Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:838/17.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA CONSAGRADA NO ART.º 24.º, N.º 1, ALÍNEA B) DA LGT
Sumário:I - Para se poder dizer que a ação ou omissão do Recorrido foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos exequendos, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante.
II - No caso, o Recorrido alegou e provou factualidade que permitiu concluir que administrou e geriu a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários exequendos não resulta do incumprimento dessas disposições, tendo demonstrado a existência de uma situação de dificuldades de tesouraria que não lhe é imputável e a realização de iniciativas ulteriores para acautelar a satisfação das dívidas apuradas, dando conta, conforme devia, de medidas concretas que adotou tendentes a obviar o incumprimento e falta de pagamento das dívidas executadas.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida em 14/12/2023 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a oposição apresentada por M…, melhor identificado nos autos, ao processo de execução fiscal («PEF») n.º 2194201201009800 e apensos, contra si revertidos, instaurados originariamente contra a sociedade «C… Comércio Automóvel, Lda.», para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares / Retenção na Fonte («IRS/RF»), referente aos períodos 2011/11 e 2011/12, e Imposto Municipal sobre Imóveis («IMI»), do ano de 2011, no montante global de € 5.399,18.
Nas suas alegações, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

«I. Sem quebra do devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido a aliás douta sentença do Tribunal “a quo” que julgou procedente a presente Oposição e absolveu o Oponente da presente instância executiva;
II. O Oponente para afastar a sua responsabilidade, invocou a grave crise económica e financeira que se repercutiu em Portugal a qual, com o devido respeito por entendimento diverso, é manifestamente insuficiente.
III. Assim, não obstante, as dificuldades financeiras existentes, cabia ainda ao Oponente provar factos concretos aptos a demonstrar as diligências que a gerência adotou para fazer face às adversidades sofridas pela sociedade devedora originária, porém, no caso concreto, salvo devido respeito por opinião diversa, tal prova não foi feita.
IV. O facto de um determinado setor estar em crise, pese embora as dificuldades que as empresas possam em tais períodos sentir, não constitui justificação para o não cumprimento das suas obrigações fiscais ou para a insuficiência de bens para o seu pagamento, pois que se
assim fosse nenhuma empresa sobreviveria em condições de mercado adversas.
V. A prova testemunhal não criou a convicção da realidade dos factos que permita concluir que a sua gerência não teve qualquer relação causal com a insuficiência do património social para a satisfação dos créditos.
VI. Nada existe, para além de afirmações genéricas, tanto do Oponente como das testemunhas
inquiridas, quanto a eventuais diligências realizadas tendo por objetivo a procura de soluções
para fazer face ao fim do contrato com o único fornecedor da devedora originária.
VII. Assim, por tudo o exposto supra entende-se não ter o Oponente cumprido o ónus probatório de não lhe ser imputável a falta pagamento dos impostos que constituem a dívida exequenda;
VIII. Ao decidir, como decidiu, o Douto Tribunal “a quo” fez errada apreciação dos factos e incorreu em erro de julgamento de direito porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, da Lei Geral Tributária.Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Oposição, tudo com as devidas e legais consequências.»

