Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:534/20.0BESNT-S1
Secção:CA
Data do Acordão:10/29/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL
CONTRATO ADMINISTRATIVO
BENS DO DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO CONCESSIONADO A MUNICÍPIO
EMPRESA LOCAL
Sumário: Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer do pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que procedeu à resolução do “contrato de cedência do direito de utilização temporário e exclusivo dos postos de amarração nºs G1, G2 e G3”, do Porto de Recreio de Oeiras, celebrado entre uma empresa local criada pelo Município e outra pessoa colectiva de direito privado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

A Oeiras Viva – Gestão de Equipamentos Culturais e Desportivos, E.M., vem recorrer do despacho proferido pela Mª Juíza do TAF de Sintra que, entre o mais, declarou a competência da jurisdição administrativa e fiscal para conhecer, em razão da matéria, do pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que rescindiu o contrato de cedência do direito de utilização temporário e exclusivo dos postos de amarração números G1, G2 e G3, do Porto de Recreio de Oeiras.

Formulou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:

“1. O despacho proferido pelo meritíssimo Juiz a quo no dia 31/7/2020, através do qual declara o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra como competente para julgar o presente litígio é ilegal, por contrário à lei e à generalidade da jurisprudência sobre esta matéria.

2. O Meritíssimo Juiz autor do referido despacho faz uma errónea interpretação da lei e retira dela conclusões desacertadas.

3. A carta dirigida a M..., junta como doc 1 ao presente recurso, que constitui fundamento único do presente litígio, não é nem contem qualquer vestígio de acto administrativo.

4. O contrato celebrado entre Requerida e Requerente, denominado “Contrato de Cedência do Direito de Utilização Temporário e Exclusivo do Posto de Amarração”, não tem qualquer traço de regime de direito administrativo, antes apresenta um regime inteiramente de direito civil.

5. O Tribunal competente para dirimir o presente litígio em razão da matéria é o Tribunal Judicial Comum e não o Tribunal Administrativo.

6. O meritíssimo juiz a quo, ao decidir como o fez, violou a generalidade da jurisprudência sobre esta matéria, nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 169/15.0T8AMT-C.P.1, de 23/06/2015 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo nº 375014/09.5YIPRT, de 20/01/2015, e, designadamente, as seguintes normas: ponto 1 do artigo 211º e ponto 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa; artigo 4º do Estatuto do Tribunais Administrativos e Fiscais; artigo 1º, ponto 1 e artigo 31º, ponto 1, dos Estatutos de Oeiras Viva E.M; artigo 6º (parte final), artigo 19º, ponto 1 e ponto 4 e artigo 21º, todos da Lei nº 50/2012 de 31/8 e artigo 64º do Código do Processo Civil.

Termos em que se requer a esse Tribunal Superior a anulação do despacho recorrido, substituindo-o por outro que declare a incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para julgar o presente litígio em razão da matéria, com as demais consequências legais, nomeadamente a absolvição da requerida da instância.”.


A Recorrida apresentou contra-alegações, em que pugna:
“a. pela alteração do regime de subida e efeitos do recurso invocados pela Recorrente, sujeitando este ao regime de subida imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo da douta Decisão recorrida;
b. pelo desentranhamento, por inadmissibilidade, dos documentos juntos pela Recorrente sob os n.ºs 1 e 2, com as respectivas consequências:
c. que o presente recurso tem o valor de € 30.000.01 (trinta mil euros e um cêntimo): mas, em qualquer caso,
d. pela integral negação de provimento do recurso a que se responde, decidindo pela jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais para o litígio que é objecto do processo cautelar em que foi prolatado o douto Despacho recorrido”.

O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA.

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Efeito e regime de subida do recurso.

Nas contra-alegações foi suscitada a questão relativa ao efeito a atribuir ao presente recurso, bem assim como as atinentes ao seu regime de subida e ao valor do recurso.

Em 15/09/2020 foi proferido despacho no TAF de Sintra que admitiu o presente recurso, tendo sido aí determinada a sua subida de imediato, em separado e atribuído efeito devolutivo ao mesmo, nos termos dos artigos 141º, nº1, 142º, nº1 n.º2, al. b), 143, 144.º, 147.º, n.1º in fine, todos do CPTA e nos dos artigos 644.º, n.º2, al. b), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º1 do CPC, ex vi art.º 140.º do CPTA.

Tal decisão corresponde ao regime a que deve obedecer a tramitação do recurso, que resulta das citadas disposições legais, pelo que se mantém o decidido.

Valor do recurso.

A Recorrida vem defender que se deve atribuir o valor de 30.000,01€ ao recurso.

