Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:46534/24.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO (DÉFICE INSTRUTÓRIO)
OCUPAÇÃO SEM TÍTULO DE HABITAÇÃO PÚBLICA
OBRIGAÇÃO DE ENCAMINHAMENTO PARA SOLUÇÕES HABITACIONAIS
Sumário:I - O n.º 2 do artigo 121.º do CPTA atribui efeito meramente devolutivo ao recurso da decisão final do processo principal proferida por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito da ação cautelar;
II - Carece de objeto o recurso em que o recorrente não imputa qualquer nulidade à sentença ou concretiza qualquer erro desta, invocando razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efetuado pelo Tribunal recorrido;
III - É de rejeitar o recurso da decisão quanto à matéria de facto quando se mostram incumpridos os ónus impugnatórios vertidos no n.º 1 do artigo 640.º do CPC;
IV - O direito à habitação regulado no artigo 65.º da CRP tem a natureza de norma programática, carecendo a sua execução da intermediação que é conferida pela lei ordinária (infraconstitucional), designadamente, no que toca à definição de critérios e regras de acesso à habitação pública;
V - “O cumprimento da obrigação de encaminhamento prevista no número 6 do artigo 28.º da Lei 81/2014, de 19 de dezembro, na redação introduzida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, consubstancia-se, essencialmente, através da prestação de informações sobre as soluções legais de acesso à habitação e os apoios habitacionais existentes, mas não da realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação” (Acórdão do STA, de 02/05/2024, prolatado no processo sob o n.º 02681/17.7BEPRRT);
VI - “O incumprimento da obrigação de encaminhamento prevista no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, não afecta a legalidade do acto de despejo, na medida em que este acto é um pressuposto da obrigação de encaminhamento, sendo anterior à mesma” (Ac. do TCA Sul, de 15/05/2025, proferido no processo n.º 26086/24.4.BELSB).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

I… (Requerente ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, providência cautelar contra o Município de Lisboa e a Gebalis - Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, EM, S.A. (doravante Gebalis, Entidade Requerida, Requerida ou Recorrida), peticionando a suspensão de eficácia do despacho/carta junto como doc. 2, que determina a desocupação do imóvel sito na Rua A…, Lote …, Lisboa e por via dela serem as Recorridas notificadas para se absterem de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pelo Requerente e a companheira, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), até que seja celebrado um contrato de arrendamento desta ou de outra qualquer habitação com as Requeridas.

Por apenso aos autos cautelares instaurou ação administrativa, que corre termos pelo apenso A, pela qual peticionou a anulação do despacho/carta junto como doc. 2, que determina a desocupação do imóvel sito na Rua A…, Lote …, Lisboa e que seja declarada a existência do direito do A. a celebrar um contrato de arrendamento de habitação com as RR., com recurso aos valores da renda que resultam da lei, condenando-se as RR. a absterem-se de, por qualquer forma, perturbar o gozo do locado até que tenha lugar a efetiva celebração do contrato de arrendamento.

Por despacho de 21.3.2025 o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa antecipou o juízo sobre a causa principal, proferindo sentença pela qual julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as Entidades Demandadas dos pedidos.

Inconformado o Requerente/Recorrente, interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:


