Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1433/15.3BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/15/2025 |
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Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
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Descritores: | CESE 2014 INCONSTITUCIONALIDADE |
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Sumário: | I – A contribuição extraordinária sobre o setor energético é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica. II – Não é nulo o acto tributário, por violação da regra da discriminação orçamental. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório L......., S.A. (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto tributário de liquidação de Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE) respeitante ao ano de 2014, no valor de € 4.552.974,15, e dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 22.453,02.
A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso nas quais formulou as seguintes conclusões: “A. A Recorrente não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE) - e que, em rigor, constituiu o único objectivo da CESE, não só em 2014, ano a que respeitam os actos tributários cuja declaração de ilegalidade se requer, mas também até ao momento. C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, passados quase três anos do início de vigência do tributo, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido. E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade - no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental -, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares - para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais. G. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo, esse foi o único objectivo prosseguido efectivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afecta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respectiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético. H. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. I. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto - um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. J. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13° da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) - designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. K. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas - uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório. L. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. M. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN - um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. N. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. O. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), P. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades - como a Recorrente - que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). Q. Por fim, entende a Recorrente que caberá, nesta sede, invocar a ilegalidade do acto de (auto)liquidação por violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CESE não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CESE aqui em causa - 2015 -, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CESE até à presente data - 2014 a 2024, como se demonstrará. R. Vício que, entende a Recorrente, é cominado com nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.° do CPA, como se demonstrará. S. Ora, a nulidade é, nos termos do disposto no número 2 do artigo 162.° do CPA e no número 1 do artigo 58.° do CPTA, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e é suscetível de ser, oficiosamente, conhecida e declarada, termos em que é forçoso concluir pela inexistência de óbice à sua invocação no âmbito do presente Recurso. T. Sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser susceptíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CESE, cf. o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “(...) até transitar em julgado a decisão final do processo em que se discute a validade do ato, a situação jurídica gerada com a sua prática está instável, pelo que não se podem gerar expectativas dignas de tutela jurídica relativas à validade do ato impugnado e sua manutenção. Por isso, uma vez impugnado o ato, a preclusão do direito de arguir novos vícios não se impõe por razões de segurança jurídica, mas essencialmente por razões de disciplina e economia processuais, para que o processo tenha a tramitação normal prevista na lei, presumivelmente a mais adequada para apreciação dos direitos em litígio. Nestas condições, não havendo prejuízo para a segurança jurídica, é aceitável que se admita a discussão das questões de constitucionalidade durante o processo, mesmo oficiosamente, atenta a relevância jurídica das normas constitucionais.” (cf. Lopes de Sousa, Jorge - Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado - Vol. III, 6a edição, Áreas Editora, 2011, pp. 445 e 446, nota 4 - sublinhado do Recorrente). U. A possibilidade de invocação, em sede de Recurso, de questões de inconstitucionalidade foi, com efeito, reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo: “I - Em recurso interposto para o STA de decisão proferida pela 1a instância pode ser alegada a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos essenciais do tributo, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimentooficioso(cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de dezembro de 2000, proferido no processo n.° 024319, disponível em www.dgsi.pt). V. Assim, entende a Recorrente estar em tempo para invocar a nulidade de que padece a autoliquidação de CESE sub judice, por violação de lei e de normas constitucionais, nos termos em que, de seguida, se expõe. W. O princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.° da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n° 91/2001, de 20 de agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.° a 17.° da LEO, aprovada pela Lei n° 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição da “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, conforme se dispõe no artigo 105.°, n.° 1, alínea a), da CRP. X. Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação (a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação). Y. O fundamento da regra da especificação orçamental reside nos requisitos de clareza e maior verdade e, bem assim, numa perspetiva de racionalidade financeira e controlo político (cf. Sousa Franco, A. L.- Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353). Z. Esta regra orçamental da especificação integra duas proibições: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento. AA. Ora, poder-se-á concluir, como faz Maria d’ Oliveira Martins, que a regra orçamental da especificação serve o princípio da publicidade do Orçamento, que “implica a obrigação de tornar públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e a sua execução(cfr. cit Anexo n.° 2, p. 32 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria DOliveira Martins). BB. Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO (esta última, tanto na versão de 2001, como na versão de 2015), preveem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional. CC. Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, recorde-se, estabelece o artigo 8.° da LEO de 2001 que “As receitas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica” (cf. também artigo 17.° da LEO de 2015). DD. Sucede, porém, que a CESE - tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza - não se encontra devidamente orçamentada de acordo com a regra da especificação orçamental. EE. Embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista na Lei do Orçamento do Estado - neste caso, por referência ao ano de 2014 -, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto na CRP e na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, suficiente a inscrição global das receitas do FSSSE no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado até 2020 e, em 2021, 2022, 2023 e 2024, da receita da presumivelmente apenas dentro da categoria de “impostos diretos diversos” do Mapa 5. FF. Na Lei do Orçamento do Estado para 2014, a CESE não é mencionada, especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais sendo que, da consulta do Relatório do Tribunal de Contas n° 3/2015, parece resultar que a CESE terá sido contabilizada, no Mapa I, no Capítulo 0.8 “Outras receitas correntes”. GG. Todavia, tal como resulta do referido Mapa I, não é possível aferir se, realmente, tal contabilização se deu, uma vez que, como se referiu, a receita da CESE não se encontra especificada em nenhum dos mapas anexos à Lei do Orçamento do Estado para 2014. HH. A este respeito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2015, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê-se, tão-só, a arrecadação pelo FSSSE do montante global de € 150.000.000 (cento e cinquenta milhões de euros). II. Se é certo que, do artigo 3.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril, resulta que constitui receita do FSSSE, designadamente, o produto da CESE, assim como outras receitas provenientes de aplicações financeiras, de doações, heranças, entre outras, no aludido Mapa V, as receitas do FSSSE não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se especifica quais os montantes, a título de CESE, que, afinal, se autoriza que sejam cobradas durante o ano e consignados ao FSSSE, em clara violação da CRP (artigo 105°, n° 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,° da LEO de 2001 e 17.° da LEO de 2015). JJ. De onde se conclui que não está, por isso, discriminado de que é constituído o valor inscrito no Mapa V, de € 150.000.000 (cento e cinquenta milhões de euros), e desse valor, assumindo que ali está incluída a CESE, qual o que lhe corresponde. KK. Ora, só com o cumprimento efetivo das necessidades de individualização decorrentes do princípio da especificação, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido pela CRP e pela LEO, razão pela qual existe este princípio. LL. É apodítico afirmar que estamos perante uma contribuição que deve ser considerada um tributo distinto dos impostos e taxas, e que, pelas suas características não pode deixar de estar sujeita a uma autorização política parlamentar, para a sua cobrança anual, bem como, sem uma desagregação das receitas correspondentes aos diferentes tipos de tributos, que visam objetivos fiscais e extrafiscais distintos, não é possível alcançar o cumprimento da autonomização, desagregação e especificação orçamental que deveria, e, nessa medida, a criação e manutenção da CESE viola os princípios basilares constitucionais. MM. Conforme se referiu supra, no caso particular do ano de 2014, apenas se consegue apreender que a CESE se encontra englobada na categoria das “outras receitas correntes” do Mapa I através do Relatório do Tribunal de Contas que ordena que a receita da CESE passe a integrar a categoria de “outros impostos diretos” (v.g. Relatório n.° 3/2015 do Tribunal de Contas, p. 26). NN. De todo o acabado de expor resulta o seguinte: i) no Orçamento do Estado para 2014 não é possível encontrar a receita da CESE no meio das demais receitas tributárias; ii) não é, de todo, possível apurar o montante da receita que se previa arrecadar com a CESE; iii) não foi cumprido o desiderato para o qual foi criada a CESE, isto é, a sua transferência, ainda que parcial, para o FSSSE. OO. Com efeito, no Orçamento do Estado para 2014, e até 2024, o legislador volta a violar a regra orçamental da especificação orçamental porquanto, ao englobar a CESE numa categoria residual como é o caso das “outras receitas correntes” (em 2014) e “impostos diretos diversos” (nos anos seguintes e até 2024), está a promover aglomerados de receita, precisamente o que a aludida regra orçamental visa proibir. PP. De todo o acabado de expor resulta que, embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista na Lei do Orçamento do Estado - neste caso, por referência ao ano de 2014 -, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto na CRP e na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, suficiente a inscrição global das receitas do FSSSE no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado até 2020 e, em 2021, 2022, 2023 e 2024, da receita da presumivelmente apenas dentro da categoria de “impostos diretos diversos” do Mapa 5. QQ. Ainda quanto à forma de inscrição orçamental da CESE nos mapas das leis de orçamento de Estado de 2014 a 2024, integradas numa categoria genérica, a de “outras receitas correntes” (em 2014) ou de “impostos diretos diversos” (de 2015 a 2024), desrespeita as exigências de desagregação de receitas decorrentes do princípio da especificação que constitui uma violação do artigo 105.