*
O Recorrido apresentou contra-alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«I- O oponente acompanha a interpretação que o tribunal a quo e do MP efectuou da prova assente e da aplicação do direito;
II- Não se verifica qualquer erro na apreciação da prova
III- Na perspectiva da oponente foi correctamente julgada e fundamentada a matéria de facto
referenciada na sentença recorrida à qual se adere na íntegra.
IV- O oponente não concorda com a interpretação efectuada pela recorrente quanto aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e ainda os meios probatórios;
Senão vejamos:
V- É de concluir que a insuficiência do património da sociedade não foi devida a uma administração/gerência negligente, de molde a imputar ao Oponente a responsabilidade pelas
dívidas em questão.
VI- O oponente enquanto gestor fez o que lhe era exigido.
VII- Oponente Prestou, avales pessoais a favor da empresa, deixou de receber dezenas de milhares de euros de remuneração, tentou encontrar um outro concessionário que assumisse o negócio da marca Citroen, não privilegiou credores, não dissipou património, apresentou pontualmente a empresa à insolvência e no final apresentou-se à insolvência.
VIII- Que mais lhe poderia ser exigido ?!
IX - Não poderemos ignorar que em 2011/2012 face à crise mundial da Banca o crédito foi rápida e brutalmente afectado e vários sectores como o automóvel quase que colapsaram.
X- O recurso da AT alega a sua discordância, mas não a fundamenta devidamente, é mais
conclusivo que factual.
XI - A sentença não violou qualquer noma legal ou princípio de direito.
XII- Impõe-se assim a este Venerando Tribunal a manutenção na sentença nos exactos termos;
Termos em que,
Se requer a V.Ex.ª(s) seja o presente recurso julgado não provado e improcedente e, em
conformidade, se mantenha sentença recorrida, com o que farão V. Ex.ªs a costumada JUSTIÇA.»

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto o Recorrido não logrou ilidir a presunção de culpa consagrada na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da Lei Geral Tributária («LGT»).