1.ª
O Recorrente e a companheira, aqui entraram em puro desespero e em severo estado de necessidade para salvaguardar a vida pois não podiam habitar ao relento! No próprio dia da entrada o Recorrente informou as Recorridas e estes garantiram que iram encaminhar este agregado, mas não podiam esperar eternamente! A casa estava devoluta! E as requeridas nada fizeram! Se assim não fosse, estariam a residir ao relento!
2.ª
O Recorrente e a companheira, tal como Doc. 1 já junto, aqui entraram em puro desespero e em severo estado de necessidade para salvaguardar a vida pois não podiam habitar ao relento! No próprio dia da entrada o Recorrente informou as Recorridas e estes garantiram que iram encaminhar este agregado, mas não podiam esperar eternamente! A casa estava devoluta há largos anos! E as Recorridas nada fizeram! Se assim não fosse, estariam a residir ao relento!
3.ª
O Recorrente já está inscrito para os concursos de habitação social desde que pode, mas as Recorridas e as Assistentes Socias têm conhecimento da situação do agregado familiar do Recorrente, garantiram que a situação iria ser resolvida, mas nada fizeram. Para mais, o Recorrente indagou as Recorridas sobre o destino das suas candidaturas ao longo dos últimos anos tendo esta respondido que tinha azar que não foi atribuída qualquer habitação apesar de vários vizinhos do Recorrente que estão mesma situação foram realojados e para mais encontraram-se centenas de fogos devolutos! Como era o caso da atual habitação que se encontrava devoluta!
4.ª
Atualmente, o agregado familiar é composto pelo Recorrente e a companheira.
5.ª
Facto A) em contradição com o facto E)
No que toca a este ponto o Tribunal recorrido não teve em conta o facto público e notório que o locado e residência do Recorrente tinha outro nome de rua, que era Rua J… e há cerca de 2/3 anos, não sabendo se o Tribunal recorrido se referia à primeira rua ou à sua designação atual. O Recorrente desconhece esta família e devem estar a referir-se a outra família que residia noutra rua com a designação antiga.
6.ª
Pois que no ponto E), no relatório de notificação de ocupação, é dado como provado que o Recorrente e a sua companheira aqui habitam desde 2019. Contudo já no ponto A) é referido que aqui reside outra família (com a alteração da designação de nome da rua).
7.ª
Facto B)
O Recorrente desconhece a Rua R…, lote … e em mais algum momento é feita referência a esta rua, não se entendendo como é que é dado como provado que foi enviada uma carta para esta morada quando nada tem que ver como processo, sendo um erro notório do Tribunal Recorrido. E muito menos nada ocorreu no dia 23 de junho de 2023 que tenha que ver com o Recorrente e a sua companheira.
8.ª
Facto M) em contradição insanável com o Facto T)
No facto M) foi dada pontuação de 11,03 no parâmetro de carência habitacional contundo no ponto T) e por informações da mesma entidade diz que o Recorrente tem outra habitação disponível. De facto com o Ponto M) a Recorrida reconhece que o Recorrente e o seu agregado não tem alternativa habitacional pois é lhe dada esta pontuação contudo, vem afirmar que este tem outra habitação disponível. Esta estratégia apenas tentar derrubar por terra o facto que a casa dos progenitores do Recorrente está sobrelotada e o Recorrente e a sua companheira não têm lugar nesta, o que, na prática faz com que estes não tenham qualquer alternativa habitacional disponível!
9.ª
Facto E) em contradição insanável com o C), F) e G)
O Recorrente reside no 2° direito desde 2019 tal como provado no ponto E) e no C), F) e G) já se dá como provado que reside noutra morada distinta. Tendo em conta que o Ponto E) é o único que ocorreu de informação direta dos factos alegado pelo Recorrente, deverá este prevalecer perante os pontos C), F) e G). Mais, é de mister importância dar-se como provada a entrada anterior a Setembro de 2021 pois que, deste modo, eram os Recorridos obrigados a dar cumprimento às deliberações 855/A/CM/2022 e 855/CM/2022, o que nunca fizeram! Com base em tais deliberações, dezenas de agregados familiares que viviam, vivem e continuam a viver em casa sociais geridas pela GEBALIS, e assim permaneciam até Maio de 2021, viram a sua situação locatária regularizada com a assinatura de contratos e pagamento de rendas nos valores médios de 10€.
10.ª
Trata-se de uma questão que não tem qualquer correspondência com a realidade, verificando-se até um abuso de direito quando a entidade gestora invoca um fundamento para excluir a atribuição do Reconhecimento do direito ao arrendamento com base numa situação que não tem qualquer correspondência com a realidade no que se denominada de erros sobre os pressupostos de facto. Que assim inquina o ato administrativo do vicio de violação de lei.
11.ª
Acresce ainda que está dado como assente, nos fatores de atribuição que o Recorrente é pai solteiro, mas o que não se compreende é a razão porque esse facto não merece a correspondente ponderação positiva para efeitos de atribuição do direito de habitação.
12.ª
A fundamentação inquinada de contradição insanável, como é o caso, determina igualmente a nulidade do indeferimento com base em erro sobre os pressupostos de direito.!
13.ª
De fato a ordem de despejo das Recorridas, coloca a Recorrente numa verdadeira situação de carência habitacional pois que as Recorridas, com o ato suspendendo, encontram-se a violar o disposto no 28°, n.° 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.°da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.°do Decreto- Lei n.° 89/2021, de 3/11), pois que, perante o despejo não foi existiu um reencaminhamento efetivo do Recorrente para uma outra alternativa habitacional.
14.ª
Para mais, a Recorrente para chegar a esta conclusão o tribunal de 1ª instância decidiu, sem produzir a prova testemunhal arrolada, bem como das declarações de parte que iram ser requeridas pela Recorrida e explicariam toda esta situação. Baseando-se assim em premissas erradas para chegarem a esta conclusão!
15.ª
Não estamos perante uma ocupação nem uma situação abusiva e muito menos ilegal pois perante as deliberações do Município de Lisboa este agregado teria direito a ver a sua situação regularizada.
16.ª
Continua o Recorrente aguardar que lhe seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar.
Ainda hoje não compreende a razão da discriminação das Recorridas a qual só pode basear-se na falta de rendimento quando se encontra desempregado. De facto, a habitação social é para entregar e maioritariamente para manter em quem dela careça.
18.ª
Se passarem a residir ao relento os perigos e riscos agravam-se todos os dias!
19.ª
Desde há vários anos atras que o Recorrente tem feito tudo para que junto das Recorridas lhe fosse regularizada a situação visto que quer pagar as rendas e passem a fazer constar da ficha deste agregado familiar.
20.ª
Temendo pela dignidade e integridade da sua família, temem pelo eminente despejo tal como outros exemplos da sua família e amigos que foram despejados, foi o seu agregado familiar a terem de pernoitar ao relento, sem proceder aos tramites impostos por lei do reencaminhamento para outras entidades competentes.
21.ª
O Recorrente não tem possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
22.ª
Se as Recorridas não se dignarem incluir o Recorrente nesta ficha, a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada.
23.ª
Nos termos do disposto no art° 65°n° 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
24.ª
Se as Recorridas não se dignarem fixar o valor da renda ao Recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada, nomeadamente a vida e o bem-estar dos filhos do Recorrente!
25.ª
O Tribunal não se pronunciou quanto à ilegalidade do despejo pois que baseou-se em fatos distintas da realidade, pois que de fato o Recorrente não ter qualquer alternativa habitacional e ter dois filhos menores, devendo este ter-se pronunciado sobre a mesma!
26.ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação da Recorrida no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente ilegal ao abrigo da CRP.
27.ª
Foi indevidamente julgado no Tribunal de 1.ª instância que que não se encontra verificado o requisito do fumus bonus iuris, conforme estabelecido no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA.
28.ª
O Recorrente sustenta que, ao não indicar qualquer alternativa habitacional, o Recorrido se encontra a violar o disposto no artigo 28.°, n.° 6, da Lei n.° 81/2014, de 19.12, bem como o artigo 13.°, n.° 4 da Lei de Bases de Habitação.
29.ª
De acordo com a primeira daquelas disposições, aplicável ex vi artigo supracitado artigo 35.°, n.° 4, da mesma Lei n.° 81/2014, “Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais ”.
30.ª
Já o segundo comando legal elencado, por sua vez, preceitua que “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte”, sendo que “Em caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei”.
31.ª
Isto visto, quanto a esta matéria, o acórdão do TCA Sul de 20-10-2022, proc. 1012/22.9BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt, procedeu à análise do bloco normativo aplicável (em situação com identidade factual à dos presentes autos), com grande profundidade e amplitude, pelo que se segue de perto o aresto aludido (no tocante à análise normativa).
32.ª
Ora, o Recorrente enquadra-se nesta concreta classificação, na medida em que mesma não detém qualquer outra habitação, a que título for (proprietária, arrendatária, comodatária ou outro), ou seja, não tem alternativa habitacional e, além disso, está em claro risco de doença, por força de decisão que determinou a desocupação do imóvel.
33.ª
Assim, as Recorridas não poderiam ordenar a desocupação sem mais, pois teria de encaminhar, previamente, o Recorrente (rectius, o seu agregado familiar) para uma solução habitacional, ainda que transitória, não sendo admissível a ordem de desocupação tout court.
34.ª
O Recorrente tem o direito a ser encaminhado para (outra) solução habitacional, sendo incumbência dos Recorridos salvaguardar que o Recorrente e o seu agregado são acomodados em habitação condigna (ainda que temporariamente, reiterasse), e isso não foi feito pelas Recorridas, uma vez que o ato que ordena a desocupação não alude, em qualquer segmento, a eventual encaminhamento do Recorrente para uma solução habitacional.
35.ª
Nos termos do artigo 28. ° da Lei n.° 6 da Lei 81/2014, “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”. Igualmente, nos termos do disposto no artigo 13.°da Lei 83/2019 (Lei de Bases da Habitação), se constata que as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento.
36.ª
Até porque, relativamente ao despejo de agregados com carência habitacional, dispõe o n.° 4 do artigo 4.° do DL n.° 89/2021, de 3/11, que o município deve encaminhar ou assegurar a implementação de uma solução de alojamento temporário destas famílias, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências, o que, como vimos, não foi feito no caso dos autos.
37.ª
Assim sendo, o vício de violação de lei imputado ao ato que levou ao despejo do Recorrente e do seu agregado, num juízo perfunctório, afigura-se que procede em sede de ação principal por vício de violação de lei (violação do disposto nos artigos 28°, n.° 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.° da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 89/2021, de 3/11).
38.ª
Assim, numa análise perfunctória, própria do processo cautelar, pode concluir-se que esta causa de invalidade imputada ao ato será, muito provavelmente, julgada procedente, o que só por si determinará a anulação do ato impugnado podendo, pois, afirmar-se, sem necessidade de mais indagações e de análise das outras causas de invalidade suscitadas contra o ato, que é muito provável que a ação principal venha a ser julgada procedente.
39.ª
Mostra-se, assim, preenchido o requisito do fumus bonus iuris necessário ao decretamento de uma providência cautelar - é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
40.ª
Ora, interpretando a causa de pedir que sustenta o pedido, verifica-se que o pedido em causa se reporta ao decretamento provisório da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão de desocupação do imóvel retro aludido.
41.ª
A tutela provisória prevista no art. 131° do CPTA destina-se a assegurar o efeito útil do processo cautelar e a evitar que, perante a verificação de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado durante a pendência do processo cautelar, este se mostre infrutífero e incapaz de assegurar a tutela que lhe é própria, qual seja a de evitar a infrutuosidade do processo principal do qual depende.
42.ª
O decretamento provisório da providência, nos termos do art. 131° do CPTA, pressupõe que se mostre verificado, através da alegação feita no requerimento inicial, um periculum in mora qualificado, que deve revestir características de irreparabilidade absoluta, de forma a justificar esta tutela provisória. Como é do agravamento, todos os dias do estado de saúde dos seus filhos mais o risco de lhe serem retirados os menores pela CPCJ.
43.ª
Neste caso, estando em causa a alegada desocupação do imóvel onde o Recorrente reside e a inexistência de alternativa habitacional, por falta de meios económicos, ao que acresce a alegada debilidade de alguns dos membros do agregado familiar visado, é manifesto que se mostra preenchida a previsão do art. 131°/1 do CPTA, pois que a execução da ordem de despejo, ao determinar que o Recorrente eo seu agregado fiquem desalojados, é passível de gerar prejuízos irreparáveis para os mesmos, ainda que venhaa proceder o pedido cautelar, ainda mais, sendo concedido prazo exíguo para o efeito que inviabiliza qualquer solução de procura de alternativa habitacional.
44.ª
É quanto basta para que se determine o decretamento provisório da providência cautelar requerida.
45.ª
O tribunal de 1.ª instância julgou erradamente a existência de alternativa habitacional.
46.ª
O Recorrente nada aufere, não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida que em nada julga e conhece das concretas questões colocadas, pois que as frequentes situações de falta de habitação têm sempre na origem falta de recursos; incompreensão dos jovens sobre os critérios de atribuição tudo perante a passividade da CML/GEBALIS que não conseguem atribuir uma habitação condigna a quem dela carece e insiste em fazer tábua rasa das próprias deliberações 855/A/CM/2022 e 855/CM/2022. Condenando-se as Recorridas em custas e condigna Procuradoria.
Como é de JUSTIÇA!”

