Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I Relatório
Instituto da Segurança Social IP, no âmbito de Ação Administrativa intentada por M............., tendente à anulação do ato que determinou a restituição de prestações do subsídio social de desemprego de dezembro de 2010 a outubro de 2013 no valor total de €10.408,50, inconformado com a Sentença proferida em 4 de junho de 2021 no TAF de Leiria, que decidiu julgar a Ação procedente, veio Recorrer para esta instância em 7 de julho de 2021, aí concluindo:
“1 - A Recorrida ficou em situação de desemprego em 01/12/2010, tendo procedido à sua inscrição no Centro de Emprego de Abrantes no dia 02/12/2010, e requerido o direito ao subsídio social de desemprego inicial (SSDI) na mesma data.
2 - O requerimento foi objeto de decisão de deferimento, com início do direito à prestação de desemprego, a partir de 02/12/2010.
3 - Foram-lhe concedidos 1020 dias de prestação de desemprego, com o valor diário de €11,18.
4 - A Recorrida foi notificada da decisão através de ofício datado de 21/01/2010.
5 - A Recorrida recebeu SSDI no período compreendido entre 02/12/2010 e 21/10/2013.
6 - Na sequência da apresentação de requerimento para atribuição de pensão de velhice (12/08/2013), o CNP solicitou ao Recorrente, em 05/03/2014, informação relativa à atribuição do subsídio social de desemprego inicial à beneficiária M............., uma vez que a mesma era titular e recebedora de pensão paga pela Segurança Social Francesa desde 01/09/2010 (sendo o valor mensal de € 42,33).
7 - Através de ofício datado de 13/11/2014, o Recorrente solicitou à Recorrida que procedesse à confirmação da titularidade de pensão atribuída por regime de segurança social estrangeiro de inscrição obrigatória.
8 - Em 24/11/2014 a Recorrida enviou comprovativo do requerimento de prestações de desemprego.
9 - Na sequência da análise efetuada a todos os elementos constantes do processo, e tendo-se verificado que a Recorrida acumulou a prestação de desemprego com pensão de velhice atribuída por sistema de proteção social francês, de inscrição obrigatória, desde 02/12/2010, o direito ao SSDI deveria cessar com efeitos à data de início, atento o disposto no artigo 60o n° 1 alínea b) do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de novembro.
10 - A Recorrida foi notificada da decisão de cessação do direito à prestação, com efeitos a 02/12/2010, através de ofício datado de 18/03/2014.
11 - Em 18/03/2015 foi emitida, e enviada à Recorrida, a nota de reposição n° ...., respeitante ao valor das prestações indevidamente pagas, o valor de €10 408,58.
12 - A Recorrida apresentou uma exposição datada de 06/04/2015, através da qual alegou que a pensão do regime de proteção social francês lhe foi atribuída apenas em 21/12/2010. Refere, ainda, que “caso considere que tenha mesmo que devolver o valor €10 408,58, agradeço que verifique o meu pedido de reforma feito nos vossos serviços a 12/08/2013”.
13 - O Recorrente, através de ofício datado de 02/05/2016, comunicou à Recorrida que os fundamentos constantes da reclamação apresentada não foram atendidos, pelo que se mantinha a decisão de proceder à reposição do valor indevidamente pago a título de SSDI.
14 - O requerimento para atribuição de pensão, apresentado ao CNP em 12/08/2013, foi objeto de decisão indeferimento.
15 - A Recorrida apresentou novo requerimento para atribuição de pensão de velhice em 01/08/2016, tendo-lhe sido atribuída a referida pensão a partir de 10/10/2016.
16 - As prestações de desemprego têm como objetivo “compensar os beneficiários da falta de remuneração resultante de redução determinada pela situação de desemprego” conforme o disposto na alínea a) do artigo 6° do Decreto-Lei n° 220/2006.
17 - A natureza compensatória das prestações de desemprego na reparação da eventualidade de desemprego involuntário, determina, imperiosamente, que a sua atribuição não possa ser acumulável com outras prestações ou pensões da mesma natureza, pelo que o regime de proteção social no desemprego fez consagrar o princípio da não acumulação.
18 - O princípio da não acumulação encontra-se plasmado na alínea b) do artigo 60° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de novembro, e determina que as prestações de desemprego não são acumuláveis com: Pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social ou outro sistema de proteção social de inscrição obrigatória, incluindo o da função pública e regimes estrangeiros.
19 - Atendendo à natureza compensatória da prestação, deverá ter-se em conta o disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 54° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de novembro, norma que estabelece que o direito à prestação de desemprego cessa por razões inerentes à situação dos beneficiários perante os sistemas de proteção social de inscrição obrigatória.
20 - A cessação do direito à prestação de desemprego produz efeitos no dia imediato ao da verificação do facto que a determinou, atento o disposto no n° 2 do artigo 54° do Decreto-Lei n° 220/2006.
