Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2495/06.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
JUROS COMPENSATÓRIOS
REQUISITOS DA FUNDAMENTAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - A liquidação adicional de Contribuição Autárquica, resultante de acção inspectiva, não prescinde de notificação ao sujeito passivo.
II - De acordo com o art.º 33/1 do Código de Processo Tributário e 45.º da Lei Geral Tributária, só a notificação tem efeito impeditivo da caducidade, não se prevendo qualquer outro acto.
III - E a notificação só vale com esse efeito se a AT tiver observado na sua concretização os requisitos de forma e formalidade previstos na lei para a notificação do acto tributário em causa, o que não sucede se exigindo a lei a utilização da carta registada com aviso de recepção, a AT recorre à forma mais simples do registo colectivo.
IV - Caso se entenda que a emissão de certidão, da liquidação não notificada na forma exigida por lei, também tem efeito impeditivo da caducidade, então, sempre esse efeito se limitará aos casos em que através da certidão emitida, o sujeito passivo obtenha perfeito conhecimento do acto notificando (e não um conhecimento incompleto).
V - A aplicabilidade do art.º 37.º do CPPT, que respeita ao conteúdo da notificação, supõe efectuada uma notificação com observância dos requisitos formais, pois de contrário, o sujeito passivo nem sequer tem interesse em intervir no procedimento solicitando a comunicação dos elementos em falta, pois tal logo evidenciaria que teve conhecimento do acto apesar de incumprido o formalismo legal previsto para a sua notificação, o que, na perspectiva da caducidade da liquidação mais aproveitaria à AT, que poderia invocar esse conhecimento como facto impeditivo da caducidade, sem qualquer esforço probatório.
VI - A anulação da liquidação de imposto por falta de válida notificação no prazo de caducidade, não importa ipso facto a anulação da liquidação de juros compensatórios (como sucede nos casos de erro nos pressupostos da liquidação ou vícios intrínsecos do acto), pois a AT pode ter cumprido as exigências legais de forma na notificação dos juros compensatórios, obtendo o efeito impeditivo da caducidade com relação, só, a esta liquidação de JC.
VII - Mesmo quando assim não seja e ambas as liquidações tenham sido notificadas de modo irregular (corporizadas numa única nota de cobrança – art.º 23.º, n.º 3 do CCA), o tribunal só pode conhecer da ilegalidade dos juros compensatórios por falta de válida notificação no prazo de caducidade, se tal lhe for pedido, sob pena de incorrer em pronúncia indevida.
VIII - A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art.º 43.º da LGT.
IX - A fundamentação mínima exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e, mais, que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

Da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por I… – IMOBILIÁRIA … , S.A., contra a liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1995, correspondente à nota de cobrança n.º 1999/307363303, no montante de EUR. 97.188,80, referente aos prédios descritos na matriz sob os artigos 2… a 2… da freguesia de São Jorge de Arroios e respectivos juros compensatórios, recorrem a impugnante e a Representação da Fazenda Pública.

A Recorrente impugnante apresentou alegações que remata com as seguintes e doutas conclusões:
«
«I. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida, em 29 de Fevereiro de 2016, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo de impugnação judicial n.° 2495/06.0 BELSB que julgou parcialmente (im)procedente a Impugnação Judicial deduzida, mantendo o acto tributário de liquidação oficiosa de Contribuição Autárquica relativa ao ano de 1995 e anulando a liquidação dos juros compensatórios, por falta de fundamentação da mesma;

II. Não pode, contudo, a ora Recorrente conformar-se com a Sentença recorrida na parte que mantém o acto tributário de liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1995, porque praticado em erro sobre os pressupostos, de facto e de direito, e, bem assim, por padecer de vícios que deverão conduzir à revogação da Decisão da Primeira Instância com a consequente anulação do acto de liquidação cuja legalidade se contesta;

III. Conforme demonstrado, a Recorrente dedica-se à actividade de "gestão de imóveis próprios" e subsidiariamente. "compra de prédios ou terrenos e desenvolvimento das respectivas urbanizações", sendo proprietária do edifício sito na Praça D…, n.° …, conhecido por "A…";

IV. Em 1995, a Recorrente solicitou, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do n.ü 1 do artigo 10,° do Código da Contribuição Autárquica, a isenção do imposto relativamente aos terrenos do actual edifício "A…", a que correspondiam os artigos matriciais urbanos n.°s 2… a 2… da freguesia de S. Jorge de Arroios, urna vez que pretendia construir edifício para venda, pedido que foi deferido;

V. Conforme também demonstrado, em 12 de Setembro de 1997, e dadas as dificuldades sentidas, à data, no mercado imobiliário, optou a Recorrente pela celebração de contrato-promessa de arrendamento comercial do referido imóvel com a sociedade I… - Gestão e Administração, operando-se, assim, uma afectação do referido imóvel diferente daquela que propiciou a concessão da isenção solicitada ao abrigo do artigo 10.° do CCA;

VI. Em 30 de Junho de 1997 e em 22 de Dezembro de 2007, e conforme facto dado como provado pelo Tribunal a quo, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 8, logrou emitir dois "Certificado", em que atesta que a sociedade ora Recorrente, optou pela sujeição a IVA relativamente ao arrendamento do “Edifício S…”, com a finalidade da exploração, gestão e administração dos espaços, sendo locatário a sociedade I…;

VII. Posteriormente, em Maio de 1998, a ora Recorrente comunicou ao Serviço de Finanças de Lisboa - 4 a conclusão da construção do edifício e solicitou a inscrição matricial de um novo prédio:

VIII. Na sequência de uma acção de fiscalização levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária, foram efectuadas diversas correcções relativamente aos anos de 1995, 1996 e 1997, em que a Recorrente beneficiara da "isenção" prevista na citada alínea e) do n.° 1 do artigo 10.° do CCA, uma vez que terá sido dado destino diferente ao da venda do edifício construído sobre os antigos artigos matriciais, não preenchendo, por isso, a Recorrente os pressupostos da "isenção de tributação":

IX. Nestes termos, e aproveitando o regime excepcional de regularização de dívidas fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 248-A/2002. de 14 de Novembro, a Recorrente declarou e pagou, assim, a título de Contribuição Autárquica, no âmbito do supra referido regime de regularização de dívidas, o valor total de € 1.061.279,73;

X. Não tendo quaisquer outros documentos e informações, e sem resposta do Serviço de Finanças competente de Lisboa - 4, a ora Recorrente assumiu que, com o requerimento, adesão e pagamento efectuados em 27 de Dezembro de 2002, teria procedido à regularização da totalidade das suas dívidas de Contribuição Autárquica;

XI. Em 4 de Novembro de 2004, e na sequência de uma tentativa de penhora do edifício "A…”, a Recorrente renovou o pedido de certidão anteriormente efectuado no mesmo Serviço de Finanças de Lisboa - 4, esclarecendo que se encontrava em falta a cópia integral dos processos executivos correspondentes às notas de cobrança n.°s 234887503 e 30736303, solicitando, ainda, a passagem de certidão contendo a cópia integral das notas de cobrança n.°s 174892203, 234887503 e 30736303, bem como o modo como a Recorrente havia sido notificada das mesmas;