A GEBALIS - Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, E.M., S.A apresentou contra-alegações, concluindo como se segue:

1. Nos termos do disposto no artigo 121° n° 2 do CPTA, o presente recurso da sentença proferida sobre o mérito da causa principal, tem efeito meramente devolutivo.
2. Por iniciativa do Tribunal, foi decidido antecipar o juízo sobre a causa principal, nos termos do disposto no artigo 121° n°: 1 do CPTA.
3. Assim, a sentença objecto do presente recurso, julgou de mérito a causa principal, absolvendo as Entidades Demandadas dos pedidos.
4. O Recorrente não só não impugnou a decisão prévia de antecipação como, não impugna o mérito do julgamento, já que não imputa à sentença nulidades ou erro de julgamento.
5. O Recorrente limita-se a alegar os mesmos factos e as mesmas questões de direito.
6. Não se apercebeu que há uma decisão de mérito, continuando a alegar em termos de procedimento cautelar (artigos 27°, 37°, 38°, 39°, 41° e 44° das conclusões).
7. Por isso, nada alega em termos de fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão proferida.
8. Antes, pretende que o Tribunal Superior funcione em 1.ª instância, proferindo nova decisão, quando devia saber que os recursos visam a modificação da decisão.
9. Há uma manifesta falta de objecto e uma manifesta desnecessidade e impossibilidade de julgar o presente recurso, por falta de matéria para decidir, sendo o mesmo inútil.
10. O Recorrente não pode ignorar a falta de fundamento e objecto do recurso pois, limita-se a requerer uma nova apreciação da causa.
11. Impõe-se a condenação como litigante de má fé.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Deverá, igualmente, o Recorrente ser condenado como litigante de má fé.”

Também o Recorrido, Município de Lisboa, apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões,
“1. Nos termos do disposto no n° 2 do Art° 121° do CPTA, o presente recurso da Sentença proferida sobre o mérito da causa principal, tem efeito meramente devolutivo, o que implica que o ato administrativo, objeto da ação principal, que determinou a desocupação do fogo municipal, permanece válido e eficaz na ordem jurídica, nada obstando ao despejo imediato do fogo ocupado abusivamente.
2. Por iniciativa do Tribunal à quo foi decidido antecipar o juízo sobre o mérito da causa principal nos termos do disposto no art. 121 n°.1 do CPTA.
3. A sentença objecto do presente recurso julgou do mérito da causa principal e absolveu as Entidades Demandadas dos pedidos formulados.
4. O Recorrente não impugnou a decisão que determinou a antecipação do juízo sobre o mérito da causa principal nem impugnou o mérito do julgamento formulado pois não imputou à sentença qualquer nulidade ou vício de julgamento que determine a sua modificação ou anulação.
5. Impendia sobre o Recorrente o ónus de indicar nas conclusões do recurso o fundamento específico e o respetivo pedido de alteração ou anulação da Decisão, todavia limitou-se a elaborar um arrazoado obscuro e ininteligível, o qual reproduz o teor das peças processuais já juntas aos autos, não imputando à Sentença qualquer erro ou outro vício de julgamento, tanto da matéria de facto como de direito.
6. Aderindo inteiramente ao julgado, ora sob recurso, o ato administrativo objeto da Sentença recorrida não poderia ter outro sentido e fundamento, à luz dos normativos ínsitos no Art.° 13° da LBH, artigos 3° e 4° do DL. n.° 89/2021, de 03-11, na versão atualizada (Lei n°56/2023, de 06-10) no Art° 28° e 35° da versão em vigor do Regime Legal do Arrendamento Apoiado para Habitação (Lei n° n°32/2016), nos Pontos 1, 2 e 3 da versão consolidada das Deliberações n°s 855-A/CM/2022 e 855/CM/2022, no Regulamento Municipal do Direito à Habitação (RMDH) e respetivo Anexo II e no Art° 4°, n°s 1, 3 e 7 do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais.
7. A douta sentença não padece de erro de julgamento de facto e de direito, pelo que deverá ser mantida na sua plenitude.
Em sequência, importa concluir que o julgado em primeira instância é de confirmar inteiramente, quer quanto à decisão - de facto e de direito -, quer quanto aos respetivos fundamentos, devendo, por isso, concluir-se pela improcedência do recurso interposto pelo Recorrente.
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, confirmando-se, a douta sentença proferida nos autos em 21/03/2025.”

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público proferiu parecer pugnando pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não pode. este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso [cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA].
Verifica-se que nas conclusões 40.ª a 44.ª o Recorrente sustenta mostrar-se preenchida a previsão do artigo 131.º, n.º 1 do CPTA, impondo-se determinar o decretamento provisório da providência cautelar.
O artigo 131.º do CPTA rege a possibilidade de, no despacho liminar – portanto, o despacho proferido após a distribuição da ação cautelar (artigo 116.º, n.º 1 do CPTA) – ou na pendência do processo cautelar – isto é, antes que seja proferida decisão -, o juiz poder provisoriamente decretar a providência requerida, preenchidos que estejam os requisitos previstos no n.º 1 deste normativo.
No caso dos autos, tendo sido requerido no requerimento inicial o decretamento provisório por despacho de 27.11.2024, o tribunal a quo indeferiu a pretensão. Analisado o requerimento de interposição de recurso, as alegações e conclusões recursivas verifica-se que o Recorrente não recorre desse despacho, o qual, por isso, não constitui objeto do recurso e, consequentemente, não há que apreciar de (eventual) erro de julgamento de que esse despacho padecesse.
Em face do exposto, as questões que a este Tribunal cumpre apreciar reconduzem-se a saber se
(1) A sentença recorrida padece de,
a. Erro de julgamento de facto (e défice instrutório) quanto aos factos A), B), M) e E) e à existência de alternativa habitacional;
b. Erro de julgamento de direito.
(2) O Recorrente deve ser condenado como litigante de má-fé.
Como questões prévias haverá que apreciar o efeito do recurso e se o recurso carece de objeto.

