Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:363/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
TEMPESTIVIDADE
Sumário:I - O prazo para dedução de embargos de terceiro é de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A..., inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou “procedente a suscitada excepção de caducidade do direito de deduzir embargos de terceiro” por ele deduzidos à penhora de terreno para construção, com benfeitoria edificada destinada a habitação, a que corresponde a uma moradia com três pisos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3..., da freguesia de Famões, efectuada no processo de execução fiscal nº 42272007... e apensos, instaurado contra A..., dela veio interpor recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

A)

O tribunal “a quo” deu como provado o seguinte:

1. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 4227200701... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Odivelas, contra A..., por dívidas IVA, IMI e coimas, foi penhorada em 28/08/2009 e 20/04/2011 terreno para construção com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 3..., da freguesia de Famões (cfr. certidão de fls.142 a 155 e processo administrativo apenso);

2. (…)

3. (…)

4. Em 07/10/2013 o Embargante tinha conhecimento da penhora a que se refere o ponto 1);

5. Os presentes embargos foram apresentados no Serviço de Finanças de Odivelas em 05/02/2014 (carimbo aposto na petição de fls. 6).

B)

Por outro lado, o tribunal “a quo” deu como não provado:

Não se provou a data concreta em que o Embargante teve conhecimento da realização da penhora, nem que só tenha tido conhecimento da colocação do imóvel à venda no dia 10/01/2014, por nenhuma prova, em sede de inquirição de testemunhas, ter sido feita sobre esta matéria

a) Quanto ao facto dado como provados no Ponto 1):

a.1) “(…) com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos (…)”

C)

O tribunal “a quo” deu como provado no Ponto 1) que:

“No âmbito do processo de execução fiscal n.º 4227200701... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Odivelas, contra A..., por dívidas IVA, IMI e coimas, foi penhorada em 28/08/2009 e 20/04/2011 terreno para construção com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 3..., da freguesia de Famões (cfr. certidão de fls.142 a 155 e processo administrativo apenso)”

D)

Não é verdade que a certidão predial do terreno contemple que “com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos”.

E)

Conforme certidão predial de fls 142 a 155, nas datas de 28/08/2009 e 20/04/2011, foi penhorado o prédio urbano situado no Bairro de T..., lote ..., com área total de 560 metros quadrados, descrito como um lote de terreno para construção, confrontando a Norte Rua J..., a Sul Lote 1.., Nascente Rua A... e Poente Ribeira.

F)

Há data de 28/08/2009 e 20/04/2011 o Serviço de Finanças apenas penhorou o terreno.

G)

Na ordem de penhora não foram feitas menções às benfeitorias erigidas no terreno.

H)

O que corresponde à verdade é que:

“No âmbito do processo de execução fiscal n.º 4227200701... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Odivelas, contra A..., por dívidas IVA, IMI e coimas, foi penhorada em 28/08/2009 e 20/04/2011 o terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3..., da freguesia de Famões (cfr. certidão de fls.142 a 155 e processo administrativo apenso)”

I)

O Serviço de finanças de Odivelas só teve conhecimento das benfeitorias erigidas em dezembro de 2013 (dois anos e meio depois da penhora do terreno) e não promoveu a retificação da penhora efetuada.

J)

Em dezembro de 2013, o Serviço de Finanças de Odivelas acrescentou ao anúncio publicado: “com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos”.

K)

Portanto, o facto dado como provado no Ponto 1) não está completamente de acordo com a certidão predial do terreno e factos que lhe sucederam.

L)

O facto em J) é provado através do conteúdo da certidão predial e deverá reproduzir os precisos termos expostos neste documento escrito autêntico.