XII. Todavia, e uma vez que através da certidão emitida, em 4 de Dezembro de 2003, a ora Recorrente tinha tomado conhecimento da existência de um acto de liquidação de Contribuição Autárquica praticado com referência ao ano de 1995, e embora, como demonstrado, não lhe tenha sido entregue nem cópia do referido acto ou a sua fundamentação, por mera cautela, em 3 de Março de 2004 reclamou graciosamente contra esse mesmo acto;

XIII. Conforme logrou também demonstrar nos presentes autos, só em 1 de Abril de 2004 o Serviço de Finanças de Lisboa - 4.° entregou, finalmente, a certidão solicitada pela Recorrente em 18 de Dezembro de 2003 e, posteriormente, em 26 de Janeiro de 2004;

XIV. A referida certidão certifica, ainda, que a liquidação adicional de Contribuição Autárquica de 1995, incluída na nota de cobrança n.° 1999/307363303 deu origem à certidão de dívida n.° 1999/16987908, emitida em 10 de Abril de 2002. com base na qual foi instaurado o processo de execução fiscal n.° 3301-02/102237.7, processo este que foi extinto em 28 de Outubro de 2002, na sequência de compensação interna efectuada pelos Serviços da Administração tributária;

XV. Sucede, porém, que, como demonstrado nos autos, só através da certidão emitida em 30 de Abril de 2004, a Administração tributária procedeu à emissão de uma nova liquidação de Contribuição Autárquica, com o n.° 1999/307363303, tendo imputado ao valor da contribuição autárquica e dos juros compensatórios de 1995 o montante da contribuição autárquica do ano de 1999 (€ 226.254.,72), indevidamente liquidado pelos mesmos Serviços e pago pela Recorrente relativamente aos terrenos para construção sobre os quais foi edificado o edifício "A…”;

XVI. Foi por força da imputação/compensação (interna) acima referida que o valor total a pagar, previsto na nota de liquidação n.° 1999/307363303, foi de € 97.188,81 e não o valor correspondente à liquidação de Contribuição Autárquica e Juros compensatórios do ano de 1995 constante do quadro demonstrativo dessa mesma liquidação (€ 323.443,53);

XVII. Em 12 de Setembro de 2006, a Recorrente foi notificada do Despacho do Senhor Director de Finanças Adjunto de 24 de Agosto de 2006, nos termos do qual a reclamação graciosa apresentada em 3 de Março de 2004 foi indeferida;

XVIII. Não se conformando com tal entendimento, a Recorrente deduziu, em 28 de Setembro de 2006, a competente Impugnação Judicial contra o acto de liquidação de Contribuição Autárquica (CA) do ano de 1995, incluído na Nota de Cobrança n.° 1999 - 307363303, no montante de € 97.188,80;

XIX. Corridos os seus trâmites, foi a Recorrente notificada da Sentença, agora objecto do presente recurso, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou a presente Impugnação Judicial parcialmente procedente, assim determinando a anulação da liquidação de Juros Compensatórios referentes à Contribuição Autárquica de 1995, no valor de € 134.897,93 com fundamento em falta de fundamentação da mesma, mas mantendo a liquidação adicional de Contribuição Autárquica do ano de 1995;

XX. Nos termos previstos no artigo 33.°, n.° 1, do Código de Processo Tributário, na redacção dada pelo artigo 2.° do Decreto- Lei n.° 47/95. de 10 de Março, o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de 5 anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário;

XXI Sendo que, nos termos do disposto no artigo 21.°, n.° 2, do CCA, quando esteja em causa a cessação da isenção de imposto por motivo de alteração do destino do prédio, o prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se a partir do ano em que ao prédio seja dada diferente utilização;

XXII. Ora, de acordo com a decisão do Tribunal a quo, ora recorrida, o prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação da Contribuição Autárquica do ano de 1995, terá o seu termo inicial no ano de 1999, por, alegadamente, ser o ano subsequente àquele (1998) em que ao prédio em causa foi dado um destino diferente do inicialmente previsto - pressuposto no âmbito do qual se fundou a concessão do benefício de isenção de tributação;

XXIII. Assim, e conforme entende o Tribunal a quo, a partir do ano seguinte ao da conclusão do imóvel, o qual marca a alteração da natureza da sua afectação, em 1 de Janeiro de 1999, começou a correr o prazo de caducidade de cinco anos, que terminaria, necessariamente, em 31 de Dezembro de 2003;

XXIV. Conforme resulta do artigo 297.° do Código Civil, aplicável, "a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei. a não ser que, segundo a iei antiga, faite menos tempo para o prazo se completar”;

XXV. Ora, mesmo que se verificasse o pressuposto em que se baseia a Sentença proferida pelo Tribunal a quo - que o prazo de caducidade teve o seu termo inicial em 1 de Janeiro de 1999 o que por mero dever de patrocínio se admite, sem nunca conceder, sempre deveria o acto de liquidação em apreço ter sido validamente notificado à Recorrente no prazo de cinco anos contados do dia 1 de Janeiro de 1999, ou seja, até ao dia 31 de Dezembro de 2003, o que não sucedeu como demonstrado nos presentes autos;
XXVI. Com efeito, a liquidação de Contribuição Autárquica em apreço não continha a necessária fundamentação, de facto e de direito, não permitindo à ora Recorrente conhecer o itinerário cognoscitivo que lhe subjaz, pelo que estão inquinadas de vício de violação de lei (cfr. artigo 268.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa e 77.° da LGT), devendo ser anuladas em conformidade (cfr. artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo);

XXVII. Efectivamente, no acto de liquidação notificado não é explicitado os fundamentos que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, o exercício, e o imposto a que respeitam, sem qualquer identificação quanto à sua natureza/origem, totalmente imperceptíveis para um destinatário normal, e também para a ora Recorrente;

XXVIII. Em face do exposto, e ao contrário do sugerido pelo Tribunal a quo, deverá concluir-se que o acto de liquidação impugnado apenas foi notificado à ora Recorrente, em 30 de Abril de 2004, data em que a respectiva fundamentação lhe foi (validamente) transmitida;

XXIX. Assim sendo, dúvidas não restam que no momento em que a liquidação foi validamente notificada à Recorrente, por cumpridos os inerentes requisitos legais, já havia caducado o direito do Estado à liquidação deste imposto, na medida em que o prazo de cinco anos, previsto no artigo 45.° da Lei Geral Tributária, e contado do dia 31 de Dezembro de 1999 se completou em 31 de Dezembro de 2003;

XXX. Por outro lado, e sem conceder, não pode também a Recorrente deixar de se insurgir contra o pressuposto de que o prazo de caducidade do direito do Estado à liquidação do tributo impugnado teve o seu termo inicial no ano de 1999, uma vez que para efeitos do disposto no artigo 21.°, n.° 2, do Código da Contribuição Autárquica, o prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se a partir do ano em que ao prédio seja dada diferente utilização;

