Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:659/13.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ILEGITIMIDADE
CULPA
Sumário:Da interpretação que a doutrina e a jurisprudência fazem sobre os termos da responsabilidade dos administradores e gerentes à luz do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, resulta que o apuramento dessa responsabilidade tem subjacente o juízo de culpa pela falta de pagamento da obrigação tributária, o qual pode ser afastado se comprovarem que efetuaram as diligências que se lhe impunham em razão do exercício de tais funções.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio, em conformidade com os artigos 280º e 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 14 de maio de 2021, que julgou procedente a oposição deduzida por .... , revertida no processo de execução fiscal n.º 2151201201011707 e apenso (21512012010135572), instaurados pelo Serviço de Finanças de Almada 1, originariamente contra a sociedade .... , Lda., por dívida de IVA do período 2011/11, e coima do ano de 2012, no valor global de 10.276,22 EUR, e consequentemente determinou a extinção, quanto à Oponente, dos processos de execução fiscal em causa.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
«I. Como questão prévia cabe referir vir o presente recurso apresentado apenas do segmento decisório – e respetiva fundamentação, de facto e de direito – respeitante à reversão da dívida de IVA em cobrança coerciva no processo com o n.º 2151201201011707, com a quantia exequenda de € 10 059,02, conformando-se, a Autoridade Tributária com a Douta decisão no que respeita à reversão por dívida de coima. Vem, assim, o presente recurso, apresentado somente para o decaimento quanto à reversão por dívida de IVA do período mensal 11/2011;
II. E quanto a esta, sem quebra do devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido na aliás douta sentença do Tribunal “a quo” que julgou procedente a presente Oposição e determinou a extinção, quanto à Oponente, do processo de execução fiscal com o n.º 21512012001011707, antes entendendo que se deverá concluir que a Opoente não produziu prova que permita afastar a culpa no ato de não pagamento da dívida exequenda;
III. Isto porque foi a reversão realizada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, tratando-se de dívida tributária cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício do cargo, cabendo-lhe provar e demonstrar não lhe ser imputável a falta de pagamento, sendo que tal “ónus probatório só se alcança mediante prova positiva e concludente, sendo que qualquer situação de dúvida decide-se contra a parte onerada com a prova, no caso, os oponentes revertidos” – Acórdão TCA Sul, de 03.12.2020, emitido no proc.º 1415/09.4 BESNT (entre outros);
IV. Ficou a constar da factualidade fixada ser a Oponente legal representante da devedora originária no período em causa – registada a gerência por deliberação de 15.06.2010 – vinculando-se a sociedade com uma assinatura. E não é matéria controvertida a gerência de facto da Oponente;
V. Mas tendo apenas por fundamento a prova testemunhal produzida, a qual se consubstanciou em meras declarações genéricas, aludindo a reuniões e diligências, sem concretizar, o Tribunal “a quo” deu como factualidade provada uma acentuada redução das vendas e dificuldades no recebimento dos créditos sobre clientes e que a Oponente, na qualidade de gerente, fazia reuniões com os vendedores, motivando-os a realizarem mais vendas e diligenciava junto dos clientes tendo em vista o recebimento das quantias em dívida;
VI. Não consta, no entanto, dos autos, qualquer prova documental, quer de interpelação de eventuais devedores para que realizassem pagamentos, quer de qualquer ação judicial instaurada visando esses recebimentos. Nada existe também que demonstre terem sido sequer tentados acordos de pagamento, ou mesmo que os fornecedores não tivessem realizado pagamentos. Nenhuma ação em concreto é identificada, nenhum fornecedor interpelado é referido, nenhuma interpelação é demonstrada;
VII. Salvo melhor opinião não bastará, para afastar a presunção legal de culpa pela não entrega dos tributos - quando a respetiva obrigação de pagamento ocorre precisamente no seu período de gerência -, afirmar a existência de uma crise económica ou financeira. Sendo assim todas as empresas (e mesmo os sujeitos passivos singulares) estariam legitimadas a não proceder ao cumprimento das suas obrigações tributárias, mormente as obrigações de pagamento;
VIII. Por outro lado, relevou o Tribunal como demonstrativo de um cuidado exercício da gerência o facto de a própria sociedade se apresentar à insolvência. No entanto, a sociedade devedora originária apenas se apresentou à insolvência já com uma dívida acumulada superior a € 320 000,00, sem trabalhadores, sem ativo para pagar os créditos já vencidos, e sem atividade comercial que lhe permitisse ter sequer a perspetiva de obtenção de eventuais proveitos para fazer face às dívidas acumuladas. Pelo que não se vê como pode, o Tribunal “a quo”, face a tal factualidade, ter concluído, como concluiu, que «para reforçar a conclusão pela inexistência de culpa do Oponente na insuficiência do património da sociedade para o pagamento da dívida exequenda aqui em causa, sublinha-se o facto de a sociedade ter-se apresentado à insolvência, o que também constitui uma medida preventiva dos credores, demonstrativa da observância dos deveres de cuidado e de diligência que estão subjacentes ao exercício de uma gerência conforme aos padrões de actuação exigíveis em face das circunstâncias do caso concreto»;