M)

Assim, deverá, porque esse sim é o verdadeiro, ser retificado e passar a constar:

“No âmbito do processo de execução fiscal n.º 4227200701... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Odivelas, contra A..., por dívidas IVA, IMI e coimas, foi penhorada em 28/08/2009 e 20/04/2011 o terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3..., da freguesia de Famões (cfr. certidão de fls.142 a 155 e processo administrativo apenso)”

N)

O Ponto 1) dos factos dados como provados viola o preceituado no artigo 371.º, do Código Civil, na medida em que não é a fiel reprodução da perceção da entidade documentadora que procedeu ao registo dos atos.

b) Quanto à improcedência dos embargos de terceiros (extemporaneidade)

O)

O tribunal “a quo” considerou que impende sobre o Recorrente alegar e provar que os embargos de terceiro não foram apresentados fora de prazo.

P)

O Recorrente, salvo melhor entendimento, considera que a si cabia unicamente indicar o dia em que teve conhecimento do facto lesivo (10-01-2014), o que fez através do seu articulado de resposta.

Q)

E, o Recorrente referiu que teve conhecimento em 10 de janeiro de 2014 através da consulta à Lista dos Bens Penhorados, disponibilizados pelo Serviços de Finanças, na página na internet com o endereço https://vendas.portaldasfinancas.gov.pt/bens/, que iria ser colocada à venda a benfeitoria erigida.

R)

É à Fazenda Pública que cabe o ónus de provar a caducidade da dedução dos embargos de terceiro (extemporaneidade).

S)

O que, salvo melhor opinião, não o fez: ónus que impende sobre a Fazenda Pública e resulta da aplicação do artigo 343.º, n.º2, do Código Civil, ao estabelecer que “Nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.”

T)

Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-88, BMJ, 379, p. 561 consagrou o seguinte: "o embargante não tem que fazer a prova da tempestividade da dedução de embargos, que, no entanto, lhe cabe alegar, ao embargado cabendo, na subsequente fase contraditória, provar o facto em que se funde a caducidade do direito de propor a ação, em conformidade com a norma geral do art. 343-2 CC. A Ação Executiva Depois da reforma da reforma de José Lebre de Freitas 5° edição, reimpressão da Coimbra Editora. 30).

U)

A embargante/Fazenda Pública justificou a extemporaneidade da apresentação dos embargos de terceiro com uma impugnação judicial que o Recorrente, em conjunto com a Executada A..., entregue em 7 de outubro de 2013.

V)

A impugnação judicial entregue em 7 de outubro de 2013, no entendimento do Recorrente, nada tem a ver com a contagem do prazo para a apresentação dos embargos de terceiro.

Isto porque,

W)

O Recorrente teve conhecimento da venda das benfeitorias erigidas através da consulta à Lista dos Bens Penhorados, no dia 10 de janeiro de 2014.

X)

E, salvo melhor entendimento, este anúncio de venda das benfeitorias é que ofende a propriedade do Recorrente, contrariamente à penhora do terreno.

Y)

A penhora do terreno nos dias 28/08/2009 e 20/04/2011, conforme consta da certidão predial (folhas 142 a 155 do processo), em nada beliscam os direitos do Recorrente.

Z)

Pois, sobre os imóveis poderão recair diversos direitos sem que seja ofendida a posição de cada titular, tendo em consideração que nenhum deles se sobreponha aos demais.

AA)

E, no entendimento do Recorrente, a alteração do proprietário do terreno não ofende o seu direito resultante das benfeitorias existentes, assim como o novo proprietário não será ofendido no seu direito de propriedade sobre o terreno resultante do exercício do Recorrente do direito às benfeitorias erigidas.

AB)

O terreno penhorado pelo Serviço de Finanças de Odivelas é propriedade da executada A... e, como tal, é a esta que se lhe oferece o direito de reagir a quaisquer penhoras que eventualmente recaiam sobre o mesmo.

AC)

O Recorrente não é proprietário do terreno.

AD)

Ora, a penhora do terreno e a consequente venda do terreno, em nada afeta o direito do Recorrente às benfeitorias erigidas, razão pela qual se entende que não havia, até então, sido beliscado o direito o seu direito.

AE)

Até 10 de janeiro de 2014, que o Recorrente tenha conhecimento, o Serviço de Finanças de Odivelas só tinha colocado à venda o terreno.

AF)

Quando em 10 de janeiro de 2014, o Recorrente se depara com o seguinte anúncio:

::: DETALHE DA VENDA

Imóveis

Nº Venda: 4227....

