Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1576/15.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
DECISÃO “SURPRESA”
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Se o Autor teve oportunidade de se pronunciar sobre a verificação da nulidade por erro na forma do processo, suscitada pelo Réu, a decisão de não convolação não constitui uma decisão “surpresa”, por aquele ter a obrigação de prever como possível essa consequência processual;
II - Apenas se pode lançar mão da ação administrativa especial quando em causa estejam benefícios fiscais dependentes de reconhecimento da administração tributária;
III - O juiz deve ordenar a convolação para o meio processual adequado nos casos em que este seja viável, o que não sucede se ainda não tiver sido emitido o ato de liquidação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

L........ , doravante “Recorrente”, veio interpor recurso jurisdicional do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 11/04/2022, que julgou procedente a exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual e, considerando não poderem os autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinada na lei, decidiu absolver da instância a Entidade Demandada (Ministério das Finanças).

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

«CONCLUSÕES:




I. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença proferida a fls. …, que julgou improcedente a Acção Administrativa por si deduzida nos presentes autos, dado não se poder conformar o Recorrente com os fundamentos nela vertidos.

II. Assim, decidiu a Sentença recorrida: “Nestes termos, com os fundamentos fáctico-jurídicos expostos, julga-se procedente a exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual e, em consequência, determina-se a absolvição do Réu da instância.”

III. Todavia a douta Sentença parte de premissas erradas, enferma de nulidade e viola princípios basilares do regime jurídico aplicável.

IV. Isto porque, como resulta dos presentes autos, o acto impugnado no recurso hierárquico apresentado é o despacho de cancelamento dos benefícios fiscais em sede de IMT e nunca uma putativa liquidação de IMT.

V. De resto, não só as consequências jurídicas da reclamação graciosa e do recurso hierárquico são distintos, como o próprio acto impugnado sempre seria distinto.

VI. De acordo com o pedido do Recorrente, a revogação dos actos projectados de liquidação adicional de IMT e Imposto de Selo com fundamento na violação da lei tem por origem a ilegalidade do cancelamento dos benefícios fiscais em sede de IMT.

VII. Mais a mais, a acção administrativa especial apresentada resulta, inequivocamente, do indeferimento tácito do procedimento de recurso hierárquico, sendo que a acção administrativa especial que deu origem aos presentes autos tem base na inobservância por parte da Administração Tributária do princípio da decisão, basilar no procedimento no procedimento tributário (sic art.º 13º do CPA).

VIII. Portanto, sem mais, o meio utilizado pelo Recorrente é próprio e o A. tem legitimidade processual, inexistindo qualquer obstáculo ao conhecimento de mérito da acção, sob pena de manifesta denegação de justiça! Reitere-se à saciedade, que não é a anulação do acto de liquidação do imposto o que se pretende mas sim o reconhecimento da uma qualidade – declaração de isenção no âmbito da actividade turística – pelo que é a acção administrativa especial o meio idóneo! Inexiste assim erro na forma do processo, devendo ser revogada a Sentença aqui em crise, bem como deverá concluir-se pelo, esse sim, erro da Administração Tributária no cancelamento dos benefícios fiscais oportunamente concedidos ao A., julgando-se procedente a pretensão do Recorrente!

IX. Reitere-se à saciedade, que não é a anulação do acto de liquidação do imposto o que se pretende mas sim o reconhecimento da uma qualidade – declaração de isenção no âmbito da actividade turística – pelo que é a acção administrativa especial o meio idóneo!

X. Inexiste assim erro na forma do processo, devendo ser revogada a Sentença aqui em crise, bem como deverá concluir-se pelo, esse sim, erro da Administração Tributária no cancelamento dos benefícios fiscais oportunamente concedidos ao A., julgando-se procedente a pretensão do Recorrente!

Caso assim não se entenda,

XI. No raciocínio efectuado pelo Tribunal a quo em relação à possibilidade de convolação, uma vez mais, parte aquele de pressupostos errados conforme supra referido.

XII. A convolação não só não resultaria num acto inútil como seria, na realidade, a defesa da verdade material, dado não ter sido, em qualquer caso, fundamentada a manifesta improcedência ou intempestividade da petição inicial sendo aquele meio idóneo para fazer prosseguir os presentes autos!

XIII. Isto porque o erro na forma do processo substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei!

XIV. Em suma, julgado verificado o erro na forma do processo utilizado haverá que, em face dos termos imperativos do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT e por razões de economia processual, ordenar a convolação da petição apresentada para a forma de processo adequada, quando tal convolação seja necessária para que o interessado possa obter o efeito útil pretendido e a menos que a convolação se traduza na prática de um acto inútil, e como tal proibido por lei.