IX. Em termos genéricos até se admite que assim seja. A apresentação à insolvência visa a salvaguarda dos direitos dos credores. Mas no caso isso não se verificou. Aliás, no portal Citius pode mesmo observar-se que, por Anúncio com publicação em 05.06.2015, foi no processo de insolvência informado que “Na sequência da apreensão e liquidação de bens da insolvente, foi obtido, pelo produto da venda, o montante de € 3.000, presumindo-se, assim, uma situação de insuficiência da massa, nos termos do artigo 232.º, n.º 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ”;
X. Atendendo a esta situação de facto, apenas se pode encarar o que é peticionado pela Oponente quanto à apresentação à insolvência de “molde a impedir que maiores danos fossem produzidos na esfera jurídica dos credores”, como uma afirmação humorística ou de grossa ironia, infelizmente subscrita pelo Tribunal;
XI. Com todo o respeito devido, o Tribunal também ao apreciar da insolvência, como faz aliás ao aceitar as generalizações resultantes da prova testemunhal, ficou-se por considerações abstratas, esquecendo-se de descer ao concreto, onde facilmente (e forçosamente) concluiria em sentido contrário, nenhuma medida preventiva tendo existido no caso, muito menos atuação demonstrativa da observância dos deveres de cuidado e diligência, com a apresentação à insolvência;
XII. E como declarado por uma das testemunhas, não ficaram por pagar os ordenados dos trabalhadores da empresa (nem estes constam no Porta Citius na qualidade de credores da devedora originária quando esta se apresenta à insolvência), tendo assim existido opções de gestão que passaram por garantir uns pagamentos em detrimento de outros;
XIII. Por outro lado, as testemunhas afirmaram-se amigos da Oponente e, uma delas, seu marido e anterior sócio da devedora originária e também gerente, pelo que não pode deixar de se aceitar com reservas tais depoimentos, e muito menos aceitar que o marido da Oponente anterior sócio na empresa, tenha o distanciamento suficiente para que a sua inquirição se considere independente ou, como referido pelo Tribunal “a quo”, credível. Será sempre um depoimento não desprovido de interesse;
XIV. Ao contrário do que se verificou nos autos, «tornava-se necessário que o Oponente/Recorrido provasse que administrou a empresa de molde a preservar o seu património social ou, pelo menos, a evitar que ele se tornasse insuficiente, demonstrando, designadamente, qual foi a sua atuação para o preservar em termos de dar satisfação aos interesses dos credores sociais. Impunha-se convencer o Tribunal, através da prova de factos e indícios, da não verificação do facto presumido (culpa). Ou seja, através de factos que permitam demonstrar que o exercício da sua gerência foi prudente e adequada às circunstâncias concretas, não tendo existido qualquer relação causal com a falta de pagamento das dívidas.» - Acórdão do TCA Norte, de 29.04.2021, emitido no processo n.º 00041/14.0BEMDL;
XV. Quanto aos demais vícios invocados em sede de petição e cuja análise o Tribunal “a quo” considerou ficar prejudicada, remete-se, nesta sede, para o que ficou já dito aquando da contestação;
XVI. Nada, pois, há a censurar na reversão em causa, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, sendo a Oponente considerada responsável pelo pagamento da dívida de imposto e parte legítima na execução, pois não cumpriu com o ónus da prova que lhe estava atribuído, mantendo-se o despacho que contra ela decretou a reversão e o respetivo procedimento;
XVII. Ao não entender assim, a Sentença recorrida fez errada apreciação da factualidade que fixou, omitiu factualidade relevante (a sociedade apresentou-se à insolvência, mas já sem atividade, sem trabalhadores, sem património), e errada aplicação do Direito, em violação do disposto no artigo 24.º n.º 1 alínea b) da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Oposição, tudo com as devidas e legais consequências.»
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O Oponente, aqui Recorrido, apresentou as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«I. Nas suas alegações recursivas, a Recorrente propõe-se questionar factos dados como assentes na decisão recorrida, sem que para tal cumpra com os requisitos estabelecidos na lei para o correspondente efeito.
II. Com efeito, a Recorrente não deu satisfação - quer no corpo das alegações, quer nas respectivas conclusões - ao ónus que, nos termos do preceituado no artigo 640.º, do CPC, se encontrava a seu cargo, já que:
a. Não identificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b. Não designou quais os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e
c. Não expressou qual a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
III. Resulta das conclusões de recurso formuladas pela Recorrente que as mesmas se revelam insuficientes e inaptas a demonstrar erro na fixação da matéria de facto.