XXXI. Ora, como demonstrado nos autos, em 12 de Setembro de 1997, a ora Recorrente celebrou um contrato - promessa de arrendamento comercial do referido imóvel com a sociedade denominada I… - Gestão e Administração, S.A.;

XXXII. Sendo que, por forma a que a sua contabilidade reflectisse, a real situação dos bens que constituem o seu acervo patrimonial, o edifício em causa já no ano de 1997 foi contabilizado na conta 42, ou seja, como uma imobilização incorpórea, e não como uma existência;

XXXVIII. Assim sendo, o prazo de caducidade - que será o de cinco anos previsto no Código de Processo Tributário -, teve o seu termo inicial em 31 de Dezembro de 1997, completando-se, pois. em 31 de Dezembro de 2002, o que determina a ilegalidade do acto de liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1995 impugnado, por caducidade do direito do Estado à sua liquidação;

XXXIV. Deverá, pois, considerar-se demonstrado que, no plano jurídico-tributário, a alteração do destino do bem imóvel em apreço ocorreu, para efeitos de contagem do prazo de caducidade, no ano de 1997 e não em 1998 como entendeu o Tribunal a quo;

XXXV. Por fim, sendo revogado o acto de liquidação adicional de imposto supra identificado, deve o montante pago por compensação ser restituído à ora Recorrente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do artigo 43.°, n.º 1. da Lei Geral Tributária, contados desde a data em que a compensação torá ocorrido até à emissão da respectiva nota de crédito.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA NA PARTE JULGADA IMPROCEDENTE E SUBSTITUÍDA A MESMA POR UMA DECISÃO QUE DÊ TOTAL PROVIMENTO À PRETENSÃO DA RECORRENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

Não foram apresentadas contra-alegações neste recurso.

A Recorrente Fazenda Pública também apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou parcialmente procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, sendo que o objecto do presente recurso versa sobre a liquidação dos juros compensatórios, uma vez que a douta sentença considerou que aquela padecia de vício de violação de lei por falta de fundamentação.

II – Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se a liquidação de juros compensatórios padece ou não de falta de fundamentação.

III – A Fazenda Pública considera que a liquidação não padece de falta de fundamentação uma vez que a exigência dos juros compensatórios relativos a perda do benefício fiscal por se ter dado diferente destino do prédio designado como A…, a impugnante tinha conhecimento da mesma aquando da acção inspectiva, uma vez que a liquidação só foi emitida posteriormente àquela acção.

IV – Quer dizer, a impugnante se não tivesse ficado isenta teria de pagar a Contribuição Autárquica relativa ao ano de 1995 nos períodos de Abril e Setembro, mais concretamente até 30/04/1996 e 30/09/1996.

V – Mas, o que aconteceu é que a impugnante beneficiou dessa isenção e, quando recebeu a visita dos serviços de inspecção estes constataram que ao prédio foi dado um destino diferente, razão pela qual foi emitida uma nota de cobrança, da qual consta os juros compensatórios desde 30/04/1996 até à data da sua emissão, isto é, em 21/08/2001, com data limite de pagamento em 31/12/2001, pelo que os juros compensatórios contidos na mesma contemplam o hiato temporal supra mencionado, conhecendo a impugnante da razão dos mesmos, ou seja, do retardamento da liquidação o qual foi devido unicamente por culpa dela, pelo que a Fazenda não concorda com a douta sentença quando menciona que há falta de fundamentação.

VI - Para haver falta de fundamentação foi porque a AT não elucidou a impugnante das razões de facto e de direito que levaram aos montantes constantes da nota de cobrança.
Ora, a impugnante foi inspeccionada, tinha conhecimento de que ao prédio foi dado destino diferente, não era para venda mas para aluguer, pelo que a isenção que beneficiou era ilegítima e por esse facto, haveria de ser emitida uma liquidação que contemplasse o imposto devido acrescido dos juros.
A liquidação foi emitida em 2001, com data limite de pagamento em 31/12/2001, não tendo sido paga originou um PEF e, no âmbito do PEF foi paga em 28/10/2002.

VII - Perante tais factos, do conhecimento dado pelos serviços de inspecção a impugnante teve conhecimento das razões de facto e de direito que subjazem à nota de cobrança, pelo que não há falta de fundamentação.

VIII - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito e de facto, em clara e manifesta violação dos preceitos do Código de Contribuição Autárquica, decorrendo do art.º 21.º -A do C.A. a exigência dos juros compensatórios e ao não se atender constata-se vício de violação de lei nas normas supra mencionadas, pelo que deverá a douta sentença ser revogada por outra.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!».

A Recorrida impugnante apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«
«i) A Administração tributária procura sustentar nas suas alegações de recurso que a Sentença proferida no processo n.° 2495/06.0 BELSB que correu termos, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, contra a liquidação de Contribuição Autárquica referente ao ano de 1995 e a respectiva liquidação de Juros Compensatórios assenta em erro sobre os pressupostos, quer de facto, quer de direito, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial apresentada contra a liquidação de Juros Compensatórios;

ii) Procura a Recorrente, através das suas alegações, demonstrar que, embora a liquidação de Juros Compensatórios padeça de falta de fundamentação, a ora Recorrida deveria conhecer os fundamentos em que a assenta a liquidação de Juros Compensatórios;
iii) Sucede, porém, que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente nas alegações apresentadas, a Sentença recorrida não merece qualquer censura quando conclui, e bem, que a liquidação de Juros Compensatórios padece de falta de fundamentação por não indicar o montante do imposto sobre o qual foram liquidados os Juros Compensatórios, a(s) taxa(s) aplicável(eis) e o período de tempo em que tais juros são exigíveis (pontos 15,18,19 e 21 da matéria de facto provada);

iv) Com efeito, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é unânime em considerar que a liquidação deve conter uma declaração mínima para que se cumpram as exigências legais de fundamentação, nomeadamente, o montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, a taxa aplicável e o período de tempo em que tais juros são exigíveis (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.° 1002/08, em 11 de Fevereiro de 2009);

v) Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a Recorrida logrou demonstrar, em Primeira Instância, que a liquidação de Juros Compensatórios não se encontra fundamentada nos termos legais, ou seja, nos termos previstos nos artigos 35.° e 77.°, da Lei Geral Tributária, bem como do artigo 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a Administração Tributária se limitou a notificar a liquidação de Juros Compensatórios sem identificação dos elementos que conduziram ao seu apuramento, nem os motivos pelos quais considera existir culpa imputável à ora Recorrida no alegado atraso na liquidação do imposto;

vi) Deverá, pois, ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente, na parte respeitante aos Juros Compensatórios, confirmando-se, consequentemente, a douta Sentença proferida no processo n.°2495/06.0BELSB na parte em que determinou a anulação da liquidação de Juros Compensatórios.

Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS Excelências, deve o presente recurso ser julgado IMPROCEDENTE E MANTIDA A DOUTA SENTENÇA SINDICADA NA PARTE EM QUE JULGOU PROCEDENTE a Impugnação Judicial apresentada, determinado a ANULAÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS”.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo que o recurso interposto pela Fazenda Pública deve proceder por erro de julgamento quanto aos factos relacionados com a liquidação e fundamentação dos juros compensatórios, devendo improceder o recurso interposto pela impugnante.


Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações, são estas as questões que importa resolver:
Ø No recurso da impugnante, se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a liquidação de imposto foi validamente notificada à impugnante dentro do prazo de caducidade;
Ø No recurso da Fazenda Pública, se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de forma por falta de fundamentação.

***


III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«

DOS FACTOS PROVADOS

1. A impugnante tem como objeto social a “gestão de imóveis próprios e a compra de prédios ou terrenos e desenvolvimento das respetivas urbanizações” – cfr. fls. 61 dos presentes autos;

2. A impugnante é proprietária do edifício sito na Praça D…, nº …, conhecido por “A…” – cfr. fls. 87 a 113 dos autos;

3. Em 1995, a impugnante solicitou a isenção da Contribuição Autárquica dos terrenos do atual edifício “A…” a que correspondiam os artigos matriciais urbanos nºs 2…, 2…, 2…, 2…, 2…, 2…, 2… e 2… da freguesia de S. Jorge de Arroios, pedido que foi deferido – cfr. Acordo;

4. Em 12/09/1997, a impugnante celebra contrato promessa de arrendamento comercial com a I…-Gestão e Administração, o qual tem por objeto o edifício sito na Praça D…, nº …, freguesia de S. Jorge de Arroios, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha nº 2…/9…, como terreno para construção, destinado a escritórios, centro comercial e parqueamento cfr. fls. 507 a 532 dos autos;

5. Decorre do contrato, identificado no ponto anterior “(…) A promitente locadora pretende arrendar e a promitente locatária pretende tomar de arrendamento o referido edifício logo que esteja finalizada a sua construção e que tenha sido requerida a respetiva licença de utilização “– cfr. fls. 507 dos autos;

6. Em 30/06/1997 e 22/12/2007, o Chefe do Serviço de Finanças do 8º Bairro Fiscal de Lisboa, emite dois “CERTIFICADO”, em que atesta que a I…-Imobiliária …, SA., optou pela sujeição a IVA, nos termos do nº 6 do art. 12º do CIVA, relativamente ao arrendamento do “Edificio S…”, com a finalidade da exploração, gestão e administração dos espaços, sendo locatário I…-Gestão e Administração, SA. – cfr. fls. 513 dos autos;

7. Em 11/05/1998, a impugnante comunica ao Serviço de Finanças de Lisboa 4, a conclusão do edifício denominado “A…” e, solicita a inscrição matricial respetiva - cfr. fls. 70 a 87 e ss. dos autos;

8. Em 01/06/1998, o edifício denominado “A…” é avaliado tendo resultado daí um novo valor patrimonial de Esc. 8.131.209.990$00 (€ 40.558.304,00) – cfr. fls. 70 a 87 e ss. dos autos;

9. O Serviço de Finanças atribui ao edifício “A…”, em Dezembro de 1999, um novo artigo matricial 2…, da freguesia de S. Jorge de Arroios, tendo sido anulados, oficiosamente, os anteriores artigos matriciais – cfr. fls. 87 e ss. dos autos;

10. Na sequência de procedimento de inspeção levado a efeito pelos serviços da A.T., foram efetuadas liquidações adicionais aos anos de 1995, 1996 e 1997 (anos em que se tinha verificado a isenção condicionada de C.A.), com fundamentação de que o sujeito passivo havia dado destino distinto da venda ao edifício, concluindo que não preenchia os pressupostos de isenção de tributação – cfr. Acordo;

11. A impugnante autodeclara e paga o valor de € 1.061.279,73, a título de Contribuição Autárquica, no âmbito do termo de adesão ao “D.L. nº 248-A/2002, de 14/11”, que resulta nos seguintes valores:

a) € 282.132,07, referentes a CA de 1998;

b) € 373.564,62, referentes a C.A. de 1999, e;

c) € 405.583,04, referentes a C.A. de 2001.

- cfr. fls. 83 a 86 e 241 a 243 dos autos;

12. As liquidações adicionais de Contribuição Autárquica correspondentes aos anos de 1995, 1996 e 1997, foram regularizadas pelos serviços da A.T. no âmbito de processo de execução fiscal – cfr. fls. 129 a 130 dos autos;

13. Em 29/08/2001, reportada aos artigos U-0…-N; U-0…, U-0…, U-0…, U-0…, U- 0…, U-0…, U-0…, U- 0…, foi elaborada a nota de cobrança nº 1999-307363303, referente à Contribuição Autárquica de 1995 e 1999, no valor de € 97.188,80, com pagamento voluntário até 2001/12/31, discriminado, do seguinte modo:

Contribuição anterior: € 549.713,58;

Contribuição devida: € 323.458,85;

Contribuição a pagar: € 97.188,80

- cfr. fls. 457 dos autos;

14. Em 05/11/2003, a ora impugnante, solicita ao Diretor Geral dos Impostos a passagem de certidão contendo: i) data em que os serviços da AT. Alegadamente procederam à anulação oficiosa do montante de € 245.109,29; (…) ii) cópia integral da nota de cobrança nº 30736303, incluindo o ano de CA; certificação da data e o modo como a requerente foi notificada e, o nº do registo e a cópia do aviso de receção assinado pelo representante do requerente, caso tenha sido este o meio utilizado para a notificação – cfr. fls. 31 do processo de reclamação em anexo aos autos;

15. Em 04/12/2003, é remetida à impugnante certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4, que atesta o seguinte “(…) -1999/307363303, foi-lhe aplicado o valor de 97.188,80 em 12/06/2000.Este documento adicional refere-se à CA dos anos de 1995 e 1999, no valor de € 97.188,80, para pagamento até 31/12/2001, tendo sido emitido em 26/11/2001 e enviado à requerente conforme o estipulado no nº 3 do art. 23º do CCA.” – cfr. fls. 186 a 187 dos autos e fls. 32 e 33 do processo de reclamação em apenso aos autos;

16. Em 18/12/2003, a ora impugnante, requereu certidão solicitando cópia da nota de cobrança, comprovativo da notificação e discriminação dos anos e valores incluídos – cfr. fls. 395 a 398 dos autos;

17. Em 03/03/2004, a ora impugnante, deduz reclamação graciosa da liquidação de Contribuição Autárquica de 1995 – cfr. fls. 2 e ss. processo de reclamação graciosa em apenso aos autos;