XV. Todavia, em qualquer caso, nunca poderia o Tribunal a quo, sem exercício do contraditório, julgar “inútil” a acção do Recorrente, permitindo-lhe apresentar a sua defesa contra a Decisão surpresa que acabou por proferir!

XVI. Neste conspecto, por violação do princípio do contraditório, a Sentença recorrida está ferida de nulidade, que expressamente se arguiu para todos os efeitos legais!

XVII. Portanto, não só o douto Aresto violou o princípio da pronúncia sobre o mérito, como sobrepôs àquele questões formais que o colocam em causa, sem permitir que o interessado, in casu o Recorrente, se pronuncie sobre as mesmas, em seu manifesto prejuízo, invocando-se uma inutilidade sem qualquer suporte factual, num simples parágrafo!

XVIII. Em qualquer caso, ainda que se conceba sem conceder, porém, pretendendo-se proferir decisão de rejeição liminar, dever-se-ia, em cumprimento da lei, ouvir o Impugnante/Recorrente, concretamente quanto aos pontos que poderiam conduzir à inutilidade da convolação, permitindo ao interessado, em prejuízo de quem é proferida a Sentença, argumentar de forma a esclarecer que os pressupostos constantes de um simples parágrafo da Sentença recorrida não se verificam ou, pelo menos, estão controvertidos, como será o caso, pois que, como se referiu, não é a anulação do acto de liquidação do imposto o que se pretende mas sim o reconhecimento da uma qualidade – declaração de isenção no âmbito da actividade turística – pelo que é a acção administrativa especial o meio idóneo!

XIX. Assim sendo, o douto Tribunal a quo deveria ter concluído pelo direito à isenção do imposto na situação concreta, sendo que, ao decidir diferentemente, incorreu em erro de julgamento, violando as normas citadas e os princípios referidos.

TERMOS EM QUE,

Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra, que determine a anulação do despacho impugnado e condene a Ré a reconhecer a isenção relativamente aos impostos identificados.

Assim se fazendo

JUSTIÇA!”

Regularmente notificada do presente recurso, a Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

As questões a apreciar e decidir são as seguintes:

a) Ocorre nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório?

b) Verifica-se erro de julgamento:

i) uma vez que a ação administrativa especial é o meio próprio?

Ou,

ii) por ser viável a convolação dos autos em impugnação judicial?

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 28/01/2015 foi enviado ao Autor pelo Serviço de Finanças de Óbidos o ofício n.º 153, no qual pode ler-se:

«(…) Na sequência da ação inspetiva da DSMIT (…), Instrução IMT/IS 2014/03 Utilidade Turística, constata-se que em 2009/12/18 foi liquidado o IMT n.º 2009/341941 pela aquisição de 2 (…) Lotes de Terreno p/ construção, inscritos na matriz 4 predial urbana da Freguesia do Vau, deste Concelho, sob os Artigos ........ 7 e ……5 que fez a: “A..... – E........ , S.A.” (…), tendo sido indevidamente concedido o benefício de isenção por utilidade turística, em sede de IMT e IS (verba 1.1) no termos do n.º 1 do Artigo 20.º do DL n.º 423/83, dado não a “primeira instalação”, isto é, este benefício só tem justificação legal a quem procede à instalação do Empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram ainda que através da compra das suas unidades. Desta forma, há que proceder à liquidação adicional de IMT e IS (VERBA 1.1), pelas taxas, respetivamente, de 6,50% e 0,8%, sem qualquer tipo de redução de taxa ou isenção, nos termos do Artigo 17º nº 1 al-d) do CIMT e da TGIS – Verba 1.1. (liquidação pela diferença – 4/5).

Pelo que vem dito fica notificado (a) para no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de assinatura do Aviso de Receção (AR):

1.º - Regularizar voluntariamente a sua situação tributária neste Serviço de Finanças (pagamento do IMT e IS adicionais), sob pena de liquidação oficiosa;

2.º - Alegar o que tiver por conveniente no âmbito do Direito de Audição Prévia a que se refere o Artigo 60º da LGT (Lei geral Tributária). (…)» (cf. cópia do ofício junto com a petição inicial a fls. 29 do SITAF);

B) Em 18/02/2015 foi apresentado pelo Autor, no Serviço de Finanças de Óbidos, requerimento em resposta ao ofício referido na alínea anterior – cf. cópia do requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junto com a petição inicial e informação, respetivamente, a fls. 22-28 e 20 do SITAF);

