decreto-Lei n.° 106/2008), apesar de prosseguir interesses públicos (art. 5° do Decreto-Lei n.° 106/2008), não possui qualquer poder de autoridade, que seja exorbitante de direito privado.
IX. A referida Fundação não só não tinha poderes de autoridade, como tinha de se adaptar ao mercado em que operava (turismo, cultura e desporto) a par com os demais operadores privados. Este sim, é um traço distintivo da natureza privada da referida Fundação.
X. O legislador foi preciso e meticuloso na redação do art. 78° do EA e enunciação das entidades nas quais os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas.
XI. Não cabe ao intérprete (Tribunal) inventar lacunas onde as mesmas não existem. Se o legislador tivesse querido abranger as pessoas coletivas de utilidade pública, tê-lo-ia previsto expressamente, à semelhança do que fez relativamente a outras entidades privadas, como foi o caso das entidades que integram o setor empresarial regional e local, o que abrange, por exemplo, sociedades comerciais de direito privado detidas pelo Estado ou entidades públicas.
XII. Ao referir-se às demais entidades públicas, é forçoso concluir que o legislador pretendeu referir-se a entidades públicas e não a entidades [privadas] de utilidade pública.
XIII. Se o legislador distinguiu, não cabe ao intérprete distorcer a distinção e incluir o que não fora incluído. Esta é uma regra elementar da hermenêutica.
XIV. A Fundação Inatel é uma pessoa coletiva de direito privado, tal como resulta inequivocamente do art. 4°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 106/2008, de 25/6. Esta conclusão resulta da letra da lei, mas também do facto da referida Fundação Inatel já não integrar a Administração indireta do Estado. No único caso em que o legislador atribuiu um regime de direito privado a fundações públicas, esse mesmo legislador teve o cuidado de as continuar a reportar as referidas entidades como fundações públicas. É o caso das instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional. (vide neste sentido o disposto nos arts. 129° e seguintes da Lei n.° 62/2007, de 10/9). Tal não sucedeu com a contra-interessada Fundação Inatel, o que mais uma vez abona no sentido de que o entendimento acolhido pelo Tribunal a quo distorce a norma prevista no art. 78° n° 1 do EA, visando lá incluir aquilo que o legislador deixou fora do respetivo âmbito de aplicação.
XV. A perspetiva acolhida pelo Tribunal a quo sobre a natureza pública da contra-interessada Fundação Inatel - além de juridicamente errada - retiraria qualquer traço distintivo entre as fundações públicas e fundações privadas, permitindo apenas que o Estado se servisse destas figuras consoante lhe fosse mais conveniente em termos de política orçamental ou estatística, mas sem nunca perder os benefícios e controle próprio das entidades públicas. Em síntese: legitimaria doutrinalmente a fraude à lei por parte do próprio Estado!
XVI. A categorização da Fundação Inatel como fundação pública de direito privado serviria apenas para legitimar a vigarice ou o esquema de fraude à lei, permitindo no que interessa ao Estado servir-se do estatuto privado (nomeadamente para efeitos de desorçamentação) sem perder os benefícios que resultam do facto da referida entidade estar na esfera do Estado. E, de um ponto de vista puramente jurídico, tratar-se-ia de uma categorização inútil, pois não existiria qualquer diferença que justificasse a referida criação de diferentes categorias.
XVII. Não tem qualquer fundamento lógico ou legal que uma fundação criada por entes públicos, em execução de um projeto de constituição de uma pessoa coletiva de direito público, venha requerer e a ver deferida a sua classificação como pessoa coletiva de utilidade pública... se já fosse uma entidade pública...
XVIII. Não obstante a iniciativa pública da sua criação e a especial responsabilidade do Estado, à luz da natureza do património que constitui o substrato material da fundação, deve concluir- se que a Fundação Inatel foi constituída como pessoa coletiva privada, não estando abrangida pelo âmbito do disposto no art. 78° do EA, pelo que os aposentados ou pensionistas que exerçam funções para a referida fundação podem acumular a referida remuneração com as pensões de que são titulares.
XIX. A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 4°, 7° do Decreto-Lei n° 106/2008, de 25/6, 78° do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n° 137/2010, de 28/12, e ainda os princípios da legalidade, da separação de poderes e do Estado de Direito.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que
i) anule o despacho que determinou a suspensão da pensão de aposentação e a subvenção mensal vitalícia até que o A opte pelo recebimento das mesmas ou pela remuneração pelo exercício das funções de secretário-geral da Fundação Inatel, e
ii) reconheça ao A. o direito de cumular o recebimento da sua pensão de aposentação e o recebimento da sua subvenção mensal vitalícia com a remuneração que lhe é devida pelo exercício de funções para a Fundação Inatel.
Assim se fará a sempre esperada
JUSTIÇA
*

