Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:579/24.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Sumário:I - O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial previsto na lei processual civil, que se traduz na providência cautelar especificada que consiste na apreensão judicial de bens, fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
II - Enquanto providência cautelar, o arresto visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal).
III - No âmbito do processo tributário o arresto, tanto pode ser requerido antes da instauração da execução, como na pendência do processo executivo (cfr. artigos 136º e 214º, nº.3, do CPPT).
IV - Os requisitos de procedência do arresto, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 51º, da LGT e artigo 136º, do CPPT):
a) Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis;
b) O tributo em causa estar liquidado ou em fase de liquidação, sendo que nos tributos de obrigação única, como é o caso do IVA, o imposto se encontra em fase de liquidação, logo a partir do momento em que ocorre o facto tributário.
V - Para o decretamento de arresto, deverá haver um perigo justificado, uma probabilidade séria, com fundamentos objetivos baseados em regras de experiência comum, de que os patrimónios dos titulares de bens que servem de garantia à cobrança de créditos tributários (devedor originário, responsável solidário e responsável subsidiário) diminuam de valor a ponto de se tornarem insuficientes para cobrança dos mesmos.
VI - O legislador fiscal estabeleceu, no nº 5 do artigo 136º do CPPT que o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança presume-se no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazo legal.
VII - A lei não se basta com a mera demonstração de que, por um lado existe um crédito, e por outro, que existe património por onde esse crédito possa ser pago. O acento tónico do arresto (periculum in mora) assenta na demonstração de que existe um receio fundado da diminuição da garantia, ou seja, da diminuição do património do devedor ou responsável subsidiário.
VIII - O artigo 16º da Directiva 2010/24/EU do Conselho, de 16 de Março de 2010, prevê a possibilidade das autoridades do Estado-Membro requerente pedirem às autoridades do Estado-Membro requerido que tomem medidas cautelares de modo a garantir a cobrança de um crédito tributário, sendo que a autoridade requerida deve fazer uso das competências e dos procedimentos previstos na sua lei, nos termos do artigo 13º ex vi artigo 17º, ambos da citada directiva.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório


F.............., com o NIF 18.............., com domicílio em 8............., VIENNE-EN-A............., FRANÇA (doravante Recorrente) veio recorrer da sentença proferida a 16.04.2024, no Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a providência cautelar de arresto, conforme peticionado pela Fazenda Pública, no valor de € 320.633,00.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

Conclusões

1 - Não se verificam os pressupostos legais para o Arresto nos bens do responsável subsidiário, pelo que tal decisão deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o seu levantamento.
2 - Não se mostram alegados pela Requerente, nem pelo Estado Francês, quaisquer factos que demostrem existir justificado receio de que o Arrestado dissipe o seu património.
3 - Exige a lei e tem sido entendimento unânime da jurisprudência que este juízo deve assentar em fatos e circunstâncias concretas, objetivas do devedor, que justifiquem a necessidade de adoção de uma medida conservatória e agressiva, que priva o titular do bem de dispor deste, o que só pode ocorrer quando se verifique que
o devedor está a praticar ou já praticou atos de dissipação, oneração ou alienação do seu património.
4 - Dos documentos juntos pela Requerente do Arresto resulta que não existe fundado receio de perca da garantia patrimonial do Arrestado, por se encontrar expressamente referido que F.............. é solvente e dispõe de um património imobiliário suficiente para recuperar as suas dívidas.
5 – Este facto, encontra-se vertido nas últimas linhas na alínea C) da factualidade considerada como assente e afigura-se suficiente para que tivesse sido considerado que não


existia justo receio de perda de garantia patrimonial e para ser considerado improcedente, com esse fundamento o pedido de arresto.
6 – Acresce que, vem, ainda, referido no documento junto pela Requerente, diverso património imobiliário do Arrestado, situação que a sentença pura e simplesmente ignorou e que reforça a inexistência de justo receio de perda de garantia patrimonial, contrariando manifestamente a presunção constante do nº 5 do artº 136º do CPPT, matéria que, caso V. Exas. venham a entender necessário para fundamentar a decisão de levantamento do arresto, deverá ser aditada aos factos assentes, nos termos previstos no artº 662º do CPC.
7 – Ao considerar que “No caso em apreço é indubitável que o receio do credor se justifica face aos factos apurados e nos quais sustenta a sua pretensão demonstrando-se, por isso, inequivocamente, o fundado receio da dissipação do património, ou seja o pericullum in mora”, a sentença faz incorreta apreciação da prova produzida e dos factos assentes.
8 - O artº 413º do CPC dispõe que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.
9 - Ao não ter considerado na decisão os factos que deu como assentes na alínea C) que F.............. é solvente e dispõe de um património imobiliário suficiente para recuperar as suas dívidas, factos que contrariam manifestamente a presunção estabelecida no nº 5 do artº 136º do CPPT, a sentença recorrida cometeu um erro na apreciação das provas e na aplicação do direito e violou, designadamente os artigos artº 413º do CPC e 136º do CPPT, devendo por isso ser revogada e substituída por decisão que ordene o levantamento do Arresto.”
***


O Representante da Fazenda Pública (doravante Recorrida), regularmente notificada, não apresentou contra-alegações.