Ano Civil: 2013

Preço Base de Venda: € 107.925,00

Estado da Venda: Em Curso

Serviço de Finanças: Odivelas

Modalidade: Carta Fechada

Características: Terreno para construção com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos, compostos por 6 divisões, cozinha, 3 casas de banho, hall e garagem. Área total do terreno: 560,00 m2; Área de implantação do edifício: 120,00 m2; Área bruta de construção: 350,23 m2. Localizada na Rua A..., Lote ..., T..., 1685-754 Famões. Inscrita na matriz predial urbana da Freguesia de Famões, Concelho de Odivelas, com o artigo 3... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o nº 1.../20011016.

Nome dos Executados: A...

Fiel Depositário: A...

Mediador:

Local, prazo e horas para examinar o bem: 2013-12-13 às 10:00 a 2014-01-13 às 18:00

Data/hora limites para aceitação das propostas: 2014-01-14 às 12:30

Data/hora e local para abertura das propostas: ODIVELAS, 2014-01-14 às 15:00

AG)

Neste momento, segundo o entendimento do Recorrente, começa a contagem do prazo para tomar posição quanto à “eminência” de ser vendida a benfeitoria que erigiu a um terceiro, que será, para todos os efeitos, considerado um adquirente de boa fé.

AH)

Ora, o Recorrente ficaria impossibilitado de fazer valer o seu direito contra um adquirente de boa-fé.

AI)

Portanto, é neste momento que se dá a ofensa do direito do Recorrente, a que se reporta o artigo 237.º, n. º1, do Código de Procedimento e Processo Tributário.

AJ)

Estabelece o citado preceito:

“Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargo de terceiro.”

AK)

O ato praticado pelo Serviço de Finanças de Odivelas de colocar no anúncio de venda do terreno a indicação “com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos, compostos por 6 divisões, cozinha, 3 casas de banho, hall e garagem” enquadra-se no conceito de “ato ordenado de entrega de bens” a que se refere o citado preceito.

AL)

É evidente que só este ato ofende o direito do Recorrente às benfeitorias por si erigidas e que lhe caberá reagir de acordo com este preceito legal.

AM)

O que, segundo o seu entendimento, fez em tempo…

AN)

Pois, desde essa notícia/conhecimento começou a contagem dos 30 dias para deduzir os embargos de terceiro, conforme definido no n. º3, do artigo 237.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário.

AO)

Assim, em 5 de fevereiro de 2014, o Recorrente apresentou embargos de terceiro.

AP)

Posto isto, contrariamente ao conteúdo da sentença, a Fazenda Pública não conseguiu demonstrar, porque sobre si recaía esse ónus, nos termos do artigo 343.º, n.º 2, do Código Civil, que o Recorrente teve conhecimento do ato ofensivo do seu direito em data anterior a 10 de janeiro de 2014.

AQ)

Como tal, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 237°, n° 1 e 3 do CPPT, devendo ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, pois que os mesmos não contêm todos os elementos necessários a que se produza decisão de mérito sobre o objeto da causa.”

Nestes termos e com o sempre Mui Douto Suprimento dos Venerandos Desembargadores deverá a sentença ser revogada ou substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, face à apresentação em tempo dos embargos de terceiro pelo Recorrente, visto que os autos não contêm os elementos necessários para que se produza decisão de mérito sobre o objeto da causa.

Assim se pede e espera deste tribunal

para o alcance da

JUSTIÇA.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:

“(…)

Pede ainda o Recorrente a revogação da sentença recorrida e o prosseguimento dos autos por entender que não ocorreu a caducidade do direito de deduzir os presentes embargos, tendo os mesmos sido apresentados dentro do prazo de 30 dias preconizados na lei. Já que só em 10.01.2014, teve conhecimento do ato ofensivo do seu direito, e que a Fazenda Publica, sobre quem impendia o ónus de provar a caducidade da dedução dos embargos de terceiro, não fez qualquer prova de que o embargante tenha tomado conhecimento da penhora do imóvel em data anterior.