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

1. O douto Acórdão recorrido fez correta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece a censura que lhe é dirigida pelo ora Recorrente.
2. Não assiste ao ora Recorrente o direito de acumular a pensão de aposentação e a subvenção mensal vitalícia com a remuneração auferida pelo exercício de funções para a Fundação Inatel, conforme decorre dos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, e do artigo 9º, n°4, da Lei n° 52-A/2005, de 10 de outubro, na redação então em vigor.
3. A este regime de incompatibilidades de exercício de funções públicas por aposentados e/ou titulares de subvenções mensais vitalícias, o legislador conferiu uma natureza imperativa, que prevalece sobre todas quaisquer outras normas de carácter geral ou especial em contrário.
4. Conforme bem decidiu o douto Acórdão recorrido, «(...)a Fundação INATEL está sujeita a um regime de controlo público quer orçamental quer de gestão imposto por Decreto-Lei (…). Ou seja, o INATEL pode ser qualificada como uma “pessoa colectiva criada por lei (...), expressamente sujeita a um específico regime jurídico público de ingerência ou de controlo” pelo que detém personalidade pública. Aquela ingerência e controlo justificam-se porque existe ali (na Fundação Inatel) quer património quer dinheiro público, além de fins públicos a prosseguir.»
5. Todo este desiderato está concretizado no articulado do Decreto-lei n° 106/2008, de 25 de junho, e nos Estatutos daquela Fundação.
6. Nesta medida, não há dúvidas de que os aposentados, reformados ou equiparados e os titulares das subvenções mensais vitalícias que exerçam funções naquela entidade estão abrangidos pela disciplina dos artigos 78.° e 79.° do EA, na redação do Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro, e do artigo 9º, n°4, da Lei n° 52-A/2005.
7. Nestes termos e com o douto suprimento de V.Exas, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se o tribunal a quo errou considerar que o ora Recorrente não podia cumular a pensão de aposentação e a subvenção mensal vitalícia com a remuneração correspondente às funções exercidas na Fundação INATEL.


III
A matéria de facto constante do acórdão recorrido é a seguinte:


A) C...... é beneficiário de uma subvenção mensal vitalícia, paga pela Caixa Geral de Aposentações desde 10 de Março de 2010, por ter sido deputado à Assembleia da República nos termos “do artigo 24.° da Lei n.°4/85, de 9 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Lei n.°s 26/95, de 18 de Agosto e 3/2001, de 23 de Fevereiro”, no valor, em 2005, de €2255,90.
B) C...... é beneficiário de uma pensão paga pela Caixa Geral de Aposentações, I.P. desde 25 de Outubro de 2006, no valor de (em 2006) €2862,18.
C) Em 09/09/2008 C...... foi designado como secretário-geral da Fundação Inatel, com efeitos a partir de 10 de Setembro de 2008.
D) Pelo exercício dessas funções C...... auferia o vencimento mensal de €2983,50.
E) Por ofício datado de 27 de Maio de 2011, e com fundamento na actual redacção dos artigos 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação (EA), a Caixa Geral de Aposentações, I.P. solicitou ao autor que, no prazo de 10 dias, informasse qual das prestações pretendia ver o pagamento suspenso, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2011.
F) Por carta datada de 8 de Junho de 2011, C...... comunicou à Caixa Geral de Aposentações que a Fundação Inatel é uma pessoa colectiva de direito privado e como tal não se encontrava abrangida por qualquer alteração legislativa.
G) Em 12 de Setembro de 2011 a Caixa Geral de Aposentações informou C...... que “confirma o seu entendimento de que, apesar da fundação Inatel, ter sido constituída por pessoa colectiva de direito privado, nos termos do artigo l.° dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.°106/2008, não deixa de possuir natureza pública”.
H) A Caixa Geral de Aposentações solicitou ainda que o autor optasse entre a suspensão do pagamento da pensão de que é titular ou da remuneração correspondente ao exercício de funções na Fundação Inatel, findo o qual presumiria que aquele optava pela suspensão da pensão.
I) Por carta datada de 21 de Outubro de 2011, a Caixa Geral de Aposentações informou C...... que a pensão de aposentação e a subvenção vitalícia de que é abonado ficariam suspensas provisoriamente, até que aquele optasse.
J) Em 02 de Novembro de 2011 o autor informou a Caixa Geral de Aposentações que optava por receber a pensão e subvenção vitalícia, ressalvando que tal opção não significava concordância com a interpretação de que não lhe é admissível a acumulação daquelas prestações com a sua remuneração peto exercício de funções na Fundação Inatel.
K) Por carta datada de 14 de Novembro de 2011 a Caixa Geral de Aposentações comunicou à contra-interessada Fundação Inatel da opção manifestada por C.......