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O Ilustre Magistrado do Ministério Público, neste Tribunal Central Administrativo Sul, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***


Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC), vem o processo à conferência.

***

Delimitação do objeto do recurso

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre


todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

As questões sob recurso e que importam decidir, são as seguintes:

- Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao decretar o arresto, por não se verificam os pressupostos legais para o decretamento do procedimento cautelar de arresto dos bens de F.............., com o NIF: 18............., na qualidade de responsável/gestor da sociedade jurídica SAR.............

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II. Fundamentação

II.1 De facto


O Tribunal recorrido considerou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto:

III.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão, considera-se indiciariamente provada a seguinte factualidade constante dos autos, tudo se dando por integralmente reproduzido:

A)No âmbito do procedimento de assistência mútua entre os Estados Membros da União Europeia, com base no artigo 16° da Diretiva 2010/24/EU, foi formulado pedido de adoção de medidas cautelares pela administração Tributária do Estado Francês, relativo a F.............., com o NIF 18.............., na qualidade de responsável/gestor da sociedade jurídica S…………….- [cf. formulário do pedido de adoção de medidas cautelares a utilizar apenas entre as administrações fiscais dos Estados-Membros];

B) Do formulário do pedido de adoção de medidas cautelares, consta o seguinte:





(…)
(imagem, original nos autos)

Outra informação: (…) Ainda não existe um instrumento que permita a adoção de medidas executórias no Estado requerente contra o Sr. SI............., uma vez que processo está em curso. O procedimento para intentar uma ação contra um administrador é uma ação financeira destinada a obter uma decisão judicial que condene o administrador a ser solidariamente responsável pelo pagamento de impostos devidos pela sociedade e que não possam ser recuperados junto da sociedade. O formulário de ligação demonstra que o administrador é responsável por manobras fraudulentas ou incumprimento grave reiterado das obrigações fiscais. As alegadas infrações são imputáveis ao administrador. As dívidas surgiram durante o período de observação e o diretor não foi privado dos seus poderes. Os impostos em causa resultam de três propostas de correção datadas de 10 de dezembro de 2017, 9 de março de 2018 e 25 de outubro de 2019, respetivamente, relativas ao IVA de 2014, de 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2016 e de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2018. Os impostos resultam ainda do não pagamento da retenção na fonte relativa a janeiro de 2021 e do não pagamento da C............ relativa a 2020. O Sr. F.............. foi administrador da sociedade desde a sua criação, em 2 de janeiro de 2007, até 8 de dezembro de 2020, data em que foi aberto o processo de recuperação judicial. Todos os créditos incluídos nos projetos de retificação enviados à CABINES SI............. dizem respeito à gestão do Sr. F.............. e são, portanto, elegíveis para o procedimento. O imposto sobre a propriedade comercial relativo a 2020, ou seja, após a abertura da recuperação judicial ordenada, o crédito do CFE é, por conseguinte, elegível para o procedimento de impugnação do administrador. Por outro lado, de acordo com a nossa análise, o crédito PAS relativo a janeiro de 2021, no valor de 952 euros, era devido após o período de gestão de F.............. e não deve ser incluído no processo. Assim, F.............. poderia ser considerado responsável pelo montante de 320.633 euros. As deficiências, bem como os procedimento de avaliação e de cobrança, foram provados, O processo judicial não está encerrado.



(imagem, original nos autos)









(…)



(…)

(…)




- [cf. fls. 19/53 dos autos];

C) Do “Formulário de Contacto Proposta de Atuação séria Contestação da Direção” extrai-se o seguinte teor:

O processo de ação contra o administrador de uma sociedade é uma ação financeira destinada a obter a condenação judicial do administrador a responder solidariamente pelo pagamento dos impostos devidos pela sociedade e que não podem ser cobrados à sociedade.
(imagem, original nos autos)


As ações judiciais anteriores contra a empresa são ineficazes ou apenas produziram resultados modestos. O administrador é responsável por manobras fraudulentas ou por incumprimento grave e reiterado das obrigações fiscais.


(imagem, original nos autos)


- [cf. fls. 19/53 dos autos];

D) Em 08.04.2024, deu entrada a presente providência cautelar de arresto no Tribunal Tributário de Lisboa [cf. fls. 1/2 dos autos].
*


III.2. DOS FACTOS NÃO PROVADOS

“Inexistem quaisquer factos, com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, que devam julgar-se como não provados.

Foi tido em consideração que a cognição do mérito da causa no âmbito da tutela cautelar se funda numa apreciação perfunctória e sumária da lide e em juízos de verosimilhança e probabilidade.”