IV. A Recorrente limitou-se a singelas e genéricas considerações sobre a sentença, sem que identifique concretamente quais os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, quanto à matéria de facto que coloca em crise e, por fim, qual a decisão que, no entender da Recorrente, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
V. Sendo certo que a Recorrente nada de concreto contrapôs à convicção do Tribunal e à detalhada análise crítica da prova a que este procedeu.
VI. Deste modo, a Recorrente deverá ser penalizada com a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 640.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, do CPPT.
VII. Quanto à questão apreciada na sentença de que a Fazenda Pública recorreu - falta de culpa da agora Recorrida na verificação da situação de insuficiência patrimonial -, a verdade é que da prova testemunhal produzida nos autos, resultou provado que a Oponente, enquanto gerente da sociedade, cumpriu criteriosamente com as suas funções, tal como lhe exige o artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais.
VIII. Nos depoimentos prestados pelas referidas testemunhas nos presentes autos, estas afirmaram, de forma clara, que a agora Recorrida exercia as suas funções de modo proactivo, procurando diariamente angariar novos clientes junto das entidades intervenientes no sector farmacêutico, onde a sociedade operava e, com isso, aumentar os proveitos da sua actividade.
IX. E ficou igualmente demonstrado, com os depoimentos das testemunhas, que os sucessivos constrangimentos de tesouraria que a sociedade experimentou derivaram da forte concorrência no específico sector em que a sociedade actuava – comercialização de artigos médicos e ortopédicos junto de farmácias e ortopedias –, bem como das dificuldades e restrições vividas desde 2010 no sector das farmácias, quer quanto à multiplicidade dos agentes envolvidos, quebra das margens líquidas de vendas e, sobretudo, asfixia financeira dos operadores.
X. A tais factores, acresceu, ainda, o incumprimento ou cumprimento tardio dos respectivos devedores (clientes) quanto aos pagamentos dos bens transaccionados e necessariamente do imposto liquidado não recebido (IVA), assim como o facto de, desde 2011, o exportador da marca que a sociedade representava, oficialmente e quase de forma exclusiva, em Portugal (para além da sociedade devedora originária, só o El Corte Inglés tinha autorização, em Portugal, para comercializar os seus equipamentos), ter passado a exigir, antes de proceder à entrega dos equipamentos para venda pela sociedade, que os mesmos fossem pagos antecipadamente.
XI. Logrou-se, também, provar que a gestão criteriosa da sociedade devedora nunca foi de molde a preterir o credor público na satisfação dos compromissos societários, mas a espiral recessiva e generalizada concretizou-se quando o próprio financiamento da banca se tornou impossível ou mais severo e restritivo.
XII. Ainda assim, a Oponente persistiu numa legítima tentativa de salvamento do projecto empresarial até perceber, com segurança, da irremediabilidade do seu destino, e impotente para honrar os seus compromissos, solicitou por sua iniciativa o processo de insolvência, conforme deliberado em Assembleia Geral realizada em 07.07.2012.
XIV.Face ao que se vem de alegar, não procede por culpa da agora Recorrida, a debilidade patrimonial conjuntural da executada originária, pois que todos os deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios foram envidados para a sustentabilidade da empresa,
XV. Como não pode colher a não liquidação do IVA não recebido dos clientes, pois que o órgão social não dispõe de verdadeira liberdade conformadora para pagamento do imposto, ao que acresce concomitantemente, conforme referido antes, que decresceu paulatinamente o acesso às receitas, através do declínio progressivo da sua quota de mercado.
XVI. É, pois, manifesto que a conduta da agora Recorrida nunca determinou que o património da devedora originária se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos tributários, não tendo a Oponente em circunstância alguma ocultado o património da sociedade (bem pelo contrário, sempre o evidenciou junto da própria Autoridade Tributária) ou dissipado os seus bens, sendo que “o responsável subsidiário deve ter, culposamente, dissipado ou malbaratado o património social”, (8) - DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária p.112.
XVII. Não se verificando, em consequência, os pressupostos legais de que depende a reversão da execução fiscal previstos no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT,
XVIII.Uma vez que, não foi por determinação culposa do comportamento causal da agora Recorrida que o património da devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias.
XIX. E, por tudo isto, bem andou a douta sentença recorrida, ao julgar a oposição procedente.
E - PEDIDO:
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer que seja julgado improcedente, por não provado, o recurso interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida nos exactos termos em que foi proferida, tudo com as necessárias consequências legais.»
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no julgamento, com referência à culpa da Oponente, na falta de pagamento da dívida (referente a IVA do período 2011/11) da devedora originária.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

«Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

A) Pelo averbamento da inscrição Ap. 15/20050307, foi registada na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Almada a constituição da sociedade por quotas denominada “.... , Lda.”, com o objecto social de comercialização a retalho de artigos médicos e ortopédicos, bem como a designação como gerentes da referida sociedade dos sócios .... , .... e .... (cfr. certidão permanente a fls. 123 a 131 dos autos);

B) Pelo averbamento da inscrição Ap. 5/20100301, foi registada na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Almada a cessação de funções de gerentes da sociedade identificada na alínea A) supra dos sócios .... e Marques e .... , por renúncia

(cfr. certidão permanente a fls. 123 a 131 dos autos);

C) Pelo averbamento da inscrição Ap. 46/20100526, foi registada na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Almada a cessação de funções de gerente da sociedade identificada em A) supra do sócio .... , por renúncia (cfr. certidão permanente a fls. 123 a 131 dos autos);

D) Pelo averbamento da inscrição Ap. 5/20100616, foi registada na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Almada a designação da ora Oponente como gerente da sociedade identificada em A) supra, por deliberação de 15.06.2010 (cfr. certidão permanente a fls. 123 a 131 dos autos);

E) Aquando da designação da Oponente como gerente da sociedade identificada em A) supra, e após esta designação, a referida sociedade obrigava-se com a assinatura de um gerente (cfr. certidão permanente a fls. 123 a 131 dos autos);

F) A maior parte dos clientes da sociedade identificada na alínea A) supra eram farmácias (cfr. depoimento das testemunhas .... e .... );

G) Face à crise económica e financeira ocorrida no país, a sociedade identificada na alínea A) supra, a partir de 2010, teve uma acentuada redução das suas vendas e dificuldades no recebimento dos créditos sobre clientes (cfr. depoimento das testemunhas .... , .... e .... );

H) Aquando da crise mencionada na alínea anterior, o fornecedor passou a exigir o pagamento antecipado dos produtos adquiridos pela sociedade identificada na alínea A) supra (cfr. depoimento das testemunhas .... , .... e .... );

I) A Oponente, na qualidade de gerente da sociedade identificada em A) supra, fazia reuniões com os vendedores, motivando-os a realizarem mais vendas, e diligenciava junto dos clientes tendo em vista o recebimento das quantias em dívida (cfr. depoimento da testemunha .... );

J) Foram instaurados contra a sociedade identificada em A), pelo Serviço de Finanças de Almada 1, os seguintes processos de execução fiscal, entretanto

apensos:

1. Processo n.º 2151201201011707, instaurado em 28.02.2012, por dívida de IVA do período de 2011/11, no valor de 10.457,24 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 10.01.2012;

2. Processo n.º 21512012010135572, instaurado em 04.03.2012, por dívida de coima e custos administrativos decorrentes do respectivo processo de contra-ordenação, no valor de 268,20 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20.02.2012.

(cfr. documentos de fls. 1 dos autos e fls. 49 a 52 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos autos);

K) A sociedade identificada na alínea A) supra foi declarada insolvente, por sentença proferida em 15.01.2013, pelo Tribunal do Comércio de Lisboa - 2.º Juízo, no processo n.º 2307/12.5TYLSB (cfr. documento de fls. 39 a 44 dos autos);

L) Em 09.04.2013, foi elaborada informação no âmbito dos processos de execução fiscal identificados na alínea J) supra, com o seguinte teor:

“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. documento de fls. 52-53 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos autos);

M) Em 09.04.2013, no âmbito dos processos de execução identificados na alínea J) supra, o Chefe do Serviços de Finanças de Almada 1 proferiu despacho, no qual determinou a notificação da ora Oponente para audição prévia à reversão contra a mesma dos referidos processos (cfr. documento de fls. 55-56 da certidão do processo de execução fiscal apensa);

N) Em 24.05.2013, no âmbito da execução identificada na alínea J) supra, o Chefe do Serviço de Finanças de Almada 1 proferiu despacho de reversão da referida execução contra a Oponente, constando do mesmo o seguinte:

“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”



(cfr documento de fls. 34 a 36 dos autos e fls. 60 a 62 da certidão do processo de execução fiscal apensa aos autos).»
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.»
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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:

«Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e da certidão do processo de execução apensa, não impugnados, e dos depoimentos das testemunhas .... , .... e .... , tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Quanto à factualidade vertida na alínea F) a convicção do tribunal formou-se com base no depoimento das testemunhas .... e .... , sendo o primeiro sócio da sociedade devedora originária desde a sua constituição até ao ano de 2009, e amigo da Oponente e seu cônjuge, e o segundo sócio da referida sociedade durante toda a sua existência, e cônjuge da Oponente. Tendo, por isso, um conhecimento directo da factualidade em causa.

Ambos afirmaram de forma segura que a maior parte dos clientes eram farmácias.

Quanto aos factos fixados nas alíneas G) e H), a convicção do tribunal formou-se com base no depoimento das testemunhas .... , .... e .... (sendo este, amigo de longa data da Oponente e seu cônjuge).

Todas as três testemunhas afirmaram, de forma congruente, que, perante a crise económica e financeira então ocorrida no país, a sociedade devedora originária, a partir de 2010, teve uma acentuada redução das suas vendas e dificuldades no recebimento dos créditos sobre clientes, designadamente porque essa crise se reflectiu particularmente no sector das farmácias, principal cliente da sociedade.

Mais declararam as referidas testemunhas que, perante este contexto, a sociedade começou a sentir muitos problemas de tesouraria.

Por outro lado, todas as testemunhas declararam expressamente o facto assente em H) do probatório, ou seja, que aquando da crise sentida pela sociedade devedora originária, o fornecedor passou a exigir o pagamento antecipado dos produtos adquiridos por aquela sociedade.