C) Em 25/02/2015 foi proferida informação pelo Serviço de Finanças de Óbidos na qual pode ler-se:

«(…) DO DIREITO

1º Alega o SP, na pessoa, da Procuradora, que se encontra expirado o prazo de caducidade do respetivo Imposto, remetendo para o disposto no Artigo 31° do CIMT, o qual dispõe que só se pode promover a liquidação adicional, no prazo de 4 (quatro) anos, contados da liquidação inicial; no entanto o Artigo 35° n° 1 do mesmo Diploma Legal, dispõe, que no caso de a isenção ficar sem efeito como é o caso em apreço aquele prazo será de 8 (oito) anos; acresce a este normativo o disposto no n°1 do Artigo 78° da LGT (Lei Geral Tributária), podendo o ato ser revisto a todo o tempo, estando, em causa, como é o caso, a concessão indevida de um beneficio fiscal (utilidade turística).

2º - Por outro lado, pela aquisição dos 2 (dois) Lotes de Terreno, supra identificados, o SP, beneficiou, da isenção da totalidade do IMT (ao abrigo do disposto no Artigo 20° do DL n° 423/83 de 05/12) e da isenção de 80% do Imposto de Seio (Verba 1.1) por ter sido entendido como tendo utilidade turística.

3º - Porém, da leitura do já referido Diploma Legal, verifica-se que a isenção de IMT apenas é aplicável às aquisições de prédios por parte das entidades instaladoras dos Empreendimentos Turísticos e que os colocam no mercado e não em relação a todos os que utilizam e exploram esses Empreendimentos, ainda que através da compra das suas unidades de alojamento projetadas ou construídas.

4°- Face ao mencionado, a isenção de IMT (e por conseguinte a redução de IS), foi indevidamente reconhecida na aquisição efetuada pelo Sujeito Passivo (SP). Mais se refere, que este Empreendimento obteve reconhecimento de utilidade turística, a título prévio, em 2008/04/30, por Despacho n° 15830/2008, a pedido da Sociedade "A….. – E……, SA" - vendedor e promotor do referido aldeamento turístico.

5º - Assim, da análise dos elementos na posse destes Serviços, apurou-se que à data da aquisição dos 2 (dois) Lotes de Terreno p/ Construção, por parte do SP, supra identificado, os mesmos faziam parte de um Empreendimento Turístico já instalado. Da Leitura do DL n° 423/83 de 05/12 excluem-se os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados, que não sejam objeto de remodelação ou ampliação. A intenção em conceder tais benefícios a estas aquisições visa, tão-somente fomentar o investimento e impulsionar a atividade turística para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos, e não quando se trate de mera aquisição de frações integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração.

6º - Aliás, este entendimento está de acordo com a decisão emanada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n° 3/2013, de 2013/01/23, no processo n° 968/12 – 2.ª Seção (publicado no DR Iª Série, n° 44 de 2013/03/04, proferido em julgamento ampliado, nos termos do Artigo 148° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

CONCLUSÃO

Face ao exposto, somos de opinião que se deverá manter o projeto de cancelamento dos benefícios fiscais concedidos nos termos do n° 1 do art° 20° do DL n° 423/83 de 05/12, sendo de INDEFERIR a pretensão do Sujeito Passivo. (…)» (cf. cópia da informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzida junta com a petição inicial a fls. 19-21 do SITAF);

D) Em 25/02/2015 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Óbidos sobre a informação referida na alínea anterior no qual pode ler-se: «Face à informação infra e não tendo o SP trazido factos novos que permitam alterar o sentido do projeto de cancelamento dos benefícios fiscais, em sede do direito de audição mantêm-se os pressupostos do projeto de cancelamento pelo que o convolo em definitivo. Deste Despacho cabe a possibilidade, do SP, interpor, querendo, recurso hierárquico, nos termos do Artigo 66° do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário), no prazo de 30 (trinta) dias.

Notifique-se o Contribuinte.»