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Em 6.5.1994, foi constituída a sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.”, com o objeto social «comércio de viaturas novas e usadas, reparação e assistência deviaturas», e com o capital social de € 200.000,00, dividido em quatro quotas de € 50.000,00 cada, duas pertencentes a M… e duas pertencentes a M… (cf. Ap. 17 da certidão permanente junta como doc. 1 da petição inicial de fls. 39 a 43 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
B) Na data identificada na alínea A) supra foram designados gerentes M… e M… (cf. Ap. 17 da certidão permanente junta como doc. 1 da petição inicial de fls. 39 a 43 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
C) A sociedade identificada na alínea A) supra obrigava-se com a intervenção de dois gerentes (cf. Ap. 17 da certidão permanente junta como doc. 1 da petição inicial de fls. 39 a 43 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
D) Em 14.2.2012, com base na certidão de dívida n.º 2012/139781, foi instaurado, pelo Serviço de Finanças do Montijo, contra a sociedade identificada na alínea A) supra, o processo de execução fiscal n.º 2194201201009800, para cobrança coerciva de dívida de IRS (retenção na fonte), referente ao período 2011/12, no montante de € 4.503,34, com data limite de pagamento voluntário em 20.1.2012 (cf. autuação e certidão de dívida constantes do PEF de fls. 118 a 120 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);
E) Em 30.4.2012, a sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” apresentou-se à insolvência, dando origem ao processo que correu termos no Tribunal do Comércio de Lisboa - 4º Juízo, sob o n.º 780/12.0TYLSB (facto não controvertido, que se extrai do documento junto como doc. 2 da petição inicial de fls. 44 a 49 dos autos e da consulta ao portal https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/consultascire.aspx);
F) Em 23.5.2012, com base na certidão de dívida n.º 2012/177092, foi instaurado, pelo Serviço de Finanças do Montijo, contra a sociedade identificada na alínea A) supra, o processo de execução fiscal n.º 2194201201057626, para cobrança coerciva de dívida de IMI, do ano de 2011, no montante de € 562,84, com data limite de pagamento voluntário em 30.4.2012 (cf. autuação e certidão de dívida de fls. 188 a 191 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);
G) Em 4.6.2012, com base na certidão de dívida n.º 2012/498283, foi instaurado, pelo Serviço de Finanças do Montijo, contra a sociedade identificada na alínea A) supra, o processo de execução fiscal n.º 2194201201062441, para cobrança coerciva de dívida de IRS (retenção na fonte), referente ao período 2011/11, no montante de € 333,00, com data limite de pagamento voluntário em 23.12.2011 (cf. autuação e certidão de dívida de fls. 192 a 194 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);
H) Em data não concretamente apurada, os processos de execução fiscal identificados nas alíneas F) e G) supra foram apensados ao processo de execução fiscal identificado na alínea D) supra (facto não controvertido, que se extrai da certidão de fls. 117 dos autos);
I) Por sentença de 5.6.2012, proferida no processo n.º 780/12.0TYLSB do Tribunal do Comércio de Lisboa - 4º Juízo, foi declarada a insolvência da sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.”, extraindo-se da fundamentação da aludida sentença o seguinte:
«III. Fundamentação
III.1. Os factos
(…)
4 - A requerente apresentava, em 31 de Dezembro de 2009, o activo líquido de €3.807.769,93 (dos quais €214.422.45 de dívidas de terceiros), o passivo de €3.326.190,02, o capital próprio de €571.579,91, resultados operacionais de €130.323,65 e o resultado líquido do exercício de €4.326,89;
5 - Apresentava, em 31 de Dezembro de 2010, o activo de €3.824.738,08 (sendo €2.267.511,47 de activos fixos tangíveis), o passivo de €3.248.528,86 (sendo €1.950.184,23 referentes a financiamentos obtidos), resultados operacionais de €151.810,04 e o resultado líquido do período de €4.629,31;
6 - Apresenta no balanço analítico e demonstração de resultados de 2011, um activo líquido de €2.766.373,69, um passivo de € 4.334.660,88, resultados operacionais de - € 1.963.488,77 e o resultado líquido do período de -2.144.287,07 e o capital próprio de - €1.568.287,19.
(…)» (cf. sentença junta como doc. 2 da petição inicial de fls. 44 a 49 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
J) Foi nomeado Administrador de Insolvência B… (cf. sentença junta como doc. 2 da petição inicial de fls. 44 a 49 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
K) Em data não concretamente apurada, no âmbito dos PEF´s n.º 2194201201009800 e apensos, o Chefe do Serviço de Finanças do Montijo proferiu «DESPACHO PARA AUDIÇÃO (REVERSÃO)», determinando «a preparação do processo para efeitos de reversão» das respetivas execuções contra o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário (cf. despacho constante do PEF a fls. 136 e 137 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
L) Em 16.11.2012, o Chefe do Serviço de Finanças do Montijo dirigiu ao Oponente ofício com o assunto «PROJETO DE REVERSÃO (DIREITO DE AUDIÇÃO)», por via do qual notifica o Oponente para exercer o direito de audição sobre o projeto de reversão (cf. ofício constante do PEF a fls. 146 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