*
A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:


“III.3 MOTIVAÇÃO

A decisão da matéria de facto assentou na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, concretamente dos documentos juntos aos autos pela Requerente Fazenda Pública, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

Foi tido em consideração que a cognição do mérito da causa no âmbito da tutela cautelar se funda numa apreciação perfunctória e sumária da lide e em juízos de verosimilhança e probabilidade.”
***


II.1 De direito

O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a providência cautelar de arresto e, em consequência, decretou a apreensão dos valores depositados na conta nº 431401002431402748 do Novo Banco, S.A., cujo titular é o ora Recorrente, na medida do estritamente necessário para garantir o pagamento dos créditos tributários e até ao valor de € 320.633,00.

Para assim decidir a Mma. Juíza a quo alicerçou o seguinte discurso fundamentador:

«III.4. DO DIREITO

A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se estão reunidos os pressupostos legais para o decretamento do procedimento cautelar de arresto dos bens da de F.............., com o NIF: 18.............., na qualidade de responsável/gestor da
sociedade jurídica S……………., no seguimento de pedido de adoção de medidas cautelares formulado pelo Estado Francês, ao abrigo do disposto na Diretiva 2010/24/EU.

Vejamos, então.

O arresto é uma providência cautelar destinada a garantir o cumprimento da dívida pecuniária, visando impedir que o devedor subtraia o seu património ao cumprimento das obrigações que o oneram (artigos 601º e 619º do Código Civil e artigo 406º do Código de Processo Civil). «É um meio de conservação da garantia patrimonial previsto na lei civil com um estreito vínculo funcional com a penhora e, grosso modo e na vertente processual, a providência cautelar especificada que consiste na apreensão judicial de bens, fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.» [v. Acórdão do TCAS de 18.04.2018, processo nº 838/17.0 BELRS1].

No âmbito do procedimento tributário, o credor público acede a esta garantia para assegurar a boa cobrança das receitas tributárias, preceituando o artigo 51º da LGT que:

“1. A Administração Tributária pode, nos termos da lei, tomar providências cautelares para garantia dos créditos tributários em caso de fundado receio de frustração da sua cobrança ou de destruição ou extravio de documentos ou outros elementos necessários ao apuramento da situação tributária dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
2. As providências cautelares devem ser proporcionais ao dano a evitar e não causar dano de impossível ou difícil reparação.
3. As providências cautelares consistem na apreensão de bens, direitos ou documentos ou na retenção, até à satisfação dos créditos tributários, de prestações tributárias a que o contribuinte tenha direito”.

Enquanto providência cautelar, o arresto visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal), a fim de que a sentença se não torne


numa mera decisão platónica. É em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas a saber:

a) A instrumentalidade - isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma ação principal cuja utilidade visa assegurar;

b) A provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio;

c) A sumariedade - que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente.

No âmbito do processo tributário, o arresto (preventivo) tanto pode ser requerido antes da instauração da execução, como na pendência do processo executivo (cf. artigos 136º e 214º, nº. 3, do CPPT), admitindo a lei o pedido de arresto mesmo no âmbito do procedimento tributário de inspeção, enquanto medida cautelar que visa garantir o pleno exercício da função inspetiva da Administração Fiscal (cf. artigo 31º do RCPITA).

No caso do arresto, os pressupostos do seu decretamento estão consagrados no artigo 136.º do CPPT, que estatui:

“1 - O Representante da Fazenda Pública pode requerer arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário quando ocorram, simultaneamente, as circunstâncias seguintes: a) Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis; b) O tributo estar liquidado ou em fase de liquidação.
2 - Nos tributos periódicos considera-se que o tributo está em fase de liquidação a partir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respetivos rendimentos se reportem.
3- Nos impostos de obrigação única, o imposto considera-se em fase de liquidação a partir do momento da ocorrência do facto tributário.
4 - O representante da Fazenda Pública alegará os factos que demonstrem o tributo ou a sua provável existência e os fundamentos do receio de diminuição de garantias de cobrança de créditos tributários, relacionando, também, os bens que devem ser arrestados, com as menções necessárias ao arresto. 5 - As circunstâncias referidas na alínea a) do n.º 1 presumem-se no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais.”

Resulta, então, do teor do normativo transcrito que são requisitos cumulativos do decretamento da providência cautelar de arresto:
- A existência efetiva ou provável de um crédito tributário contra o(s) arrestado(s): liquidado ou em fase de liquidação;
- Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis.

Significa isto que a lei não exige que a Fazenda Pública apresente uma prova definitiva do seu direito de crédito, bastando-se com um juízo de mera probabilidade (que não de inequívoca e definitiva existência) - o fumus boni iuris e de summaria cognitio [cf. Acórdão do TCAS de 21.01.2003, proferido no processo nº 07350/02].


De sublinhar que, quanto às dívidas em cobrança coerciva, no âmbito de processo
de execução fiscal, rege o artigo 214º, nº 1, do CPPT, segundo o qual:

“[h]avendo justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens, pode o representante da Fazenda Pública junto do competente tribunal tributário requerer arresto em bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, com aplicação do disposto pelo presente Código para o arresto no processo judicial tributário.”