18. Em 31/03/2004, é remetida à impugnante, certidão do Serviço de Finanças de Lisboa 4, informando que “(…) a nota de cobrança nº 1999/307363303, respeita à liquidação adicional de Contribuição Autárquica e respetivos juros compensatórios do ano de 1995, no valor total de € 97.173,47, valor este que corresponde à diferença entre o total da referida nota de cobrança (€ 97.188,80) e o valor de imposto referente ao ano de 1999, incluído na mesma (€ 15,33); refere -se a uma liquidação efetuada em 29/08/2001 e, enviada sob registo coletivo sob o nº 256, datado de 04/12/2001(…)” – cfr. fls. 445 a 447 dos autos;

19. A certidão, referida no ponto anterior, refere ainda que “(…) a liquidação adicional de Contribuição Autárquica de 1995, incluída na nota de cobrança nº 1999/307363303, deu origem à certidão de dívida nº 1999/16987908, emitida em 10/04/2002, com base na qual foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3301- 02/102237.7, processo este que foi extinto em 28/10/2002, na sequência de compensação interna efetuada pelos serviços da A.T. (…)”– cfr. fls. 445 e 452 dos autos;

20. Em 19/04/2004, a ora impugnante, solicitou junto do serviço de finanças de Lisboa 4, certidão com vista ao esclarecimento “sobre o apuramento do valor do imposto a pagar, contendo fundamentação integral de facto e de direito, do valor correspondente a “contribuição anterior” no montante de € 549.713,58, o qual serviu de base ao cálculo do imposto a pagar …” – cfr. fls. 473 a 475 dos autos;

21. Em 30 de Abril 2004, é emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4, certidão, que atesta “(…) o valor de € 549.713,58 referido na nota de cobrança nº 1999/307363303, inclui a liquidação adicional de Contribuição Autárquica e respetivos juros compensatórios do ano de 1995, em que “contribuição anterior” é resultante de C.A. do ano de 1999-1ª e 2ª prestações, liquidada com base no valor patrimonial dos artigos 86 fração H e artigos 2… a 2… (…)- 323.443,53 engloba 188.545,60 de C.A. e 134.897,93 de juros compensatórios do ano de 1995, por perda do beneficio de não sujeição a C.A. resultante de ação inspetiva levada a cabo em 2001/01/03, relativamente aos artigos de matriz 2… a 2…. A designação “contribuição devida” na importância de € 323.458,85 foi anulada (Doc. 3). Por contrapartida foi considerado o montante de 226.270,05 do ano de 1999 e referente aos lotes de terrenos artigos 2… a 2… que indevidamente foram tributados naquele ano, por pagamento da CA do ano de 1995 e parte dos juros, da seguinte forma:

Ano de 1999 - € 226.254,72

C.A. de 1995. € 188.545,60

Diferença – € 37.709,12

Juros Comp. de 1995 - € 134.897,93

Diferença - € 37.709,12

Contribuição a Pagar- € 97.188,81 (…)”

- cfr. fls. 476 dos autos;

22. Em 12/09/2006, a impugnante é notificada do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de 24/08/2006 que indefere a reclamação graciosa – cfr. fls. 235 e 236 do processo de reclamação em apenso aos autos;

23. Em 27/09/2006, a impugnante apresenta, no Tribunal Tributário, por meio de correio sujeito a registo, petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial – cfr. fls. 533 dos presentes autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que a liquidação de juros compensatórios tivesse subjacente a enunciação do número de dias de retardamento do imposto, a taxa dos juros e o montante de imposto sobre qual os mesmos incidem.

Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 – MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.».

B.DE DIREITO

Ø RECURSO DA IMPUGNANTE

Como sinalizamos já, a questão trazida à nossa apreciação no recurso da impugnante prende-se com o apontado erro de julgamento na análise da caducidade do direito à liquidação da Contribuição Autárquica relativa ao ano de 1995.

Factualmente, o que se constata dos autos é que a impugnante adquiriu um terreno para construção de edifícios para venda, operação relativamente à qual requereu em 1995 e beneficiou da não sujeição a imposto nos termos do art.º10.º, n.º 1 alínea e) do CCA, segundo o qual, a contribuição é devida “do quinto ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda”.

Em 1998, foram dadas por concluídas as obras e o edificado foi dado de arrendamento à “I… – Gestão e Administração”, com quem a impugnante, já anteriormente havia celebrado promessa de arrendamento.

Em sequente acção inspectiva, a Administração tributária corrigiu a situação de não sujeição a imposto de que a impugnante beneficiara relativamente ao prédio em causa por lhe ter sido dada diferente utilização, ou seja, a inicialmente projectada construção para venda do edificado não se concretizou por supervenientes razões de mercado e o edificado veio a ser dado de arrendamento.

Como também se apreende dos autos e do probatório, a corrigida situação de não sujeição a imposto deu origem a liquidações oficiosas adicionais de Contribuição Autárquica, nomeadamente e, ao que importa para os autos, com relação ao ano de 1995 e com referência aos artigos matriciais correspondentes ao terreno para construção onde veio a ser levantado o edificado dado de arrendamento.

Pois bem, alega a impugnante, ora recorrente, que não foi validamente notificada da Contribuição Autárquica liquidada com relação ao ano de 1995 dentro do prazo legal e, nessa medida, ocorre caducidade do direito à liquidação, outrossim, aduzindo que tal prazo se deve contar a partir do ano em que o sujeito passivo confere destino diferente ao imóvel, que no caso corresponde ao ano de 1997, pois foi nessa data que celebrou contratos de utilização de loja em Centro Comercial, sendo nesse mesmo ano que contabilizou o prédio em imobilizado e não em existências, tendo a sentença incorrido também em erro de julgamento ao reportar o início da contagem do prazo de caducidade ao ano de 1999 e não ao de 1998. Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.

Os terrenos para construção estavam sujeitos à Contribuição Autárquica e o seu pagamento era devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que a mesma respeita (artigos 6.º, n.º 1, alínea c) e 8.º do CCA).

O CCA no seu art.º 10.º previa, porém, situações de não sujeição a imposto, estabelecendo que a contribuição é devida, nomeadamente e nos termos do seu n.º 1 alínea e) Do quinto ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda”.

Estabelecia o n.º 2 do mesmo preceito que “Nas situações previstas nas alíneas e) e f) do número anterior, caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquidar-se-á a contribuição por todo o período decorrido desde a aquisição”.

Na redacção primitiva, anterior à introduzida pelo DL n.º 472/99, de 08 de Novembro, estabelecia o art.º 21.º, n.º 1 do CCA que “Só poderão ser efectuadas ou corrigidas liquidações, ainda que adicionais, nos cinco anos seguintes àquele a que a contribuição respeita”, preceituando o seu n.º 2 que “No caso previsto no nº 2 do artigo 10º, o prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se a partir do ano em que ao prédio seja dada diferente utilização”.

Considerando que o facto tributário subjacente à liquidação da Contribuição Autárquica é a titularidade do terreno para construção no ano de 1995 e não o ano em que ao prédio foi dada diferente utilização da construção para venda (facto este que extingue retroactivamente a situação de não sujeição a imposto), não é aplicável a redacção que o DL n.º 472/99, de 08 de Novembro, veio a dar ao n.º 1 do art.º 21.º do CCA, segundo o qual, Só poderão ser efectuadas ou corrigidas liquidações, ainda que adicionais, nos prazos e termos previstos nos artigos 45º e 46º da lei geral tributária”.