(…)

II – Da tempestividade dos embargos.

A questão decidenda é a de saber se os embargos foram ou não tempestivamente deduzidos, sendo certo que o decurso de tal prazo configura uma causa extintiva do direito potestativo de ação, sendo esta exceção de caducidade de conhecimento oficioso pelo Tribunal.

Nos termos do art. 237º, nº3 do CPPT, o prazo para dedução de embargos de terceiro é de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o ato ofensivo da posse ou direito, ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa.

No entanto, não é ao embargante que cabe a prova da tempestividade dos embargos, mas antes ao embargado, no caso a Fazenda Pública a alegação e prova da sua intempestividade, dado que o decurso de tal prazo configura uma causa extintiva do direito potestativo de ação.

É que, tratando-se de uma causa extintiva do direito do embargante, o ónus da prova incumbe ao demandado, de acordo com o art. 342° n.º 2 do Código Civil (CC) e, mais especificamente ainda, do art. 343° n.º 2 do CC: Nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.

Do que vem dito resulta que, nos termos do art°. 237º, n°.3, do CPPT, os embargos de terceiro devem ser deduzidos no prazo de trinta dias contados do dia em que foi praticado o ato ofensivo da posse ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa.

Ora, resulta da matéria factual apurada e que a petição dos presentes embargos de terceiro deu entrada em 05.02.2014, e que a penhora ordenada no âmbito do processo de execução fiscal, e que incidiu sobre o imóvel foi efetuada eletronicamente em 18.07.2013.

O embargante afirma que tomou conhecimento da efetivação da penhora em 10.01.2014 e não apresenta qualquer prova desse facto.

Porem, como já referimos não cabe ao embargante fazer prova do alegado, cabe sim, nesta caso à Fazenda Pública.

E esta em nossa opinião, fez prova de que o Embargante tomou conhecimento da penhora em data anterior a 7.10.2013, já que foi nessa data que juntamente com a Embargada, apresentou impugnação judicial, onde invocou a nulidade à atuação do Serviço de Finanças que procedeu à penhora.

Ora tal facto é mais que suficiente para se poder afirmar que o Embargante teve conhecimento da penhora, se não antes, pelo menos em 7.10.2013.

É a partir desta data, que se pode determinar se os embargos foram deduzidos fora de tempo ou não.

Ora, posto isto, resulta dos autos, que a Fazenda Pública fez prova suficiente de que o Embargante tenha tomado conhecimento da existência da penhora constituída a favor da Administração Tributária pelo menos em 7.10.2013, quando apresentou impugnação judicial supra referida.

Assim e sem mais delongas afigura-se-nos que carece de razão o Recorrente, nunca os embargos se podem considerar supervenientemente tempestivos, pois mesmo considerando que o prazo se iniciou com o conhecimento em 7.10.2013, os embargos só foram deduzidos em 5.02.2014, muito depois dos 30 dias preconizado no nº 3 do art. 237º do CPPT.

Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida”.


*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, são as seguintes:

1 – saber se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto;

2 – saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento direito ao concluir pela intempestividade dos embargos.


*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“1) No âmbito do processo de execução fiscal n.º 4227200701... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Odivelas, contra A..., por dívidas IVA, IMI e coimas, foi penhorada em 28/08/2009 e 20/04/2011 terreno para construção com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 3..., da freguesia de Famões (cfr. certidão de fls.142 a 155 e processo administrativo apenso);

2) O identificado prédio encontra-se registado a favor de A..., com data de registo de 30/05/2003 (cfr. certidão de fls.142 a 155 processo administrativo apenso);

3) Em 07/10/2013 o Embargante e a executada apresentação impugnação judicial que correu termos neste Tribunal com o n.º 1810/13.4BELRS, em cuja petição inicial é alegado, para além do mais, «Os Serviços de Finanças de Odivelas procederam à penhora do prédio urbano sito na Rua A..., lote ..., freguesia Famões e concelho de Odivelas, com o artigo matricial 3..., e com o valor patrimonial € 63.692,13 (determinado em 2009), conforme consta dos autos de execução fiscal.» (cfr. cota de fls. 253 e p.i. no processo administrativo apenso);

4) Em 07/10/2013 o Embargante tinha conhecimento da penhora a que se refere o ponto 1);

5) Os presentes embargos foram apresentados no Serviço de Finanças de Odivelas em 05/02/2014 (carimbo aposto na petição de fls. 6).