21 - O ato administrativo que determine a cessação das prestações de desemprego, conforme artigo do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de novembro, tem eficácia retroativa, uma vez que, a vontade mediada pelo ato administrativo influi sobre situações constituídas no passado, exigindo, in caso, a restituição das prestações indevidamente recebidas (alínea b) do n° 1 do artigo 156° do CPA).
22 - Nestes termos, não subsistem dúvidas de que a eficácia retroativa do ato administrativo de cessação do direito da prestação de desemprego é atribuída por lei, cabendo no disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 156° do CPA.
23 - Poderá, eventualmente, questionar-se a natureza compensatória da pensão, designadamente da pensão de velhice atribuída por sistema de proteção social obrigatório francês.
24 - Deve considerar-se que a atribuição de uma pensão visa compensar a perca das remunerações do trabalho enquanto serviço ativo, pelo que possui uma natureza compensatória. Veja-se acerca desta matéria o Acórdão do STA, Processo n° 048399 de 19.02.2002.
25 - Assim, atendendo a natureza compensatória da pensão, não poderá verificar-se a acumulação de subsídio de desemprego com pensão de velhice, pelo que deve considerar-se que essa acumulação viola o princípio da não acumulação previsto no artigo 60o do Decreto-Lei n° 220/2006.
26 - Uma pensão atribuída por sistema de proteção social estrangeiro de inscrição obrigatória, possuindo uma natureza compensatória (da remuneração), não poderá ser acumulável com prestação de desemprego, sob pena de violação do princípio da não acumulação.
27 - O Capítulo VI do Decreto-Lei n° 220/2006, consagra os deveres dos beneficiários bem como as consequências do seu incumprimento, sendo que o artigo 42° do diploma, estabelece que os beneficiários têm, obrigatoriamente, o dever de comunicar, à segurança social, durante o período da concessão da prestação de desemprego, qualquer facto que possa determinar a suspensão ou a cessação da prestação.
28 - Esta comunicação deve ser efetuada no prazo de cinco dias úteis a contar do conhecimento do facto (n° 3 do artigo 42° do Decreto-Lei n° 220/2006).
29 - É dever do beneficiário comunicar todo e qualquer facto que possa determinar a cessação da prestação, designadamente por violação do princípio da não acumulação.
30 - O tribunal a quo considerou que a Recorrida “não escondeu” a pensão atribuída por sistema de proteção social estrangeiro de inscrição obrigatória (Francês), sim, isso é facto, contudo, “não esconder” não é o mesmo que comunicar e, in casu, a Recorrida não comunicou.
31 - No âmbito do dever de comunicação o tribunal a quo considera que “Destarte, não é só aos beneficiários das prestações que são impostos os deveres de informação, colaboração e boa-fé. Tratam-se também de deveres da Administração, no caso da Entidade Demandada”.
32 - Com este entendimento o tribunal a quo considera que o CNP tinha o dever de informação e de colaboração, sendo que o Recorrente partilha deste entendimento. Conforme resulta do probatório, o CNP (serviço do ISS, I. P., de âmbito nacional, responsável pela gestão das prestações diferidas do sistema de segurança social e de outras que com ela se relacionem ou sejam determinadas pelo mesmo facto - «1 —Compete ao Centro Nacional de Pensões, abreviadamente designado por CNP, serviço do ISS, I. P., de âmbito nacional, a responsabilidade pela gestão das prestações diferidas do sistema de segurança social e de outras que com elas se relacionem ou sejam determinadas pelo mesmo facto.» - artigo 20° da Portaria n° 135/2012, de 08 de maio, a qual revoga a Portaria n° 687/2007, de 30 de maio, alterada pela Portaria n° 160/2016, de 9 de junho, pela Portaria n° 102/2017, de 8 de março, que aprova os Estatutos do Instituto da Segurança Social, IP) comunicou ao Recorrente, em momento próprio, que a recorrida era titular de uma pensão atribuída por sistema de proteção social francês (Fax ). O CNP comunicou este facto ao Recorrente, no momento em que a Recorrida requereu pensão de velhice (em Portugal).
33 - O CNP apenas constatou que existia acumulação na data em que procedeu à análise do pedido de pensão apresentado pela Recorrida, tendo sido nesse momento que a situação se colocou, não existindo qualquer dever de conhecer se a Recorrida havia comunicado, ou não, o facto de ter passado a ser titular de pensão atribuída por sistema de proteção social francês.
34 - O Recorrente não pode concordar, de forma alguma, que o dever de informação e de colaboração da Administração (que se verificou) se sobrepõe ao dever da Recorrida comunicar (obrigatoriamente) o facto que determinaria a cessação do direito à prestação de desemprego.
35 - O tribunal a quo considera, ainda, que o valor a restituir é manifestamente desproporcional, também nesta matéria o Recorrente não está em desacordo, contudo, nada resulta da letra da lei, ou de uma eventual interpretação da norma, que a violação do princípio da não acumulação tem um valor limite, pelo contrário a norma apenas determina que “As prestações de desemprego não são acumuláveis com, pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social ou de outro sistema de proteção social de inscrição obrigatória incluindo o da função pública e regimes estrangeiros;” (alínea b) do n° 1 do artigo 6o° do Decreto-Lei n° 220/2006).
