Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 443/15.5BELRA |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 02/27/2025 |
| Relator: | ANA CARLA TELES DUARTE PALMA |
| Descritores: | PRESCRIÇÃO TRABALHOS A MAIS ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NULIDADE SENTENÇA EXCESSO DE PRONÚNCIA. |
| Sumário: | I - O saneador-sentença que conheceu do pedido formulado pela autora, julgando procedente uma exceção perentória, com fundamento numa causa de pedir diversa da que por esta foi invocada, incorre na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por excesso de pronúncia;
II - Se o pedido formulado pela autora assenta na alegação de factos jurídicos correspondentes ao direito ao pagamento de trabalhos a mais, ou trabalhos complementares, que alega ter executado por ordem do dono da obra, no âmbito do contrato de empreitada, é aplicável o quadro normativo correspondente à responsabilidade contratual; III - Tratando-se de uma pretensão emergente de responsabilidade contratual, o prazo de prescrição aplicável é o previsto no artigo 309.º, do Código Civil, correspondente à prescrição ordinária e não o previsto no artigo 482.º, do Código Civil, aplicável à restituição por enriquecimento sem causa. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Contratos Públicos |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | * Relatório L….. – Engenharia …………. SA intentou contra o Município de Santarém, ação administrativa na qual peticionou a condenação do réu no pagamento das quantias de i) € 384 516,51, relativa ao ressarcimento dos danos sofridos na sequência das alterações contratuais preconizadas pela ré ao contrato de empreitada de obra designada por “Ligação da zona industrial à EN3 – Circular Urbana, Rua O – Nó 3”, acrescido de juros desde 28 de junho de 1999 até integral pagamento; e ii) €178 185,63, relativa a trabalhos a mais ordenados e executados pela autora e nunca pagos, no âmbito do contrato de empreitada de obra designada por “Ligação da zona industrial à EN3 – Circular Urbana, Rua O – Nó 3”, acrescido de juros contados desde a execução de tais trabalhos até integral pagamento. Por saneador-sentença, o TAF de Leiria julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação, quanto ao pedido de condenação do réu no pagamento da quantia de €384 516,51, relativa ao ressarcimento dos danos sofridos na sequência das alterações contratuais preconizadas pela ré ao contrato de empreitada de obra designada por “Ligação da zona industrial à EN3 – Circular Urbana, Rua O – Nó 3”, acrescido de juros desde 28 de junho de 1999 até integral pagamento, e absolveu o réu da instância. Quanto ao segundo pedido, de condenação do réu no pagamento de €178 185,63, relativa a trabalhos a mais ordenados e executados pela autora e nunca pagos, no âmbito do contrato de empreitada de obra designada por “Ligação da zona industrial à EN3 – Circular Urbana, Rua O – Nó 3”, acrescido de juros contados desde a execução de tais trabalhos até integral pagamento, julgou procedente a exceção da prescrição e absolveu o réu do pedido. Inconformada, a autora veio interpor recurso do segmento que absolveu o réu do pedido de condenação no pagamento da quantia de €178 185,63, relativa a trabalhos a mais ordenados e executados pela autora e nunca pagos, no âmbito do contrato de empreitada de obra designada por “Ligação da zona industrial à EN3 – Circular Urbana, Rua O – Nó 3”, acrescido de juros contados desde a execução de tais trabalhos até integral pagamento, e apresentou as seguintes conclusões da alegação recursiva: «A) Incide o presente recurso sobre a douta sentença do Mmo. Juiz do TAF de Leiria que julgou improcedente a acção e absolveu a Recorrida de pagar à Autora a quantia de 178.185,63€, acrescida de juros, quantia relativa aos trabalhos a mais executados pela Recorrente e por aquela nunca pagos, no âmbito do contrato de empreitada designada por “Ligação da Zona industrial à EN 3 - Circular Urbana- Rua O – Nó 3”. B) Na douta sentença decidiu-se indeferir este petitório da Recorrente porquanto, no entendeu do digníssimo tribunal “a única forma existente para que a Autora pudesse ser paga daqueles montantes era efetivamente não à luz do Regime das empreitadas Públicas (que as partes