M) Em 14.12.2012, o Oponente remeteu ao Serviço de Finanças do Montijo articulado, por via do qual exerceu o direito de audição prévia, de cujo teor se extrai o seguinte:
«Em resposta à vossa carta datada de 16-11-2012, recepcionada em 29-11-2012 sobre o assunto acima referenciado e da qual junto cópia, venho por este meio informar que, face à grande contracção verificada no mercado automóvel, a empresa devedora viu-se compelida a declarar insolvência, como é do vosso conhecimento.
Deste modo, o passivo da empresa apresenta valores que não foi possível liquidar que, para além destas dívidas à administração fiscal ficaram igualmente dívidas a fornecedores e instituições bancárias, conforme balancete analítico datado de 31/05/2012, que junto anexamos.
Contudo, relativamente à administração fiscal, paralelamente a estas dívidas ficou ainda um montante de 9.109,88 Euros de IVA a recuperar, conforme declaração de IVA de Maio/2012 em anexo, para o qual foi pedido o respectivo reembolso na declaração de Novembro/2012 remetida aos vossos serviços em 11 de Dezembro de 2012 e que igualmente remeto em anexo.
Assim, solicito a V. Exas. que procedam à compensação de créditos entre o IMI e o IRS em dívida e o valor do IVA a recuperar, uma vez que foi totalmente impossível à empresa devedora proceder à regularização desses impostos face ao total estrangulamento de tesouraria provocado pela grande retracção de mercado verificada.
(…)» (cf. documento constante do PEF a fls. 145 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
N) Em 19.2.2014, o Serviço de Finanças do Montijo, pronunciando-se sobre o requerimento a que se refere a alínea anterior, elaborou «INFORMAÇÃO» com o seguinte teor:
«INFORMAÇÃO / CONCLUSÃO
· As dívidas respeitam a IMI e IRS (retenções na fonte) cujas datas limites de pagamento ocorreram em 30/04/2012 (IMI) e 20/01/2012 e 23/12/2011 /IRS) no valor total de 5.399,18 € (quantia exequenda);
· De acordo com a Certidão da Conservatória do Registo Comercial, a sentença de declaração de insolvência e a nomeação do administrador judicial no processo de insolvência transitou em julgado em 02/07/2012 - Ap. 3/20120809.
· Quanto ao pedido formulado de compensação da dívida com créditos existentes, cumpre referir que não se compensam dívidas com créditos de IVA. Os créditos de IVA são impenhoráveis, cfr artº 8º do Dec-Lei nº 122/88 de 20 de Abril.
· Assim se transcreve:
“São impenhoráveis os créditos de IVA, a menos que revestindo a forma de reembolsos
confirmados e comunicados nos termos previstos no artigo 14º do Decreto-Lei nº 504-
M/85, 30 de Dezembro, sejam oferecidos à penhora pelo próprio sujeito passivo”.
· Do exposto, deve concluir-se que só após um efectivo pedido de reembolso, mas, ainda assim sujeito à confirmação da sua legitimidade, e se os serviços competentes da DGCI verificarem que se encontram reunidos os pressupostos legais, o reembolso poderá ser utilizado para compensar as dívidas fiscais.
· Consultada a aplicação informática verifica-se, a existência de um reembolso de IVA no valor de 9.109,88 €, no estado de Deferido, com despacho datado de 12/02/2013.
· A data da insolvência ocorre em data posterior às datas limite para pagamento voluntário.
· O total em dívida ascende a 22.832,96 euros.
(…)» (cf. Informação constante do PEF a fls. 159 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
O) Em 21.2.2014, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, em substituição, proferiu despacho com o seguinte teor:
«DESPACHO
Vem o revertido por petição apresentada em 14/12/2013, solicitar que seja objecto de compensação em dívidas de IRS e IMI, o crédito de IVA no montante de € 9.109,88.
Relativamente ao pedido cumpre despachar no sentido de:
Conforme constante da informação prestada nos autos, os créditos de IVA mostramse impenhoráveis.
Para efeitos de aplicação em dívidas existentes devem os mesmos ser dados à penhora pelo próprio sujeito passivo.
Na situação em apreço atendendo ao facto da sociedade se encontrar em processo de insolvência, e o referido crédito se encontrar no estado de deferido, não se mostra da competência da Administração Tributária pronunciar-se sobre tal questão, pelo que, deverá o administrador da insolvência diligenciar no sentido daquele integrar a massa insolvente.
Prossigam os autos a sua tramitação, nomeadamente para efeitos de reversão.
Notifique-se do presente despacho.
(…)» (cf. despacho constante do PEF a fls. 160 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
P) Em 24.2.2014, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, em substituição, dirigiu ao Oponente o ofício n.º 000952, por via do qual comunica o «teor do despacho que recaiu sobre o requerimento - audição prévia -, entrado neste Serviço de Finanças em 14/12/2012, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças, acompanhado da respectiva informação» (cf. ofício constante do PEF a fls. 162 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
Q) Em 24.2.2014, o Chefe do Serviço de Finanças do Montijo proferiu «DESPACHO (REVERSÃO)», determinando a reversão das execuções fiscais referidas nas alíneas D), F) e G) contra o Oponente com os seguintes fundamentos:
«(…)