(cf. despacho constante da cópia da informação junta com petição inicial, a fls. 19 do SITAF);

E) Em 26/02/2015 foi enviado ao Autor pelo Serviço de Finanças de Óbidos o ofício n.º 712 dando-lhe conhecimento da informação e despacho referidos nas alíneas C) e D) supra – cf. cópia do ofício junto com a petição inicial a fls. 18 do SITAF;

F) Em 26/03/2015 foi registado o recurso hierárquico apresentado pelo Autor, no Serviço de Finanças de Óbidos, contra a decisão referida na alínea D) supra – cf. cópia do requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junto com a petição inicial a fls. 11-17 do SITAF e registo a fls. 36 do PA apenso aos autos;

G) Em 02/10/2015 foi recebida a petição inicial que deu origem aos presentes autos e na qual pode ler-se:

«(…) L….., contribuinte fiscal n.° ……6, com domicílio fiscal na Travessa Helena Vieira da Silva, n.°….., 3° direito, Leça da Palmeira, ….. MATOSINHOS, tendo apresentado, em 25 de Março de dezembro de 2013, recurso hierárquico da decisão de “cancelamento dos benefícios fiscais”, pelo ofício n.° 712, de 26-022015, praticada pelo Serviço de Finanças de Óbidos - cfr. Doc.s n.°s 1 e 2, aqui dados por integrados -, vem apresentar

ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL PARA IMPUGNAÇÃO DE ACTO DE INDEFERIMENTO TÁCITO DE RECURSO HIERÁRQUICO, nos termos da alínea p) do n.° 1 do artigo 97.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, da alínea j) do artigo 101.° da Lei Geral Tributária e artigo 46.°, n.° 2 alínea a), 50.° e 191.°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e com os seguintes fundamentos:

I - Questão Prévia: Do Meio Processual


1.º

O procedimento de recurso hierárquico deve estar concluído no prazo de 60 (sessenta) dias, nos termos e para os efeitos do artigo 66.°, n.° 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e, a não ser proferida decisão nesse prazo, presume-se o seu indeferimento para efeitos de interposição de recurso contencioso sob a forma de acção administrativa especial, a qual terá de ser deduzida no prazo de três meses (cfr. artigo 58.°, n.° 2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

2.º

Ora, o A., em 25 de Março de 2015, apresentou recurso hierárquico do despacho de cancelamento dos benefícios fiscais em sede de IMT - ut. Doc. n.° 2 - praticado pelo Serviço de Finanças de Óbidos, não tendo o mesmo, até à presente data, sido decidido, o que justifica a dedução da presente Acção Administrativa Especial.

3.º

O que configura uma violação do princípio da decisão, enquanto princípio básico da actuação administrativa, que constitui a Administração num dever geral de decidir, exigindo que esta se pronuncie sempre que seja solicitada- cfr. artigo 13.° do Código do 7 Procedimento Administrativo.

4.º

No entanto, a Administração Tributária decidiu não decidir, fazendo letra morta do princípio da decisão, ao qual está vinculada e que consta expressamente do artigo 13.° do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea d) do Código do Procedimento e de Processo Tributário.

5.º

O que determina que o contribuinte contra ela venha deduzir acção administrativa especial.

II- Da Factualidade Relevante


6.º

Foi o A. notificado, por via do V. Oficio n.° 153, datado de 2015-01-28, mas expedido a 02 de Fevereiro de 2015 e recebido a 03 de Fevereiro de 2015, de que, na sequencia de uma alegada acção inspectiva da DSIMT, foi constatado que a liquidação de IMT n.° …….41 relativa à aquisição pelo A. dos dois prédios, correspondentes aos lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana nos artigos ….7 e e ….5, da freguesia de Vau, foi-o “indevidamente” e, por força de tal erro do serviço liquidador, terá o A. de proceder a uma putativa liquidação adicional, no prazo de 30 dias e, nesse mesmo prazo, exercer o direito de audição que lhe é conferido legalmente - Doc. n.° 3 aqui dado por integrado.

7.º

Por não se conformar com tal projectado acto de liquidação dada a sua manifesta ilegalidade, o A. exerceu o seu Direito de Audição - cfr. Doc. n.° 4, que ao deante se junta e se dá por integrado para todos os legais efeitos.

8.º

O qual veio a ser indeferido nos termos e pelos fundamentos que resultam do respectivo Despacho, mantendo-se a decisão projectada - ut. Doc. n.° 2.

9.º

O que levou o A. a recorrer hierarquicamente, nos termos melhor explanados supra e com os fundamentos que resultam do Doc. n.° 1, junto à presente.

10.º

Relevando-se, desde já, os factos pertinentes para o enquadramento da questão e a subsunção a ela das normas aplicáveis. Assim,

11.º

Por escritura de compra e venda, outorgada em 23 de Dezembro de 2009, o A. adquiriu à sociedade comercial Acordo Ó….. – E….., S.A, (NIPC ……92), pelo preço global de € 467 685,00, os seguintes prédios:

a) Prédio urbano correspondente a um lote de terreno destinado a construção urbana, designado pelo n.°…., sito na Quinta da Nossa Senhora do Bom Sucesso, freguesia de Vau, inscrito na respectiva matriz predial sob o n° …..7, daquela freguesia;

b) Prédio urbano correspondente a um lote de terreno destinado a construção urbana, designado pelo n.°…., sito na Quinta da Nossa Senhora do Bom Sucesso, freguesia de 8 Vau, inscrito na respectiva matriz predial sob o n° …5, da mesma freguesia - cfr. Doc. n.° 5, que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.