36 - Assim, independentemente de qualquer juízo de valor, há que aplicar a lei.
37 - Relativamente a esta matéria, o tribunal a quo pode considerar desproporcional que o valor a restituir (das prestações de desemprego indevidamente pagas) relativamente ao montante total pago a título de pensão, contudo, não pode, escorando-se neste juízo, deixar de aplicar a lei, alheando-se do princípio da legalidade.
38 - É entendimento do Recorrente que, sem se pretender efetuar qualquer hierarquia de relevância de princípios jurídico constitucionais, deve considerar-se a primazia do princípio da legalidade.
39 - Andou mal, também, o tribunal a quo quando sustentou a sua decisão anular o do ato que determinou a restituição, por parte da Recorrida, das prestações do subsídio social de desemprego, com fundamento de "o ato de concessão do subsídio de desemprego meramente anulável, o mesmo, de acordo com o disposto no artigo 141o do CPA anterior a 2015, apenas poderia ser "revogado” administrativamente, na terminologia utilizada pelo CPA aprovado pelo Decreto-Lei n° 442/91, no prazo do respetivo recurso contencioso, que corresponde ao prazo mais longo de um ano, conferido ao Ministério Público pela alínea a) do n° 2 do artigo 58° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação anterior à conferida pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 02.10 [a que corresponde o atual artigo 58°, n° 1, alínea a)]. § Ora, tendo o ato de concessão do subsídio de desemprego sido emitido em 02.12.2010, apenas poderia ser anulado até 02.12.2011, o que não sucedeu, tendo o ato "revogatório” aqui impugnado sido proferido em 23.01.2015 [cf. ponto 11.° e 12.° do probatório] e comunicado à Autora através de ofício com data de 18.03.2015 [cf. ponto 13.° do probatório]. § Assim, por ter sido desrespeitada a regra do artigo 141° do CPA, o ato que aqui vem impugnado é anulável, nos termos do artigo 135° do CPA.”
40 - Atendendo a natureza compensatória da prestação de desemprego, deverá ter-se em conta o princípio da não acumulação, designadamente no que concerne à não acumulação da prestação de desemprego com pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social ou de outro sistema de proteção social de inscrição obrigatória incluindo o da função pública e regimes estrangeiros.
41 - A violação do princípio da não acumulação, em articulação com o artigo 54o do Decreto-Lei n° 220/2026, determina a cessação do direito à prestação de desemprego, produzindo efeitos ao dia imediato ao da verificação do facto que a determinou, atento o disposto no n° 2 do artigo 54° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de novembro, in casu, a data de atribuição da pensão atribuída por regime do sistema de segurança social francês.
42 - Ora, contrariamente ao entendimento patenteado na decisão judicial do tribunal a quo, o ato administrativo praticado não foi um ato de anulação do ato que atribuiu o subsídio social de desemprego, mas sim o ato que determinou a cessação do direito à prestação com efeitos ao dia imediato ao da verificação do facto que a determinou (data da concessão da pensão).
43 - O tribunal anulou um ato administrativo que não foi praticado pelo Recorrente (ato de anulação do ato que atribuiu o subsídio social de desemprego), sendo certo que o ato praticado foi o de cessação do direito à prestação, com efeitos à data do facto que o determinou.
44 - Em consequência, e por tudo o que foi dito, não poderá sustenta-se a decisão do tribunal a quo que julgou a ação procedente e, em consequência, procedeu à anulação do ato que determinou a restituição, por parte da Recorrida, das prestações do subsídio social de desemprego de dezembro de 2010 a outubro de 2013 no valor total de €10.408,50.
45 - Assim, aqui chegados e tendo em conta o teor da sentença, e face ao exposto, deve entender-se que o ato administrativo que determinou a cessação do direito à prestação de desemprego por acumulação do mesmo com pensão de velhice atribuída à Recorrida, por sistema de proteção social francês de inscrição obrigatória, é válido e deve produzir os seus efeitos à data do facto que o determinou (artigos 54°e 60° do Decreto-Lei n° 220/2006).
Termos em que requer que presente recurso seja julgado procedente, e por via dele revogada sentença do tribunal a quo, por manifesto erro de julgamento. E assim se fará JUSTIÇA!”
A Recorrida/M............. veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 13 de setembro de 2021, nas quais concluiu:
“O recurso interposto deve sempre formular Conclusões de direito ou indicar claramente e de forma inequívoca as regras jurídicas violadas e que indiciem a ilegalidade jurídica da sentença recorrida, nos termos, e por aplicação subsidiaria, do artigo 639° do Código de Processo Civil.
Nas alegações, apresentadas nada disto se verifica.
Por tal facto:
- O recurso interposto não tem objeto.