IV
1. O artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, estabelecia o seguinte:

«1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 - Os beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exerçam quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas, nomeadamente em quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o sector empresarial municipal ou regional e demais pessoas colectivas públicas, devem optar ou pela suspensão do pagamento da subvenção vitalícia ou pela suspensão da remuneração correspondente à função política ou pública desempenhada.
5 - A opção exercida ao abrigo dos n.ºs 1 e 4 é estabelecida em conformidade com declaração do interessado, para todos os efeitos legais.
6 – (…).


2. Por seu lado, o Estatuto da Aposentação, na sua versão original, dispunha o seguinte nos seus artigos 78.º e 79.º:
Artigo 78.º
(Incompatibilidades)
1. Os aposentados não podem exercer funções remuneradas ao serviço do Estado, dos institutos públicos, incluindo os organismos de coordenação económica, das províncias ultramarinas, das autarquias locais e das empresas públicas, salvo em regime de mera prestação de serviços, nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º, e nos demais casos permitidos pela lei, quer directamente, quer mediante autorização do Conselho de Ministros.
2. (…).
Artigo 79.º
(Exercício de funções públicas por aposentados)
Nos casos em que aos aposentados seja permitido desempenhar outras funções públicas, é-lhes mantida a pensão de aposentação e abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se lei especial determinar ou o Conselho de Ministros autorizar abono superior, até ao limite da mesma remuneração.»

3. Os referidos normativos vieram a ser alterados pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de novembro, o qual lhes conferiu a seguinte redação:
«Artigo 78.º
Incompatibilidades
1 - Os aposentados não podem exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, em quaisquer serviços do Estado, pessoas colectivas públicas ou empresas públicas, excepto quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias:
a) Quando haja lei que o permita;
b) Quando, por razões de interesse público excepcional, o Primeiro-Ministro expressamente o decida, nos termos dos números seguintes.
2 - O interesse público excepcional é devidamente fundamentado, com suficiente grau de concretização, na justificada conveniência em assegurar por essa via as funções que se encontram em causa.
3 - A decisão é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direcção, de superintendência, de tutela ou de outra forma de orientação estratégica sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas ou o trabalho deva ser prestado.
4 – (…).
5 – (…).
6 – (…).
Artigo 79.º
Cumulação de remunerações
1 - Quando aos aposentados e reservistas, ou equiparados, seja permitido, nos termos do artigo anterior, exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, é-lhes mantida a respectiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes, nesse caso, abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida.
2 - As condições de cumulação referidas no número anterior são fixadas pela decisão prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior.»

4. Do preâmbulo do referido diploma, com interesse para a compreensão do regime legal em causa, retira-se o seguinte:

«O exercício de funções públicas por aposentados ao abrigo do Estatuto da Aposentação justifica-se exclusivamente por razões de interesse público.
O regime actualmente aplicável à decisão para o exercício de funções públicas por aposentados, tal como decorre do disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação e demais disposições aplicáveis, envolve uma significativa discricionariedade quer no que se refere à decisão em si mesma quer na definição do valor do abono devido por tal exercício.
Por outro lado, a actual situação das contas públicas implica a adopção de critérios mais rigorosos em todas as áreas potencialmente geradoras de despesa pública.
Acresce que a existência condigna dos aposentados é garantida pela atribuição das respectivas pensões, pelo que, quando lhes é excepcionalmente autorizado o exercício de funções públicas, de tal situação não deve decorrer a possibilidade de cumulações remuneratórias susceptíveis de pôr em causa elementares princípios de equidade».