Com efeito, a disposição transitória prevista no n.º 5 do art.º 5.º do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro (que aprova a lei geral tributária), dispõe que “O novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998”, o que deixa de fora a situação dos autos, ainda que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conte “a partir do ano em que ao prédio seja dada diferente utilização”, como preceituado no art.º 21.º, n.º2, do CCA.

Ou seja, o evento futuro e incerto a partir do qual se prevê comece a correr o prazo de caducidade da liquidação (vd. art.º 329.º do Cód. Civil) não se confunde com o facto tributário na base da liquidação e é este que o legislador, se bem lemos, tem em vista naquela disposição transitória do n.º 5 do art.º 5.º do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro.

Assim, o prazo de caducidade aplicável é o de cinco anos previsto na redacção primitiva do art.º 21.º do CCA e conta-se a partir do ano em que ao prédio foi dada diferente utilização da construção para venda.

A este propósito, pretende a impugnante, ora recorrente, que a sentença errou ao considerar que o prazo de caducidade se conta desde 01/01/1999, porquanto, ao prédio fora dada diferente utilização já no ano de 1997, apontando a celebração de um contrato-promessa de arrendamento comercial com a sociedade “I… – Gestão e Administração, S.A.” tendo por objecto o edifício então em construção, bem como a contabilização do edifício em conta de imobilizado e não de existências.
Todavia, não acompanhamos a recorrente. Dizemos porquê.

Relativamente às situações de não sujeição a Contribuição Autárquica, a lei impõe aos sujeitos passivos duas obrigações acessórias, de tipo declarativo.

A primeira, que se prende com o reconhecimento do benefício da não sujeição a imposto, decorre do n.º 5 do art.º 10.º do CCA: “Para efeitos do disposto nas alíneas e) e f) do nº 1 e no nº 4, deverão os sujeitos passivos comunicar à repartição de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afectação dos prédios àqueles fins”.

A segunda, que se prende com a cessação do benefício reconhecido por utilização do imóvel para fim diverso daquele que justificou a situação de não sujeição a imposto, decorre do art.º 14.º do CCA: “1 – A inscrição dos prédios na matriz e a actualização desta é feita com base em declaração do contribuinte, a qual deve ser apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da ocorrência de qualquer das circunstâncias seguintes:
(…)
j) Verificar-se a diferente utilização prevista no nº 2 do artigo 10º”.

A recorrente omitiu esta comunicação à Administração tributária, que veio a constatar a alteração da utilização em acção inspectiva, no seguimento da declaração da recorrente para inscrição do prédio edificado na matriz, em 11/05/1998 (cf. pontos 7. a 10. do probatório e fls.70 e ss. dos autos).
Tem, pois, razão a sentença ao referenciar a essa declaração da impugnante, ora recorrente, o começo do prazo de caducidade da liquidação e não a qualquer momento anterior, em que nenhuma participação foi feita à Administração tributária dirigida à alteração da utilização do terreno, de construção de edifícios para venda, para construção de edifícios para arrendamento.

Dispunha à data o n.º 1 do art.º 33.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo DL n.º 154/91, de 23 de Abril: “O direito à liquidação de impostos e outras prestações de natureza tributária caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”.

Note-se que o regime de caducidade previsto na lei geral tributária, caso se entenda o mesmo aplicável salvo quanto ao prazo por força do citado art.º 5.º, n.º5 do diploma que a aprova, não dispõe diferentemente quanto ao início da contagem do prazo de caducidade dos impostos periódicos, caso da Contribuição Autárquica.

Assim, para factos ocorridos em 1998, o começo da contagem do prazo de caducidade de cinco anos recai na data de 01/01/1999 e completa-se em 31/12/2003.

Importa, pois, indagar se a notificação foi, ou se considera, validamente efectuada ao contribuinte até aquela data limite de 31/12/2003.
De acordo com o art.º 23.º, n.º 3 do CCA, “Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo normal e nos casos de liquidação adicional, o sujeito passivo será notificado para proceder ao pagamento, que deverá ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação, findo o qual passarão a ser devidos juros de mora”.

Sendo a liquidação impugnada adicional e resultante de correcções efectuadas em acção inspectiva (no dizer da própria AT), foi efectuada fora do prazo normal a que alude o n.º 1 daquele art.º 23.º do CCA, em que não há notificação da liquidação, mas unicamente notificação para pagamento mediante envio da respectiva nota de cobrança ao sujeito passivo, nos termos previstos no art.º 22.º do mesmo Código.

Como decorre factualmente do ponto 18. do probatório, «Em 31/03/2004, é remetida à impugnante, certidão do Serviço de Finanças de Lisboa 4, informando que “ (…) a nota de cobrança nº 1999/307363303, respeita à liquidação adicional de Contribuição Autárquica e respetivos juros compensatórios do ano de 1995, no valor total de € 97.173,47, valor este que corresponde à diferença entre o total da referida nota de cobrança (€ 97.188,80) e o valor de imposto referente ao ano de 1999, incluído na mesma (€ 15,33); refere-se a uma liquidação efetuada em 29/08/2001 e, enviada sob registo coletivo sob o nº 256, datado de 04/12/2001(…)» (sublinhado nosso).

Como também se colhe do probatório, não resultou nem provado nem «não provado» que a impugnante tivesse recebido a notificação da liquidação impugnada, sendo certo que, a ter sido efectuada sob registo colectivo, como se afirma na certidão a que se refere o ponto 18. do probatório, não foi cumprido o formalismo legalmente imposto, como veremos, e, nessa medida, a ausência de prova quanto ao recebimento da notificação deve ser valorada contra a Fazenda Pública, que é a parte onerada com a prova do facto.

O procedimento tributário da liquidação adicional em causa nos autos está referenciado a data não posterior a 1999 (cf. pontos 7. e ss. do probatório, artigos 76/1 e 77.º do CPT); nessa medida, tendo em conta o disposto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro (diploma que aprova o CPPT), segundo o qual, “O Código de Procedimento e de Processo Tributário entra em vigor a 1 de Janeiro de 2000 e só se aplica aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir dessa data”, haverá que fazer aplicação das disposições do Código de Processo Tributário quanto ao formalismo das notificações.

Dispunha o art.º 65.º, n.º1 do CPT, ex vi do art.º 35.º, alínea b) do CCA: “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências”.

Não tendo a notificação sido efectuada ao sujeito passivo com o formalismo da carta registada com aviso de recepção, nem se provando que, apesar disso, o sujeito passivo dela tomou conhecimento, prazo de caducidade da liquidação vai correndo, pois só uma notificação que cumpra os formalismos legais é apta a impedir o curso do prazo de caducidade (vd. ac. deste TCAS, de 02/15/2000, tirado no proc.º 1735/99).