Relativamente ao que não esteja expressamente previsto no referido artigo 214º, o regime a levar em conta será o constante nos artigos 136º a 139º do CPPT (ex vi artigo 214º, n.º 1, in fine), aplicando-se ainda subsidiariamente o regime do arresto constante no CPC nos seus artigos 391º a 396º (ex vi artigo 139º, do CPPT), no que nestas não estiver previsto as normas do procedimento cautelar comum constantes nos artigos 362º a 375º do CPC (ex vi artigo 376º, nº 1 do CPC) e ainda, se for caso disso, o regime aplicável à penhora (ex vi artigo 391º, nº 2 do CPC).

Considerando que a presente providência cautelar é requerida pedido de adoção de medidas cautelares formulado pelo Estado Francês, no âmbito dos mecanismos de assistência mútua, cumpre fazer referência à Diretiva 2010/24/EU, de 16 de março, que instituiu os referidos mecanismos e que permitem à Administração Fiscal de um Estado obter, junto das autoridades fiscais competentes de qualquer um dos outros Estados membros da União Europeia, informações consideradas úteis para a cobrança e a notificação ao devedor de todos os atos e decisões, bem como a cobrança ou a adoção de medidas cautelares relativamente aos créditos fiscais.

O âmbito de aplicação desta Diretiva passa a ser muito amplo («todos os impostos, independentemente da sua natureza»), não se recorrendo a nenhum elenco taxativo, abrangendo-se igualmente sanções, multas, taxas e sobretaxas de natureza administrativa respeitantes a créditos para os quais possa ser solicitada assistência mútua, mas excluindo-se, por outro lado, expressamente as contribuições obrigatórias para a segurança social.

A Diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei nº 263/2012 de 20 de dezembro.

De acordo com o disposto no artigo 23º do referido Decreto-Lei:

"1 A pedido de uma autoridade competente de outro Estado Membro, as autoridades nacionais a que se refere o artigo 5º promovem a cobrança dos créditos abrangidos pelo artigo 3º que sejam objeto de um título executivo uniforme.
2 O título executivo uniforme, que acompanha o pedido de cobrança, constitui base jurídica apta e suficiente para a execução da cobrança ou a adoção de medidas cautelares em território nacional".

O artigo 26º do mesmo diploma, sob a epígrafe: “Medidas Cautelares a pedido de outro Estado-Membro”, dispõe o seguinte:

1 - A pedido de uma autoridade competente de outro Estado-Membro, as autoridades nacionais a que se refere o artigo 5.º adotam as providências cautelares admitidas nas disposições

legislativas nacionais para garantir a cobrança de qualquer dos créditos abrangidos pelo artigo 3.º, caso se verifique alguma das seguintes circunstâncias:
a) O crédito em causa ou o respetivo título executivo naquele Estado-Membro tenham sido objeto de contestação no momento em que o pedido é efetuado;
b) O crédito não tenha ainda sido objeto de um título executivo, mas o direito interno e as práticas administrativas do Estado-Membro requerente admitam a adoção de medidas cautelares nesta situação.
2 - O pedido de adoção de medidas cautelares pode ser acompanhado de outros documentos respeitantes ao crédito em causa, emitidos pelo Estado-Membro requerente.
3 - Nas circunstâncias a que se refere a alínea b) do n.º 1, o documento relativo à aplicação de medidas cautelares no Estado-Membro requerente é anexado ao pedido de adoção de medidas cautelares, não estando sujeito a nenhum ato adicional de reconhecimento, completamento ou substituição em território nacional.

Visto o enquadramento legal, cumpre proceder à sua análise à luz do acervo probatório constante dos autos, para assim aferir do preenchimento dos requisitos da providência de arresto requerida.

Tendo, desde logo, como diretriz que o presente procedimento cautelar de arresto se caracteriza por um juízo perfunctório dos factos relevantes para o decretamento da providência, ou seja, mostra-se suficiente uma summaria cognitio daqueles.

Apreciando.

Como se deixou antever, para que seja decretado o arresto de bens (seja do devedor originário seja dos responsáveis solidários ou subsidiários) antes da instauração do processo de execução fiscal é, pois, necessário que se verifiquem cumulativamente, dois requisitos:

- que o tributo seja liquidado ou em fase de liquidação (correspondente ao “fumus boni iuris” ou “aparência de bom direito” genericamente exigido para o decretamento de providências cautelares;

- que exista fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributários (correspondente ao “periculum in mora”).

Vejamos então se os pressupostos da providência cautelar, ora requerida, se mostram verificados.

- Da existência do crédito - fumus boni iuris

A existência dos créditos tributários emerge dos impostos, nomeadamente de IVA de 2014, de 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2016 e de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2018, retenções na fonte, referentes a janeiro de 2021 e da C............ relativa a 2020. [cf. alínea B) do probatório].

Os impostos em causa resultam de três propostas de correção datadas de 10 de dezembro de 2017, 9 de março de 2018 e 25 de outubro de 2019, relativas ao IVA.

O valor das dívidas ascende ao valor total de € 330.633,00.

Assim, encontra-se verificado o apuramento dos créditos tributários em causa.