No que concerne ao facto assente em H) do probatório, a convicção do tribunal formou-se com base no depoimento da testemunha .... , a qual afirmou, de forma segura, credível e com conhecimento privilegiado, que a Oponente, na qualidade de gerente da sociedade, fazia reuniões com os vendedores, motivando-os a realizarem mais vendas, e diligenciava junto dos clientes tendo em vista o recebimento das quantias em dívida. Depoimento este que é congruente com o depoimento das duas restantes testemunhas, que afirmaram que a Oponente era trabalhadora e dedicada à sociedade.

Os depoimentos das testemunhas mostraram-se credíveis e congruentes entre si, o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.»

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II.2. Enquadramento Jurídico

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente oposição procedente, com a consequente extinção, quanto à Oponente, dos processos de execução fiscal nº 2151201201011707 e apenso.
Tendo apresentado a seguinte fundamentação, em síntese:
«Voltando ao caso sub judice, resulta dos autos que a sociedade devedora originária, tendo sido constituída em 2005, desenvolveu, desde então, a respectiva actividade de forma regular, cumprindo, designadamente, as suas obrigações fiscais.
Contudo, a partir de 2010, face à crise económica e financeira mundial que também assolou o país, a sociedade executada originária teve uma acentuada redução das suas vendas e proveitos, bem como dificuldades no recebimento dos créditos sobre clientes, designadamente porque essa crise se reflectiu particularmente no sector das farmácias, principal cliente da sociedade, criando-lhe necessariamente problemas de tesouraria [cfr. alíneas F) e G) do probatório].
Com efeito, é facto público e notório, as dificuldades sentidas por Portugal, e concretamente pelo seu comércio e tecido produtivo, face à profunda crise económica mundial iniciada em 2008, e que teve particular impacto no país, face ao seu desequilíbrio orçamental, o que determinou a imposição de medidas económicas restritivas e o fraco investimento estatal. Ocorrendo ainda uma forte contracção do financiamento bancário, face à crise que assolou o sector.
Tudo isto propiciou, designadamente, a impossibilidade de cumprir compromissos ou até numerosas insolvências.
Sendo também facto público que o sector farmacêutico foi um dos mais atingidos, pelo que, constituindo as farmácias a grande parte do destino dos produtos comercializados pela sociedade devedora originária, as repercussões da mencionada crise teriam que ter nesta sociedade um impacto acrescido.
Resulta, assim, que as dificuldades sentidas pela sociedade executada originária são devidas a factores exógenos à própria actividade da empresa e à actuação da sua gerência, factores esses que se deveram à então conjuntura económica que especialmente se fez sentir em determinados sectores de actividade, de entre os quais o sector farmacêutico, a que a sociedade estava ligada, considerando o seu objecto [cfr. alínea A) do probatório].
Toda esta circunstância veio a ser agravada, não só face à concorrência de um grande operador económico (El Corte Inglês), com capacidade para melhor aguentar a crise e realizar promoções que a sociedade devedora originária não conseguia acompanhar, como pelo facto de, nesta conjuntura, o fornecedor ter exigido à sociedade o pagamento “à cabeça” dos produtos adquiridos [cfr. alínea H) do probatório]. O que, face à ausência de financiamento bancário, constituía um grande constrangimento à sua actividade.
Deve sublinhar-se, ademais, que, tendo a Oponente sido designada como gerente da referida sociedade em 15.06.2010 [cfr. alínea D) do probatório], como resulta demonstrado nos autos, tendo assim sido declarado pelas testemunhas ouvidas pelo Tribunal, naquela data já a sociedade sentia as mencionadas dificuldades económicas e financeiras, não podendo, por isso, ser a mesma, a sua gestão, a causa da situação precária da sociedade, mas antes herdeira da mesma.
Certo é também que sempre foi objectivo da Oponente a recuperação da empresa, resultando provado nos autos [cfr. alínea I) do probatório] que, perante dificuldades em cumprir as suas obrigações, face à factualidade referida supra, numa atitude proactiva, a Oponente efectuou reuniões com os vendedores, motivando-os a realizarem mais vendas, e diligenciou junto dos clientes tendo em vista o recebimento das quantias em dívida.
Face a tudo o que foi dito supra, a Oponente logrou provar factos demonstrativos da não lhe ser imputável a insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária, não só porque ficou claramente demonstrado que a impossibilidade de pagamento das dívidas fiscais em questão se deveu a razões totalmente alheias à Oponente, pois a crise financeira, de tesouraria da sociedade devedora originária, que impossibilitou o cumprimento das suas obrigações, deveu-se a uma grave crise económica e financeira mundial que teve em Portugal um dos espaços de maior repercussão, mas também porque logrou demonstrar uma actuação tendente a evitar uma situação de incumprimento da sociedade.
Face ao que ficou dito, ficou demonstrado que o Oponente não procedeu a uma gestão danosa, no sentido de frustrar o património da devedora originária, sendo antes de concluir que a normal prossecução da actividade da sociedade ficou inviabilizada por força de todos os circunstancialismos antes descritos.
A situação da sociedade foi causada por factores externos à gestão da Oponente.
Para reforçar a conclusão pela inexistência de culpa do Oponente na insuficiência do património da sociedade para o pagamento da dívida exequenda aqui em causa, sublinha-se o facto de a sociedade ter-se apresentado à insolvência, o que também constitui uma medida preventiva dos credores, demonstrativa da observância dos deveres de cuidado e de diligência que estão subjacentes ao exercício de uma gerência conforme aos padrões de actuação exigíveis em face das circunstâncias do caso concreto.
Com efeito, tendo as dificuldades financeiras iniciado em 2010, e estando aqui em causa dívidas dos anos de 2011 e 2012, o pedido de insolvência da sociedade devedora originária foi efectuado ainda naquele ano de 2012. Tendo a sociedade devedora originária sido declarada insolvente por sentença proferida em 15.01.2013 [cfr. alínea K) do probatório].
Sendo certo que era a Oponente a gerente na ocasião, tendo sido a própria firma a apresentar-se à insolvência, como consta da sentença junta a fls. 39 a 44 dos autos, tal apresentação, no momento em que ocorre, mostra-se um comportamento adequado de um gestor zeloso.
Face a todo o exposto, entende o tribunal ter ficado demonstrado que não foi por culpa da Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para solver as dívidas fiscais, logrando o mesmo ilidir a presunção de culpa que sobre si recaia, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
Assim, impõe-se concluir que o Oponente é parte ilegítima para a reversão da dívida de IVA em causa, pelo que será de proceder a presente oposição no que respeita ao processo de execução fiscal n.º 2151201201011707, instaurado para a sua cobrança, verificando-se o invocado fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.»