3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foi julgada indiciariamente provada a seguinte factualidade:

“A) Em 6 de abril de 2022, pelas 10.00 horas, dois agentes da Polícia Municipal de Lisboa, deslocaram-se à Rua A…, Lote …, em Lisboa, tendo apurado, por contacto pessoal, que D… residia naquela fração, há cerca de 2 meses, com o seu companheiro, R…, e filhos, L… e M…, não dispondo de contrato de arrendamento para o efeito (cf. fls. 45 s., do PA);
B) Em 23 de junho de 2023, a Gebalis elaborou e colocou debaixo da porta/caixa do correio, da fração sita na Rua R…, Lote …, Lisboa, um aviso com o seguinte teor:
“(…)




«Imagem em texto no original»




(...)." (cf. fls. 11, do processo administrativo apenso aos autos, adiante PA);
C) Em 18 de agosto de 2023, o Autor celebrou um contrato de trabalho a termo certo, com M…, Lda., no qual consta como local da sua residência a Rua A…, Lote …, em Lisboa (cf. fls. 21 s., do PA);
D) Em 27 de outubro de 2023, o Autor recebeu o ofício com referência 1869/2023, do Município de Lisboa e da Gebalis, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
"(…)




«Imagem em texto no original»





(...)." (cf. fls. 7 e 10, do PA);
E) Em 27 de outubro de 2023, a Gebalis elaborou o relatório notificação de ocupação, do qual consta que o Autor e a sua companheira, M…, ocupam a fração sita na Rua A…, Lote … Lisboa, desde 2019 (cf. fls. 12 s., do PA);
F) Em 03 de novembro de 2023, a Junta de Freguesia do Beato emitiu um atestado, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
"(…)



«Imagem em texto no original»






(…)”. (cf. fls. 32, do PA);
G) Desde 10 de novembro de 2023, o Autor tem domicílio fiscal na Rua A…, Lote …, em Lisboa (cf. fls. 18, do PA);
H) Em 15 de dezembro de 2023, M… tinha domicílio fiscal na Rua A…, Lote …, em Lisboa (cf. fls. 34, do PA);
I) Em 19 de janeiro de 2024, M… procedeu à alteração da sua morada inscrita no respetivo cartão de cidadão para Rua A…, Lote …, Lisboa (cf. fls. 42 s., do PA);
J) Desde 09 de fevereiro de 2024, M… tem domicílio fiscal na Rua A…, Lote …, em Lisboa (cf. fls. 33, do PA);
K) Em 22 de abril de 2024, a Gebalis notificou o Autor para apresentar os seguintes documentos:
"(...)



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(...)." (cf. fls. 13 s., do PA);
L) Em 22 de abril de 2024, o Autor apresentou declaração da qual consta que o seu agregado familiar era composto por si e pela sua esposa, M… (cf. fls. 15, do PA);
M) A Gebalis procedeu à análise da situação do Autor, tendo elaborado informação da qual consta, entre o mais, o seguinte:
"(...)


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(…)”. (cf. fls. 47 s., do PA);
N) Em 24 de setembro de 2024, a Gebalis enviou uma comunicação, ao Autor, por este recebida em 2 de outubro de 2024, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)



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(…)


(...).” (cf. fls. 51 ss. e 55, do PA);
O) Em 07 de outubro de 2024, o Autor apresentou pronúncia em sede de audiência prévia, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)




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(…).” (cf. fls. 64, do PA);
P) Em 30 de outubro de 2024, foi elaborado, pelos serviços da Gebalis, relatório final, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(...)



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(…)


(…)



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(...).” (cf. fls. 68 ss., do PA);
Q) Em 31 de outubro de 2024, o vogal executivo do Conselho de Administração da Gebalis, com competência subdelegada, exarou despacho no relatório referido na alínea anterior, com o seguinte teor:
“(…)


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(…).” (cf. fls. 68, do PA);
R) Em 6 de novembro de 2024, a Vereadora F… exarou despacho no relatório referido na alínea M), com o seguinte teor: "Aprovo os termos propostos." (cf. fls. 68, do PA);
S) Em 13 de novembro de 2024, a Gebalis enviou uma comunicação, ao Autor, por este recebida em 25 de novembro de 2024, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)


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(...)



(...)." (cf. fls. 71 ss. e 78, do PA);
T) O Autor é ocupante autorizado na fração sita na Rua A…, Lote 7, 2.ºEsquerdo, em Lisboa (cf. fls. 47, do PA, e fls. 121, no SITAF).”

3.2. Mais se consignou na sentença recorrida quanto a factos não provados:

“Inexistem outros factos com relevância para a decisão.”

3.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

“A matéria dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo, expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório.”
4. Fundamentação de direito

4.1. Do efeito do recurso

O Recorrente sustentou que ao recurso deveria ser atribuído efeito suspensivo.
Contudo, como resulta do despacho que precedeu a sentença recorrida, o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do CPTA, antecipou o juízo sobre a causa principal, proferindo a decisão final do processo.
Assim, no que respeita ao efeito do recurso, dispõe-se no n.º 2 do artigo 121.º do CPTA que este tem efeito meramente devolutivo. Pelo que bem decidiu o Tribunal a quo ao, pelo despacho de 15.5.2025, atribuir ao recurso efeito devolutivo. Nada havendo, pois, a modificar.