Quanto ao requisito atinente à fase de liquidação dos tributos, cumpre sublinhar que, in casu, estando em causa dívidas de IVA, considerado um imposto de obrigação única, referente aos anos de 2014 a 2017, que se considera em fase de liquidação, a partir do momento da ocorrência do facto tributário (artigo 136º, nº 3 do CPPT), fica, desde logo, demonstrada a existência do crédito, resultando, igualmente, dos documentos juntos aos autos, que o mesmo se encontra liquidado.

Por outro lado, cumpre acrescentar que estes créditos ainda não são objeto de um título executivo no Estado Requerente nem foram impugnados.

Acrescente-se, ainda, que, como resulta da factualidade, perfunctoriamente provada, no Estado Requerente existe um processo judicial contra o administrador da sociedade, conducente a obter a condenação judicial do administrador a responder solidariamente pelo pagamento dos impostos devidos pela sociedade e que não podem ser cobrados a esta.

Em conclusão, considerando que se demonstra a existência dos créditos tributários, já liquidados, resulta verificado o requisito atinente ao fumus boni iuris, para que seja decretado o arresto.

Prosseguindo.

- Do fundado receio - periculum in mora

Não fornecendo a lei tributária definição do circunstancialismo que é suscetível de integrar o conceito de “fundado receio”, reputa-se adequado reconduzir este conceito, vago e indeterminado, ao requisito, comum às providências cautelares do “periculum in mora”. “Deverá haver um perigo logicamente justificado, uma probabilidade séria, com fundamentos objetivos baseados em regras de experiência comum, de que os patrimónios dos titulares de bens que servem de garantia à cobrança de créditos tributários (devedor originário, responsável solidário e responsável subsidiário) diminuam de valor a ponto de se tornarem insuficientes para cobrança dos mesmos.” [v. Acórdão do TCAS de 18.04.2018, já citado].

Convoque-se, para o efeito, o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, que perfilhamos e que postula: “deverá haver um perigo logicamente fundamentado, uma probabilidade séria, de que venha a ocorrer uma situação em que quem deve pagar a dívida (seja executado, responsável subsidiário, solidário ou sucessor) ficar com património insuficiente para pagamento dos créditos fiscais e acrescido ou de que venha a ocultar ou alienar bens” [v. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2011, volume II, Áreas Editora, pp. 577-578].



Sendo que, “[o] justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito equivale ao justo receio de insolvência, cujo traço característico é a impossibilidade em que o devedor se encontra de solver os seus compromissos, impossibilidade resultante, naturalmente, do facto de o passivo ser superior ao ativo; o devedor ainda não está insolvente, mas caminha para essa situação; há factos e circunstâncias que tornam legítima a suspeita de que está eminente a insolvência do devedor” [vide Acórdão do TRL de 13-01-2011, proferido no Processo nº 2677/08.0TVLSBA.L1].

No arresto, para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial “tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta o receio meramente subjetivo, porventura exagerado do credor (ou baseado em meras conjeturas), de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes, há-de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo
uma avaliação dependente das regras da experiência comum”. [cf. Acórdão do TRC, de 28.06.2017, proferido no processo nº 9070/16.9 T8CBR.C1].

Saliente-se ainda, que nos termos do nº 5 artigo 136º do CPPT, o fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis se presume no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros, o que, in casu, tratando-se de IVA e retenções na fonte, desde já, se afirme que se operacionaliza a presunção legal.

No caso em apreço, é indubitável que o receio do credor se justifica face aos factos apurados e nos quais sustenta a sua pretensão, demonstrando-se, por isso, inequivocamente, o fundado receio da dissipação do património, ou seja, o periculum in mora.

Recuperamos a síntese efetuada pela ERFP que transcrevemos:

“Em jeito de síntese, para além do supra explanado, dir-se-á que os factos índice do risco manifesto e evidente de inadimplência que concorrem no caso vertente, e que preenchem o vetor do periculum in mora, são os seguintes:
- O Valor (elevado) devido pelo devedor principal e único, o aqui Requerido, como pessoa singular que é superior a € 320.633 se se tiver em conta os juros devidos;
- O Requerido “é responsável por manobras fraudulentas ou de incumprimento grave e reiterado das obrigações fiscais.” (cfr. doc. 1 em anexo)
- O risco de o Requerido se tornar insolvente (insolvência de pessoa singular).
- Existência de bens situados no estrangeiro fora do âmbito de atuação direta da Administração Tributária Francesa.”

Acresce que, as ações judiciais encetadas contra a sociedade S………SI............., foram ineficazes ou produziram resultados modestos [cf. alínea C) do probatório].

Destarte, não obstante a aludida presunção de que beneficia como já evidenciado, da factualidade indiciariamente provada, afigura-se que a Requerente Fazenda Pública logrou, ainda que de forma perfunctória, trazer aos autos factos índice objetivos e

suficientes que permitem inferir pelo fundado receio de diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários e pelo sério risco de insolvência.

