Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 818/13.4BESNT |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
| Descritores: | DL 19/2013 IFAP, IP TRANSIÇÃO PARA AS CARREIRAS GERAIS VALOR COMPENSATÓRIO PREVISTO NO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO PARA O SETOR BANCÁRIO |
| Sumário: | O valor compensatório previsto na cláusula 92.ª/5 do Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário, cujo texto foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31, 1.ª série, de 22.8.1990, com as alterações posteriores, tem de ser considerado na execução da transição do Autor/Recorrente prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I G..... intentou, em 18.6.2013, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa especial contra INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P., pedindo a anulação do «ato administrativo de transição do A., praticado ao abrigo do D.L. n° 19/2013 de 06 de Fevereiro e condenado o Réu à prática do ato administrativo devido e que consiste na reconstituição da situação jurídica do A., nomeadamente a sua recolocação na anterior categoria, com o estatuto remuneratório que detinha, incluindo o valor compensatório a que alude a cláusula 95°, n° 2 do ACT, bem como a aplicação integral do ACT para o sector bancário. Deve, ainda, o Réu ser condenado a pagar ao A. as diferenças remuneratórias a que haja lugar, nomeadamente relativamente ao valor compensatório que desde Março de 2013 lhe deixou de pagar, acrescido dos respetivos juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento». * Por sentença de 17.7.2018 o tribunal a quo julgou a ação «totalmente improcedente» e absolveu «o Réu, IFAP, de todos os pedidos formulados pelo Autor». * Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: A. O ato que precedeu à transição do recorrente, para uma carreira geral da Administração Pública e que o posicionou na escala salarial dessa carreira, é um ato administrativo que pode ser impugnado nos tribunais administrativos; B. Aquela transição não resultou de ato legislativo que o recorrido se tenha limitado a aplicar, pois a sua aplicação obrigou à realização de operações intelectuais complexas, por parte do recorrido; C. Nomeadamente, apreciando e decidindo quais as remunerações do recorrente a levar em linha de conta para a transição, deixando de fora uma quantia que fazia parte da sua remuneração base/mensal remuneratória, já que procedia à respetiva correção; D. Com efeito, o recorrente recebia, à data da transição, o montante de 539,77 € de valor compensatório que se destinava a corrigir a sua retribuição base ao abrigo do artigo 92º, nº 5 do ACTV, mencionado no D.L. nº 19/13 e que, por isso, fazia parte integrante da mesma; E. A decisão do recorrido, de não incluir aquele valor nas remunerações do recorrente a considerar para efeito de transição, é sem dúvida um ato administrativo, para cuja apreciação é competente o foro administrativo; F. Assim não considerando, a sentença recorrida violou os artigos 4º do ETAF, 148º do CPA e 13º do C.P.T.A.; G. E, deixando de ser apreciada questão que estava submetida à competência da apreciação do tribunal a quo, mostra-se violado o princípio de tutela jurisdicional efetiva, plasmado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e pedra basilar do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da C.R.P.); H. Aliás, se a Administração não tivesse errado na apreciação que fez das remunerações do recorrente, este teria sido posicionado na carreira geral de técnico superior da Administração Pública, levando-se em linha de conta, também, a verba de € 539,77, como resulta do artigo 89º d) do RCTFP e do artigo 103º da Lei nº 12-A/08 de 27.02 que se mostram, assim, violados e que a sentença recorrida mal interpretou e aplicou; I. Acresce que, tratando-se de atividade administrativa, logo sujeita ao Código do Procedimento Administrativo tinha que ter sido dado cumprimento à audiência prévia, antes da emissão do ato de transição, o que não aconteceu, em violação do artigo 267º do CRP e 100º do C.P.A. o que não foi considerado, erradamente, pela sentença recorrida; J. Por último, o afastamento da convenção coletiva, levado a cabo pelo artigo 9º, nº 1 do D.L. nº 19/13 e que se projetou na esfera jurídica do recorrente, viola o princípio da confiança e do direito à contratação coletiva (artigos 86º, nº 3 e 2º da C.R.P.), o que também devia ter sido considerado, na sentença recorrida. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por decisão que considere a ação procedente, assim se fazendo Justiça! * O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnado pela improcedência do recurso. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II O Recorrente dedica parte das suas alegações de recurso à defesa da existência de ato administrativo e da consequente competência do foro administrativo para o conhecimento do litígio. O que se compreende, em face do teor constante da página 15 da sentença recorrida. No entanto, a mesma acabou por julgar de mérito, pelo que aqueles considerandos iniciais não integram os fundamentos da decisão que tomou. Deste modo, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar se existe erro de julgamento quanto ao seguinte: a) Valor compensatório estabelecido na cláusula 92.ª/5 do Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário; b) Inconstitucionalidade da norma aplicada na execução da transição (artigo 9.º/1 do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro), por violação do princípio da proteção da confiança e do direito à contratação coletiva; c) Preterição da audiência dos interessados. III Nos termos do artigo 663.º/6 do Código de Processo Civil, remete-se para a matéria de facto constante da sentença recorrida. IV Do designado valor compensatório 1. A sentença recorrida, que levou à materialidade provada que «[n]a presente acção o Autor impugna o acto que procedeu à transição do Autor para a carreira geral da Administração Pública», começou por definir o pressuposto de que a transição «ocorreu por via legislativa», pelo que «a situação laboral e remuneratória que o Autor impugna nos presentes autos não provém de um acto administrativo, mas de um acto legislativo, para cuja apreciação os tribunais administrativos carecem de competência». Após esse introito passou à transcrição da sentença exarada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no processo n.º 1701/13.9BELSB. Feita essa transcrição, imediatamente concluiu que «[t]ambém no caso dos autos e pelas mesmas razões, deve improceder a acção». Por isso decidiu que «[n]os termos e com os fundamentos expostos, julgo totalmente improcedente a presente acção e absolvo o Réu, IFAP, de todos os pedidos formulados pelo Autor». 2. Pouco compreensível, portanto. De qualquer modo, terá de entender-se que a sentença julgou de mérito. Por isso, aliás, absolveu a Entidade Demandada/Recorrida dos pedidos. Por outro lado, terá ainda de se considerar que tomou como objeto da ação o ato que aprovou a lista nominativa de transição, na parte relativa ao Autor/Recorrente. 3. Ocorre, no entanto – e tal como alegou o Recorrente -, que a sentença recorrida não apreciou o alegado direito à manutenção do suplemento remuneratório designado como valor compensatório previsto na cláusula 92.ª/5 do Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário, cujo texto foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31, 1.ª série, de 22.8.1990, com as alterações posteriores. Não se tratará, no entanto, e em rigor, de uma omissão de pronúncia – qualificação, aliás, que o Recorrente também não convocou -, mas de erro de julgamento. Isto porque a sentença recorrida, por via da transcrição já referida, acabou por considerar ser «inócua a discussão sobre os alegados vícios da dita deliberação do IFAP e questões conexas». Portanto, não tratou a questão porque entendeu que não teria de o fazer. 4. Assim não poderá ser, no entanto. E sobre tal questão já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, através do seu acórdão de 13.5.2021, processo n.º 0348/13.4BEMDL, sumariado nos seguintes termos: «Os valores do complemento remuneratório previsto no n.º 5 da cláusula 92.ª do ACT para o Sector Bancário, subscrito pelo IFADP (e pelo IFAP) têm de ser tidos em conta relativamente aos trabalhadores que dele já beneficiavam no respectivo reposicionamento nas posições remuneratórias previstas nas novas carreiras e categorias em consequência da conversão do contrato individual de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas (ex vi do disposto no artigo 104.º, n.º 1 da Lei n.º 12-A/2008 e no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 19/2013)». 5. O referido acórdão seguiu o entendimento que o Tribunal Constitucional já havia perfilhado no seu acórdão n.º 545/15, de 13.12.2017, do qual se extrai, com especial interesse, o seguinte: «Quanto ao valor compensatório referido em (i), ele constitui um corretivo da remuneração de base, na qual se integra. O n.º 5 da cláusula 92.ª estabelece que «a retribuição base mensal dos trabalhadores inscritos em instituições ou serviços de segurança social será corrigida de modo que estes percebam retribuição mínima mensal líquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível». Ora, a correção da remuneração de base, assim como o regime constante do n.