Ora, o conhecimento de operações de compensação de valores efectuadas em processo executivo com base em notas de cobrança que não esclarecem as liquidações subjacentes a essas notas de cobrança, não vale para suprir a falta de notificação e obstar à caducidade da liquidação.

Como também não têm essa virtualidade as sucessivas certidões emitidas pela AT a pedido da impugnante e sempre visando o esclarecimento dos elementos essenciais da liquidação subjacente às notas de cobrança compensadas no processo executivo, sendo que tal como a recorrente alega e o probatório suporta factualmente, a informação veiculada pela AT nas sucessivas certidões foi sendo disponibilizada de forma fragmentada e pouco consistente (cf. pontos 15. e 18. do probatório e docs. para que remetem).

No entanto, a própria impugnante, ora recorrente, reconhece que com os elementos que lhe foram fornecidos pela AT na certidão enviada em 31/03/2004 (cf. ponto 18 do probatório), obteve de forma satisfatória conhecimento dos elementos essenciais da liquidação, de modo a poder estruturar a sua defesa ou conformar-se com o acto.

Sucede que nessa data de 31/03/2004, já o prazo de caducidade de cinco anos, iniciado em 01/01/1999, se mostrava largamente ultrapassado, recaindo o seu termo em 31/12/2003.

Diferentemente, porém, entendeu a sentença recorrida que os elementos da liquidação impugnada que foram facultados à impugnante na certidão que a AT lhe remeteu em 04/12/2003 (vd. ponto 15. do probatório), já continham os requisitos suficientes para valer como causa impeditiva da caducidade da liquidação (art.º 331.º, n.º 1 do Código Civil), aduzindo o seguinte: “o facto de a notificação ser insuficiente, por não externalizar todos os elementos que constituem o fundamento da liquidação, não deixa de produzir efeitos, nomeadamente, interrompendo o prazo de caducidade da liquidação (…), o que não obstaculiza que não se considere, ainda, iniciado o prazo para deduzir impugnação judicial do acto notificando”.

Como a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo o tem salientado em diversos arestos, a caducidade, ou não, da liquidação, depende de se considerar válida a notificação levada a efeito pela Administração tributária, dito de outro modo, passa por saber se a Administração tributária observou, no caso, as formalidades exigidas por lei.

Na situação dos autos, esta questão encontra resposta negativa, porque foi usada para notificação do acto o registo colectivo e não a carta registada com aviso de recepção, o que, a nosso ver, obsta a que possa valer como causa impeditiva da caducidade o envio, a pedido do interessado, de certidões referenciadas à nota de cobrança das liquidações e sua notificação, actos a que a lei não atribui, que se saiba, efeito impeditivo da caducidade (art.º 331.º, n.º 1, do Código Civil e 11.º, n.º 2 da LGT).

De resto, note-se, salvo o devido respeito, a sentença não perspectivou correctamente a situação dos autos, ao concluir que com a certidão enviada em 04/12/2003, a impugnante, não obstante o carácter incompleto da informação veiculada, sempre podia requerer à Administração tributária o envio dos elementos essenciais da liquidação omitidos na certidão.

Embora a sentença não o refira expressamente, julgamos que se terá em vista o regime da comunicação ou notificação insuficiente, estabelecido no art.º 37.º do CPPT.

No entanto, é manifesto que não tem razão no apelo que faz a essa norma, porquanto, a sua aplicabilidade supõe sempre efectuada uma válida notificação, isto é, com observância dos formalismos legais exigidos, ainda que insuficiente quanto ao seu conteúdo (cf. artigos 68.º 70.º do CPA aplicável).

Já por aqui se entrevê que temos dificuldade em aceitar que, constatando a impugnante a existência de notas de cobrança compensadas em processo executivo, na sequência do que requereu sucessivas certidões, que, emitidas pela AT não lhe permitem a apreensão cabal do conteúdo do acto de liquidação subjacente a essas notas de cobrança (o que a impugnante sustenta com relação à certidão passada em 04/12/2003), se possa atribuir, como fez a sentença recorrida, efeito impeditivo da caducidade à remessa dessa certidão, até porque lendo atentamente o que consta dos pontos 15. e 18. do probatório, logo salta à evidência que a AT não prestou informação conforme e só na certidão de 31/03/2004 é que faz referência expressa à liquidação de CA de 1995 e qual o exacto montante dela reflectido na nota de cobrança n.º 1999/307363303, como alega a recorrente e é factualmente apoiado.

De resto, se recorrermos ao contributo interpretativo do CPA então vigente, dispunha o seu art.º 67.º, sob a epígrafe “dispensa de notificação” no segmento relevante:
«1 - É dispensada a notificação dos actos nos casos seguintes:
a) Quando sejam praticados oralmente na presença dos interessados;
b) Quando o interessado, através de qualquer intervenção no procedimento, revele perfeito conhecimento do conteúdo dos actos em causa.
2 – (…)»

Ora, perfeito conhecimento do conteúdo da liquidação em causa, a impugnante não logrou obter através das sucessivas certidões, o que de resto a sentença até reconhece embora para concluir que, a ser assim, a impugnante deveria ter recorrido ao mecanismo do art.º 37.º do CPPT, sem prejuízo do efeito impeditivo da caducidade operado com a remessa da certidão que lhe foi feita pela AT, em 04/12/2003.

Tudo visto, e aproximando-nos já das conclusões, diremos: as causas impeditivas da caducidade são unicamente as previstas na lei (art.º 331.º, n.º 1 do Código Civil ex vi do art.º 11.º, n.º 2 da LGT) e, no caso da liquidação de impostos, as que estão especialmente previstas no art.º 33.º, n.º 1 do CPT e 45.º da LGT.
Constitui causa impeditiva da caducidade da liquidação, a sua notificação ao sujeito passivo, efectuada de acordo com as formalidades prescritas na lei aplicável (art.º 65/1 do CPT e 38.º, n.º1 do CPPT, na redacção potencialmente aplicável aos autos), não obstando ao efeito impeditivo que a notificação seja insuficiente ou incompleta (elemento que respeita não à forma e formalidade da notificação, mas sim, ao seu conteúdo), ou, que não tenha chegado ao conhecimento, ou esfera de cognoscibilidade, do destinatário por culpa deste.

A passagem de certidão não é acto ao qual a lei atribua efeito impeditivo da caducidade. Se o contribuinte, confrontado com uma nota de cobrança compensada em processo executivo, requer a passagem de certidão do acto tributário ou da liquidação, subjacente à nota de cobrança, o que a AT deve fazer é apurar se cumpriu as formalidades legais da notificação da liquidação em causa e, em caso negativo, proceder à imediata notificação da liquidação com o formalismo legal previsto, de modo a operacionalizar o efeito impeditivo da caducidade da liquidação.