Decorrendo da evidente impossibilidade de fazer face aos seus compromissos financeiros, pelo que, se mostram reunidos os pressupostos previstos no artigo 136º do Código de Procedimento e Processo Tributário, quanto à devedora originária - sociedade S………............ - uma vez que não só o tributo se encontra liquidado, como existe fundado receio de diminuição da garantia do seu pagamento, face ao valor das dívidas e às manobras de evasão fiscal, perpetradas pelo requerido, detetadas pela Administração Fiscal francesa.

Por outro lado, cumpre sublinhar que o presente pedido de arresto se insere em matéria de assistência mútua entre Estados da União Europeia, formulado pelo Estado Francês, com base no artigo 16º da Diretiva 2010/24/UE, do Conselho de 16 de março [cf. alínea A) do probatório], normativo que prevê a possibilidade das autoridades do Estado-Membro requerente pedirem às autoridades do Estado Membro requerido que tomem medidas cautelares de modo a garantir a cobrança de um crédito tributário, sendo que a autoridade requerida deve fazer uso das competências e dos procedimentos, previstos na sua lei, nos termos do artigo 13º, ex vi do artigo 17º, ambos da citada Diretiva.

Acrescente-se, ainda, que o pedido de arresto cumpre os requisitos previstos no artigo 26º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 263/2012 de 20.12, pois que, os créditos em causa, embora ainda não sejam objeto de título executivo, o direito interno do Estado-Requerente admite a adoção de medidas cautelares de garantia.

Assim, considerando que se mostram reunidos os pressupostos para ser decretado o arresto e atendendo a que o bem identificado que se pretende arrestar - valores depositados na conta nº 431401002431402748 do Novo Banco, S.A., cujo titular é o ora requerido - não se afigura manifestamente desproporcionado, relativamente ao montante dos impostos em dívida, pelo que será de considerar, à cautela, assegurado o princípio da proporcionalidade.

Tudo visto e ponderado, nada obsta a que seja decretado o arresto dos bens, conforme peticionado pela Fazenda Pública, pelo que é de decretar o arresto sobre o bem do Requerido nomeado, o que adiante se determinará.» (fim de citação).

Diga-se, desde já, que o assim decidido não nos merece qualquer censura.

Alega o Recorrente que não se verificam os pressupostos para o decretamento do arresto, tanto mais, que não se mostram alegados pela Requerente, nem pelo Estado Francês, quaisquer factos que demostrem existir justificado receio de que o Arrestado dissipe o seu património.

Mais refere que, dos documentos juntos pela Requerente do Arresto resulta que não existe fundado receio de perda da garantia patrimonial do Arrestado, por se encontrar expressamente referido que F.............. é solvente e dispõe de um património imobiliário suficiente para recuperar as suas dívidas.
Vejamos.

O presente pedido de arresto insere-se em matéria de assistência mútua entre Estados da União Europeia, formulado pelo Estado Francês, com base no artigo 16º da Diretiva 2010/24/UE, do Conselho de 16 de março [cf. alínea A) do probatório], normativo que prevê a possibilidade das autoridades do Estado-Membro requerente pedirem às autoridades do Estado Membro requerido que tomem medidas cautelares de modo a garantir a cobrança de um crédito tributário, sendo que a autoridade requerida deve fazer uso das competências e dos procedimentos, previstos na sua lei, nos termos do artigo 13º, ex vi do artigo 17º, ambos da citada Diretiva.

A providência cautelar de arresto é uma das providências cautelares avulsas a favor da administração tributária admissíveis em processo judicial tributário, cuja disciplina legal se encontra vertida nos arts. 136° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicando-se subsidiariamente, em tudo o que aí não for especialmente regulado, o regime do arresto legalmente previsto nos artigos 391° a 396.° do Código de Processo Civil (CPC), e no que neste não estiver previsto as normas do procedimento cautelar comum constantes nos artigos 362° a 375° do CPC (ex vi artigo 376°, n.° 1 do CPC) e ainda, se for caso disso, o regime aplicável à penhora (ex vi artigo 391°, n.° 2 do CPC) (cfr. art. 101°, al. e) da Lei Geral Tributária (LGT), arts. 135°, n.° 1, al. a) e 136° e ss do CPPT).

O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, que se traduz numa providência cautelar e conservatória da garantia patrimonial do credor (cfr. arts. 619°, n.° 1 do Código Civil (CC) e art. 406°, n.° 1 do CPC), de natureza judicial, consistente numa apreensão judicial de bens (cf. art. 391°, n.°s 1 e 2 do CPC ex vi art. 139° do CPPT) destinada a garantir a cobrança dos créditos tributários, tendo por finalidade evitar que determinado direito de crédito fique insatisfeito por não se encontrarem no património do devedor bens suficientes para o seu pagamento, e que tem por efeito, designadamente, a circunstância de os atos de disposição dos bens arrestados serem ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora (cfr. art. 622°, n.° 1 e 819° do CC).