violaram) mas sim através do instituto do enriquecimento sem causa (…).” C) Assim, e por entender que não havia uma causa justificativa para a realização dos trabalhos a mais cujo pagamento se peticiona, a sentença recorrida determinou aplicar ao caso sub iudice o instituto do enriquecimento sem causa e, com base do prazo de prescrição estabelecido pelo artigo 482º do Código Civil, julgou “verificada a excepção peremptória invocada pelo réu”, porquanto estavam já volvidos mais de três anos sobre a data em que a Autora soube que os trabalhos a mais não tinham sido nem formalizados nem pagos. D) Porém, não pode o tribunal a quo julgar com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa por tal implicar uma convolação da causa de pedir invocada pela Recorrente para causa de pedir diversa. Tal convolação, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC (ex vi artigo 1º do CPTA) determina a nulidade da sentença. Com efeito, E) No que se refere aos trabalhos a mais, o pedido da Recorrente nos presentes autos é a condenação da Ré, aqui Recorrida a pagar-lhe “178.185,63€, quantia relativa aos trabalhos a mais ordenados pela Ré, executados pela Autora e por aquela nunca pagos, no âmbito do contrato de empreitada obra designada por “Ligação da Zona Industrial à EN 3 – Circular Urbana – Rua O – Nó 3”, valor acrescido de juros contados desde a execução de tais trabalhos até integral pagamento.” F) Ora, o pedido da Autora, i.e., o pagamento de trabalhos, radica numa causa de pedir. E essa causa de pedir é a execução de trabalhos a mais no âmbito de um contrato de empreitada outorgado entre Recorrente e Recorrida, à luz do qual estas convencionaram que aquela executaria a empreitada denominada “Ligação da Zona Industrial à EN 3 – Circular Urbana – Rua O – Nó 3”. G) Ou seja, a causa de pedir dos presentes autos tal como configurada pela Recorrente assenta numa responsabilidade contratual decorrente do contrato de empreitada e assenta na relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrida no âmbito deste contrato. H) A causa de pedir nos presentes autos não é o enriquecimento sem causa, mas sim a responsabilidade contratual I) Ora, o tribunal a quo decidiu com base numa causa de pedir que nunca foi invocada pela Recorrente, J) Embora o juiz seja livre de efectuar a qualificação jurídica da causa de pedir, é certo que não pode convolar oficiosamente para outra causa de pedir e não pode substituir a causa de pedir invocada pelo autor por outra porquanto a sua actividade se encontra limitada pelo pedido e pela causa de pedir tal como configurados pelo autor, K) Para além de ter operado a convolação da causa de pedir, a sentença recorrida dá ainda como provada a ausência de causa justificativa para uma eventual deslocação patrimonial, um dos pressupostos em que assenta o instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do n.º 2 do artigo 473º do Código Civil. L) No caso sub iudice, a Recorrente nunca alegou que tais trabalhos deviam ser pagos ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa e muito menos logrou provar verificação dos pressupostos deste instituto. Isto porque, a causa de pedir da presente acção não é o enriquecimento sem causa, mas o citado contrato de empreitada. M) Para que a sentença pudesse julgar com base no enriquecimento sem causa era necessária a alegação pela Recorrente, nem que fosse a título subsidiário, de que não existia qualquer causa jurídica subjacente à execução dos trabalhos a mais; N) E era necessário que decorresse da prova produzida a verificação dos pressupostos do instituto enriquecimento sem causa, mormente o respeitante à ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial, cuja prova cabe ao requerente da restituição nos termos dos artigos 342º, n.