(…)» (cf. despacho constante do PEF a fls. 166 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
R) Em 24.2.2014, foi emitido, pelo Serviço de Finanças do Montijo, ofício denominado «CITAÇÃO (REVERSÃO)», dirigido ao Oponente, de cujo teor se extrai:


«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»


(cf. ofício constante do PEF de fls. 168 a 170 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
S) Em 7.3.2014, o ofício a que se refere a alínea anterior foi expedido por correio postal registado sob o n.º RF 0211 0413 9PT, com aviso de receção (cf. aviso de receção a fls. 171 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
T) Em 4.4.2014, a presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças do Montijo (cf. Comprovativo de Entrega de Documentos a fls. 2 dos autos);
U) A sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” era concessionária da marca Citroën (cf. depoimento da testemunha B…);
V) A partir de finais de 2010/ início de 2011, verificou-se uma drástica redução da atividade económica do setor automóvel (cf. depoimento da testemunha B….);
W) Até 2010, a sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” vendia cerca de trinta ou mais viaturas por mês (cf. depoimento da testemunha B...);
X) No ano de 2011, a sociedade “C... - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” vendeu entre cinco a dez viaturas por mês (cf. depoimento da testemunha B…);
Y) O Banco Espírito Santo exigiu à sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” o pagamento imediato de todas as contas caucionadas de que esta era titular, deixando de conceder novos financiamentos (cf. depoimento da testemunha B…);
Z) A sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” deixou de cumprir pontualmente as suas obrigações para com todos os credores (cf. sentença de declaração de insolvência junta como doc. 2 da petição inicial de fls. 44 a 49 dos autos e depoimento da testemunha B…);
AA) No final de 2011, os gerentes da sociedade “C… - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.”, incluindo o Oponente, tinham por receber da sociedade, a título de remuneração, cerca de € 22.000,00 (cf. depoimento da testemunha B...);
BB) No final de 2011, os trabalhadores tinham por receber da sociedade “C... - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” cerca de € 33.000,00 (cf. depoimento da testemunha B...);
CC) A sociedade “C... - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” procurou encontrar no mercado um outro concessionário para dar continuidade à concessão e assumir a sua posição contratual no contrato de leasing das respetivas instalações (cf. depoimento da testemunha B...);
DD) O Oponente prestou garantias pessoais a dívidas da sociedade “C... - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” (cf. depoimento da testemunha B…);
EE) O Oponente apresentou-se à insolvência (cf. depoimento da testemunha B...).

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Inexistem factos alegados e não provados com relevo para a decisão da causa.»

*
Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto assentou na análise da prova documental produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos com a petição inicial e nos documentos constantes dos processos de execução fiscal, que não foram impugnados, bem como na prova testemunhal produzida, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.
Foi ouvida a testemunha B..., arrolada pelo Oponente, que depôs, no essencial, com clareza e isenção, sendo o respetivo depoimento merecedor de credibilidade e valorado na medida em que evidenciou um conhecimento direto dos factos.
Com efeito, a referida testemunha disse ter prestado serviços de contabilidade à sociedade devedora originária, “C... - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.”, no período de 2004 a 2012, tendo, nesse âmbito, acompanhado a atividade da sociedade e contactado com o ora Oponente, sócio gerente da referida sociedade.
Quando questionada sobre a realidade comercial e económica da sociedade, a testemunha referiu que «até 2010, as coisas foram evoluindo positivamente», mas que, «a partir de finais de 2010 e todo o ano de 2011, as coisas mudaram, o mercado alterou-se, a banca fechou, como se costuma dizer, a torneira do crédito» e a sociedade, que «vivia muito do apoio bancário, - os custos de financiamento eram significativos - (…) não aguentou a pressão que houve da baixa abrupta de aquisição de viaturas».
Mais referiu a testemunha que, fruto desta situação de crise, «o [Banco] …, de um momento para o outro, obrigou [a sociedade] a pagar todas as contas caucionadas e, portanto, não financiou mais».
Esclareceu ainda que a sociedade “C... - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.”, concessionária da marca Citroën, viu, no final do ano de 2010 e todo ano de 2011, as suas vendas cair «abruptamente num espaço relativamente curto» de tempo, concretizando que «as
vendas até 2010 andavam por volta das 30 ou mais viaturas por mês» e que «a média, em 2011, foi na ordem dos 5 a 10 por mês».
Referiu, igualmente, a testemunha que, fruto desta situação, «no final de 2011, os 3 gerentes tinham por receber da empresa € 22.000, números redondos, e o pessoal/os trabalhadores € 33.000» e, bem assim, que, nesse ano de 2011, a sociedade começou a entrar em incumprimento para com todos os seus credores.
Sublinhou, ainda, quanto às medidas adotadas para fazer face a esta situação deficitária que, no final de janeiro / inicio de fevereiro, a sociedade «tentou encontrar no mercado um concessionário que ficasse com a concessão e assumisse a posição do leasing das instalações», tendo-se apresentado à insolvência «cerca de seis/oito meses» após o colapso das vendas.
Por último, referiu que o Oponente também se apresentou à insolvência, esclarecendo, igualmente, que o mesmo havia prestado «avales pessoais de financiamentos da C...» e que o envolvimento da banca com esta sociedade ascendia a várias «centenas de milhares de euros».
Confrontada com o documento junto como doc. 4 da oposição [«Balancete Analítico» da sociedade “C... - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.” referente a maio de 2012], a testemunha esclareceu que o mesmo era um documento contabilístico da sociedade, concluindo não ser do seu conhecimento a existência de qualquer indício de ocultação de património / privilégio de credores.
Sendo merecedor de credibilidade, como já referido, o depoimento da testemunha B..., atenta a sua razão de ciência, foi valorado e tido em consideração para prova dos factos vertidos nas alíneas U) a EE) do “probatório”.»
*