4.2. Da falta de objeto do recurso

Em sede de contra-alegações sustentou a Recorrida, Gebalis, que o recurso carece de objeto. Para tanto sustenta que, em sede de alegações e conclusões de recurso, o Recorrente não impugna o mérito do julgamento, invocando nulidades ou erros de facto e direito à sentença, nada dizendo sobre as razões pelas quais pretende a sua revogação, limitando-se a trazer os mesmos factos e as mesmas questões de direito, como se o Tribunal Superior fosse uma nova primeira instância de julgamento.
Ora, “os recursos não podem assentar numa alegação genérica de reapreciação da situação jurídica controvertida, antes servindo para corrigir erros que devem ser concretizados pelo recorrente, a quem cabe invocar razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efectuado pelo Tribunal recorrido” (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 319/23.2BESNT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6bff07e6f06eedd80258c9000574310?OpenDocument). Com efeito, é porque «os recursos servem para colmatar eventuais erros que o recorrente tem o ónus de concretizar e que constituirão “o fundamento específico da recorribilidade” e, ainda, indicar os fundamentos “por que pede a alteração ou anulação da decisão”» (Ac. do STJ de 13.9.2022, proc. 773/19.7T8CBR.C1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd34b978ce15443e802588bc00501a65?OpenDocument). Daí que cumpra ao recorrente, por reporte ao que alegou, indicar nas conclusões, de forma sintética, os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão (art.º 639.º, nº 1, do CPC), podendo o recorrente, também nelas, restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso (art.º 635.º, n.º 4, do CPC).
Daí que quando o recorrente não imputa qualquer nulidade à sentença ou concretiza qualquer erro desta, invocando razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efetuado pelo Tribunal recorrido, nessa parte a sentença transita em julgado e o recurso carece de objeto, o que determina que não se conheça do mesmo (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 319/23.2BESNT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6bff07e6f06eedd80258c9000574310?OpenDocument, citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.05.2013, proferido no processo n.º 0508/13, e de 01.10.2014, proferido no processo n.º 0838/14, in www.dgsi.pt).
Isto posto, são inegáveis as deficiências de que padecem quer as alegações, quer as conclusões do recurso, designadamente no que respeita à invocação de juízos perfunctórios em sede cautelar, ao decretamento provisório nos termos do artigo 131.º do CPTA e, bem assim, ao preenchimento do fumus boni iuris (vg. conclusões 27.ª, 37.ª a 44.ª), quando se constata que, por um lado, o recurso não tem por objeto o despacho de 27.11.2024 que indeferiu o decretamento provisório e, por outro, que a sentença, por aplicação do disposto no artigo 121.º do CPTA, decidiu sobre o mérito da causa principal e, como tal, não foi apreciado o preenchimento dos requisitos de adoção da medida cautelar.
Contudo, embora em alguns pontos de forma incipiente, ao longo das conclusões deteta-se a imputação de erros de julgamento à sentença recorrida, seja no que respeita à matéria de facto – vg. as conclusões 5.ª a 9.ª e 13.ª a 14.ª -, seja quanto à fundamentação de direito – vg. conclusão 37.ª, em que, embora por referência ao fumus boni iuris, se questiona a decisão proferida quanto ao mérito, 45.ª. Pelo que, naturalmente, não carece o recurso de falta de objeto, havendo que apreciar as questões suscitadas.

4.3. Do erro de julgamento de facto (e do défice instrutório)


O Recorrente impugna a matéria de facto sustentando,
· Quanto ao facto A), que o Tribunal não teve em conta o facto, público e notório, de que a morada do locado era Rua J… e que o A., e não outra família, ali reside há cerca de 2/3 anos, sendo certo que no facto E) é dado como provado que o A. e a sua companheira ali residem desde 2019;
· Quanto ao facto B), desconhece a Rua R…, lote …, não entendendo como se dá como provado que foi enviada carta para esta morada;
· O facto M) está em contradição com o facto T) porquanto no primeiro dá-se pontuação de 11,3 na carência habitacional e em T) diz-se que tem outra habitação disponível;
· O facto E) está em contradição com os pontos C), F) e G), pois que em E) dá-se como provado que o Recorrente reside no 2.º direito desde 2019 e em C), F) e G) dá-se como provado que reside noutra morada, devendo E) prevalecer sobre C), F) e G) e dar-se como provada a entrada anterior a setembro de 2021;
· O Tribunal “julgou erradamente a existência de alternativa habitacional ao dar como provado” e sem ter possibilitado a produção de prova testemunhal e as declarações de parte.
Com vista à apreciação da presente questão, e atenta a alegação da Recorrente, em primeiro lugar importa dar conta que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, o regime vigente, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, impõe ao Recorrente o ónus de especificar: 
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC); 
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC).
Em segundo lugar, dá-se nota que a omissão de diligências de prova por ser suscetível de afetar o julgamento da matéria de facto, acarreta a anulação da sentença por défice instrutório (entre outros os Acs. deste TCA Sul de 7.1.2021, proferido no processo 235/20.0BEBJA, de 6.1.2023, proferido no processo 80/16.7BELRA, de 4.4.2024, proferido no processo 548/18.7BESNT).
Ora, o que se deteta quanto aos imputados erros de julgamento é que o Recorrente não cumpre com o ónus de impugnação da matéria de facto, impondo-se, pois, rejeitar o recurso da matéria de facto.
Com efeito, embora identifique como incorretamente julgado o facto A), indicando que a morada do locado e data de início da sua residência ali corresponderiam a factos públicos e notórios e também resultariam do facto E), o que já não se logra alcançar – porque o Recorrente não o indica - é, afinal, qual a decisão que a respeito deste ponto A) entende que cumpria ao Tribunal a quo tomar. Isto é, nem em sede de alegações, nem nas conclusões (5.ª e 6.ª) indica se o que entende é que o facto A) não deveria constar como provado ou se, na realidade, seria outra e, nesse caso, qual, a factualidade a consignar aí como provada, não cumprindo, pois, com o ónus previsto na al. c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Quanto a B) o Recorrente limita-se a afirmar desconhecer a morada aí referida e que não compreende a referência ao endereço, mas o que não diz é, então, o que deveria constar do ponto B) – seria outro endereço ou o facto não poderia ser dado como provado? -, nem tão pouco aduz qualquer referência aos elementos probatórios que sustentam a sua posição quanto ao erro de julgamento, designadamente os que lhe permitem concluir pelo erro na indicação da morada. Ou seja, não respeitou os ónus de impugnação da matéria de facto a que se reportam as als. b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Sem prejuízo, o que se deteta é, verdadeiramente, um lapso de escrita, aferível da própria sentença e que se impõe retificar oficiosamente nos termos do artigo 614.º, n.º 1 do CPC. De facto, é que o Tribunal a quo faz constar em B) que “Em 23 de junho de 2023, a Gebalis elaborou e colocou debaixo da porta/caixa do correio, da fração sita na Rua R…, Lote …, Lisboa” e depois transcreve o teor do aviso do qual consta a data de 23 de outubro de 2023 e a identificação da morada Rua A…, n.º ….
Ou seja, é aferível do teor do aviso reproduzido no respetivo ponto do probatório que o que aí se pretendia consignar é que
“B) Em 23 de outubro de 2023, a Gebalis elaborou e colocou debaixo da porta/caixa do correio, da fração sita na Rua A…, n.º …, Lisboa, um aviso com o seguinte teor:
“(…)