12.º

Ambos os prédios fazem parte integrante do Loteamento titulado pelo Alvará de Loteamento n.° 361, de 05 de Agosto de 2004 e integram o empreendimento qualificado de utilidade turística (aldeamento turístico), estando o respectivo título constitutivo depositado na Direcção-Geral do Turismo - cfr. Doc. n.° 6, que ao deante se junta e se dá por integrado para todos os legais efeitos.

13.º

Previamente ao acto translativo da propriedade, o A. requereu, junto do Serviço de Finanças de Óbidos, o pagamento dos impostos devidos - IMT e Selo -, os quais foram liquidados, em 18-12-2009, nos montantes de, respectivamente, € 0,00 e € 748,29, por via dos documentos n.°s 160.009.031.593.703 e 163.009.001.845. III- Do Direito

14.º

Está em causa nos presentes autos um acto administrativo em matéria tributária (acto que concedeu um benefício fiscal) e não um acto tributário strictu sensu, ou seja, um acto de liquidação de obrigações tributárias.

15.º

Ora, os actos administrativos em matéria fiscal que sejam constitutivos de direitos, só podem, pois, ser revogados com fundamento em invalidade, nos termos e prazos dos artigos 167.° e 168.° do Código do Procedimento Administrativo.

16.º

Esse prazo, que é de um ano (cfr. artigo 168.°, n.° 2 do CPA), prevalece sobre o prazo de caducidade do direito de liquidação previsto na LGT, que se aplica apenas aos actos tributários e não aos actos prejudiciais de liquidação, como a concessão de benefícios fiscais.

17.º

Não sendo a concessão da isenção revogada dentro deste prazo, firmava-se o mesmo na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, que o posterior acto de liquidação não poderia violar sob pena de incorrer no vício de violação de lei. Caso assim não se entenda,

18.º

O projectado acto de liquidação adicional do IMT verifica-se numa altura em que, há muito, se encontra expirado o prazo de caducidade do respectivo direito, pelo que será sempre o mesmo ilegal. Com Efeito,

19.º

Dispõe o artigo 31° do Código do IMT, sob a epigrafe “Liquidação adicional” que: (...) 2 - Quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 19.°, promove a competente liquidação adicional

20.º

Ora da notificação recebida resulta que, por erro dos serviços tributários, entende agora a Administração Tributária que foi liquidado “indevidamente” o IMT pela transmissão dos referidos lotes.

21.º

O que poderia apontar para a possibilidade de, tendo a AT constatado que liquidou erroneamente o IMT, poder proceder ela à liquidação adicional.

22.º

Contudo, nos termos do n.° 3 daquele citado preceito, tal liquidação só pode ser até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir.

23.º

Tendo a liquidação, supostamente deficiente, sido feita em 18-12-2009 e a escritura de compra e venda outorgada em 23-12-2009, é evidente que expirou já o prazo para a AT proceder à pretendida liquidação adicional.

24.º

É assim manifestamente ilegal a pretensa intenção de liquidar o IMT decorrido que se encontra o prazo de caducidade a que alude o artigo 31°, n.° 2 do CIMT, pelo que deve ser revogada a projectada intenção de o liquidar. Acresce que,

25.º

Erra a Administração Tributária ao considerar que os lotes de terreno adquiridos não se destinam à instalação de empreendimento turístico, mas antes ... à sua utilização e exploração!

26.º

A interpretação que é dada pela Administração Tributária - e respectiva (des)aplicação ao caso concreto - do n.° 1 do artigo 20° do Dec. Lei 423/83 à aquisição dos lotes em causa está inquinada de manifesto erro, o que inquinará irremediavelmente o putativo acto de liquidação de IMT e Imposto do Selo. Com efeito,

(…)


36.º

Por todas estas razões, impõe-se seja revogada intenção de liquidar adicionalmente quer o Imposto do Selo quer o IMT, aparentemente devido pelas aquisições pelo A. dos lotes de terreno inscritos na matriz nos artigos ….7 e ….5, da freguesia de Vau, sob pena de, a verificar-se tal liquidação, incorrer ela em violação de lei e acarretar a sua consequente anulabilidade.