º 1, 473º e 474º do Código Civil. O) No caso sub iudice, a Recorrente nunca alegou que tais trabalhos deviam ser pagos ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa e muito menos logrou provar verificação dos pressupostos deste instituto que supra se elencaram P) Destarte, e uma vez que não foram alegados factos que se subsumam na previsão normativa do enriquecimento sem causa, o juiz não podia apreciar e decidir tendo por base uma nova causa de pedir que em nada contende com a causa de pedir configurada pela Recorrente. Q) Sendo a causa de pedir dos presentes autos a responsabilidade contratual, é dentro dos limites dela decorrentes que o tribunal tem de exercer os seus poderes de cognição não podendo basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, como se verifica na sentença recorrida. R) Estando vedado ao tribunal apreciar uma causa de pedir que não foi configurada pela Recorrente e estando vedado que este dê como provado, de forma automática, os pressupostos do enriquecimento sem causa, a sentença recorrida não podia ter conhecido e decidido pela prescrição do pedido da Recorrente com base enriquecimento sem causa. S) Ao julgar com base numa nova causa de pedir e ao conhecer de uma questão de que não podia tomar conhecimento, a sentença enferma da nulidade de excesso de pronuncia, tal como previsto na última parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser revogada. Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Excelências doutamente suprirão, deverá julgar-se verificada a excepção da nulidade e a mui douta sentença recorrida ser revogada, como é de pL.... e inteira JUSTIÇA!»
O Município de Santarém contra-alegou, mas não formulou conclusões. * O Ministério Público foi notificado para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA. Sem vistos, nos termos do disposto no artigo 657.º, n.º 4, do CPC, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * Questões a decidir O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do recurso interposto, é o segmento do saneador-sentença que julgou procedente a exceção da prescrição do direito ao recebimento da quantia peticionada de €178 185,63, relativa a trabalhos a mais ordenados e executados pela autora e nunca pagos, no âmbito do contrato de empreitada de obra designada por “Ligação da zona industrial à EN3 – Circular Urbana, Rua O – Nó 3”, acrescido de juros contados desde a execução de tais trabalhos até integral pagamento, sendo questão a decidir, a de saber se a decisão recorrida, ao ter considerado aplicável o prazo de prescrição aplicável ao direito à restituição por enriquecimento sem causa, ao invés do prazo de prescrição previsto para a responsabilidade contratual, incorreu na nulidade prevista no artigo 615.º.n.º 1, alínea d), do CPC. * Fundamentação Pelo tribunal de 1.ª instância foi considerada assente a seguinte matéria de facto: «1. A Autora e Réu em 14 de setembro de 1993, celebraram contrato de empreitada referente a “Ligação da Zona Industrial à EN3 – Circular Urbana – Rua O – Nó 3.” (facto admitido por acordo e documento nº 2 junto com a p.i). 2. Em 30.09.1993 foi elaborado “auto de consignação de trabalhos” “(parcial).” (cfr documento nº 4 junto com a p.i). 3. Em 04.03.1997 foi elaborado “auto de consignação de trabalhos” “(parcial).” (cfr documento nº 3 junto com a p.i). 4. Resulta do “auto de receção provisória” da obra elaborado pelo Réu que a obra se iniciou em 30.09.1993 e terminou em 19.03.1999 de onde se extrai que “(…) tendo-se verificado que a mesma se encontra concluída de harmonia com as cláusulas estipuladas, deliberar considerá-la em condições de ser aceite provisoriamente.” (cfr documento nº 6 junto com a p.i). 5. Resulta do “auto de receção provisória” da obra elaborado pelo Réu que a obra se iniciou em 30.09.1993 e terminou em 19.03.1999 de onde se extrai que “(…) tendo-se verificado que a mesma se encontra concluída de harmonia com as cláusulas estipuladas, deliberar considerá-la em condições de ser aceite provisoriamente.” (cfr documento nº 6 junto com a p.i). 6. Resulta do “auto de receção definitiva” da obra elaborado pelo Réu que a obra se iniciou em 30.09.1993 e terminou em 19.03.1999 de onde se extrai que “(…) tendo-se vistoriado a obra e verificado que a mesma se encontra concluída de harmonia com as cláusulas estipuladas, deliberaram considera.la em condições de ser aceite definitivamente.” (cfr documento nº 7 junto com a p.i). 