A Recorrente não atribuiu valor ao recurso.

Estatui o art.º 31.º, n.º 1 do CPTA que se atende ao “valor da causa para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e que tipo de recurso.”

E o art.º 142.º, n.º 1 do CPTA, queo recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”.

Determina o art.º 32, n.º 3 do CPTA que, “quando a acção tenha por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um contrato, atende-se ao valor do mesmo, determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.”

No processo cautelar de que depende o presente apenso pede-se o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão da Recorrida que rescindiu o “contrato de cedência do direito de utilização temporário e exclusivo dos postos de amarração nºs G1, G2 e G3”, do Porto de Recreio de Oeiras.

Tal contrato foi celebrado apenas pelo prazo de um ano, com início de vigência a 01/01/2020, tendo sido fixado “o preço global de €5.933,16”, a pagar em doze prestações (cfr. doc. n.º 2 junto com o r.i.).

Assim e por força das normas do CPTA acima transcritas, há que fixar o valor do recurso em €5.933,16, o qual é superior ao valor da alçada do TAF de Sintra, que é de €5.000,00 (art.º 6.º, n.º 3 do ETAF e art.º 44.º, n.º 1, da LOSJ).

De todo o modo, uma vez que a questão que se discute no presente recurso é a relativa à competência da jurisdição administrativa e fiscal para conhecer do pedido de decretamento da providência cautelar, a qual se afere em função das regras de competência em razão da matéria, a admissibilidade do recurso não depende do valor da causa ou da sucumbência. O recurso seria sempre admissível, conforme determina o art.º 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, aplicável por força do n.º 3 do art.º 142.º do CPTA.

Do pedido de desentranhamento de documentos.

A Recorrida requereu ainda que fosse determinado o desentranhamento dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos pela Recorrente com o requerimento de interposição do recurso, por os mesmos já constarem dos autos.

Tal desentranhamento foi determinado no despacho de admissão do recurso, que não foi impugnado, pelo que o seu conhecimento se tornou inútil.


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Objecto do recurso.
Há, assim, que decidir se a jurisdição administrativa e fiscal é a competente para conhecer do pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que rescindiu o “contrato de cedência do direito de utilização temporário e exclusivo dos postos de amarração nºs G1, G2 e G3”, do Porto de Recreio de Oeiras, assinado entre a Recorrente e a Recorrida em 22/01/2020.

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O processo vem à Conferência para julgamento, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de um processo urgente.

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FUNDAMENTAÇÃO
De facto.