5. No que se refere ao texto legal é de notar o surgimento da primeira referência expressa a pessoas coletivas públicas, mantendo-se o carácter excecional do exercício de funções públicas por aposentados, igualmente aplicável à prestação de trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, nas entidades que a lei identificou.

6. Entretanto, e ainda com relevo para o presente recurso, veio a ser publicado o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro. Assumiu-se, no respetivo preâmbulo, o facto de o Governo ter decidido «adoptar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento do Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010», medidas essas que «representam um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais» e que se concentram «principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010-2013». Decidiu-se, por isso, eliminar «a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação».

7. Deste modo, a redação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação relevante para o caso dos autos passou a ser a seguinte:
«Artigo 78.º
Incompatibilidades
1 - Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas colectivas públicas, excepto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excepcional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
2 – (…).
3 - Consideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
4 - A decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direcção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, excepto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções.
5 - (...)
6 – (…).
7 – (…).
Artigo 79.º
Cumulação de pensão e remuneração
1 - Os aposentados, bem como os referidos no n.º 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.
2 - Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.
3 - Caso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta actualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão.
4 – (…).
5 – (…).»

8. Ao regime constante dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação foi conferida «natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excepcionais, em contrário», ressalvando-se «o regime constante do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho, durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida» (vd. artigo 6.º/2 e 3 do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro).

9. Manteve-se, portanto, o carácter excecional do exercício de funções públicas por aposentados e a referência às pessoas coletivas públicas. Eliminou-se a possibilidade de cumular, ainda que parcialmente, o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente ao exercício de funções públicas e ficou claro que o exercício de funções remuneradas numa pessoa coletiva pública, nomeadamente, é sempre qualificado como exercício de funções públicas, ainda que possam ser prestadas com base em contrato de direito privado. Inclusive um contrato de prestação de serviços, o qual, como se sabe, não envolve a autoridade e direção própria do contrato de trabalho (de acordo com a noção constante do artigo 1154.º do Código Civil, «[c]ontrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição»).

10. Assim sendo, não importa aferir a natureza do título jurídico ao abrigo do qual as funções foram exercidas pelo Recorrente. Interessará apenas apurar se a Fundação INATEL tem a natureza de pessoa coletiva pública. Tendo-a, as funções nela exercidas pelo Recorrente serão igualmente públicas.

11. Vejamos, então, e antes de mais, o Decreto-Lei n.º 106/2008, de 25 de junho, que instituiu a Fundação INATEL.

12. Através daquele diploma foi extinto o INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, I. P. (artigo 1.º) (a Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2006, de 21 de abril, havia determinado, na subalínea ii) da alínea e) do artigo 21.º, que o INATEL deixaria de integrar o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, saindo da administração central do Estado, e na nova orgânica desse Ministério, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 211/2006, de 27 de outubro, previu, no seu artigo 39.º, a externalização do INATEL, «através da aprovação de novo enquadramento jurídico de fundação de direito privado de utilidade pública»).

13. A Fundação INATEL foi instituída pelo Estado Português (artigo 2.º) e sucedeu ao INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, I. P., no conjunto dos seus direitos e obrigações, bem como na prossecução dos seus fins e atribuições de serviço público (artigo 3.º).

14. É uma «pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública» (artigo 4.º/1), tendo «como fins principais a promoção das melhores condições para a ocupação dos tempos livres e do lazer dos trabalhadores, no activo e reformados, desenvolvendo e valorizando o turismo social, a criação e fruição cultural, a actividade física e desportiva, a inclusão e a solidariedade social» (artigo 5.º).

15. Foram transferidos para si «os direitos e obrigações, bem como a universalidade dos bens móveis e imóveis de que seja titular o INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, I. P., na data da sua extinção» (artigo 6.º).

16. De acordo como o disposto no artigo 7.º/1, «[a] Fundação INATEL é reconhecida de utilidade pública nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de Dezembro».

17. Finalmente, cabe referir que «o membro do Governo responsável pela área do trabalho e da solidariedade social inscreve no orçamento da segurança social, ou no orçamento de serviços da administração central do Estado sob sua tutela, verbas para assegurar a comparticipação financeira do Estado, como contrapartida das atribuições sociais e de serviço público prosseguidas pela Fundação» (artigo 8.º/2).