7. Em 10.12.1998, foi celebrada “escritura de contrato adicional de empreitada de “ligação da zona industrial à E.N 3 – Circular Urbana Rua “O” – Nó 3” de onde se extrai que “(…) a Câmara Municipal que representa, deliberou, na referida reunião de vinte e quatro de setembro último, adjudicar à representada do segundo outorgante, os trabalhos a mais, da empreitada de “ligação da Zona Industrial à E.N 3 – Circular Urbana Rua “O” Nó 3” (…) o valor dos trabalhos a mais é de dezoito milhões trezentos e vinte e oito mil, trezentos e dezasseis escudos (…) os trabalhos terão um prazo de execução de um mês (…). ” (cfr documento nº 8 junto com a p.i). 8. A Autora em 05.11.1998, solicitou pedido de prorrogação de prazo para a execução dos trabalhos da empreitada. (cfr documento nº 8 junto com a p.i). 9. Em 13.01.1999, o Réu emitiu ofício dirigido à Autora onde informou que “o pedido de prorrogação da obra em epigrafe foi deferido até 23 de janeiro corrente.” (cfr documento nº 10 junto com a p.i). 10. Em 28.06.1999, a Autora solicitou o ressarcimento dos custos acrescidos da empreita, daí se extraindo que “(…) como é do conhecimento de . Exa e por circunstâncias várias, alheias à vontade da Construtora do L...., a empreitada em titulo identificada veio a decorrer num prazo anormalmente extenso e com suspensões prolongadas, o que implicou que alguns trabalhos com preços da nossa proposta (93-03-30) que suportou o contrato só viessem a poder ser concluída quase cinco anos após. Os factos que relembramos em anexo, provocaram um desequilíbrio contratual externo à nossa vontade. Assim, tendo a Construtora do L...., executado uma empreitada em circunstâncias imprevisíveis e gravosamente diferentes daquelas que derem fundamento á celebração do contrato (…) solicitamos-lhe análise e aprovação da exposição que anexamos (…) os sobrecustos suportados pela Construtora do L.... (…) impõem que esta empresa seja ressarcida (…)”(cfr documento nº 12 junto com a p.i). 11. Em 03.04.2001, a Autora dirigiu missiva ao Réu, de onde se extrai que “utilizamos a presenta via para renovar o nosso pedido de compensação do aumento de encargos motivados pelas suspensões dos trabalhos da empreitada suprarreferida, oportunamente reclamados a essa Câmara Municipal pela nossa comunicação de 1999/06/28.” (cfr. fls 76 do pa). 12. Em 09.07.2002, a Autora dirigiu missiva ao Réu, de onde se extrai que “somos de utilizar a presenta via para, mais uma vez, solicitar a V. Exa. Que se digne informar-nos sobre o pedido de compensação do aumento de encargos em que esta empresa incorreu na execução do contrato de empreitada suprarreferida, reclamado a esse Município a 28 de junho de 1999.” (cfr. fls 68 do pa). 13. Em 31.07.2002, a Autora emitiu fatura em nome do Município, referente à Empreitada “ligação da zona industrial à estrada nacional nº. 3, circular urbana, Rua O, Nó 3” no montante de €348.516,52. (cfr. fls 148 do pa). 14. A Autora em 12.06.2003, reiterou o pedido de pagamento referente a “reclamação de encargos pela suspensão de trabalhos.” (cfr. fls 100 do pa). 15. Em 26.03.2008, a Autora emitiu “Pró-forma” em nome do Município, referente a encargos financeiros “juros moratórios referentes a atrasos de pagamento da faturação da empreitada supra, conforme disposto, no Dec. Lei 59/99” no montante de €213.981,64. (cfr. fls 148 do pa). 16. Em 26.03.2008, a Autora emitiu ofício dirigido ao Réu de onde se extrai que “na sequência de uma análise rigorosa à vossa conta corrente, informamos, que ao dia de hoje se encontra por liquidar o montante de 365.942,35€ (…)” assim, vimo-nos forçados a proceder ao débito de juros moratórios referentes aos atrasos de pagamento (…). (cfr. fls 121 do pa). 17. Em 25.07.2007, o Réu emitiu ofício dirigido à Autora onde lhe concedeu audiência dos interessados. (cfr documento nº 13 junto com a p.i). 18. Em 03.08.2007 a Autora dirigiu missiva ao Réu, exercendo o seu direito de audiência prévia, de onde se extrai nomeadamente “(…) não poderia a L.... …………… e Construções, S.A interpor qualquer ação judicial, uma vez que desde junho de 1999 – data do pedido de indemnização – nunca essa edilidade se pronunciou sobre a pretensão sub iudice e como tal nunca notificou a expoente de qualquer decisão. (…) a decisão de indeferir a pretensão de indemnização é notificada à L.... ………… e Construções, S.A em 25 de julho de 2007, por despacho datado de 24 de junho de 2007.” (cfr. fls 153 do pa). 