A sua natureza meramente cautelar e não definitiva não exige uma prova inequívoca e definitiva do direito de crédito por parte da Fazenda Pública, bastando-se com um juízo perfunctório dos factos relevantes para o decretamento da providência e um juízo provisório de mera probabilidade do direito do credor (fumus boni iuris e summaria cognitio) (cfr., entre outros, Ac. TCAS de 05.02.2015, proc. n.° 08327/15, disponível em www.dgsi.pt).

Por sua vez, o decretamento do arresto encontra-se dependente da verificação cumulativa de dois requisitos: (i)haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis (periculum in mora) e (ii) da circunstância de o tributo estar liquidado ou em fase de liquidação (fumus boni iuris) (cfr. art. 136°, n.° 1: “quando ocorram, simultaneamente, as circunstâncias seguintes”).

Da existência do crédito - fumus boni iuris

Exige-se, a demonstração da existência efetiva ou provável de um crédito tributário, mediante a respetiva liquidação, se já tiver sido efetuada, ou, caso contrário, mediante a

demonstração dos pressupostos da sua existência. Estabelecendo, por sua vez, o mencionado preceito legal que, relativamente aos tributos periódicos se considera que o tributo está em fase de liquidação a partir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respetivos rendimentos se reportem (n.° 2) e que, nos tributos de obrigação única, o mesmo se considera em fase de liquidação a partir do momento da ocorrência do facto tributário (n.° 3).

No entanto, quanto ao requisito, da existência do direito, apenas se exige uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança (um mero “fumus boni iuris”), não sendo legalmente exigível uma prova inequívoca e definitiva do direito de crédito por parte da Fazenda Pública.

Confrontada a factualidade assente, verifica-se que o crédito tributário que se visa acautelar resultou dos impostos, nomeadamente de IVA de 2014, de 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2016 e de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2018, retenções na fonte, referentes a janeiro de 2021 e da C............ relativa a 2020. [cf. alínea B) do probatório].

Os impostos em causa resultam de três propostas de correção datadas de 10 de dezembro de 2017, 9 de março de 2018 e 25 de outubro de 2019, relativas ao IVA.

O valor das dívidas ascende ao valor total de € 330.633,00.

Encontra-se verificado o apuramento dos créditos tributários em causa.

Relativamente ao requisito referente à fase de liquidação dos tributos, in casu, estando em causa dívidas de IVA, considerado um imposto de obrigação única, referente aos anos de 2014 a 2017, que se considera em fase de liquidação, a partir do momento da ocorrência do facto tributário (artigo 136º, nº 3 do CPPT), fica, desde logo, demonstrada a existência do crédito, resultando, igualmente, dos documentos juntos aos autos, que o mesmo se encontra liquidado.

Por outro lado, estes créditos ainda não são objeto de um título executivo no Estado Requerente nem foram impugnados.

Acrescente-se, ainda, que, como resulta da factualidade, perfunctoriamente provada, no Estado Requerente existe um processo judicial contra o administrador da sociedade, (ora Recorrente) conducente a obter a condenação judicial do administrador a responder solidariamente pelo pagamento dos impostos devidos pela sociedade e que não podem ser cobrados a esta.

Assim, bem andou o tribunal a quo, quando considerou que, uma vez demonstrada a existência dos créditos tributários, já liquidados, resulta verificado o requisito atinente ao fumus boni iuris.

- Do fundado receio - periculum in mora

Cumpre aferir do preenchimento, em concreto, do periculum in mora ou fundado receio de diminuição da garantia patrimonial do credor tributário, requisito enunciado na alínea a) do artigo 136° do CPPT.

Em regra, a lei faz depender o decretamento da providência cautelar de arresto da prova, por parte do Requerente, da necessidade da adoção de tal medida como forma de acautelar a dissipação, alienação ou oneração dos bens do devedor. Depende, portanto, da verificação do periculum in mora, isto é, do perigo de dissipação do património que responderia pelas dívidas fiscais, caso os bens do devedor não sejam objeto de prévia apreensão.

Veja-se, a este propósito, JORGE LOPES DE SOUSA: “[d]everá haver um perigo logicamente justificado, uma probabilidade séria, com fundamentos objetivos baseados em regras de experiência comum, de que os patrimónios dos titulares de bens que servem de garantia à cobrança de créditos tributários (devedor originário, responsável solidário e responsável subsidiário) diminuam de valor a ponto de se tornarem insuficientes para cobrança dos créditos tributários. Nas hipóteses mais frequentes, tratar-se-á de situações em que, com base nas regras de experiência comum, seja de considerar provável que aqueles titulares de bens se preparem para criar uma situação em que seja inviável acionar os seus patrimónios para cobrança das dívidas, designadamente ocultando-os ou transferindo-os para a titularidade de pessoas que não possam ser acionadas para efetivar essa cobrança. Porém, a exigência de que o receio seja «fundado» impõe que não se possa considerar suficiente para decretar o arresto a mera convicção subjetiva e intuitiva do julgador, sendo necessário que essa convicção se alicerce em elementos indiciários objetivos existentes no processo, que apontem no sentido de o devedor ou responsável pretender alienar ou sonegar ou ocultar bens que devem servir de garantia do crédito tributário. // Bastará, para afastar a possibilidade de arresto, que em relação a um só dos patrimónios se não verifique esse perigo de insuficiência para garantia do pagamento dos créditos tributários” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e Comentado, Vol. II, 6.a Edição, Almedina 2011, anot. 6 ao Art. 136.°, págs. 447).