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(...)." (cf. fls. 11, do processo administrativo apenso aos autos, adiante PA);”
Retificando-se, nestes termos, o ponto B).
Quanto a M) o Recorrente aponta erro de julgamento resultante de uma alegada contradição com a factualidade provada em T) e que, se bem se compreende, respeita à (in)existência de alternativa habitacional.
Por um lado, cumpre dar nota que o Recorrente sustenta que no “Ponto M) a Recorrida reconhece que o Recorrente e o seu agregado não tem alternativa habitacional”, mas que no ponto T) “diz que o Recorrente tem outra habitação disponível”. Ora, se assim é, e se que o pretende é que se concluísse que o recorrente e a sua companheira não têm qualquer alternativa habitacional disponível (designadamente, porque “a casa dos progenitores do Recorrente está sobrelotada”), então o erro de julgamento não estará no ponto M) como afirma, mas sim no ponto T).
Só que o que indicou como incorretamente julgado não foi o facto T), mas sim o facto M) por alegada contradição com aquele. O que significa que quanto a T), desde logo não cumpriu o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Por outro lado, cumpre notar que o Recorrente também não indica o que deveria ter sido dado como provado em M) [ou sequer em T)]que permitisse a este Tribunal verificar se a apontada contradição efetivamente existe e se lhe assiste fundamento na impugnação da factualidade dada como provada em M), nem tão pouco os elementos probatórios que o sustentam, limita-se a afirmar a contradição, sem indicar os meios de prova que permitiam resolver essa contradição e infirmar o juízo probatório alcançado pelo tribunal a quo. Assim, se mostrando incumpridos os ónus de impugnação da matéria de facto prescritos nas als. b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
E quanto a E) a conclusão é a mesma.
Com efeito, também aqui o Recorrente aponta a E) o erro de julgamento – por este estar “em contradição insanável com o C), F) e G) -, mas posteriormente afirma que é o facto E) – do qual resultaria provado que reside no 2.º direito desde 2019 - que deverá “prevalecer perante os pontos C), F) e G)”. Ou seja, o erro de julgamento não residirá no facto E), mas sim nos factos C), F) e G). Mas quanto a estes não cumpriu o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
E também aqui, quanto a E), não só não indica os elementos probatórios que sustentam essa alegada prevalência de E) face a C), F) e G) e a demonstração da entrada no imóvel anterior a setembro de 2021, como nunca enuncia o que reputa dever ter sido dado como provado ou que não poderia ter sido considerado provado. Ou seja, a este respeito sem cumprir com os ónus de impugnação da matéria de facto prescritos nas als. b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Quanto à alegação da (in)existência de alternativa habitacional é o próprio Recorrente a assumir estarmos perante uma conclusão a que o Tribunal chegou, sem para tal produzir a prova por si requerida (conclusões 13.ª e 14.ª). Mas, como é sabido, a matéria de facto “deve incidir apenas sobre matéria de facto e não conter questões de direito, [d]eve cingir-se às ocorrências da vida real e evitar conceitos jurídicos” (Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. cit., p. 219).
E a prova incide sobre factos e não tem por objeto afirmações de natureza conclusiva. Isto é, reiterando o Acórdão deste Tribunal de 22 de maio de 2019, proferido no processo 1134/10.9BELRA, “[a] seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento”.
Daí que, pretendendo o Recorrente afastar o alegado juízo conclusivo alcançado pelo Tribunal quanto à questão da existência de alternativa habitacional, cabia-lhe indicar quais os factos, por si alegados, que o Tribunal a quo deveria ter dado como, relativamente aos quais entendia ser necessária à decisão a produção da prova por si requerida.
Também a este respeito nada diz, desconhecendo-se quais são, afinal, os factos incorretamente julgados e qual a decisão que sobre os mesmos deveria ter sido proferida, e que levariam a, em sede de direito, julgar-se em sentido distinto ao do Tribunal a quo. Aqui se verificando, pois, um total e patente incumprimento dos ónus impugnatórios que sobre a Recorrente recaíam nos termos das als. a) e c) do artigo 640.º, n.º 1 do CPC, que determina a rejeição do recurso.