19. O réu dirigiu ofício à Autora no ano de 2012, onde a informou que não iria pagar a fatura nº. FOLO200400, datada de 31.07.2002, no valor de 365.942,35€ e da nota de lançamento nº. …….., datada de 26-03-2008, no valor de 213.981,64€, relativa a juros de mora da fatura. (cfr. fls 155 do pa). 20. O Réu emitiu informação interna de onde se extrai que “(…) na contabilidade não se tem conhecimento de desenvolvimentos subsequentes aos dois pareceres jurídicos. Sugere-se assim que seja tomada uma decisão definitiva sobre esta matéria, a fim dos documentos que se encontram em conferência terem uma resolução, pois têm um grande peso so valor da dívida e nos prazos médios de pagamento.” (cfr. fls 141 do pa). 21. Em 14 de janeiro de 2013 a Autora remeteu ofício ao Réu de onde se extrai que “(…) na sequência da notificação recebida a 25/07/2007 que apontava para o indeferimento da reclamação de reequilíbrio financeiro da empreitada identificada em epígrafe, esta empresa remeteu ao Município, a 03/08/2007, a sua pronúncia escrita ao abrigo do artigo 101º do Código do Procedimento Administrativo. Ora, o certo é que, até à data a L.... …………….. e Construções, S.A ainda não foi notificada da decisão definitiva desse Município quanto ao teor da reclamação, que continua a aguardar. (…).”(cfr. fls 156 do pa). 22. O réu dirigiu ofício à Autora em 09.12.2013, onde procedeu à devolução da fatura ….., de 31.07.2012, no valor de 365.942,35€ e a nota de débito no valor de 213.981,64€. (cfr. fls 147 do pa). 23. Em 10 de setembro de 2014 a Autora remeteu ofício ao Réu de onde se extrai que “os encargos decorrentes da alteração dos pressupostos de execução da empreitada denominada “Ligação da Zona Industrial à Estrada Nacional, nº. 3, Circular Urbana, Rua O, nó 3” foram descritos e requeridos a V. Exa através do nosso ofício com a ref 194/99 de 28/06/1999.” (cfr. fls 157 do pa). » * Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, dita-se ao elenco da matéria assente, o seguinte facto: 24. O réu foi citado a 13.03.2015 (cfr. aviso de receção de fls. 116 do sitaf). * Recuperando os termos em que se enunciou a questão a decidir, cumpre a este tribunal de apelação conhecer da questão de saber se a decisão recorrida, ao ter considerado procedente a exceção da prescrição do direito ao recebimento da quantia de €178 185,63, considerando ser aplicável o prazo prescricional de 3 anos, previsto no artigo 482.º, do Código Civil, para o direito à restituição por enriquecimento sem causa, incorreu em nulidade, por excesso de pronúncia, por ter assentado numa causa de pedir não alegada pela autora, que invocou, como factos jurídicos sustentadores do pedido em causa, a circunstância de o valor em causa corresponder à execução de trabalhos a mais. Vejamos. Compulsada a petição inicial, verifica-se que a autora, aqui recorrente, alegou, nos artigos 79.º a 89.º, que no âmbito do contrato de empreitada de “Ligação da zona industrial à EN 3 – Circular Urbana – Rua O – Nó 3, executou diversos trabalhos a mais, por solicitação do réu, os quais consistiram na construção de obras acessórias e equipamentos de sinalização e segurança que não se encontravam previstos no contrato de empreitada inicial, tendo ainda executado trabalhos respeitantes a infraestruturas rodoviárias, sendo que tais trabalhos nunca foram objeto de formalização e pagamento. No seguimento da invocação da exceção da prescrição, pelo réu, na contestação, veio o tribunal de 1.ª instância a julgar essa exceção procedente, quanto ao pedido respeitante ao pagamento dos trabalhos a mais que alegadamente foram executados, a pedido do réu, considerando ser aplicável o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no artigo 482.º, do Código Civil, afastando o prazo de prescrição ordinária pela circunstância de ter sido admitido pela autora que a realização dos referidos trabalhos nunca foi objeto de formalização, no contrato inicial ou em qualquer adicional ao mesmo. Referiu-se, a propósito, na decisão recorrida que «É pedido pela Autora o pagamento da quantia de €178.185,63 “relativa aos trabalhos a mais ordenados pela Ré, executados pela Autora e por aquela nunca pagos” inovando o Réu a prescrição de tal montante, porquanto o mesmo é escorado ao abrigo do enriquecimento sem causa tendo sido ultrapassado o prazo de três anos, pugnando a Autora pela sua improcedência. Vejamos, resulta dos factos