º 1 da cláusula 136.ª – pagamento pelas instituições de crédito da diferença entre o valor dos benefícios prestados pelos serviços de segurança social e o valor dos mesmos benefícios constante do ACT - visou contemplar situações especiais de alguns trabalhadores bancários que se encontravam integrados no sistema público de segurança social. A permanência nesse regime substitutivo da proteção social estabelecido no ACT afetava, negativamente, o valor das respetivas remunerações líquidas e, eventualmente, no futuro, o valor das respetivas pensões de reforma, dada a diferença do valor das contribuições entre ambos os sistemas. Assim, para garantir a paridade retributiva, a remuneração fixada na tabela do ACT para o nível em se encontram posicionados os trabalhadores integrados no regime geral de segurança social era corrigida, de modo a que a retribuição mínima mensal líquida (composta pela retribuição base e diuturnidades), fosse igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível. Tratava-se, pois, de um acréscimo salarial que não tinha autonomia e que se integrava, para todos os efeitos, na remuneração de base. A evolução entretanto verificada no sistema público de segurança social, com a consagração expressa do princípio da universalidade (artigo 6.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), deixou sem justificação a correção da remuneração de base, dada a obrigatoriedade, por eventual imperativo normativo, de todos serem incluídos no regime geral da segurança social. Por isso, o ACT do setor bancário foi revisto em 2007, com o aditamento das cláusulas 170.ª e 171.ª, que determinaram a não aplicação do disposto no n.º 5 da cláusula 92.ª, do n.º 1 da cláusula 136.ª e da cláusula 137ª-A aos novos contratados sujeitos ao regime de segurança social, «sem prejuízo das mesmas disposições continuarem a ser aplicadas àqueles que, à data da entrada em vigor dessa imposição normativa já beneficiem do regime delas constantes» (Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 32, de 29 de agosto de 2007). A salvaguarda do regime constante do n.º 5 da cláusula 92.ª aos trabalhadores que dele já beneficiavam na data da integração, por imperativo legal, no regime geral da segurança social, implica que a remuneração de base a considerar no reposicionamento desses trabalhadores nas posições remuneratórias previstas nas novas carreiras e categorias em consequência da conversão do contrato individual de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas só possa ser a remuneração de base corrigida nos termos daquela cláusula. Com efeito, o n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, reproduzido no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 19/2013, determina que o reposicionamento remuneratório tenha em conta «a remuneração base que atualmente têm direito» e essa, para os trabalhadores referidos, não pode deixar de ser a remuneração de base corrigida, aquela a que tinham direito pelo n.º 5 da cláusula 92.ª do ACT». 6. Assiste, pois, razão ao Recorrente relativamente ao valor compensatório estabelecido na cláusula 92.ª/5 do referido Acordo Coletivo de Trabalho. 7. E nada mais importará apreciar. Na verdade, e como resulta das conclusões das alegações de recurso – que delimitam o objeto deste -, apenas está em causa a reação à não consideração do referido valor compensatório. A carreira de destino é aceite pelo Recorrente. Como o próprio refere, «se a Administração não tivesse errado na apreciação que fez das remunerações do recorrente, este teria sido posicionado na carreira geral de técnico superior da Administração Pública», embora «levando-se em linha de conta, também, a verba de € 539,77» relativa ao valor compensatório. Portanto, reconhecido o direito que no presente recurso se mantém em discussão, fica prejudicado o conhecimento das demais questões. V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, julgando a ação parcialmente procedente, condenar a Entidade Demandada/Recorrida a considerar - na execução da transição do Autor/Recorrente prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro - o valor compensatório estabelecido na cláusula 92.ª/5 do Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário, pagando-lhe as respetivas diferenças remuneratórias, acrescidas dos respetivos juros de mora, desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento. Custas pelo Recorrido (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 20 de novembro de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Teresa Caiado Rui Fernando Belfo Pereira |