4.4. Do erro de julgamento de direito


A sentença recorrida, antecipando o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do CPTA, julgou a ação improcedente, absolvendo as entidades demandadas dos pedidos, considerando que o ato impugnado – correspondente ao despacho de 6.11.2024 da Vereadora do Pelouro da Habitação e Obras Municipais e Relação com as Juntas de Freguesia que determinou ao A. a desocupação do fogo municipal sito na Rua A…, lote …, Lisboa.
Contra o assim decidido insurge-se o Recorrente, alegando, no essencial, que se mostra violado o disposto nos artigos 28.º, n.º 6 da Lei 81/2014, 13.º da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de Bases da habitação), e 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3/11) dado que, perante o despejo, não existiu um reencaminhamento efetivo para uma outra alternativa habitacional. Entende que a Recorrida promoveu o despejo sem garantir previamente soluções de realojamento, violando a obrigação legal de encaminhar o Recorrente e o seu agregado familiar para solução habitacional. Defende que o artigo 65.º, n.º 1 da CRP consagra a favor do particular o direito de exigir do Estado o cumprimento da obrigação de habitação ali prevista. Referindo, ainda, que se encontra a aguardar que seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar, sob pena de a sobrevivência do agregado familiar ficar grave e irremediavelmente afetada por não ter possibilidades económicas que lhe permitam arrendar uma casa.
Vejamos.
No que respeita à alegação, em sede de conclusões de recurso, de que estaria a aguardar que seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar, crê-se que para o efeito de beneficiar do direito a novo arrendamento nos termos do artigo 14.º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município de Lisboa, verifica-se que a mesma não foi suscitada nem no âmbito do requerimento inicial, nem na petição inicial do processo principal e, como tal, não foi tratada na decisão recorrida. Não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, surgindo, por isso, como questão nova, não cabe a este Tribunal proceder à sua apreciação pois que o recurso se destina a impugnar as decisões da sentença (Ac. do STA de 12.11.2019, proferido no processo 17085/15.8T8 LSB.L1.S2, disponível em https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f04eac5f3e44f320802584be003dfefe?OpenDocument).
Se bem se compreende da conjugação das alegações (fls. 7) com as conclusões (23.ª), verifica-se que o Recorrente defende emergir diretamente do artigo 65.º da CRP o direito a uma habitação para si e para o seu agregado familiar, fruto de uma situação de insuficiência económica. Mas não lhe assiste razão. Com efeito, como a tal respeito já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, em Ac. de 13.4.2023 proferido no processo 047/22.6BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4ab4a71eafaa96f18025899500513619?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1),
«(…)importa delimitar o direito à habitação, enquanto direito constitucionalmente consagrado – artº 65º da CRP.
E este normativo, tal como o artigo 67º mostram-se inseridos na Parte I (Direitos e deveres fundamentais), do título III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), do capítulo II (Direitos e deveres sociais) da Constituição e consagrando o primeiro o direito à habitação.
E ali se reconhece a todos os cidadãos o direito a uma habitação dimensionada ao número de membros da respetiva família, onde possa ser preservada a intimidade individual e a privacidade familiar, que ofereça condições de vida condigna e minimamente integrada na vida da comunidade.”.
Veja-se, também, a este propósito, o Ac. 280/93 do TC de 30.03.1993:
(…)
Traduz-se, pois, este direito à habitação, na sua vertente positiva, na exigência de medidas e prestações do Estado com vista à sua realização, não conferindo, porém, a qualquer cidadão, um direito imediato a uma prestação efectiva, porquanto não é directamente aplicável ou exequível; ou seja, é necessária uma actuação do legislador para concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei.
A propósito da natureza e alcance do direito à habitação, veja-se o Ac. deste STA proferido em 09.01.2020, in proc. nº 01846/17.6BEPRT onde se consignou: «15. Começaremos por notar que, tal como flui do que foi expressado na decisão de 1ª instância e sublinhado pelo Réu, ora Recorrente, o “direito à habitação”, previsto e garantido no art. 65º da CRP, é um “direito fundamental” que, todavia, não se inclui nos “direitos, liberdades e garantias” elencados nos arts. 24º a 57º da CRP (pessoais, arts. 24º a 47º; políticos, arts. 48º a 52º; ou dos trabalhadores, arts. 53º a 57º), nem nos direitos de natureza análoga, não gozando, de pleno, das características e do específico regime jurídico destes (cfr. arts. 18º e 17º nº 1), nomeadamente: aplicabilidade direta e imediata (dada a natureza precetiva); vinculação das entidades públicas e privadas; direito de resistência; suspensão condicionada; limite material de revisão constitucional; responsabilidade civil das entidades públicas; especial forma de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva (v.g., arts. 107º a 111º do CPTA); exigências específicas impostas à lei restritiva (reserva de lei formal, art. 165º nº 1 b; reserva de lei material, art. 18º nº 3 “in initio”; proibição de retroatividade, art. 18º nº 3 “in medio”; respeito pelo “conteúdo essencial do direito”, art. 18º nº 3 “in fine”).
16.Efetivamente, trata-se de um “direito social”, previsto no Título III da CRP no âmbito dos direitos “económicos, sociais e culturais”, para os quais se estabelece uma diferente proteção jurídica, significativamente inferior à dos “direitos, liberdades e garantias”, condicionada, desde logo, pela capacidade financeira do Estado.
(…)
Resulta do exposto, que o artº 65º da CRP, não se pode considerar violado, nem quando o legislador ordinário estabelece regras e critérios para o acesso à habitação pública que pretendem salvaguardar a igualdade de tratamento de todos os cidadãos atendendo às suas circunstâncias e carências, nem tão pouco, quando a ora Requerida dá cumprimento à legislação ordinária vigente e aplicável ao caso sub judice, sendo certo que, caso se julgasse procedente a pretensão do Requerente, aí sim, se estaria a violar o disposto no direito à habitação, dado que o mesmo ocupa a referida casa sem qualquer título jurídico válido; ou seja, pelo facto de a carência económica do agregado familiar do Requerente ser notória, tal circunstância não é apta a, de modo automático, conferir-lhe o direito a usar uma habitação social, em detrimento de outros em igual, ou pior situação económica, que aguardam pacientemente, através dos tramites legais, a atribuição de um fogo municipal.»
Ou seja, como se concluiu no Ac. deste TCA Sul de 14.11.2024, proferido no processo 2013/24.8BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fb6539569b8e7e9d80258bd6004e5029?OpenDocument), que aqui acompanhamos e com plena aplicação à situação dos autos,
“[T]ambém aqui o invocado direito à habitação com base no artigo 65.º da CRP não serve para fundamentar (…) as pretensões materiais a expressar pelo ora Recorrente na acção principal, porquanto, o referido comando constitucional tem a natureza de norma programática, carecendo a sua execução da intermediação que é conferida pela lei ordinária (infraconstitucional), designadamente, no que toca à definição de critérios e regras de acesso à habitação pública em condições de igualdade e em concurso com outros cidadãos igualmente carecidos de um fogo social.
Aliás, a talhe de foice, diga-se que, segundo decorre do artigo 7.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, “A atribuição de uma habitação em regime de arrendamento apoiado efetua-se mediante um dos seguintes procedimentos:
a) Concurso por classificação;
b) Concurso por sorteio;
c) Concurso por inscrição.” (destaques nossos)
Tal como afirmou o indicado acórdão do STA, o artigo 65.º da CRP “não é directamente aplicável ou exequível; ou seja, é necessária uma actuação do legislador para concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei”.
Do mesmo modo, do artigo 65.º da CRP não se extrai a interpretação que o mesmo consinta aos cidadãos carecidos de habitação a prática de actos de ocupação abusiva de casas municipais, ainda que momentaneamente devolutas, sem que exista para tal apropriação um qualquer título válido (um contrato ou um acto administrativo autorizador ou atributivo da habitação), mesmo que a tal panorama tenha conduzido a carência económica do ocupante (…), pois, nas palavras do mencionado acórdão, “pelo facto de a carência económica do agregado familiar do recorrente ser notória, tal circunstância não é apta a, de modo automático, conferir-lhe o direito a usar uma habitação social.”.
O que significa, portanto, que, estando o direito constitucional à habitação regulado no artigo 65.º da CRP dependente de concretização legal, não sendo diretamente aplicável, nem exequível por si mesmo, este não confere ao Recorrente per si um direito imediato a uma prestação efetiva, só se podendo exigir o seu cumprimento nas condições e nos termos definidos pela lei.
De igual modo, quanto ao alegado incumprimento da obrigação de reencaminhamento não assiste razão ao Recorrente no erro que imputa ao julgado.
Com efeito, o n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, aplicável às desocupações previstas no artigo 35.º do mesmo diploma (quando não haja título de ocupação, como contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente) por força do seu n.º 4, prescreve que “[o]s agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.”
A seu respeito, no Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 26086/24.4BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6d1d0f6bac0148e80258c90005784fd?OpenDocument, pode ler-se
“[I]mporta assentar em três pontos relevantes para a interpretação e aplicação da norma em causa, pertinentemente elencados no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.05.2024 (processo n.º 02681/17.7BEPRT), cujo entendimento seguimos. Em primeiro lugar, a obrigação de encaminhamento pressupõe uma prévia ordem de despejo, razão pela qual a validade dessa ordem não depende – nem pode depender, atenta a sua anterioridade – do cumprimento daquela obrigação. Ou seja, “A obrigação de «encaminhamento» é, pois, uma consequência, e não um pressuposto legal do despejo.” Em segundo lugar, “o cumprimento da obrigação legal em questão não é, sequer, uma consequência necessária e automática do despejo, dado que apenas beneficiam do «encaminhamento» previsto na lei «os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional», o que supõe uma avaliação casuística da sua necessidade (…)”. Em terceiro lugar, ainda que o agregado beneficie do “encaminhamento”, “(…) a efetivação do respetivo despejo” não depende “da existência de uma alternativa concreta para a resolução do seu problema habitacional”, não conferindo a norma legal em análise “o direito a exigir a disponibilidade de uma habitação determinada”, antes estabelecendo apenas “uma obrigação de meios, mas não de resultado”, a qual se cumpre, “essencialmente, através da prestação de informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes”, sem que se imponha a “realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação”.
Ora, como resulta deste Acórdão “ainda que tal obrigação [a encaminhamento para alternativa habitacional] não tivesse sido cumprida, esse incumprimento não afectaria a legalidade do acto impugnado (o acto que determina a desocupação do fogo municipal por parte do autor recorrente), na medida em que, como acima referido, a ordem de despejo é um pressuposto da obrigação de encaminhamento, situando-se esta a jusante do acto, porque posterior ao mesmo. E sendo posterior ao acto, não pode o incumprimento da obrigação contender com a validade do acto.”
Daí que a circunstância de a Recorrida não dar cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, nunca seria de molde a afetar a validade do ato (impugnado) que determina a desocupação do imóvel pelo A./Recorrente e, como tal, ainda que assim sucedesse, o ato não padeceria de qualquer vício de violação de lei,
Sem prejuízo, atentando-se no probatório verifica-se que no oficio de 13.11.2024 pelo qual foi o Recorrente foi notificado do despacho de 6.11.2024 e para proceder à desocupação do imóvel, resulta, além do mais, que “[c]onsiderando a impossibilidade de promover a imediata atribuição de uma habitação permanente no parque habitacional publico existente, uma vez que têm que ser cumpridos os critérios e procedimento de elegibilidade definidos na Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, na sua redação atual, e no Regulamento Municipal do Direito à Habitação (RMDH), publicado na 2.° Série - parte H - do Diário da República de 29 de novembro de 2019, informa-se V. Exa que nesta data foi sinalizado o seu agregado familiar junto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Informamos ainda que, caso assim o pretendam, poderão efectuar o Registo de Adesão na Plataforma Habitar Lisboa (…) ou contactar a linha telefónica gratuita 800910211 (…) dispondo dos seguintes programas de acesso à habitação:
1. Programa de Arrendamento Apoiado (…)
2. Programa de Renda Acessível (…)
3. Subsídio Municipal ao Arrendamento Acessível (…)
Poderá ainda dirigir-se:
À Junta de Freguesia da área da sua residência, para eventual encaminhamento para outros apoios sociais;
À Santa Casa da Misericórdia de Lisboa da sua área de residência para eventual apoio social (...);
Ou recorrer à Emergência Social através (…)” [facto S)].
Ou seja, verifica-se que, opostamente ao alegado pelo Recorrente, a Recorrida, efetivamente, deu cumprimento à obrigação prevista naquele artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2024.
Com efeito, além de não estar demonstrada a situação de «efetiva carência habitacional» por parte do Recorrente, na medida em que se encontra provado que é ocupante autorizado de outra fração [facto T)] e verificando-se terem sido realizadas diligências concretas de averiguação da situação socioeconómica do Recorrente e do seu agregado familiar [facto K)], configurando a obrigação de encaminhamento nos termos que emergem do Acórdão do STA de 2.5.2024, prolatado no processo sob o n.º 02681/17.7BEPRRT (consultável em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2bf8758333087f1080258b1c004a4bf9?OpenDocument), – ou seja, consubstanciando-se, essencialmente, na prestação de informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes, mas não da realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação -, verifica-se que a Recorrida não só sinalizou o agregado familiar do Recorrente junto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, como lhe indicou as entidades a que se poderia dirigir com vista a encaminhamento para apoios [facto S)]. Ao fazê-lo cumpriu com as obrigações de meios (e não de resultado) que para si recaem daquele n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, nada mais lhe sendo exigível a tal respeito. Concretamente não recaindo sobre a Recorrida qualquer dever de assegurar uma alternativa concreta para a resolução do problema de carência habitacional de que padeça o Recorrente.
Em suma, também nesta dimensão, do invocado incumprimento da obrigação de encaminhamento para solução habitacional, não assiste razão ao Recorrente no erro de julgamento de direito que aponta à sentença.
Impõe-se, por conseguinte, negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