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou a data concreta em que o Embargante teve conhecimento da realização da penhora, nem que só tenha tido conhecimento da colocação do imóvel à venda no dia 10/01/2014, por nenhuma prova, em sede de inquirição de testemunhas, ter sido feita sobre esta matéria.

MOTIVAÇÃO
Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos referidos nas alíneas anteriores, os quais não foram impugnados”.


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2.2. De direito

Autonomizámos já as questões que nos vêm dirigidas.

É tempo de entrarmos na análise do recurso, devendo tal apreciação iniciar-se pelo julgamento da matéria de facto que o Recorrente contesta nos termos das conclusões A) a N) da alegação de recurso.

Vejamos, então, lembrando, no essencial, que o Recorrente pretende a alteração do ponto 1 dos factos provados, concretamente a supressão da expressão “com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos”, já que “não é verdade que a certidão predial do terreno contemple que “com benfeitoria edificada destinada a habitação a que corresponde uma moradia com três pisos”, pois, “conforme certidão predial de fls 142 a 155, nas datas de 28/08/2009 e 20/04/2011, foi penhorado o prédio urbano situado no Bairro de T..., lote ..., com área total de 560 metros quadrados, descrito como um lote de terreno para construção, confrontando a Norte Rua J..., a Sul Lote 1…, Nascente Rua A... e Poente Ribeira”.

Desde já se adianta que o Recorrente tem razão neste ponto, pois o ponto 1 dos factos provados não reflecte exactamente o que consta da certidão do registo predial, a que correspondem as folhas 142 a 155 dos autos, já que aí se faz menção apenas ao terreno para construção.

Nestes termos, o ponto 1 dos factos provados passa a contar com a seguinte redacção:

1) No âmbito do processo de execução fiscal n.º 4227200701... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Odivelas, contra A..., por dívidas IVA, IMI e coimas, foi penhorada em 28/08/2009 e 20/04/2011 terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3..., da freguesia de Famões (cfr. certidão de fls.142 a 155 e processo administrativo apenso).


*

Vista que está a impugnação da matéria de facto, avancemos.

Para decidir pela intempestividade dos embargos deduzidos a Mma. Juíza alinhou o seguinte discurso que se reproduz:

“EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA: CADUCIDADE DOS EMBARGOS

Nos termos do art. 237.º n.º 3 do CPPT, os embargos de terceiro serão deduzidos nos trinta dias seguintes àquele em que o acto ofensivo da posse (no caso, a penhora) foi praticado.

Importa, assim, saber, nos casos em que os embargos são deduzidos para além dos 30 dias contados da data da penhora, a quem compete a prova do conhecimento superveniente.

Tratando-se de uma causa extintiva do direito do embargante, o ónus da prova incumbe ao demandado, de acordo com o art. 342.º n.º 2 do Código Civil e, mais especificamente ainda, do art. 343.º n.º 2 do mesmo diploma que preceitua «Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.».

Porém, o artigo 167.º do CPPT determina a aplicação aos embargos de terceiro das disposições aplicáveis à oposição à execução.

E o n.º 3 do artigo 203.º do CPPT confere ao executado/embargante o ónus da prova da superveniência.

Consequentemente, entende-se que o ónus da prova do conhecimento posterior do acto ofensivo da posse ou direito cabe ao embargante.

No seu articulado inicial, o embargante nem sequer alegou, como lhe incumbia, qual a data em que teve conhecimento da penhora e no articulado de resposta à excepção deduzida pela Fazenda Pública limitou-se a referir que teve conhecimento da colocação do imóvel à venda no dia 10/01/2014.