III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação à ilisão pelo Recorrido da presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT. Vem a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 2194201201009800 e apensos, defendendo, em suma, que o Recorrido não logrou alegar e provar factos que permitam afastar a aplicação da acima apontada presunção de culpa.

Considera, por seu turno, o Recorrido, assim como o EMMP junto deste Tribunal, que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, deve ser mantida a sentença recorrida na ordem jurídica

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento.

Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em V. a VI. das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta à Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entendem que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada.

Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pela Recorrente na presente lide recursiva.

Apreciemos.

A Recorrente alega, em suma, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que não resulta provado, segundo entende, que o Recorrido não teve culpa na falta de pagamento dos créditos exequendos, concluindo, assim, que face aos elementos probatórios constantes nos autos não logrou ilidir a presunção legal de culpa consagrada no art.º 24.º n.º 1, alínea b), da LGT.

Apreciando.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não tem razão a Recorrente. Vejamos, então, porquê.

In casu, é indisputada a gerência de facto da executada originária por parte do Recorrido, defendendo, no entanto, que é parte ilegítima ao abrigo do art.º 24.º, n.º1, alínea b) da LGT, porquanto não lhe pode ser imputada a falta de pagamento das dívidas tributárias.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o art.º 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT que a oposição pode ter como fundamento a «[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida».

Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário, encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente quando se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil («CC»).

Ora, no caso que agora nos ocupa, é aplicável o regime constante no art.º 24.º da LGT, que, no que importa, refere o seguinte no seu n.º 1:

«[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O citado art.º 24.º da LGT consagra nas suas alíneas a) e b) uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

(i) as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cf. a parte final da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT); e,

(ii) as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária («AT»), ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova da culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos, o despacho de reversão fundamentou-se na alínea b), do n.º 1, do art.º 24.º da LGT (cf. pontos Q. e R. da factualidade provada), por estar assente e ser indisputado que o Recorrido exerceu funções de gerente da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram, estando, por conseguinte, o Recorrido onerado com a respetiva presunção de culpa, imputando-lhe a falta de pagamento.