Provam os autos que:
a) Em 16/02/1990 foi celebrado um acordo escrito através do qual a Administração do Porto de Lisboa cedeu ao Município de Oeiras o direito de utilizar parte da zona ribeirinha integrada no domínio público marítimo – acordo e doc. n.º 3 junto com o r.i.;
b) O Município de Oeiras construiu, na área cedida, o “Porto de Recreio de Oeiras” – acordo e doc. n.º 3 junto com o r.i.;
c) O Município de Oeiras constituiu a sociedade Oeiras Viva – Gestão de Equipamentos Culturais e Desportivos, E.M. – cfr. estatutos;
d) Tal sociedade tem como objecto social:
“1.A promoção e gestão de espaços e equipamentos culturais, desportivos ou de lazer que integram ou venham a integrar o património do Município de Oeiras ou aqueles que, a qualquer título, estejam confiados ao Município para desenvolvimento daquelas atividades, incluindo a totalidade das valências e funcionalidades dos edifícios e espaços adjacentes, bem como promover as ações necessárias à manutenção, reabilitação ou reequipamento desses espaços, e ainda a prestação de serviços nas áreas da cultura, desporto ou lazer;
2. A prestação de serviços nas áreas da cultura, do desporto ou do lazer, de forma direta ou no âmbito do apoio às atuações municipais ou de outras entidades públicas ou privadas.
3. A Oeiras Viva promove ainda as atividades tendentes à escolha de entidades que diretamente explorem alguns dos equipamentos a que se refere o número anterior, bem como a gestão de contratos que com essas entidades forem celebrados e ainda os que a Câmara Municipal delibere transferir para a Empresa através da cessão da respetiva posição contratual de concessionária ou equivalente. (…)” – art.º 3.º dos seus estatutos;
e) A sociedade Oeiras Viva tem as seguintes competências:
1. “Proceder à administração integral dos edifícios, infraestruturas e demais equipamentos afetos a atividades municipais nos domínios desportivo, recreativo, cultural, que lhe sejam para o efeito entregues mediante deliberação da Câmara Municipal de Oeiras;
2. Colaborar com o Município de Oeiras no âmbito dos programas culturais e desportivos de iniciativa ou com a participação deste;
3. Colaborar com os órgãos e serviços competentes do Município na programação dos eventos a realizar nos espaços e equipamentos;
4. Promover as obras de conservação ordinária dos edifícios e estruturas municipais afetos ou a afetar às atividades culturais, desportivas e de lazer;
5. Elaborar e aprovar os regulamentos de funcionamento e exploração das instalações, bem como dos respetivos serviços associados, no âmbito de poderes que venham a ser delegados pelo órgão municipal competente;
6. Adquirir os bens, equipamentos e direitos a eles relativos necessários às suas atividades, mantendo organizado e atualizado o cadastro dos bens que lhe estão confiados;
7. Exercer as atividades que lhe venham a ser cometidas pela Câmara e que se mostrem compatíveis com o seu objeto social;
8. Promover as atividades que integram o seu objeto social, podendo para o efeito estabelecer parcerias com outras entidades públicas ou privadas;
9. Praticar os demais atos necessários à prossecução do seu objeto social.
2. A Oeiras Viva, verificados os pressupostos legais e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 27.º da Lei n.º 50/2012 de 31 de agosto, exerce os poderes de administração dos bens do domínio público ou privado do Município que sejam afetos ao exercício das suas competências e à prossecução das suas atribuições, gozando o seu pessoal, que para tal for designado pelo Conselho de Administração, das mesmas prerrogativas de autoridade pública destinadas à defesa desse mesmo património de que gozam os agentes do Município.” – art.º 4.º dos seus estatutos
f) A gestão da Oeiras Viva obedeceestritamente aos objetivos prosseguidos pelo Município de Oeiras, visando a gestão de serviços de interesse geral e assegurando a universalidade, a continuidade dos serviços prestados, a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, a coesão económica social local e a proteção dos utentes, sem prejuízo da eficiência económica, no respeito pelos princípios da não discriminação e da transparência, de acordo com o disposto nestes estatutos, normas legais e princípios de boa gestão empresarial.” – n.º 1 do art.º 19.º dos respectivos estatutos;
g) O capital social da Oeiras Viva é detido na sua totalidade pelo Município de Oeiras - art.º 1.º, n.º 2 dos respectivos estatutos, doravante designado abreviadamente por Município.
h) Em 22/01/2020, a Recorrente e a Recorrida celebraram um acordo escrito por força do qual foi cedido a esta última o direito de utilização temporário e exclusivo dos postos de amarração nºs G1, G2 e G3, do Porto de Recreio de Oeiras, para vigorar entre 01/01/2020 e 31/12/2020, pelo preço global de €5.933,16 – doc. n.º 2 junto com o r.i., que se dá por reproduzido;
i) Tendo a ora Recorrida assumido a obrigação de cumprir os regulamentos emitidos pelo Município de Oeiras relativos à exploração e utilização do Porto de Recreio – cláusula 4ª do contrato;
j) Bem assim como de cumprir as instruções que lhe forem dadas pela Recorrente em execução dos regulamentos em vigor – cláusula 4ª do contrato.