Em rigor, tanto bastaria para a procedência da excepção pois fica sem se saber qual a data exacta do conhecimento da penhora.

Por outro lado, em sede de inquirição de testemunhas nenhuma prova se fez sobre esta matéria.

Em face destes dispositivos e dos factos pertinentes apurados, resulta manifesta a procedência da excepção.

Com efeito, conforme resulta dos autos, em 07/10/2013 o embargante intentou impugnação judicial em que, para além do mais, declara ter conhecimento da realização da penhora.

É que, o embargante alega ter tido conhecimento da venda do imóvel em 10/01/2014 (sendo que é a penhora o acto de ofensa da posse), sem que sobre esta matéria tenha feito qualquer prova, porém, a Fazenda Pública invocou que o embargante teve conhecimento da realização da penhora, pelo menos, em 07/10/2013, facto que logrou provar.

A contagem do prazo para dedução de embargos de terceiro é de índole processual e far-se-á de acordo com as regras estabelecidas no artigo 138.ºdo Código de Processo Civil, nos termos do n.º 2 do artigo 20.º do C.P.P.T..

Tendo presente que o embargante já tinha conhecimento da penhora do imóvel, em 07/10/2013, forçoso é concluir que o prazo de 30 dias já há muito se mostrava ultrapassado em 05/02/2014, data em que o embargante deduziu a presente petição de embargos (cf. carimbo aposto no rosto da petição, a fls. 2 dos presentes autos).

Pelo exposto, na procedência da excepção da caducidade, conclui-se pela intempestividade da dedução dos embargos (cfr. artigos 139.º, n.º 3 e 576.º, n.ºs 1 e 3 do CPC e 298.º, n.º 2 do CC)”.

Vejamos, então, recorrendo ao enquadramento feito pelo acórdão do TCAN, de 14/09/17, no processo nº 00471/10.7 BEPNF, a propósito dos requisitos dos embargos. Aí se lê:

“Os embargos de terceiro são uma providência processual adequada para defender os direitos do sujeito ofendido na sua posse - ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência- por um acto de arresto, penhora ou outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens- (Artº 237/1 do CPPT).

Os requisitos para a dedução dos embargos são dois de natureza processual – tempestividade da petição e a qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência – e um de natureza substancial: que a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, constitua acto de agressão patrimonial.

Olhando aos requisitos processuais, o CPPT não define o conceito de terceiro, por isso teremos de recorrer à aplicação subsidiária do art. 342º/1 do CPC (por força do art.º 2º/e) do CPPT) que diz ser terceiro o titular de direito que não seja parte na causa.

Para além do dever de alegar e provar o estatuto de terceiro, o embargante terá de respeitar os prazos estipulados para poder recorrer a tribunal, enunciados no art 237º/3 do CPPT.

Nos termos desta disposição legal, o prazo para dedução de embargos de terceiro é de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos.

Ou seja, o titular do direito ofendido com a providência decretada pode reagir mediante a dedução de embargos de terceiro no prazo de 30 dias a contar do acto ofensivo, ou daquele em que teve conhecimento da ofensa, mas desde que esse prazo não ultrapasse a data da venda dos bens embargados.

A violação deste limite constitui uma exceção peremptória (art. 576º/3 do CPC). E porque não se insere no âmbito da autonomia da vontade, da liberdade negocial ou de ação, a fase limite para dedução dos embargos é matéria subtraída à vontade das partes e como tal uma exceção de conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do art. 333º/1 do Código Civil e 579º do Código de Processo Civil (cfr. ac. do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 467/2005-6 de 03-02-2005: Ao contrário da regra que resulta do n.º 2 do artigo 333º do Código Civil, a caducidade do direito de embargar é de conhecimento oficioso).

A prova de que os embargos foram deduzidos extemporaneamente cabe ao embargado, como resulta do disposto no art. 343º/2 do Código Civil e bem salientou a MMª juiz "a quo".

Ora, no caso dos autos, temos que a p.i de embargos foi apresentada em 05/02/14, ou seja, muito depois dos 30 seguintes ao da penhora (cfr. facto nº 1).