18. Dos seus estatutos, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 106/2008, de 25 de junho, ressaltam outros aspetos relevantes. Entre eles o facto de serem as seguintes as receitas da Fundação INATEL (artigo 7.º):

«a) Os proveitos resultantes das actividades que desenvolve e dos serviços que presta;
b) O valor das contribuições financeiras dos seus beneficiários;
c) Os rendimentos dos bens próprios ou dos quais tenha a administração assim como o produto de aplicações financeiras;
d) O produto da alienação de bens próprios e da constituição de direitos sobre os mesmos;
e) As receitas provenientes dos jogos sociais, transferidas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa;
f) As transferências do Estado que sejam inscritas para o efeito nos orçamentos do Estado e ou da segurança social;
g) As receitas ou contrapartidas financeiras que lhe caibam por força da lei ou de contrato e por subsídios de entidades públicas, privadas ou de economia social, atribuídos a título permanente ou eventual».

19. Temos, por outro lado, que «[o]s investimentos da Fundação devem respeitar o critério da optimização da gestão do seu património e visar, gradualmente e na medida do possível, a independência financeira da Fundação em relação aos orçamentos do Estado e da segurança social» (artigo 9.º/3). A Fundação INATEL «deve apresentar ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, para efeito de homologação, o seu plano trienal de actividades e a respectiva estimativa de orçamento» (artigo 12.º/1). De acordo com o disposto no artigo 13.º, «[o]s planos de actividade e orçamentos anuais, de exploração e de investimento, cumpridas as formalidades internas exigidas pelos estatutos, são apresentados, até 15 de Dezembro, ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, para efeito de homologação». Os instrumentos de prestação de contas a elaborar anualmente, com referência a 31 de dezembro, e identificados no artigo 14.º/1, são enviados à tutela, para efeitos de homologação (artigo 14.º/2).

20. São órgãos da Fundação INATEL o conselho geral, o conselho de administração, o conselho consultivo e o conselho fiscal (artigo 15.º).

21. O conselho geral é composto pelo presidente da Fundação e por oito vogais (artigo 22.º/1), sendo os vogais nomeados por despacho do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e designados do seguinte modo (artigo 22.º/2):

a) Dois vogais em representação do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social;
b) Um vogal em representação do Ministro das Finanças;
c) Um vogal em representação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa;
d) Dois vogais em representação da CGTP - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses;
e) Dois vogais em representação da UGT - União Geral dos Trabalhadores.

22. O conselho de administração é composto pelo presidente da Fundação, pelo vice-presidente e por três vogais (artigo 26.º/1), sendo os seus membros nomeados mediante resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (artigo 26.º/2). A remuneração dos membros do conselho de administração é fixada por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do trabalho e da solidariedade social (artigo 29.º/1). Os membros do conselho de administração podem ser livremente demitidos pelo Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, independentemente da existência de fundamentos de natureza disciplinar (artigo 30.º/2)

23. O conselho consultivo integra, nomeadamente, um representante de cada um dos departamentos do Estado responsáveis pelas áreas do emprego e formação profissional, da segurança social, da reabilitação, das finanças, da cultura, da juventude, do desporto, do turismo e das comunidades portuguesas, competindo a sua designação aos respetivos ministros [artigo 33.º/1/a)].

24. Relativamente ao conselho fiscal, composto por três membros efetivos e um suplente, compete aos Ministros das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade Social a nomeação, por despacho conjunto, dos seus membros (artigo 38.º/1 e 2).

25. Do regime acabado de expor ressalta, com evidência, o cunho público da Fundação INATEL, ainda que atue ao abrigo de normas de direito privado. Não por acaso, aliás, se dizia no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 106/2008, de 25 de junho, o seguinte: «A natureza do património da Fundação INATEL bem como as importantes atribuições sociais e de serviço público por esta prosseguidas justificam e aconselham uma especial responsabilidade do Estado, que se traduz na aprovação das orientações estratégicas da actividade da Fundação e na necessidade de todos os actos de disposição sobre o seu património imobiliário serem autorizados pelo Governo, bem como na manutenção de uma comparticipação financeira, realizada num quadro de planeamento estratégico e de contratualização plurianual, que promovam e reforcem o objectivo de auto-sustentabilidade financeira da Fundação. Tal responsabilidade justifica ainda a nomeação e a fixação pelo Governo dos vencimentos dos membros dos órgãos de gestão da Fundação INATEL, que em tudo o mais terá uma ampla autonomia de gestão.