No caso particular dos autos, até tinha essa possibilidade de corrigir o formalismo da notificação (do registo colectivo para a carta registada com aviso de recepção) dentro do prazo de caducidade da liquidação notificanda, tendo optado por o não a fazer, limitando-se a dar resposta aos sucessivos pedidos de certidão, em termos nem sempre conformes entre si, como acima deixamos assinalado.

Quando se entenda que a passagem de certidão do acto (que não foi notificado ou o foi sem observância das formalidades legais), vale como causa impeditiva da caducidade, então, é mister que essa certidão possibilite ao destinatário perfeito conhecimento do conteúdo do acto em causa.

Independentemente da posição mais ou menos restritiva que se perfilhe quanto à atribuição de efeito impeditivo da caducidade ao acto de passagem de certidão da liquidação, certo é que a mesma só vale com esse efeito se possibilitar ao destinatário perfeito conhecimento do conteúdo do acto em causa.

É, pois, manifesto que a sentença incorreu em erro de julgamento ao julgar verificado o efeito impeditivo da caducidade com a passagem da certidão cuja remessa à impugnante foi efectuada em 04/12/2003 (cf. ponto 15. do probatório), não se podendo manter na ordem jurídica.

E como nenhum outro acto a que a lei atribua efeito impeditivo da caducidade da liquidação (CA/1995) foi praticado até 31/12/2003, haveremos de concluir que o prazo aplicável de cinco anos, iniciado em 01/01/1999 se completou naquela data sem que o contribuinte tenha sido notificado da liquidação com as formalidades legais ou tenha obtido perfeito conhecimento do acto através de certidão da liquidação.

O recurso merece provimento.

A recorrente formula pedido acessório de juros indemnizatórios para o caso de ser julgada procedente a impugnação judicial e anulada a liquidação impugnada.

No entanto, constitui hoje jurisprudência pacífica e consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, expressada em diversos arestos e, designadamente, no seu recente ac. de 12/13/2023, tirado no proc.º 0338/16.5BEAVR, o seguinte:
«
I – O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
II – A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.
III – Isto, sem prejuízo de o contribuinte poder pedir a indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição (art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), mas em processo próprio.».

No mesmo sentido, podem ver-se, ainda e, nomeadamente, os seguintes acórdãos do alto tribunal: ac. de 11/08/2023, proc.º 0517/12.4BELRS; ac. de 06/08/2022, proc.º 0503/19.3BELRS; ac. de 06/23/2021, proc.º 0480/12.1BESNT.
Com os fundamentos vertidos nos arestos indicados, a que aderimos sem reservas, indefere-se o pedido de juros indemnizatórios feito ao abrigo do disposto no art.º 43.º da Lei Geral Tributária.

Ø RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA

O recurso da Fazenda Pública centra-se na questão da fundamentação dos juros compensatórios.

Procedendo a apelação da impugnante quanto à questão da legalidade do imposto, por norma, tal determinaria ipso facto a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, tornando inútil indagar da verificação de outros fundamentos de forma ou de fundo, se invocados (artigos 83.º do CPT e 35.º, n.ºs 1 e 8, da Lei Geral Tributária).

No entanto, como está bem de ver, já não é rigorosamente assim quando a liquidação de imposto é anulada por falta de válida notificação dentro do prazo de caducidade e não por erro nos pressupostos, dito de outro modo, por vício intrínseco da liquidação de imposto.

Compreende-se que assim seja. Afinal de contas, o imposto e os juros compensatórios, ainda que conjuntamente liquidados (art.º 35/8, da LGT), podem ter sido notificados ao sujeito passivo separadamente, através de notas de liquidação diferentes, e só numa delas a AT pode ter observado os requisitos legais de forma e formalidade exigidos para a notificação.

Todavia, não é esse o caso dos autos. Como se apreende da nota de cobrança certificada a fls.447, quando a AT certifica que “…a mesma se refere a uma liquidação efectuada em 29/08/2001 e, enviada sob registo colectivo sob o n.º 256, datado de 04/12/2001” (cf. ponto 18. do probatório), inclui nela a liquidação de imposto e de juros compensatórios por referência aos artigos matriciais envolvidos no perímetro da correcção.

Assim sendo, e como já referido, aparentemente tornar-se-ia inútil indagar dos fundamentos do pedido invocados no recurso da Fazenda Pública, mas em rigor não é assim, porque, em boa verdade, o que a impugnante pede no seu recurso e obtém provimento é quanto à anulação da liquidação de imposto por falta de notificação dentro do prazo de caducidade, pelo que, se este tribunal de apelação determinasse (também) a anulação da liquidação de juros compensatórios, estaria, se bem vemos, a conhecer para além do pedido (cf. artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1 alínea d), ambos do CPC).

Neste modo de ver, passa-se a conhecer do recurso da Fazenda Pública, que se limita à questão da fundamentação formal dos juros compensatórios.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o tema é vasta, mas uniforme e consolidada. Como se deixou consignado no sumário doutrinal do ac. do alto tribunal de 02/11/2009, tirado no proc.º 01002/08,

«I - Em matéria de fundamentação de decisões de cálculo de juros compensatórios, o art. 35.º, n.º 9, da LGT estabelece que «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas».
II - Assim, é de concluir que a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo» (vd. art.º 83/2 do CPT e 35/7 da LGT).

Compulsada a nota de cobrança que corporiza a liquidação (cf. fls. 447 dos autos e ponto 18 do probatório), dos elementos exigidos, apenas vemos indicada a colecta de imposto (CA/95) sobre que incidem os juros. E isso mesmo está reflectido nos factos dados como «não provados» na sentença e que a recorrente não impugna eficazmente, isto é, com observância do ónus imposto no art.º 640/1 do CPC.

Refere a recorrente que a impugnante teria sido informada dos elementos da liquidação supostamente em falta na acção inspectiva a que foi sujeita. Mas isso é vago e se a recorrente Fazenda Pública entendia que a documentação do procedimento inspectivo permitiria ao tribunal extrair conclusões favoráveis à sua pretensão, ou permitira uma diferente leitura dos factos, então compreende-se mal que não tenha feito oportuna junção aos autos dessa documentação em abono da sua posição (vd. ponto 10. do probatório).

A sentença não incorreu no apontado erro de julgamento, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso, ao que tudo se provirá no dispositivo do acórdão.

Não há lugar a dispensa de remanescente de taxa de justiça (art.º 6.º, n.º7 do RCP), dado o valor do processo (323.443,53€) e estarem em causa dois recursos jurisdicionais, um dos quais de complexidade significativa por envolver aplicação de normas transitórias.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder provimento ao recurso da impugnante, revogar a sentença recorrida e anular a liquidação de Contribuição Autárquica/95 impugnada;
ii. Indeferir o pedido acessório de pagamento de juros indemnizatórios.
iii. Negar provimento ao recurso da Fazenda Pública.

Custas a cargo da Fazenda Pública, que não são devidas no recurso da impugnante por não ter contra-alegado.
Lisboa, 24 de Abril de 2024



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Vital Lopes



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Patrícia Manuel Pires



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Maria Isabel Ferreira da Silva