Inconformada, com a referida decisão veio a Fazenda Pública interpor recurso da mesma – apenas do segmento decisório, e respectiva fundamentação de facto e de direito, respeitante à reversão da dívida de IVA, conformando-se com a decisão no que respeita à reversão por dívida de coima - , por entender que a Oponente não produziu prova que permita afastar a culpa no acto de não pagamento da dívida exequenda, desde logo, porque a reversão foi realizada ao abrigo do disposto na al.b) do nº 1 do art. 24º da LGT, por se tratar de dívida tributária cujo prazo legal de pagamento terminou no período do exercício do cargo, cabendo-lhe provar e demonstrar não lhe ser imputável a falta de pagamento, prova que não faz.

Antes de mais, convém referir que embora a recorrente venha questionar vários factos dados como provados na decisão recorrida, a verdade é que não cumpre com o ónus previsto no art. 640º, nº 1, do CPC, que dispõe o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


Deste modo, nos termos previstos na citada norma, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos o direito.
Não resulta questionada a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Por outro lado, não está em causa que a oponente foi gerente de facto da devedora originária, desde 15/06/2010, cfr. al.D) do probatório.
O que está em causa nos presentes autos é saber se a oponente conseguiu fazer prova que permita afastar a culpa no acto de não pagamento da dívida exequenda.
No âmbito do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, o ónus da prova da não culpa cabe ao revertido.

Relativamente a esta matéria, foi proferido Acórdão pelo STA em 20/12/2023 no proc. 0722/14.9BEALM, cujo entendimento jurisprudencial seguiremos de perto por concordarmos com o seu teor, e que de seguida se transcreve:

«3 Daí que importe analisar os termos como a jurisprudência e a doutrina têm enquadrado a questão da responsabilidade dos administradores e gerentes à luz do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, de modo a melhor interpretar o disposto no acórdão recorrido.

1.1.14 Como se sabe, os quadros legais da questão da responsabilidade dos administradores e gerentes têm sofrido alterações, mas para este efeito importa apenas considerar as diferenças entre o disposto no artigo 24º da LGT e o disposto no artigo 13º do revogado CPT, atento que alguma da jurisprudência citada (designadamente no acórdão recorrido) tem subjacente o quadro jurídico deste último preceito legal.

1.1.15 Assim, enquanto no artigo 13º do CPT o legislador estabeleceu um presunção juris tantum quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade tributária, fazendo recaír sobre os gerentes e administradores o ónus de prova que não praticaram qualquer acto ilícito, culposo e causal da insuficiência do património da sociedade (Cfr. neste sentido, Paulo de Pitta e Cunha e Jorge Costa Santos, in “Responsabilidade Tributária dos Administradores ou Gerentes”, LEX, 1999,pág. 93.), no artigo 24º da LGT o legislador distinguiu duas situações de responsabilidade tributária: (i) A primeira, em que o facto constitutivo se verificou no período de exercício do cargo de administrador/gerente ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, em que está em causa a culpa pela insuficiência patrimonial da devedora, cujo ónus de prova recai sobre a Fazenda Pública; (ii) A segunda, em que o prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício do cargo, e recai sobre o administrador/gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento.

1.1.16 Dado que no caso dos autos estamos perante a segunda situação, configurada na alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, importa analisar em que termos tem a jurisprudência e doutrina interpretado o âmbito da responsabilidade dos administradores e gerentes à luz desta norma.