26. «Por outro lado, as novas realidades sociais e económicas, bem como a necessidade de dar respostas mais eficazes e de qualidade às crescentes solicitações dos seus beneficiários e do público em geral, determinam que, sem se perder de vista a função social desta instituição, se reforcem os laços que a ligam à comunidade nacional e se adoptem modelos mais ágeis de gestão empresarial.

27. «Vai nesse sentido o modelo de governação previsto nos estatutos agora aprovados, que, seguindo as melhores práticas e as mais modernas tendências, consagra uma estrutura de gestão desburocratizada, ágil e amplamente representativa da sociedade civil, promovendo-se, também por esta via, a parceria entre o Estado e os cidadãos».

28. Portanto, mantiveram-se as atribuições sociais e de serviço público antes cometidas ao INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, I. P., integrante da administração central do Estado. A Fundação INATEL não passou, pois, a prosseguir fins privados. Apenas se alterou – à luz de uma opção política legítima - o regime normativo de atuação para, segundo ponderação do poder político, melhor alcançar tais fins. Ou seja, a Fundação INATEL, instituída pelo Estado, passou a atuar ao abrigo de normas de direito privado, mas sempre, e apenas, como meio para agilizar o caminho para atingir fins prosseguidos pelo Estado. Constitui-se com património do Estado e o Estado mantém a sua intervenção financeira e um elevado grau de intervenção na sua gestão. As transferências financeiras do Estado, de montante variável – exatamente em função do valor das demais receitas -, assegurarão sempre o normal funcionamento da Fundação.

29. Como dava conta o tribunal a quo, «a Fundação INATEL está sujeita a um regime de controlo público quer orçamental quer de gestão imposto por Decreto-Lei». Tudo em ordem a conduzir-nos à conclusão de que a Fundação INATEL é uma pessoa coletiva pública.

30. É certo que – e isso já havia sido referido – o artigo 4.º/1 do Decreto-Lei n.º 106/2008, de 25 de junho, estabelece que a Fundação INATEL «é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública». No entanto – e aqui se responde diretamente ao essencial da posição do Recorrente -, «[a] personalidade de direito público deixou de ser o critério adequado para delimitar com precisão as fronteiras da província do direito público (…)» (Pedro Gonçalves, Entidades privadas com poderes públicos, Almedina, 2008, p. 250).

31. Como refere Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2001, vol. I, p. 583), «já sabemos que as pessoas colectivas públicas actuam por vezes segundo o direito privado, e que algumas instituições particulares de interesse público funcionam por vezes nos termos do direito público. Donde resulta que as pessoas colectivas públicas tanto dispõem de capacidade jurídica pública como de capacidade jurídica privada, o mesmo podendo afirmar-se, de um modo geral, acerca das pessoas colectivas privadas». Daí que possamos ter a «categoria híbrida das “fundações públicas de direito privado”, (…) caracterizadas pelas notas da afectação de um património público, em regime de direito privado, ao serviço de fins de interesse público da entidade pública instituidora» (parecer n.º 611/2000, de 11.1.2000, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República). Fundações públicas «sujeitas no seu funcionamento apenas ao direito privado» (Nuno Sá Gomes, Notas sobre a função e regime jurídico das pessoas colectivas públicas de direito privado, in Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 343/345, julho-setembro de 1987, pp. 189/190).
32. É nesses termos, portanto, que deve ser entendida a qualificação legal de pessoa coletiva de direito privado. E daí o facto – absolutamente natural – de todos os seus trabalhadores poderem exercer funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho. Não se mostrará, pois, muito compreensível a afirmação do Recorrente segundo o qual se «mostra incompatível a subsunção da Fundação Inatel, e os respetivos trabalhadores, a um regime de direito público, como se verdadeiros funcionários públicos se tratassem». Os seus trabalhadores poderão exercer funções ao abrigo de um regime de direito privado. Mas tal não significa que deixem de estar sob a alçada de determinadas normas que nada têm a ver com esse exercício de funções, mas antes com o que se entende exigível em função do facto de esse exercício decorrer numa pessoa coletiva pública.