Razão pela qual, compete, assim, apurar se o Recorrido logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

Dir-se-á, numa tentativa de densificar os contornos da ilisão da apontada presunção de culpa, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no art.º 64.º do Código das Sociedades Comercias («CSC»), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

A culpa, aqui em causa, como também se encontra perfeitamente estabilizado pela jurisprudência (cf., entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» - de 08/11/2023, proc. n.º 0709/14.1BEALM, disponível em www.dgsi.pt), deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Como sublinha, a este respeito, a jurisprudência, a culpa «consiste na omissão reprovável de um dever legal de diligência, que é de aferir em abstrato, tendo como padrão o zelo do bónus pater familiae colocado na veste de um gerente competente e criterioso» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/10/2000, processo n.º 1564/98) e «afere-se em abstrato, (…), operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma a averiguar se a atuação do gerente da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/10/2004, processo n.º 00081/04, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, «o ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido.
(…)
Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/11/2014, processo n.º 06191/12, disponível em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão do STA de 11/07/2012, processo n.º 0824/11, disponível em www.dgsi.pt o seguinte:
«I - O facto ilícito suscetível de fazer incorrer o gestor na responsabilidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa atuação conducente à insuficiência do património da sociedade.
II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.».

Assinala Sérgio Vasques a este propósito que «ao impor ao gestor o ónus de provar que “não lhe foi imputável a falta de pagamento” o que se lhe exige, afinal, é que demonstre que não foi por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente para satisfazer a dívida tributária» (Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 407) e que «A ilicitude está, numa e outra disposições, não na mera falta de pagamento, mas na violação das normas dirigidas à protecção dos credores da empresa. E, numa e outra disposições, essa violação haverá de ser culposa também. Só assim faz sentido o conjunto do art. 24.º» (in “A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária”, Fiscalidade, n.º 1 (Jan.2000), pág.47-66).

Regressando, então, agora ao caso dos presentes autos, e como acima já se apontou, tendo em conta a factualidade assente e o quadro normativo in casu aplicável, consideramos, acompanhando o bem gizado discurso fundamentador da sentença recorrida, que o Recorrido logrou provar que é parte ilegítima na execução fiscal porquanto ilidiu a presunção de culpa em causa, não enfermando, por isso, a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente.

Senão vejamos.

Da factualidade estabilizada nos presentes autos, ressalta, desde logo, que no final do ano de 2010 e no ano de 2011, se verificou uma acentuada redução da atividade económica do setor automóvel (cf. alínea V) do probatório), em resultado da crise financeira verificada, traduzida numa significativa diminuição nas vendas realizada pela sociedade devedora originária naquele exercício (cf. alíneas W) e X) do probatório), que é precisamente o período a que respeitam as dívidas exequendas (cf. alíneas Q) e R) da factualidade assente).

Em consequência, foi exigido à devedora originária o pagamento imediato de todas as contas caucionadas de que era titular junto do Banco …, não tendo sido concedido novos financiamentos à sociedade (cf. alínea Y) do probatório), tendo, neste contexto, a executada originária entrado em incumprimento para com todos os credores (cf. alínea Z) do probatório). É, pois, evidente a relação existe entre a redução da atividade económica, o pagamento imediato das contas caucionadas em referência e o incumprimento no cumprimento das suas obrigações, incluindo as fiscais.

Mais ficou demonstrado que a situação financeira da sociedade devedora originária se degradou
muito em pouco tempo, passando, como bem se aponta na sentença recorrida, de resultados operacionais e líquidos positivos nos anos de 2009 e 2010 para resultados operacionais e líquidos acentuadamente negativos no ano de 2011, no valor, respetivo, de - € 1.963.488,77 e de - € 2.144.287,07 (cf. alínea I) do probatório).

Perante o que acima se deixou exposto, sabe-se, assim, porque se encontra provado, o que, em concreto, motivou as dificuldades financeiras então registadas pela sociedade devedora originária para efetuar o não pagamento dos créditos exequendos, conhecendo-se a situação patrimonial e financeira nessa data e a sua evolução nos períodos temporais anteriores. Ou seja, sabe-se que a sociedade devedora originária se encontrava em sérias dificuldades financeiras em 2011, como ressalta da factualidade acima melhor indicada, as quais não podem ser imputadas, de acordo com a factualidade assente, a qualquer omissão ou ação do Recorrido como gerente.