- O recurso interposto padece de ilegalidade.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado improcedente e em consequência confirmar-se a douta sentença recorrida, mantendo-se a total procedência da presente ação Administrativa, com as legais consequências, fazendo Vs. Exª.s. Venerandos Desembargadores inteira, sã e objetiva justiça.”
O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 20 de setembro de 2021.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 27 de setembro de 2021, veio a emitir Parecer em 30 de setembro de 2021, no qual, “pugna pelo acerto da sentença recorrida e, consequentemente, pela improcedência do recurso.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir o recursivamente suscitado, sendo que o recorrente pede a anulação da sentença recorrida com base num alegado erro de julgamento, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Foi em 1ª Instância fixada a seguinte matéria de facto:
“1.° - Em 02.12.2010, a Autora apresentou junto do Serviço de Emprego de Abrantes do Instituto da Segurança Social, I.P., requerimento com o seguinte teor [cf. documento n° 7 junto com a contestação]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
2. ° - O requerimento mencionado no ponto antecedente foi deferido pela Entidade Demandada em 02.12.2010, por 1020 dias, no montante diário de € 11,18, com efeitos reportados a essa mesma data [cf. documentos ns 2 a 5 juntos com a contestação].
3. ° - Por ofício datado de 21.12.2010, os serviços da Segurança Social de França atribuíram à Autora uma pensão mensal no valor de € 42,33, com efeitos reportados a 01.09.2010 [cf. fls. 47 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos e documento n° 9 junto com a contestação].
4. ° - A Autora recebeu subsídio social de desemprego inicial no período compreendido entre 02.12.2010 e 21.10.2013 [cf. documento n° 6 junto com a contestação].
5. ° - Em 03.08.2013, a Autora requereu junto do Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, I.P. a atribuição de pensão antecipada por desemprego de longa duração [cf. documento n° 8 junto com a contestação]. 6
6. ° - Em data não concretamente apurada, os serviços do Centro Nacional de Pensões enviaram para o Centro Distrital da Segurança Social de Santarém ofício com o seguinte teor [cf. documento n° 9 junto com a contestação]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
7.° - Com data de 12.03.2014, os serviços da Entidade Demandada remeteram à Autora ofício com o seguinte teor [cf. documento nº 10 junto com a contestação]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
8.° - Em 19.03.2014, em resposta à notificação da Entidade Demandada, a Autora procedeu ao envio dos documentos solicitados [cf. documento n° 11 junto com a contestação].
9.° - Com data de 13.11.2014, os serviços da Entidade Demandada remeteram à Autora ofício com o seguinte teor [cf. documento ns 12 junto com a contestação]:
Assunto: Prestações de Desemprego Data: 2014-11-13
Cumpre-nos informar que tivemos conhecimento, através do Centro Nacional de Pensões, que V. Ex“ é titular de uma pensão, que se presume ter sido atribuída por regime de segurança social estrangeira de inscrição obrigatória.
Deste modo deverá confirmar perante este Serviço a titularidade dessa pensão com a indicação da data de início da mesma, no prazo de 5 dias úteis a contar da data de receção deste oficio.
Gostaríamos de relembrar V. Ex° que na notificação de atribuição da prestação de desemprego de que é titular, foi informado que deveria comunicar, ao serviço de segurança social da sua área de residência, qualquer facto suscetível de determinar a suspensão ou cessação das prestações de desemprego, no prazo de cinco dias úteis a contar da data do conhecimento do facto.
Informamos ainda que o direito à prestação de desemprego cessa por razões inerentes à situação dos beneficiários perante os sistemas de proteção social de inscrição obrigatória, nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 54° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro.
Desta forma, o subsidio de desemprego não é cumulável com pensão atribuída por regime do sistema de segurança social ou de outro sistema de proteção social de inscrição obrigatória incluindo o da função pública e regimes estrangeiros (alínea b) do n° 1 do artigo 60“ do Decreto-Lei n° 220/2006).
Mais se informa que haverá lugar à restituição do valor da prestação de desemprego que eventualmente tenha sido indevidamente paga.
Na falta de resposta, a cessação considera-se efetuada no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, sem prejuízo de se diligenciar no sentido de se apurar, posteriormente, a data de inicio da pensão.
Findo o prazo acima indicado, inicia-se a contagem dos prazos de:
3 meses para recorrer hierarquicamente para a Senhora Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da 3 meses para impugnar contenciosamente.
Com os melhores cumprimentos,
10. ° - Em 24.11.2014, em resposta à notificação da Entidade Demandada, a Autora procedeu ao envio do comprovativo de requerimento de prestações de desemprego [cf. documento ns 13 junto com a contestação].