dados como provados, que por duas vezes foram ordenados trabalhos a mais para a Autora executar, e tal, é espelhada nos contratos adicionais que foram celebrados ao contrato inicial. Tal como a própria Autora indica no seu petitório tais contratos nunca foram pagos pelo Réu nem nunca foram formalizados tal como imperava legalmente. Neste domínio, desconhece-se completamente, atenta a inexistência de prova – que teria obrigatoriamente que ser documental – em que data foram realizados esses hipotéticos trabalhos a mais. O que se sabe, é que os mesmos, a terem existido, foram-no à margem das normas constantes no Decreto-lei nº. 235/86, de 18 de agosto, já supra evidenciadas e que desnecessário se torna a sua repetição. Isto, é dito pela própria Autora e não é impugnado pelo Réu, portanto, não se encontra controvertido. A ser assim, a única forma existente para que a Autora pudesse ser paga daqueles montantes era efetivamente não à luz do Regime das Empreitadas Públicas (que as partes violaram) mas sim através do instituto do enriquecimento sem causa, enquanto seu último reduto. (…) Pese embora, (mais uma vez se diga) se desconheça em que datas foram prestados os trabalhos a mais que servem de sustentação de base ao pedido pela Autora, é certo, que os mesmos tiveram que obrigatoriamente ocorreu antes da conclusão do contrato. Destarte, melhor compulsados os autos, verifica-se que do auto de receção definitiva resulta que a empreitada ficou concluída em 19 de março de 1999, conforme vistoria realizada (cfr. artigo 204º do Decreto-Lei nº. 235/86, de 18 de agosto). Tal significa, que pelo menos desde 19 de março de 1999, tinha a Autora conhecimento de que os trabalhos a mais que tinha prestado não tinham sido nem formalizados nem pagos. Ante o exposto, julga-se verificada a exceção perentória invocada pelo Réu, que leva à absolvição do pedido (cfr. artigos 576º e 579º do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº. 41/2013, de 26 de junho, aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).». Vejamos. É incontornável que a decisão recorrida, ao considerar aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 482.º do Código Civil, previsto para o direito à restituição por enriquecimento sem causa, fê-lo no pressuposto de ser este o quadro normativo aplicável à pretensão deduzida pela autora. É também incontornável que, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Do mesmo modo, é inquestionável que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (factos jurídicos dos quais emerge a pretensão deduzida), podendo o juiz considerar, para além desses, apenas os enunciados nas alíneas a) a c) do n.º 2, do artigo 5.º, do CPC. Impõe-se, assim, determinar se a decisão recorrida, ao aplicar à pretensão deduzida pela autora o quadro normativo, mormente em matéria prescricional, correspondente ao direito à restituição por enriquecimento sem causa, e não o correspondente ao direito à retribuição pela execução de trabalhos a mais no âmbito do contrato de empreitada, atendeu a uma causa de pedir diversa da alegada pela autora ou se limitou, tão só, a proceder a uma diversa qualificação jurídica dos factos alegados. E a resposta revela-se clara. Compulsada a alegação da autora, verifica-se que os factos jurídicos por esta alegados – realização de trabalhos, a pedido do réu, no âmbito do contrato de empreitada, que não se encontravam previstos e não vieram ser formalizados e pagos – não se mostram coincidentes com os que sustentam o pedido de restituição por enriquecimento sem causa – locupletamento à custa de outrem, sem causa justificativa. Assim, o saneador-sentença que conheceu do pedido formulado pela autora, julgando procedente uma exceção perentória, com fundamento numa causa de pedir diversa da que por esta foi invocada, incorre na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por excesso de pronúncia. Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto (Acórdão de 26.04.2001 – P.