37.º

Não podendo, em conclusão e pelas razões aduzidas, conformar-se o A. com a notificada regularização “voluntária” antes aguardando a revogação das projectadas liquidações de IMT e IS.

TERMOS EM QUE - E COM O V. MUI DOUTO SUPRIMENTO - DEVERÁ A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA PROVADA E PROCEDENTE E, POR VIA DELA:

A) Serem revogados os projectados actos de liquidação adicional de IMT e Imposto de Selo relativos às transmissões dos prédios urbanos correspondentes a lotes de terreno (….7 e ….1), sitos na Quinta da Nossa Senhora do Bom Sucesso, freguesia de Vau, inscritos na respectiva matriz predial sob o n° ….7 e ….5, da mesma freguesia, verificadas em 23 de Dezembro de 2009, com fundamento em violação de lei;

Caso assim não se entenda, e sem prescindir,

B) Serem revogados os projectados actos de liquidação adicional de IMT e Imposto de Selo relativos às transmissões dos prédios urbanos correspondentes a lotes de terreno (…7 e …1), sitos na Quinta da Nossa Senhora do Bom Sucesso, freguesia de Vau, inscritos na respectiva matriz predial sob o n° ….7 e …..5, da mesma freguesia, verificadas em 23 de Dezembro de 2009m com fundamento na caducidade do direito de liquidar e erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

E sempre,

C) Ser a Fazenda Pública condenada no pagamento das custas e demais encargos a que der causa. (…)»

(cf. petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 1-10 do SITAF e comprovativo de entrega a fls. 1 do suporte físico dos autos).»

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

· Da nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório

Sustenta o Recorrente, neste âmbito, que pretendendo o Tribunal a quo proferir decisão de rejeição liminar, deveria, em cumprimento da lei, “ouvir o Impugnante/Recorrente, concretamente quanto aos pontos que poderiam conduzir à inutilidade da convolação, permitindo ao interessado, em prejuízo de quem é proferida a Sentença, argumentar de forma a esclarecer que os pressupostos constantes de um simples parágrafo da Sentença recorrida não se verificam ou, pelo menos, estão controvertidos, como será o caso”.

Vejamos se lhe assiste razão.

Como resulta da sentença recorrida, a Entidade Demandada apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção invocando que a presente ação não constitui o meio próprio para atacar um ato de liquidação gerado pela cessação do benefício fiscal de isenção de IMT, propugnando pela absolvição do réu da instância.

Notificado da contestação, o Autor, ora Recorrente, exerceu, de modo espontâneo, o direito ao contraditório relativamente à invocada inidoneidade do meio processual utilizado, sustentando ser a acção administrativa especial o meio próprio (cfr. fls. 246 a 248 do suporte eletrónico dos autos).

Todavia, entende o Recorrente que se impunha a prévia audição do mesmo quanto ao segmento da sentença relativo à impossibilidade de convolação no meio processual adequado, afirmando a este propósito que “nunca poderia o Tribunal a quo, sem exercício do contraditório, julgar “inútil” a acção do Recorrente, permitindo-lhe apresentar a sua defesa contra a Decisão surpresa que acabou por proferir!”.

Vejamos.

O princípio do contraditório traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão(1)”.

Constitui uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do artigo 3º do CPC.

Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de prever fosse proferida. A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar – cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.06.2021, processo 2358/19.9T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt.

Todavia, estas considerações não se aplicam à situação em presença.

Com efeito, ao exercer o direito ao contraditório sobre a suscitada nulidade por erro na forma do processo, poderia o Autor, a título subsidiário, pronunciar-se sobre as consequências de tal nulidade, contraditando, nomeadamente, a posição da Entidade Demandada, segundo a qual se impunha a absolvição do réu da instância.

Por conseguinte, impõe-se concluir que o Autor teve oportunidade de se pronunciar sobre a verificação da nulidade em causa, bem como sobre as consequências processuais da mesma, não constituindo, por isso, a decisão de não convolação uma decisão “surpresa”, por aquele ter a obrigação de prever como possível essa consequência.

Em face do exposto, improcede a arguida nulidade.

· Do erro de julgamento

Sustenta o Recorrente que a sentença de 1ª instância parte de premissas erradas para concluir pela existência de erro na forma do processo, na medida em que o acto impugnado é o despacho de cancelamento dos benefícios fiscais em sede de IMT e nunca uma putativa liquidação de IMT.