11. ° - Com data de 23.01.2015 foi emitida informação pelos serviços da Entidade Demandada com o seguinte teor [cf. fls. 24 a 36 do PA junto aos autos]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
12.° - Sobre a informação constante do ponto antecedente recaiu despacho datado de 23.01.2015 da Diretora do Núcleo de Prestações Previdenciais com o seguinte teor [cf. despacho aposto a fls. 24 do PA junto aos autos]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
13.° - Com data de 18.03.2015, os serviços da Entidade Demandada remeteram à Autora ofício com o seguinte teor [cf. documento ns 14 junto com a contestação]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
14.° - Em 18.03.2015, foi emitida nota de reposição com o seguinte teor [cf. documento n° 15 junto com a contestação]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
15.° - Com data de 06.04.2015, a Autora apresentou junto dos serviços da Entidade Demandada exposição com o seguinte teor [cf. documento ns 16 junto com a contestação]:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
16.º - Com data de 02.05.2016, foi enviado pelos serviços da Entidade Demandada à Autora ofício com o seguinte teor [cf. documento nº 17 junto com a contestação]:
Assunto: Restituição de Prestações Data: 2016-05-02
Na sequência da Reclamação apresentada por V.Ex.a, relativamente à Nota de Reposição n.° ....................no valor de 10408,58 €, informa-se que não foi atendida a fundamentação invocada, pelo(s) motivo(s) a seguir indicado(s):
O direito à prestação de desemprego cessa por razões inerentes à situação dos beneficiários perante os sistemas de proteção social de inscrição obrigatória, nos termos do disposto na alinea a) do n° 1 do artigo 54° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro.
Nestes termos, e constatando-se que V. Ex.a acumulou o subsidio de desemprego com pensão atribuída por regime do sistema de segurança social ou de outro sistema de proteção social de inscrição obrigatória incluindo o da função pública e regimes estrangeiros, procedeu-se à cessação do direito á prestação de desemprego, com efeitos ao dia imediato ao da verificação do facto que o determinou (02/12/2010), atendo o disposto no n° 2 do artigo 54° e alínea b) do n° 1 do artigo 60° do Decreto-Lei n° 220/2006.
Assim, mantém-se em dívida o valor indicado na referida Nota de Reposição, devendo efetuar o respetivo pagamento no prazo de 5 dias (1) a contar da data da receção deste ofício, da seguinte forma:
- em numerário, cheque (2) ou cartão multibanco, nas tesourarias dos serviços da Segurança Social devendo, no ato do pagamento fazer-se acompanhar do presente ofício, ou
- por cheque (2) enviado pelo correio ou vale de correio, para a morada deste serviço, indicando, no verso, o n.° de Identificação de Segurança Social e o n.° da Nota de Reposição acima indicado.
Informa-se ainda que pode requerer o pagamento em prestações mensais, invocando os motivos que considere justificativos.
Mais se informa que a falta de restituição do montante indevidamente pago determina a dedução nos benefícios a que tenha direito ou á respetiva cobrança coerciva.
Cumpre ainda informar que, a partir do dia útil seguinte ao da receção deste ofício se inicia a contagem dos prazos de 3 meses para recorrer hierarquicamente da decisão tomada e 3 meses para recorrer contenciosamente, prazo que se suspende caso tenha recorrido hierarquicamente.
(1) Este prazo corresponde ao n,° de dias que, á data de receção da sua reclamação, faltava cumprir relativamente ao prazo de 30 dias inicialmente comunicado.
(2) O cheque deve ser emitido à ordem instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P - NIPC..........................
Com os melhores cumprimentos,
O Diretor de Segurança Social ...........
IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) Da invocada falta de fundamentação
Alega a Autora que a Entidade Demandada não fundamentou o ato consubstanciado no pedido de restituição das prestações pagas a título de subsídio de desemprego, dado que não se encontra na correspondência trocada qualquer esclarecimento acerca dos fundamentos da reposição, ou seja, os motivos pelo qual foi concedido e agora vêm dizer que afinal já não tem direito.
(…)
Pelo exposto, improcede o vício de falta de fundamentação
Do suscitado vício de violação de lei
Das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados resulta que não existem divergências substanciais no que à matéria de facto diz respeito, sendo confirmado por ambas as partes que foi concedido à Autora subsídio de desemprego durante o período de 2 de dezembro de 2010 a outubro de 2013 [cf. pontos 1.°, 2.° e 4.° do probatório], sendo que a Autora passou a receber uma pensão proveniente de França no valor de €42,33 mensais com efeitos reportados a 01.09.2010 [cf. ponto 3.° do probatório].
Sustenta, no entanto, a Autora que a pensão proveniente de França apenas lhe foi concedida em momento posterior ao pedido de subsídio de desemprego, o que é corroborado no ponto 3.º do probatório, uma vez que apenas por ofício datado de 21.12.2010 os serviços da Segurança Social de França, pese embora com efeitos reportados a 01.09.2010, comunicaram à Autora a atribuição de pensão no valor de € 42,33.
A Autora também não nega que, após lhe ter sido concedida a pensão de França, não o tenha comunicado aos serviços da Entidade Demandada. Sustenta, no entanto, que o pedido da pensão atribuída pelos serviços da Segurança Social de França foi solicitado através dos serviços da Entidade Demandada, a qual não a terá informado dessa proibição de acumulação e que, caso o tivesse feito, jamais solicitava e aceitava aquela pensão no valor mensal de €42,33, já que o subsídio de desemprego era manifestamente superior.