º0130101), referindo-se, nesse aresto que: «I - A sentença que conhecer do pedido com fundamento em causa de pedir diversa da invocada pelo autor comete a nulidade de excesso de pronúncia e não a de condenação em objecto diverso do pedido. II - Ocorre aquela nulidade se, pedida a condenação no pagamento de certa quantia, com fundamento no trabalho realizado até à revogação de um contrato de mandato, o juiz profere essa condenação com fundamento em indemnização por revogação do mandato sem justa causa.» Convoca-se, também, o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, prolatado a 02.11.2023 (P.º 186/21.0T8MTR.G1), referenciado pela recorrente: «II - Para delimitar a causa de pedir “não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, antes devendo considerar-se a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida” pelo autor. IV - Ainda que a factualidade alegada pela Autora possa também enquadrar uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos, não é indiferente para a decisão a proferir que a Autora tenha configurado a ação e fundado a sua pretensão no instituto do enriquecimento sem causa, pois que num e noutro caso (responsabilidade civil por factos ilícitos e enriquecimento sem causa) estamos perante quadros normativos qualitativamente distintos. V - Neste caso, ao enquadrar os factos na perspetiva da responsabilidade civil o Tribunal a quo “operou convolação que extravasa o âmbito daquela tal como o definiu a Autora, acabando por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento”, o que determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil. VI - O princípio dispositivo, impõe que se respeite a definição do litígio feita pelas partes.». Na verdade, o pedido formulado pela autora, neste segmento, assenta na alegação de factos jurídicos correspondentes ao direito ao pagamento de trabalhos a mais, ou trabalhos complementares, que alega ter executado por ordem do dono da obra, no âmbito do contrato de empreitada. A circunstância de saber se estão ou não verificados os pressupostos do direito ao recebimento do pagamento a eles correspondente releva no âmbito do conhecimento do pedido e do juízo que recairá sobre a sua procedência, ou improcedência; não interfere com o quadro normativo ao abrigo do qual vai ser apreciado e, muito menos, com o respeitante ao prazo prescricional aplicável, que sempre será o correspondente à responsabilidade contratual. Assim, a exceção da prescrição, invocada pelo réu, pelo decurso do prazo previsto no artigo 482.º, do Código Civil, aplicável à restituição por enriquecimento sem causa, não podia senão ser julgada improcedente, por não ser esse o prazo aplicável. Tratando-se de uma pretensão emergente de responsabilidade contratual, o prazo de prescrição seria sempre o previsto no artigo 309.º, do Código Civil, correspondente à prescrição ordinária, na certeza de que tem sido entendimento da jurisprudência que à dívida emergente do contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, uma vez que não se enquadra na expressão “execução de trabalhos” referida na alínea b) do art. 317º do CC (cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, 29.04.2008). Do confronto entre o que acabámos de referir e a circunstância, dada por assente na decisão recorrida, de que pelo menos desde 19 de março de 1999, tinha a Autora conhecimento de que os trabalhos a mais que tinha prestado não tinham sido nem formalizados nem pagos, é forçoso concluir que na data em que ocorreu a citação do réu – a 13.03., esse prazo não se mostrava decorrido, devendo improceder a exceção da prescrição. Assim, deve ser concedido provimento ao recurso, anulado o saneador-sentença, no segmento recorrido, e julgada improcedente a exceção da prescrição do direito da autora. Mais deve ser ordenada a baixa dos autos à primeira instância para que aí prossigam os seus termos, se a tal nada mais obstar. As custas serão suportadas pela recorrida, nos termos do disposto no artigo 527.º, do CPC. * Por tudo o que vem de ser expendido, acordam em conferência os juízes que compõem a presente formação da subsecção de Contratos Públicos da secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular o saneador sentença no segmento recorrido, julgar improcedente a exceção da prescrição e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para que aí prossigam os seus termos, se a tal nada mais obstar. Custas pela recorrida. Registe e notifique. Lisboa, 27 de fevereiro de 2025 Ana Carla Teles Duarte Palma Jorge Martins Pelicano Helena Telo Afonso |