33. E - como bem diz o Recorrente – [o] que releva é a natureza pública da entidade visada». E para a distinção entre pessoa coletiva pública e pessoa coletiva privada importa, sim, o pressuposto de que «uma entidade criada por iniciativa pública e por um acto de direito público deve qualificar-se como pessoa pública, desde que fique sujeita a um regime especial de ingerência ou, pelo menos, de controlo e tutela expressamente previsto e definido por lei» (Pedro Gonçalves, op. cit., p. 264). De resto, e como observa o mesmo autor – também evidenciado pelo tribunal a quo -, a «distinção linear tradicional [entre entidades públicas e entidades privadas] tem sido posta em causa por factores de vária ordem, entre os quais se contam os seguintes: as pessoas públicas utilizam com frequência o direito privado, fugindo, por vezes iludindo-a, à aplicação da disciplina que lhes está especialmente dirigida; assiste-se, cada vez mais frequentemente, à criação pública de entidades privadas para a prossecução de tarefas públicas e realização de fins públicos; entidades genuinamente privadas são chamadas a assumir responsabilidades de execução de funções públicas; a justiça administrativa alarga-se à resolução de conflitos entre entidades privadas; a titularidade de direitos fundamentais deixa de estar reservada a pessoas privadas, reconhecendo-se que, em certas circunstâncias, pessoas de direito público podem também assumir a titularidade de (certos) direitos fundamentais; além disso, há casos de “personalidade pública formal” (atribuição de personalidade de direito público a colectividades e organizações compostas por particulares e que se dedicam a tarefas privadas, v.g., associações religiosas), bem como de “pessoas ficticiamente privadas”, de véu privado, mas substrato público. Todos esses factores representam os sinais visíveis da quebra de um princípio de conexão e de continuidade lógica entre “personalidade pública – tarefa pública – direito público”: há tarefas públicas executadas por pessoas privadas e tarefas privadas executadas por pessoas públicas; o direito privado regula a actuação de entidades públicas e, em certas circunstâncias, o direito público é chamado a regular a actuação de entidades privadas» (idem, pp. 249/250).

34. Opondo-se, o Recorrente evidencia o facto de a Fundação INATEL não ter «um dos sinais mais evidenciadores e distintivos» de um ente público, o qual «assenta na omissão de detenção de poderes de autoridade (ius imperii)». Assim não se entende. A existência, ou não, de poderes de autoridade deverá ser apenas um dos critérios de apreciação. Isso mesmo, aliás, se pode ler no parecer n.º 160/2004, de 17.2.2005, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos termos do qual «[a] identificação das pessoas colectivas como públicas ou privadas decorrerá da análise casuística da sua finalidade, modo de criação, titularidade de poderes de autoridade e integração, por forma a concluir pela predominância ou não dos seus atributos administrativos».

35. Aliás, o tribunal a quo já havia enfrentado aquele argumento, socorrendo-se da posição de Pedro Gonçalves constante da obra já referida (p. 264). Ali se pode ler: «A posição que adoptamos desvaloriza o critério da titularidade de prerrogativas públicas – que, por ex., Vital Moreira entende ser o “predicado fundamental das entidades públicas (…) Não nos parece que deva qualificar-se como privada a “agência” criada por lei (com personalidade jurídica) para o desempenho de tarefas públicas atribuídas a um ministério e colocada sob a “dependência” e “orientação” de um ministro só porque não lhe são expressamente conferidos poderes públicos de autoridade ou outras prerrogativas públicas». Também Freitas do Amaral (op. cit., p 586) afasta expressamente o apelo aos poderes de autoridade. Assume o autor que «preferimos dizerpoderes e deveres públicos” em vez de “poderes de autoridade”, pela dupla razão (…) de que há pessoas colectivas públicas (…) que não exercem poderes de autoridade (…)».

36. Assim sendo, e como já anteriormente se tinha concluído, será de acolher o entendimento que já havia sido perfilhado no acórdão de 10.12.2020 deste Tribunal Central Administrativo (processo n.º 2251/12.6BELSB): a Fundação INATEL é uma pessoa coletiva pública (esse entendimento foi expressamente secundado pelo acórdão de 15.5.2025 do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1935/21.2T8LSB.L1.S2).