Entende, pois, que atuou com “ignorância desculpável”.
Resulta diretamente da alínea b) do n° 1 do artigo 60° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 03.11, diploma que estabelece o regime jurídico de proteção social na situação de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sob a epígrafe “Princípio de não acumulação”, que as prestações de desemprego não podem cumular-se com quaisquer pensões atribuídas por outro sistema de proteção social, incluindo os estrangeiros, bem como as prestações de pré-reforma.
Ora, resulta do ponto 3.° do probatório que a Autora recebe uma pensão proveniente da instituição de segurança social francesa. A Entidade Demandada, apercebendo-se desta circunstância com a notificação do Centro Nacional de Pensões, e após solicitar esclarecimentos à Autora através de ofício datado de 12.03.2014 [cf. ponto 7.° do probatório], os quais foram prestados em 19.03.2014 [cf. ponto 8.° do probatório], veio comunicar a respetiva cessação nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 54° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 03.11, o qual prevê que o direito às prestações de desemprego cessa “[p]or razões inerentes à situação dos beneficiários perante os sistemas de proteção social de inscrição obrigatória”.
Quanto ao dever de restituição, sustenta a Entidade Demandada que o mesmo, ao abrigo do disposto no n° 4 do artigo 42° do referido Decreto-Lei n° 220/2006 [o qual prevê que “[a] restituição das prestações indevidamente recebidas é efetuada nos termos estabelecidos no respetivo regime jurídico, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou criminal a que houver lugar”], deverá ser efetuado nos termos do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n° 133/88, de 20.04.
A Lei n° 4/2007, de 16.01, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social, estabelece, por seu turno no artigo 41°, sob a epígrafe “Prestações”, que:
“1 - A proteção concedida no âmbito do subsistema de solidariedade concretiza-se através da concessão das seguintes prestações: a) Prestações de rendimento social de inserção; b) Pensões sociais; c) Subsídio social de desemprego; d) Complemento solidário para idosos; e) Complementos sociais; e f Outras prestações ou transferências afetas a finalidades específicas, no quadro da concretização dos objetivos do presente subsistema”.
De acordo com o artigo 71° da citada Lei n° 4/2007, sob epígrafe “Deveres do Estado e dos beneficiários”.
“1 - Compete ao Estado garantir aos beneficiários informação periódica relativa aos seus direitos, adquiridos e em formação, designadamente em matéria de pensões.
2 - Os beneficiários têm o dever de cooperar com as instituições de segurança social, cabendo-lhes, designadamente, ser verdadeiros nas suas declarações e requerimentos e submeter-se aos exames de verificação necessários para a concessão ou manutenção das prestações a que tenham direito.”
Finalmente, o artigo 78° da mesma Lei, sob a epígrafe “Nulidade”, prevê que “ [o]s atos administrativos de atribuição de direitos ou de reconhecimento de situações jurídicas, baseados em informações falsas, prestadas dolosamente ou com má fé pelos beneficiários, são nulos e punidos nos termos da legislação aplicável” e o artigo 79°, sob a epígrafe “Revogação de atos inválidos”, dispõe que:
“1 - Os atos administrativos de atribuição de direitos ou de pagamento de prestações inválidos são revogados nos termos e nos prazos previstos na lei, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Os atos administrativos de atribuição de prestações continuadas inválidos podem, ultrapassado o prazo da lei geral, ser revogados com eficácia para o futuro.”
Exposto o enquadramento legal, importa, desde logo, destacar que a Autora apenas passou a receber a pensão dos serviços da Segurança Social de França em momento posterior ao deferimento do pedido de subsídio de desemprego junto da Entidade Demandada, já que este teve lugar em 02.12.2010 e o deferimento da pensão apenas foi comunicada à Autora através de ofício datado de 21.12.2010. De onde resulta que, aquando do deferimento da prestação social de desemprego, a Autora não estava a incumprir qualquer dos preceitos legais acima enunciados, na medida em que não cumulava o subsídio de desemprego com a pensão.
Acresce que, como refere a Autora e não é negado pela Entidade Demandada, o pedido de atribuição da pensão foi solicitado junto dos serviços da Entidade Demandada, pelo que esta tinha na sua posse todas as informações relevantes para, aquando da análise do procedimento relativo ao pedido de subsídio de desemprego, ou mesmo após o seu deferimento, aferir de uma eventual situação de acumulação ilegal de prestações sociais.
Destarte, não é só aos beneficiários das prestações que são impostos os deveres de informação, colaboração e boa-fé. Tratam-se também de deveres da Administração, no caso da Entidade Demandada. In casu, sendo certo que a Autora não logrou de forma expressa informar a Entidade Demandada de que havia solicitado e lhe tinha sido atribuída uma pensão por parte dos serviços da Segurança Social franceses, a verdade é que também nunca o “escondeu”. Pelo contrário, não só solicitou este apoio através dos serviços da Entidade Demandada, como, logo que lhe foram solicitados esclarecimentos, apressou-se a prestá-los com verdade, concretamente de que estava a receber uma pensão em cumulação com o subsídio de desemprego.