Acrescenta que “a acção administrativa especial apresentada resulta, inequivocamente, do indeferimento tácito do procedimento de recurso hierárquico, sendo que a acção administrativa especial que deu origem aos presentes autos tem base na inobservância por parte da Administração Tributária do princípio da decisão, basilar no procedimento no procedimento tributário (sic art.º 13º do CPA)”.

Conclui que ”inexiste assim erro na forma do processo, devendo ser revogada a Sentença aqui em crise, bem como deverá concluir-se pelo, esse sim, erro da Administração Tributária no cancelamento dos benefícios fiscais oportunamente concedidos ao A., julgando-se procedente a pretensão do Recorrente!”

A título subsidiário, alega que no raciocínio efectuado pelo Tribunal a quo em relação à possibilidade de convolação, aquele parte uma vez mais de pressupostos errados, dado não ter sido fundamentada a manifesta improcedência ou intempestividade da petição inicial, sendo a impugnação judicial o meio idóneo para fazer prosseguir os presentes autos.

Decidindo.

O erro na forma do processo se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. acórdão do STA de 02.10.2013, processo 01114/13, disponível em www.dgsi.pt e doutrina aí citada).

No caso sub judice, os pedidos formulados em juízo pelo Autor foram os seguintes:

“A) Serem revogados os projectados actos de liquidação adicional de IMT e Imposto de Selo relativos às transmissões dos prédios urbanos correspondentes a lotes de terreno (…7 e …1), sitos na Quinta da Nossa Senhora do Bom Sucesso, freguesia de Vau, inscritos na respectiva matriz predial sob o nº ….7 e ….5, da mesma freguesia, verificadas em 23 de Dezembro de 2009, com fundamento em violação de lei;

Caso assim não se entenda, e sem prescindir,

B) Serem revogados os projectados actos de liquidação adicional de IMT e Imposto de Selo relativos às transmissões dos prédios urbanos correspondentes a lotes de terreno (…7 e ….1), sitos na Quinta da Nossa Senhora do Bom Sucesso, freguesia de Vau, inscritos na respectiva matriz predial sob o nº ….7 e …5, da mesma freguesia, verificadas em 23 de Dezembro de 2009m com fundamento na caducidade do direito de liquidar e erro nos seus pressupostos de facto e de direito.”

Ora, em face dos pedidos formulados, resulta manifesta a inadequação do meio processual utilizado.

Com efeito, no âmbito do direito processual tributário, e como resulta da alínea p) do artigo 97º, nº 1, do CPPT, a acção administrativa especial (hoje, acção administrativa) constitui o meio processualmente adequado para o interessado reagir contra actos de indeferimento ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação.
Pretendendo o contribuinte sindicar da eventual legalidade do acto de liquidação, constituirá, então, meio próprio o processo de impugnação judicial (artigo 97º, nº 1, alínea a) do CPPT), cuja tramitação se encontra regulada nos artigos 99º e seguintes do CPPT, por ter sido esta a específica forma processual eleita pelo legislador para dela conhecer.
Deste modo, o legislador convoca, para a delimitação da utilização de uma ou de outra destas formas de processo, o conteúdo do acto em crise e a natureza das questões tributárias que nele vieram suscitadas, e mais concretamente, se as mesmas comportam ou não a apreciação da legalidade de um acto de liquidação(2).
No caso em apreço, o Autor vem, no seguimento do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra a decisão de “cancelamento de benefícios fiscais em sede de IMT”, sustentar a ilegalidade da revogação da concessão da isenção, “que o posterior acto de liquidação não poderia violar sob pena de incorrer no vício de violação de lei” e, subsidariamente, pugnar pela caducidade do direito à liquidação e pela não demonstração por parte da AT das circunstâncias que determinam a cessação dos benefícios fiscais em causa.
Ora, no que respeita à invocada caducidade do direito à liquidação, está em causa a validade do próprio acto de liquidação, não sendo, por essa razão, a acção administrativa especial o meio próprio para apreciar tal questão.
Relativamente aos vícios imputados à decisão de cancelamento dos benefícios fiscais, considerou o Tribunal de 1ª instância, e bem, que havia que apurar se o benefício fiscal em discussão se encontra dependente de reconhecimento pela administração tributária, chamando à colação o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.03.2018, processo 01128/16, disponível em www.dgsi.pt e em cujo sumário pode ler-se:
“I - A isenção de IMT a que se refere o art.º 20º do DL nº 423/83, de 5.12, configura um benefício fiscal de natureza automática, que não opera através de requerimento do interessado dirigido à sua obtenção e com a inevitável instauração e decisão de procedimento próprio e autónomo para o efeito (como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento – cfr. art.º 5º, nº 3, do EBF), inexistindo acto administrativo de reconhecimento da isenção.
II – (…)
III - Vindo a administração tributária a constatar, através de acção inspectiva, que a aquisição das frações autónomas não se destinava, afinal, à declarada instalação de empreendimento turístico, e que, por conseguinte, não ocorriam os pressupostos para a isenção de que o sujeito passivo havia beneficiado de forma automática mas indevida, tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido.”