Aqui chegados, importa, agora atentar na atuação do Recorrido como gerente da sociedade devedora originária, no sentido de determinar os seus contornos concretos, pois são indispensáveis para que o Tribunal possa ponderar quanto à eventual censurabilidade da sua conduta.

Quanto à gestão e administração da devedora originária que foi realizada pelo Recorrido para ultrapassar as dificuldades financeiras então sentidas, ficou demonstrado, desde logo, que procurou viabilizar a continuidade da atividade daquela sociedade, tendo para o efeito tentado encontrar um novo concessionário (cf. alínea CC) do probatório).


Por outro lado, perante o insucesso da tentativa de dar continuidade à atividade da executada originária, esta foi apresentada à insolvência em 30.4.2012, isto é, muito pouco tempo após a verificação da significativa redução das vendas (cf. alínea E) do probatório). Esta circunstância é reveladora que a executada originária, logo que se deparou com uma situação de grave crise financeira, decorrente da redução de vendas, acionou os mecanismos legais tendentes à proteção dos seus credores, como impõe, além do mais, o art.º 64.º do CSC.

Acresce, ainda, referir, que o Recorrido prestou garantias pessoais a dívidas da executada originária (cf. alínea DD) do probatório), evidenciando, assim, que contribuiu patrimonialmente para procurar cumprir com os compromissos financeiros assumidos, denotando o seu empenho em assegurar o seu cumprimento.

Como acima se deixou dito, o que está em causa nos presentes autos é a culpa do Recorrido enquanto gerente da sociedade devedora originária, a qual deve ser aferida pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, sendo, por isso, indispensável a alegação e prova de factos que revelem a gestão exercida por si.

Ora, no caso dos presentes autos, das alegações vertidas na petição inicial e da prova produzida é possível descortinar, de modo claro e suficiente, a atuação do Recorrido, enquanto membro da gerência, para ultrapassar as vicissitudes financeira e patrimoniais sentidas pela executada originária, o que é indispensável para ilidir a presunção de culpa no não pagamento dos créditos tributários exequendos, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 24.º da LGT.

No caso, podemos, pois, concluir que o Recorrido logrou alegar e provar factos que evidenciam que a sua atuação, enquanto gerente da executada originária, se situa no âmbito daquilo que é exigível a um gestor criterioso e diligente, dado que, por um lado, não contribuiu com a sua atuação para a situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária, e, por outro, tomou iniciativas para procurar inverter a nefasta situação financeira verificada, procurando salvaguardar o interesse dos credores sociais.

Concretizando, ficou demonstrado que as dificuldades de tesouraria se ficaram a dever a causas externas à condução da atividade da devedora originária, e, bem assim, do Recorrido, e que, perante essa situação, a gerência procurou soluções, promovendo a proteção dos respetivos credores, pelo que ficou provado que não existe nexo de imputação entre a sua atuação e o não pagamento dos créditos exequendos, ou seja, não existiu a necessária conduta culposa do Recorrido que permita sustentar com sucesso a sua responsabilidade tributária subsidiária.

É que, como também acima se apontou, a culpa aqui relevante consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, só assim se podendo afirmar que o resultado danoso se ficou a dever
fundamentalmente a uma deficiente gestão ou administração da sociedade devedora originária, o que, como visto, no caso em apreço não se verifica.

Em face do exposto, conclui-se que do acervo probatório dos autos é possível ilidir a presunção com a qual se encontrava onerado, pois foi feita prova positiva por parte do Recorrido que não atuou com culpa na falta de pagamento das dívidas objeto de cobrança coerciva.

Destarte, não estão, efetivamente, reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o Oponente, ora Recorrido, pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal n.º 2194201201009800 e apensos.

E por assim ser, a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe vem assacado, devendo, por isso, ser mantida na ordem jurídica, o que de seguida se decidirá.
*
IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de março de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Susana Barreto)

(Luísa Soares)