Como bem refere a Autora, caso tivesse sido oportunamente informada, certamente que optaria pela prestação de subsídio de desemprego no montante mensal de €350, em detrimento do irrisório valor de €42,33 mensais que consubstanciava a pensão dos serviços da Segurança Social de França.
Ora, é manifestamente desproporcional e violador dos princípios da confiança e boa-fé, mais de três anos após ter sido deferido o pedido de subsídio de desemprego, vir a Entidade Demandada (a qual possuía, desde sempre, toda a informação relevante), vir exigir a devolução de €10.408,50 da Autora, em virtude de a mesma ter recebido uma pensão dos serviços da Segurança Social de França no montante de €42,33 mensais, correspondente a um valor global de €1.439,22 (no período compreendido entre os meses de dezembro de 2010 e outubro de 2013). Quanto muito, até porque atribuída posteriormente (pese embora com efeitos reportados a 01.09.2010, poder-se-ia admitir que fosse exigida à Autora a restituição deste valor de €1.439,22, e nunca de €10.408,50.
Acresce que, no caso dos autos, não se verificando as circunstâncias que permitiriam à Entidade Demandada lançar mão do artigo 78° da Lei n° 4/2007, ou outras que definidas pelo artigo 133° do CPA (atual artigo 161° do CPA), que conduzam à nulidade do ato de concessão do subsídio de desemprego à Autora, então sempre seria meramente anulável, nos termos do artigo 135° do CPA (atual artigo 163° do CPA), por ter sido praticado em desrespeito do disposto no artigo 60° do Decreto-Lei n° 220/2006, o que, de resto, foi invocado pela Entidade Demandada nos presentes autos.
Sucede que, sendo aquele ato de concessão do subsídio de desemprego meramente anulável, o mesmo, de acordo com o disposto no artigo 141° do CPA anterior a 2015, apenas poderia ser “revogado” administrativamente, na terminologia utilizada pelo CPA aprovado pelo Decreto-Lei n° 442/91, no prazo do respetivo recurso contencioso, que corresponde ao prazo mais longo de um ano, conferido ao Ministério Público pela alínea a) do n° 2 do artigo 58° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação anterior à conferida pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 02.10 [a que corresponde o atual artigo 58°, n° 1, alínea a)].
Ora, tendo o ato de concessão do subsídio de desemprego sido emitido em 02.12.2010, apenas poderia ser anulado até 02.12.2011, o que não sucedeu, tendo o ato “revogatório” aqui impugnado sido proferido em 23.01.2015 [cf. ponto 11.° e 12.° do probatório] e comunicado à Autora através de ofício com data de 18.03.2015 [cf. ponto 13.° do probatório].
Assim, por ter sido desrespeitada a regra do artigo 141° do CPA, o ato que aqui vem impugnado é anulável, nos termos do artigo 135° do CPA.
Em face de todo o exposto, resta concluir que deve proceder a presente ação de impugnação, anulando-se o ato impugnado e mantendo-se na ordem jurídica o ato de concessão do subsídio de desemprego da Autora, sem necessidade de reposição da quantia de €10.408,50.”
Apreciemos o suscitado:
Refira-se, desde logo, que é para confirmar a Sentença Recorrida.
Vem o ISS enquanto Recorrente pedir a anulação da sentença recorrida com base num alegado erro de julgamento, sendo que é incontornável, nos termos e para os efeitos dos Artºs 144°/2 do CPTA e 635º, nºs 4 e 5 e 639º do CPC, que o objeto do presente recurso deverá considerar-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nas quais não são indicados quaisquer normativos alegadamente violados em decorrência do decidido, o que desde logo sempre condicionaria a procedência do Recurso.
De resto, alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.
Por outro lado, e não menos significativo e sintomático, é o facto do Recorrente não ter impugnado qualquer aspeto ou “facto” da matéria de facto dada como provada, nem requerendo a sua alteração, em face do que a mesma se mostra consolidada.
Aqui chegados, assentando o Recorrente a sua tese recursiva na suposta violação do disposto nos art.s 42º, 54º, nºs 1/b e 2 e 60º/b do DL 220/06, de 3/11, em decorrência da acumulação do subsídio de desemprego com a pensão francesa, não deixou de ignorar o facto desta pensão lhe ter sido atribuída em 21/12/2010, e como tal, depois de ter requerido aquele subsídio, que ocorreu em 02/12/2010.
Sendo caso disso, e como refere o Ministério Público no seu Parecer, transcrevendo o discurso fundamentador da decisão de 1ª Instância, se a recorrida estivesse suficientemente informada, mormente pela recorrente, “certamente que optaria pela prestação de subsídio de desemprego no montante mensal de €350, em detrimento do irrisório valor de €42,33 mensais que consubstanciava a pensão dos serviços da Segurança Social de França”.