4.5. Da litigância de má-fé

A Recorrida, Gebalis, sustenta que o Recorrente deveria ser condenado como litigante de má-fé por não poder ignorar a falta de fundamento e objeto do recurso dado que se limita a requerer uma nova apreciação da causa.
Dispõe o n.º 1 do art.º 542.º do CPC que “Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.”
E nos termos do n.º 2 do citado preceito legal,
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Refira-se que se consideram princípios estruturantes do processo civil e do processo administrativo, os princípios da cooperação e da boa-fé processual consagrados no art.º 8.º do CPTA e 7.º, n.º 1 do CPC. Correspondendo a cooperação à responsabilidade conjunta dos intervenientes processuais para colaborarem, entre si, para que o processo alcance, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio e a boa-fé a norma de conduta que estabelece as balizas de atuação imputando-lhes uma conduta proba leal (sentido objetivo) e que, em sentido subjetivo, pode ser a convicção errónea e não culposa da existência de um facto, direito ou validade de negócio.
A violação do dever de cooperação a que se encontram legalmente adstritas as partes e os seus mandatários, quando essa infração decorra de uma quebra da boa-fé processual em sentido objetivo ou subjetivo, é suscetível de os fazer incorrer em litigância de má-fé.
As situações de litigância de má-fé elencadas no n.º 2 do art.º 542.º do CPC correspondem a hipóteses de má-fé substantiva ou material, relacionadas com o mérito da causa [als. a) e b)] ou má-fé instrumental em que se qualifica o comportamento processual das partes [als. c) e d)].
Refira-se que se condena a parte como litigante de má-fé porque ao exercer o direito de ação ou defesa ou ao utilizar os meios que a lei adjetiva coloca ao seu dispor, a parte incorre num ilícito processual.
Adiante-se que se considera sancionável a título de má-fé, a lide dolosa e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo direto – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indireto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável.
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (cf. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, p. 48). O parâmetro de aferição do dever de diligência a ser considerado é o da generalidade das pessoas ou de todas as pessoas, pertencentes à mesma categoria social e intelectual da parte real, colocada naquela situação em concreto.
Tem-se entendido, por isso, que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e/ou jurisprudência e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, ou a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por fragilidade de prova, não integram litigância de má-fé.
Em qualquer caso, a conclusão pela atuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do n.º 2 do art.º 542.º do CPC e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça.
Isto posto, importa reter que o Requerente litiga nestes autos representado por mandatário judicial, o que significa que o parâmetro de diligência a considerar será, naturalmente, o que se exige a um casuístico, formado em Direito e conhecedor da lei cuja aplicação reclama.
Ora, no caso dos autos, e como já dissemos no ponto 4.1., evidenciam-se deficiências nas alegações e conclusões do recurso, designadamente no que respeita à alegação de circunstancialismos fácticos que não são os dos autos – vd. as referências à Recorrente (no feminino) e aos filhos (que o Recorrente não tem) -, a invocação de juízos perfunctórios em sede cautelar, ao decretamento provisório nos termos do artigo 131.º do CPTA e, bem assim, ao preenchimento do fumus boni iuris (vg. conclusões 27.ª, 37.ª a 44.ª), quando se constata que, por um lado, o recurso não tem por objeto o despacho de 27.11.2024 que indeferiu o decretamento provisório e, por outro, que a sentença, por aplicação do disposto no artigo 121.º do CPTA, decidiu sobre o mérito da causa principal e, como tal, não foi apreciado o preenchimento dos requisitos de adoção da medida cautelar.
Essas deficiências revelam, é certo, o descuido do mandatário do Recorrente na análise da sentença recorrida e, bem assim, o que se traduz num exercício deficientemente realizado de “copy paste” de alegações recursivas já apresentadas noutros processos. Contudo, não assumem o patamar de uma culpa grave consubstanciadora de má-fé.
Na realidade, verifica-se que o Recorrente insurge-se contra o julgamento, quer de facto, quer de direito, realizado pelo Tribunal a quo. Em moldes tais que não se pode aceitar que o recurso padeça de falta de objeto e que, assim sendo, o Recorrente não o podendo desconhecer, tivesse deduzido pretensão recursiva cuja falta de fundamento não devia ignorar.
E, por outro lado, embora não lhe assista razão nos erros de julgamento que apontou à sentença, estamos perante uma adequada e normal defesa da sua posição de A./Recorrente que não justifica o elevado grau de reprovação subjacente à sua condenação como litigante de má-fé. Isto é, as circunstâncias do caso não conduzem a que se possa concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada.
Pelo que se impõe julgar improcedente a pretensão de condenação do Recorrente como litigante de má-fé.

Da condenação em custas


Vencido, é o Recorrente condenado nas custas do recurso, salvo se lhe tiver sido concedida proteção judiciária na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
A Recorrida, Gebalis, porque vencida, é condenada nas custas do incidente de litigância de má-fé.
(cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigos 7.º, n.º 2 e 4, 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Rejeitar o recurso quanto à matéria de facto;
b. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
c. Condenar o Recorrente nas custas do recurso, salvo se lhe tiver sido concedida proteção judiciária na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
d. Condenar a Recorrida, Gebalis, nas custas do incidente de litigância de má-fé.

Mara de Magalhães Silveira
Ricardo Ferreira Leite
Lina Costa