1.1.17 Na doutrina, Sérgio Vasques, refere a este propósito que «ao impor ao gestor o ónus de provar que “não lhe foi imputável a falta de pagamento” o que se lhe exige, afinal, é que demonstre que não foi por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente para satisfazer a dívida tributária» (Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 407) e que «A ilicitude está, numa e outra disposições, não na mera falta de pagamento, mas na violação das normas dirigidas à protecção dos credores da empresa. E, numa e outra disposições, essa violação haverá de ser culposa também. Só assim faz sentido o conjunto do art. 24.º» (in “A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária”, Fiscalidade, nº1(Jan.2000), pág.47-66).

Por sua vez, António Lima Guerreiro (in “LGT Anotada”, Rei dos Livros, pág.143) considera que «o fundamento da falta de culpa no não pagamento que o administrador ou gerente tem de provar é a insuficiência dos recursos que administre para o efeito, sem prejuízo de a administração fiscal poder provar que essa insuficiência do património se deve ao próprio responsável subsidiário, caso em que se mantém a responsabilidade subsidiária» (Para este Autor, se a mesma pessoa tiver desempenhado funções de administração ou gerência simultaneamente nos momentos do facto gerador e do termo do prazo de pagamento, a reversão pode fundamentar-se, cumulativamente, nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 24º da LGT.).

Também Joana Patrícia de Oliveira Santos (in “Responsabilidade dos Corpos sociais e Responsáveis técnicos”, Estudos de Direito Fiscal, pág. 35, FDUP, Almedina, 2006) perfilha o entendimento de que «o que está em causa na al.b) do artigo 24º, ºn1, da LGT, é a prática de actos (ilícitos) pelo gestor, que, por sua vez, motivou a falta de pagamento da obrigação tributária, ou seja, a prática de actos que levaram a que o património da devedora originária se tornasse insuficiente para a satisfação da referida obrigação».

1.1.18 Na jurisprudência deste tribunal tem-se considerado que na elisão da presunção consagrada na alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT o administrador/gerente tem que demonstrar que “usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC)” ou “da diligência devida a um gestor criterioso, ordenado e empenhado na sustentabilidade da empresa”(acórdão de 20/06/2012, proc. 01013/11)., e que “O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor na responsabilidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade” (acórdão de 11/07/2012, proc. 0824/11) (Sobre este tema se pronunciaram igualmente os acórdãos de 29/09/2010, proc.0498/10, e de 14/02/2013, proc. 0648/12, mas sem contributos pertinentes para o caso dos autos.).

1.1.19 Na jurisprudência dos TCA’s, em que a matéria é mais vezes analisada (por em regra estar em causa matéria de facto), é entendimento de que recai sobre o administrador/gerente o ónus da prova sobre as diligências tomadas para cumprir a obrigação tributária ou as medidas tomadas para garantir esse pagamento, nomeadamente requerendo o seu pagamento em prestações, recorrendo a meios de financiamento ou apresentar a devedora à insolvência (cfr. acórdãos do TCA de 11/01/2013, proc. 844/12.0BEALM, de 20/12/2022, proc. 775/10.9BELRS) e de que «a insuficiência do património da sociedade devedora para satisfazer as dívidas exequendas não procedeu de culpa sua, ou seja, demonstrar que a sua atuação, enquanto gerente, não foi idónea, segundo um juízo de causalidade adequada, à ocorrência da insuficiência patrimonial» (ac. do TCA Norte de 27/10/2021, proc. 02921/06.8BEPRT), para além de que «Embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” (ac. do TCA Norte de 29/10/2009, proc. 00228/07.2BEBRG).

1.1.20 Da interpretação que a doutrina e a jurisprudência fazem sobre os termos da responsabilidade dos administradores e gerentes à luz do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, resulta que o apuramento dessa responsabilidade tem subjacente o juízo de culpa pela falta de pagamento da obrigação tributária, o qual pode ser afastado se comprovarem que efetuaram as diligências que se lhe impunham em razão do exercício de tais funções (diligência devida a um gestor criterioso - art. 64º do Código das Sociedades Comerciais e art.32º da LGT) e tomaram todas as medidas para acautelar os interesses dos credores, designadamente o credor tributário.

1.1.21 Ora, que relevância tem neste âmbito a medida da apresentação da devedora à insolvência? Para Rui Duarte Morais, num apontamento a que aderimos, «A questão que nos interessa aqui considerar coloca-se quando as disponibilidades de tesouraria não existem ou não são suficientes para integral pagamento das dívidas de imposto vencidas. Em tal situação, a obrigação legal que impende sobre os titulares dos órgãos executivos (gerentes, administradores, etc.) é a de apresentar a sociedade (a pessoa coletiva, melhor dizendo) à insolvência. Tal obrigação decorre, desde logo, do disposto no art. 18.º, n.º 1 do CIRE, do dever de apresentação à insolvência». – Rui Duarte Morais, in “INSOLVÊNCIA DA SOCIEDADE E RESPONSABILIDADE FISCAL DOS SEUS ADMINISTRADORES – ALGUMAS QUESTÕES - REVISTA ELECTRÓNICA DE FISCALIDADE DA AFP (2019) ANO I – NÚMERO 2.