37. Essa qualificação sai reforçada com a entrada em vigor da Lei-Quadro das Fundações, aprovada pela Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, que teve como um dos objetivos – disse-o a Proposta de Lei n.º 42/XII – a redução do «Estado paralelo», e cujas normas «são de aplicação imperativa e prevalecem sobre as normas especiais atualmente em vigor, salvo na medida em que o contrário resulte expressamente da presente lei-quadro» (artigo 1.º/2). Com especial relevo estabelece o seu artigo 4.º o seguinte (com noções próximas das que já constavam da Lei n.º 1/2012, de 3 de janeiro, a qual determinou a realização de um censo e a aplicação de medidas preventivas a todas as fundações, nacionais ou estrangeiras, que prossigam os seus fins em território nacional, com vista a proceder a uma avaliação do respetivo custo/benefício e viabilidade financeira e decidir sobre a sua manutenção ou extinção):

«1 - As fundações podem assumir um dos seguintes tipos:

a) «Fundações privadas», as fundações criadas por uma ou mais pessoas de direito privado, em conjunto ou não com pessoas coletivas públicas, desde que estas, isolada ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influência dominante;
b) «Fundações públicas de direito público», as fundações criadas exclusivamente por pessoas coletivas públicas, bem como os fundos personalizados criados exclusivamente por pessoas coletivas públicas nos termos da lei quadro dos institutos públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, alterada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 105/2007, de 3 de abril, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 40/2011, de 22 de março, pela Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11 de abril, pela Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 5/2012, de 17 de janeiro, doravante designada por lei quadro dos institutos públicos;
c) «Fundações públicas de direito privado», as fundações criadas por uma ou mais pessoas coletivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, detenham uma influência dominante sobre a fundação.
2 - Considera-se existir «influência dominante» nos termos do número anterior sempre que exista:

a) A afetação exclusiva ou maioritária dos bens que integram o património financeiro inicial da fundação; ou
b) Direito de designar ou destituir a maioria dos titulares do órgão de administração da fundação

3 - Persistindo dúvidas sobre a natureza privada ou pública da fundação, prevalece a qualificação que resultar da pronúncia do Conselho Consultivo, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 13.º».

38. De acordo com o disposto no seu artigo 48.º/c), «[a]s fundações públicas, de direito público ou de direito privado, estão sujeitas [a]o regime de impedimentos e suspeições dos titulares dos órgãos e agentes da Administração, incluindo as incompatibilidades previstas nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação», sendo-lhes aplicável «[o] regime de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas e da Inspeção-Geral de Finanças» [artigo 52.º/2/h)], sendo tal regime aplicável [à]s fundações públicas de direito privado já criadas e reconhecidas» (artigo 57.º/2).

39. Concluindo: tal como havia sido decidido pelo tribunal a quo, o Recorrente não poderia cumular a pensão de aposentação e a subvenção mensal vitalícia com a remuneração pelo exercício de funções de secretário-geral da Fundação INATEL. De resto, é profundamente errada a acusação que o Recorrente aponta ao tribunal a quo, nos termos da qual o mesmo teria ensaiado «uma espécie de teoria da desconsideração da personalidade jurídica da Fundação Inatel, justificando a sua decisão segundo critérios ilegais, mais próximos da equidade do que do direito constituído». Como desajustados são a afirmação de que «a sentença recorrida revela um desacordo político acerca da figura das fundações privadas criadas por entidades públicas» e o pressuposto de que o tribunal a quo consideraria ilegal a constituição da Fundação INATEL. Tal nunca foi afirmado, nem mesmo indiretamente.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmado o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 9 de outubro de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Teresa Caiado
Ilda Côco Côco (com a declaração de voto anexa)



Declaração de voto

Voto o sentido da decisão, embora não acompanhe integralmente os respectivos fundamentos.
Com efeito, o legislador indicou, no artigo 4.º, n.º1, do Decreto-lei n.º106/2008, de 25 de Junho, a natureza jurídica da Fundação Inatel – “a Fundação é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública”, pelo que, e uma vez que considero que tal indicação se impõe ao intérprete [neste sentido, Pedro Gonçalves, na obra citada no Acórdão, página 258], não posso acompanhar a qualificação da Fundação Inatel como pessoa colectiva pública.
No entanto, considerando que a Fundação Inatel é uma fundação pública de direito privado, que, nos termos do artigo 48.º, alínea c), da Lei n.º24/2012, de 9 de Julho, está sujeita ao regime das incompatibilidades previstas nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, voto o sentido da decisão.