Já quanto a aspeto argumentativo diverso da sentença, importa evidenciar que, ao invés do que sucedeu no despacho de 23/1/2015, que ordenou a cessação do direito ao subsídio de desemprego e onde se imputou à recorrida a utilização de meios fraudulentos, conduta, essa, cominada com nulidade, por força do prescrito nos art.s 54º 1/d) do DL 220/06, de 3/11 e 78° da Lei 4/2007, de 16/1 (alterada pela Lei 83°-A/2013, de 30/12), essa imputação não consta já no recurso, o que significa que o ISS interiorizou que a invalidade em causa apenas poderia determinar a anulabilidade do ato subjacente.
Efetivamente, apesar de estarmos perante uma prestação de cariz social inserida no direito fundamental à segurança social consagrado no art. 63° da CRP, uma violação como aquela em análise não gera a nulidade.
Como se sumariou no Acórdão do TCA Norte 13/6/2014 - P° 71/12.7BEBRG, relatado pelo aqui igualmente relator:
I -A violação do direito fundamental à segurança social consagrado no art.° 63.° da CRP só tem como consequência a nulidade do ato administrativo quando afete, de forma socialmente inaceitável, o direito a uma existência condigna.
II- Em regra, a violação do conteúdo essencial do direito à segurança social não gera a nulidade da respetiva decisão administrativa, nos termos previstos na al. d) do n.°2 do art.° 133.° do CPA, mas a sua mera anulabilidade.
No mesmo sentido, e como resulta da sentença recorrida, «... sendo aquele ato de concessão do subsídio de desemprego meramente anulável, o mesmo, de acordo com o disposto no artigo 141° do CPA anterior a 2015, ... apenas poderia ser anulado até 02.12.2011, o que não sucedeu, tendo o ato “revogatório” aqui impugnado sido proferido em 23.01.2015 [cf ponto 11.° e 12° do probatório] e comunicado à Autora através de ofício com data de 18.03.2015 [cf. ponto 13.3 do probatório]...»
À situação sub judice, poderia ainda ser aplicável o disposto no art. 168°-4/b) do CPA, o que, também, obstaria à exigibilidade da restituição das prestações pecuniárias em apreço.
Como, mais uma vez , sumariado no Acórdão do TCA Norte, de 02-10-2020 - P° 01193/17.3BEBRG, igualmente relatado pelo aqui Relator, "Ultrapassado que foi o momento em que a Administração poderia ter utilizado o seu poder revogatório relativamente à atribuição do subsídio mensal, sem que o tivesse feito, a situação estabilizou-se, sendo já insuscetível a reposição de quaisquer montantes anteriormente atribuídos a título de subsídio.
Já no que respeita à argumentação expendida nas conclusões 42° a 44º do recurso em que se refere que a sentença recorrida decidiu sobre um ato errado não praticado pela recorrente, tal suscita, no mínimo, alguma perplexidade, porquanto ignora o ISS as formas de invalidade dos atos administrativos, previstas nos art.s 161° e ss. do CPA, sendo que o despacho sob apreciação, de 23/1/2015, ao declarar cessado o direito à prestação do subsídio de desemprego concedido pelo despacho de 02/12/2010, é sancionado com invalidade na modalidade de anulabilidade, como, e bem, decidiu o tribunal a quo.
Aliás, mal se entenderia que uma pensão de €42,33 recebida da Segurança Social Francesa pudesse, sem mais, inviabilizar o recebimento do subsidio de desemprego por parte do ISS, no valor de €350, o que, como discorrido, subverteria o principio da proporcionalidade, pelo que, sendo caso disso, certamente que a interessada prescindiria da pensão francesa e não da portuguesa.
Como referido na Sentença Recorrida, “É manifestamente desproporcional e violador dos princípios da confiança e da boa fé, mais de 3 anos após ter deferido o pedido do subsidio de desemprego, vir a recorrente que estava de posse de toda a informação, vir exigir a devolução de €10.408,50 da recorrida, em virtude de a mesma ter recebido uma pensão dos Serviços da Segurança Social de França no montante de €42,33 mensais, correspondente a um valor de €1.439,22 (No período compreendido entre os meses de dezembro de 2010 e outubro de 2013).”
Reitera-se, pois, que sendo o controvertido ato de concessão do subsidio de desemprego meramente anulável, apenas poderia ser revogado no prazo do respetivo recurso contencioso que corresponde ao prazo mais longo de um ano, conferido ao Ministério Publico.
Assim, tendo o ato de concessão do subsidio de desemprego sido emitido em 02/12/2010, o ato apenas poderia ter sido anulado/revogado até 02/12/2011, o que não aconteceu, pois que a pretendido revogação apenas ocorreu m 23/01/2015.
Em face de tudo quanto supra se deixou expendido, improcederá o Recurso objeto de análise.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 28 de novembro de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco
Julieta França
Maria Helena Filipe |