1.1.22 Ou seja, exige-se ao administrador a apresentação da sociedade (pessoa coletiva) à insolvência quando a devedora se encontre numa situação de impossibilidade de cumprir de uma forma geral as suas obrigações vencidas – artigo 3º, nº1, do CIRE.»

Aqui chegados, importa apreciar o caso concreto.

A sociedade devedora originária “.... , Lda.” tinha como objecto social a comercialização a retalho de artigos médicos e ortopédicos, cfr. al. A) do probatório.

A oponente, ora recorrida foi designada como gerente da sociedade devedora originária em 15.06.2010, cfr. al. D) do probatório.

A dívida exequenda respeita a IVA do período de 2011/11, no valor conforme melhor discriminada na al. J) do probatório.

Conforme se extrai da alínea L) do probatório, a sociedade devedora originária cessou a actividade para efeitos de IVA em 07.05.2012.

Na gerência da oponente, a sociedade devedora originária apresentou-se à insolvência, tendo sido declarada insolvente por sentença proferida em 15.01.2013, cfr. alínea K) do probatório.

Face à factualidade exposta, temos de concordar com o Tribunal a quo quando escreveu:

«Deve sublinhar-se, ademais, que, tendo a Oponente sido designada como gerente da referida sociedade em 15.06.2010 [cfr. alínea D) do probatório], como resulta demonstrado nos autos, naquela data já a sociedade sentia as mencionadas dificuldades económicas e financeiras, não podendo, por isso, ser a mesma, a sua gestão, a causa da situação precária da sociedade, mas antes herdeira da mesma.»

Efectivamente, a oponente em 15.06.2010, assumiu a gerência de uma sociedade com muitas dificuldades económicas e financeiras, face à profunda crise económica mundial iniciada em 2008, sendo também facto público que o sector farmacêutico foi um dos mais atingidos.
Esta circunstância veio a ser agravada face à concorrência de um grande operador económico (El Corte Inglês), com capacidade para realizar promoções que a sociedade devedora originária não conseguia acompanhar, sendo que a essa conjuntura se juntou o facto de o fornecedor ter exigido à sociedade o pagamento “à cabeça” dos produtos adquiridos, cfr. al. H) do probatório.

Foi uma sociedade devedora originária em dificuldades económicas e financeiras que a oponente “herdou” quando foi nomeada gerente.
No pouco tempo em que foi gerente, a oponente tentou recuperar a empresa, cfr. al. I) do probatório, diligenciando junto dos clientes o recebimento das quantias em dívida e/ou reunindo-se com os vendedores, motivando-os a fazerem mais vendas.
Por último, e em face da situação económica e financeira da sociedade apresentou a sociedade à insolvência, que conforme jurisprudência supra citada, «exige-se ao administrador a apresentação da sociedade (pessoa coletiva) à insolvência quando a devedora se encontre numa situação de impossibilidade de cumprir de uma forma geral as suas obrigações vencidas – artigo 3º, nº1, do CIRE.»

A este propósito, convém realçar, porque não é irrelevante para o desfecho da causa, que estando aqui em causa dívida de IVA relativa a 2011/11, cuja data limite de pagamento era 10/01/2012, o pedido de insolvência da sociedade devedora originária foi efectuado ainda naquele ano de 2012.
Significa isto que o termo do prazo de pagamento da dívida exequenda foi coincidente com o ano do pedido de insolvência da sociedade devedora originária.
Tendo a sociedade devedora originária sido declarada insolvente por sentença proferida logo no ínicio de 2013 (15.01.2013) [cfr. alínea K) do probatório].


Vem a recorrente alegar que aquando da apresentação à insolvência a devedora originária já tinha uma dívida acumulada de grande dimensão, sem activos para fazer face aos créditos vencidos e sem actividade comercial que lhe permitisse perspectivar a obtenção de eventuais proveitos para fazer face às dívidas acumuladas.

Ora, salvo melhor opinião, tal alegação não pode constituir a base do juízo de culpa sobre a responsabilidade dos administradores e gerentes, tal como a doutrina e a jurisprudência o têm enunciado, á luz do disposto no artigo 24º da LGT.

Como supra referimos, a oponente no seu pouco tempo de gerência tentou recuperar a empresa, e não o tendo conseguido fazer, apresentou a mesma à insolvência, que é aquilo que se exige ao gerente quando a devedora se encontre numa situação de impossibilidade de cumprir de uma forma geral as suas obrigações vencidas.

Em face de todo o exposto, consideramos que no caso em apreço, a oponente/recorrida logrou afastar a presunção de culpa vertida na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, sendo parte ilegítima da execução.

A sentença recorrida que assim também entendeu, não merece qualquer censura.

Perante o exposto entendemos ser de negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.


*****

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 30 de Outubro de 2025



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[Lurdes Toscano]

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[Susana Barreto]

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[Luísa Soares]