E, em face desta jurisprudência, conclui a sentença recorrida que “constatando-se que o benefício fiscal plasmado no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 dezembro possui natureza automática, não estando dependente da prolação de um ato de reconhecimento por parte da administração tributária, resulta à saciedade que o meio adequado para fazer valer a pretensão do Autor é a impugnação judicial e não a ação administrativa especial. “.
Efectivamente, como resulta do disposto na alínea p) do artigo 97º do CPPT, apenas se pode lançar mão da acção administrativa especial quando em causa estejam benefícios fiscais dependentes de reconhecimento da administração tributária, o que não sucede no caso dos autos.
Daí que se revele correcta a decisão de 1ª instância quanto à inidoneidade do meio processual utilizado, quer à luz dos pedidos deduzidos pelo Autor, quer à luz das causas de pedir que mobilizou para sustentar tais pedidos.
Em suma, é de improceder o recurso também nesta parte.
Resta, por fim, apreciar o invocado erro de julgamento quanto à consequência extraída na sentença recorrida da nulidade por erro na forma do processo, sustentando o Recorrente, neste âmbito, que o Tribunal a quo parte uma vez mais de pressupostos errados, dado não ter sido fundamentada a manifesta improcedência ou intempestividade da petição inicial, sendo a impugnação judicial o meio idóneo para fazer prosseguir os presentes autos.
Vejamos.
O erro na forma de processo implica, nos termos do disposto no artigo 98.º n.º 4 do CPPT, a convolação na forma do processo considerada adequada, nos termos da lei, isto é, nos termos do artigo 193.º n.º 1 do CPC, importando «unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.»
Para afastar a possibilidade de convolação dos autos, o tribunal de 1ª instância considerou o seguinte:
“No caso vertente, a convolação da petição de ação administrativa especial em impugnação judicial, constituiria um ato inútil, na medida em que o Autor dirigiu a sua pretensão para um “projetado” ato de liquidação, ou seja, no procedimento a montante do ato de liquidação.
De sublinhar que será a partir da notificação da liquidação de IMT e de IS, que contempla o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias, que se inicia o prazo de três meses previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, para que seja apresentada a impugnação judicial.
Ora, o expendido é quanto basta para demonstrar que a convolação resultaria num ato inútil, e por isso legalmente proibido, uma vez que daria lugar a um processo votado ao indeferimento liminar.”
Verifica-se, pois, que o fundamento invocado pelo tribunal a quo para não convolar os autos em impugnação judicial não foi a manifesta improcedência ou intempestividade da petição inicial, como aparentemente pretende fazer crer o Recorrente, mas sim a circunstância de ainda não ter sido emitido o ato de liquidação.
Ora, o juiz deve ordenar a convolação para o meio processual adequado apenas nos casos em que este seja viável, sob pena de estar a praticar um ato inútil e, como tal, proibido por lei.
Atento o exposto, não podendo os autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinada na lei, impunha-se efetivamente a absolvição da entidade demandada da instância, pelo que nada há a censurar à decisão recorrida.
Improcedem, assim, todas as conclusões do presente recurso.

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

1) Se o Autor teve oportunidade de se pronunciar sobre a verificação da nulidade por erro na forma do processo, suscitada pelo Réu, a decisão de não convolação não constitui uma decisão “surpresa”, por aquele ter a obrigação de prever como possível essa consequência processual;

2) Apenas se pode lançar mão da ação administrativa especial quando em causa estejam benefícios fiscais dependentes de reconhecimento da administração tributária;

3) O juiz deve ordenar a convolação para o meio processual adequado nos casos em que este seja viável, o que não sucede se ainda não tiver sido emitido o ato de liquidação.


V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas a cargo do Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Maria da Luz Cardoso)

(Tânia Meireles da Cunha)

Assinaturas eletrónicas na 1.ª folha


(1)FREITAS, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui (1999). Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, pág 8.
(2)Cfr., relativamente aos campos de aplicação destas duas formas de processo, em função do conteúdo do acto, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume II, 6.º edição, Áreas Editora, 2011, anotação 18 ao artigo 97.º, páginas 53 e 54.