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Direito
A competência do tribunal afere-se pelo objecto do processo, havendo que atender ao pedido e aos respectivos fundamentos, tal como se encontram vertidos na P.I. – cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 91.
No processo cautelar de que depende o presente apenso, pede-se o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que “rescindiu” o contrato celebrado em 22/01/2020, através do qual a Recorrente havia cedido à Recorrida o direito de utilização temporário e exclusivo dos postos de amarração nºs G1, G2 e G3 do Porto de Recreio de Oeiras.
A Recorrida alega, entre o mais, que, contrariamente ao que é referido pela Recorrente, não está em incumprimento quanto ao pagamento do montante convencionado pela utilização dos postos de amarração, pelo que defende que não se verifica o fundamento que aquela invocou para proceder à extinção do referido contrato.
Os postos de amarração em causa situam-se no Porto de Recreio de Oeiras, que faz parte da zona ribeirinha integrada no domínio público marítimo, cuja utilização foi cedida pela Administração do Porto de Lisboa ao Município de Oeiras através de acordo escrito datado de 16/02/1990.
O Município de Oeiras constituiu a sociedade Oeiras Viva – Gestão de Equipamentos Culturais e Desportivos, E.M., ora Recorrente, a quem atribuiu a gestão do Porto de Recreio de Oeiras e respectivos equipamentos.
Trata-se de uma “empresa local”, pessoa colectiva de direito privado com natureza municipal – art.º 19.º, n.º 4 do regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais, aprovado pela Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto e ainda pelos seus estatutos.
O Município de Oeiras detém a totalidade do seu capital social, exercendo, por isso, uma posição dominante na sociedade – art.º 19.º, n.º 1 do referido regime jurídico.
A gestão das empresas locais deve articular-se com os objetivos prosseguidos pelas entidades públicas participantes no respetivo capital social, visando a satisfação das necessidades de interesse geral ou a promoção do desenvolvimento local e regional, assegurando a viabilidade económica e o equilíbrio financeiro – cfr. o art.º 31.º, n.º 2 e ainda os artigos 45.º e 46.º, todos do referido regime jurídico.
As empresas locais não podem ser criadas para prosseguir fins exclusivamente mercantis – art.º 19.º, n.º 2 do referido regime jurídico.
No caso, a Recorrente tem por objecto a promoção e gestão de espaços e equipamentos culturais, desportivos ou de lazer que integram ou venham a integrar o património do Município de Oeiras ou aqueles que, a qualquer título, estejam confiados ao Município para desenvolvimento daquelas atividades.
No âmbito dessa gestão obedece “estritamente aos objetivos prosseguidos pelo Município de Oeiras, visando a gestão de serviços de interesse geral e assegurando a universalidade, a continuidade dos serviços prestados, a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, a coesão económica social local e a proteção dos utentes, sem prejuízo da eficiência económica, no respeito pelos princípios da não discriminação e da transparência, de acordo com o disposto nestes estatutos, normas legais e princípios de boa gestão empresarial.” – n.º 1 do art.º 19.º dos respectivos estatutos.
No exercício dos poderes de administração dos bens do domínio público ou privado do Município que lhe estão confiados, o seu pessoal, que para tal for designado pelo Conselho de Administração, goza das mesmas prerrogativas de autoridade pública destinadas à defesa desse mesmo património de que gozam os agentes do Município.
Os direitos de uso privativo do domínio público por particulares podem ser adquiridos por meio de licença ou de concessão – art.º 27.º do regime jurídico do património imobiliário público que consta do DL n.º 280/2007, de 7 de Agosto.
Estatui ainda o art.º 28.º, n.º 1 do mesmo regime jurídico que “1 - através de acto ou contrato administrativos podem ser conferidos a particulares, durante um período determinado de tempo, poderes exclusivos de fruição de bens do domínio público, mediante o pagamento de taxas.”.
Como se viu, a cedência do direito de utilização temporário e exclusivo dos postos de amarração nºs G1, G2 e G3”, do Porto de Recreio de Oeiras, à Recorrida, foi efectuada através de contrato que, face ao disposto no transcrito art.º 28.º, n.º 1, deve ser tido como um contrato administrativo, dado que tem por objecto o uso e fruição de bens que se integram no domínio público marítimo.
A natureza administrativa do contrato é ainda confirmada pelos critérios de administratividade que constam do art.º 280.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CCP, aqui aplicáveis. Estamos perante um contrato com objecto passível de acto administrativo (no caso, como se viu, a lei prevê que o direito de uso privativo dos postos de amarração pode ser adquirido por meio de licença) e perante um contrato que, em função do seu objecto confere ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas.
Para além disso, a cláusula 4ª do contrato ao estabelecer que a Recorrida fica obrigada a cumprir os regulamentos emitidos pelo Município de Oeiras relativos à exploração e utilização do Porto de Recreio e a cumprir as instruções que lhe forem dadas pela Recorrente em execução desses regulamentos, introduz uma nota de administratividade que o distingue dos contratos de direito privado.
A circunstância da Recorrente ser uma pessoa colectiva de direito privado também não obsta ao reconhecimento da natureza administrativa do contrato.
Ao contrário do que parece entender a Recorrente, mesmo as pessoas colectivas de direito privado podem, em determinadas circunstâncias, ser tidas como entidades adjudicantes, ou contraentes públicos, conforme resulta, em especial e no que para o caso interessa, do art.º 2.º, n.º 2, al. a), i) e ii) e do art.º 3.º, n.º 2, ambos do CCP.
Assim e considerando que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas à validade e execução de contratos administrativos, conforme estatuí o art.º 4.º, n.º 1, al. e) do ETAF, há que concluir que o conhecimento do pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que declarou extinto o contrato celebrado entre as partes, cabe aos tribunais desta jurisdição.
Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido na parte em que decide que a competência para o conhecimento da questão cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Custas pela Recorrente – art.º 527.º do CPC.
Lisboa, 29 de Outubro de 2020.

O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente Acórdão os Juízes Desembargadores que integram a formação de julgamento.



Jorge Pelicano


Celestina Castanheira


Ricardo Ferreira Leite