Incumbia à Fazenda Pública a alegação e prova de factos consubstanciadores do fundado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, ou seja, in casu, a alegação e prova dos factos demonstrativos de que o Requerido, na qualidade de devedor subsidiário, poderá colocar-se em situação impeditiva de que o seu património responda pelas dívidas fiscais em causa, ou ocorrem circunstâncias que fazem presumir aquele o justo receio de diminuição das garantias de cobrança do seu crédito.

Defende o Recorrente, nas suas alegações, que dos documentos juntos pela Requerente do Arresto resulta que não existe fundado receio de perda da garantia patrimonial do Arrestado, por se encontrar expressamente referido que F.............. é solvente e dispõe de um património imobiliário suficiente para recuperar as suas dívidas.

Destarte, e tal como salienta o Acórdão do TCAN proferido em 15/01/2015 no processo n.º 00974/14.4BEPNF “em sede de arresto, a lei não se basta com a mera demonstração de que, por um lado existe um crédito, e por outro, que existe património por

onde esse crédito possa ser pago. O acento tónico do arresto (no que concerne ao pressuposto em análise) assenta na demonstração de que existe um receio fundado da diminuição da garantia, ou seja, da diminuição do património do devedor ou responsável subsidiário.

Não se trata, apenas, da demonstração de um qualquer receio subjectivo do credor. A expressão legal “fundado receio” remete-nos para um enquadramento objectivo da situação em concreto, (…).

“Impera realçar que o legislador tributário não foi, desde logo, alheio à natureza dos tributos em dívida, tendo consagrado um regime específico, mais gravoso para os devedores ou responsáveis pelo pagamento dos créditos tributários emergentes de impostos retidos ou repercutidos a terceiros. Tal regime tem, obviamente, a sua ratio legis no facto de que o responsável pela sua entrega ao Estado não ser o sujeito passivo, aquele que efectivamente o suportou e dele se viu privado (clientes ou trabalhadores). Assim, ciente particular censurabilidade da gravidade acrescida de tal conduta (lembre-se retenção e não entrega) estabeleceu uma presunção a favor do credor, onerando assim, o devedor relapso.

Concretamente, o legislador fiscal estabeleceu, no nº 5 do artigo 136º do CPPT que o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança presume-se no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazo legais.” o destacado é nosso – fim de citação – destacado e sublinhado são nossos (cfr. Acórdão do TCAS proferido em 16/05/2024 no processo n.º 1905/22.3BELRS).

Assim, nos termos do nº 5 artigo 136º do CPPT, o fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis se presume no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros, o que, in casu, tratando-se de IVA e retenções na fonte, desde já, se afirme que se operacionaliza a presunção legal.

Acompanha-se aqui, a posição do tribunal a quo sobre esta questão: «Destarte, não obstante a aludida presunção de que beneficia como já evidenciado, da factualidade indiciariamente provada, afigura-se que a Requerente Fazenda Pública logrou, ainda que de forma perfunctória, trazer aos autos factos índice objetivos e suficientes que permitem inferir pelo fundado receio de diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários e pelo sério risco de insolvência.

Decorrendo da evidente impossibilidade de fazer face aos seus compromissos financeiros, pelo que, se mostram reunidos os pressupostos previstos no artigo 136º do Código de Procedimento e Processo Tributário, quanto à devedora originária - sociedade SARL CABINES SI............. - uma vez que não só o tributo se encontra liquidado, como existe fundado receio de diminuição da garantia do seu pagamento, face ao valor das dívidas e às manobras de evasão fiscal, perpetradas pelo requerido, detetadas pela Administração Fiscal francesa

Logo, não assiste razão ao Recorrente quando diz, que, não se mostram alegados pela Requerente, nem pelo Estado Francês, quaisquer factos que demostrem existir justificado receio de que o Arrestado dissipe o seu património.

Assim, não nos merece censura, a decisão recorrida, que considerou que a factualidade indiciária que vem enunciada pela Requerente do arresto se mostra suficiente para alicerçar a decisão e que, na situação sub judice, se encontram preenchidos os requisitos legalmente exigíveis para que seja decretada a providência cautelar de arresto, e ainda que o, aqui Recorrente, se encontra em condições de ser responsabilizado pelas dívidas da sociedade podendo ver os seus bens arrestados, nos termos previstos no artigo 136º e 214º, ambos do CPPT.


III. Decisão


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL em:

a) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

b) Custas pelo Recorrente.


Registe. Notifique.



Lisboa, 26 de setembro de 2024.

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[Maria da Luz Cardoso]
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[Patrícia Manuel Pires]
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[Tânia Meireles da Cunha]