Em resposta à excepção de intempestividade suscitada na contestação, o embargante veio esclarecer que “apenas teve conhecimento da colocação do imóvel à venda no dia 10 de Janeiro, através da consulta à Lista dos Bens Penhoradas, disponibilizados pelo Serviço de Finanças, na página na internet com o endereço http.://vendas.portaldasfinanças.gov.pt/bens.” Nas palavras do Recorrente, “os embargos foram entregues no dia 5 de Fevereiro de 2014, logo entre a data do conhecimento e a prática do ato mediaram 26 dias, estando por isso respeitado o prazo legal”.

Sucede, contudo, que, como a embargada invoca e demostra, o embargante teve conhecimento do acto ofensivo da sua posse, no mínimo, em 07/10/13, data em que, juntamento com a Executada, A..., dirigiram ao TT de Lisboa “impugnação judicial” (cfr. ponto 3 dos factos provados), na qual se referia, além do mais, que:

- “O Impugnante A... vem informar que a benfeitoria erigida no imóvel objecto de penhora e colocado à venda, diz respeito a valores monetários despendidos na totalidade por este”;

- “(…) a Impugnante A... apenas é a proprietária do terreno, ou seja do prédio urbano, terreno para construção, sito na Rua A..., lote ..., Freguesia Famões e concelho de Odivelas, com o artigo matricial 3..., e com o valor patrimonial de € 63.692,13”;

- “O serviço de Finanças aquando da verificação da benfeitoria que existia no local mandou proceder à reavaliação do imóvel, para colocar o preço ajustado para a venda do mesmo”;

- “(…) o Impugnante não é executado no presente processo de execução fiscal e, não deverá, ser prejudicado com a venda de algo que lhe pertence”.

Ora, a leitura de tal articulado do qual retirámos os excertos transcritos mostra à saciedade que o ora Recorrente conhecia a penhora, arrogava-se a qualidade de terceiro relativamente à execução fiscal, considerando-se prejudicado pela penhora relativamente às benfeitorias erigidas no lote de terreno.

Assim sendo, não se vê a razão para não ter, a partir daquele conhecimento (insiste-se, ao menos, desde 7/10/13), embargado de terceiro, nem a justificação para só o ter feito em Fevereiro de 2014. Com efeito, já em Outubro de 2013 o Embargante, ora Recorrente, conhecia em toda a sua extensão o acto que ofendia a sua posição jurídica. O articulado parcialmente transcrito não pode deixar nenhuma dúvida sobre oportunidade dos presentes embargos, sendo claro que muito antes de 05/02/14 (pelo menos, repete-se, em 07/10/13, data da apresentação da p.i que deu origem ao processo nº 1810/13.4 BELRS) o embargante tinha perfeito conhecimento da penhora.

Portanto, temos que, como a sentença decidiu, a Fazenda Pública fez, como lhe competia, prova suficiente de que o Embargante tomou conhecimento da existência da penhora bem antes de 5 de Fevereiro de 2014; pelo menos em 7 de Outubro de 2013.

Acrescente-se que, contrariamente ao que afirma o Recorrente nas conclusões da alegação de recurso, não é verdade que o “Serviço de Finanças de Odivelas só teve conhecimento das benfeitorias erigidas em Dezembro de 2013 (dois anos e meio depois da penhora do terreno)”, pois o teor de fls. 96 a 103 e 130 a 147 do PEF mostram que assim não é, evidenciando-se que, em Julho de 2012, o SF referia-se à existência de uma construção no lote de terreno, tendo sido levada a cabo a sua avaliação.

Assim, como decidido pelo TT de Lisboa e pelas razões avançadas, conclui-se que os embargos não são tempestivos, pois, mesmo considerado o prazo de 30 dias contado de 7 de Outubro de 2013, fácil é concluir que o prazo de 30 dias previsto no nº3 do 237º do CPPT foi largamente ultrapassado.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da protecção jurídica concedida (cfr. fls. 304).

Registe e Notifique.

Lisboa, 27/05/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]

Catarina Almeida e Sousa