°, n.° 1, alínea a) da CRP, do artigo 8.°, n° 1 da LEO 2001 e do artigo 17.°, n° 2 da LEO 2015. RR. Nesta medida, é forçoso concluir que a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição - e à sua não autorização - no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado. SS. A este respeito, Casalta Nabais vai ainda mais longe, entendendo que “(...) o cumprimento do princípio da especificação obriga não só ao cumprimento das exigências constitucionais, mas também das exigências legais e destas decorre não apenas a necessidade da sua previsão no Orçamento do Estado, mas também a sua correcta especificação. Assim, as receitas da CESE teriam que constar dos Mapas I, ou seja, conjuntamente com as receitas dos serviços integrados, por classificação económica. Mas a verdade é que, apesar de uma análise muito cuidada não encontramos a sua menção na classificação respectiva, isto é, como receita corrente” (cfr. cit Anexo n.° 1, p. 9 do Parecer do Professor Doutor José Casalta Nabais) - sublinhado da Recorrente. TT. Por outro lado, esta deficiente inscrição orçamental das receitas da CESE atenta, não apenas contra o princípio da legalidade, por violação da regra orçamental da especificação das receitas, mas gera, também, o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente os princípios da transparência, da unidade e da universalidade. UU Quanto à forma de inscrição orçamental da CESE em conformidade com o princípio da especificação, Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha, reiteram que “(...) nenhuma dessas leis contém uma autonomização da receita correspondente a esta contribuição. (...) De facto, já vimos que estamos perante um tributo distinto dos impostos e taxas e que, pela sua natureza, importância e especificidade do facto justificativo não pode deixar de estar sujeito a uma autorização política autónoma para a sua cobrança anual, que a submeta ao crivo de um debate político-institucional público e plural. (.) Por outro lado, a não autonomização das contribuições financeiras relativamente às demais receitas correntes (desagregando-as dos impostos e taxas) impede igualmente que o orçamento cumpra eficazmente a sua função económica. Com efeito, tendo a CESE sido criada e mantida não com uma finalidade genérica de angariação de receitas, mas com objetivos específicos que incluem a prossecução de finalidades extrafiscais - tendo em conta as atribuições do Fundo ao qual tais receitas estão consignadas no que respeita ao reforço da sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional - a Assembleia da República deve estar em condições de, através do processo democrático de determinação das opções financeiras do Estado - que é aprovação do Orçamento do Estado -, analisar a influência da cobrança deste tributo sobre a prossecução desses objetivos de politica económica. Ora, o desempenho desta tarefa não é evidentemente possível se não houver uma desagregação dos diferentes tributos, surgindo as receitas das contribuições financeiras integradas numa categoria residual dos impostos. Tal desagregação é, pois, também necessária ao exercício da função económica que vimos ser assegurada pelo orçamento de Estado. Finalmente, a não autonomização das receitas das contribuições financeiras impede que o orçamento de Estado desempenhe adequadamente a sua função jurídica. Como se disse, é o orçamento de Estado que fixa a competência material específica dos órgãos e agentes do Estado no domínio da arrecadação de receitas, limitando a sua atuação no plano administrativo na medida em que estes só podem anualmente cobrar as receitas que tipicamente nele estejam previstas.” (cfr. cit Anexo n.° 4, p. 32 a 34 do Parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha) - sublinhado e realce da Recorrente. VV. Acresce, ainda, referir que o facto de o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 7/2019, de 8 de janeiro, ter (pese embora sem força obrigatória geral) qualificado a CESE como uma “contribuição financeira”, e não como uma taxa ou imposto, também não poderá justificar o aligeiramento da especificação orçamental quanto a estas receitas. WW. Em primeiro lugar, porque quer a CRP, quer a LEO referem-se a receitas, sem especificar a sua origem. XX. Depois, porque as contribuições financeiras possuem características semelhantes aos impostos, tendo assim sido vistas, quer pelo Tribunal de Contas, que a qualificou, em 2015, na categoria dos “impostos diretos”, quer pelo Estado, que anulou a sua propriedade comutativa (determinante para o Tribunal Constitucional a ter qualificado como contribuição financeira) ao não transferir, em 2014 e em 2015, o produto da receita da CESE para o FSSSE, tendo, assim, servido finalidades públicas gerais. YY. Por tudo, verifica-se a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2014 a 2024, foi efetuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE. ZZ. Razão pela qual, a omissão da referência à CESE nos Orçamentos do Estado para 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024 corresponde a uma manifesta violação da regra orçamental prevista no artigo 8.° da LEO de 2001 (aplicável aos Orçamentos de Estado de 2014 e 2015) e do artigo 17.° da LEO de 2015 (aplicável aos Orçamentos de 2016 a 2024) e, bem assim, à violação do Decreto- Lei n° 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.° da CRP. AAA. Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise os outros referidos princípios e regras orçamentais, em especial, aqueles que mais se relacionam com esta, como são os da proibição de compensação e da compensação. BBB. A CESE viola, também, o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade, decorrente do facto de o legislador manter a contribuição financeira sem minimamente explicitar as razões que, nesse contexto de redução da dívida tarifária, continuam a tornar imprescindível a CESE, com os efeitos manifestamente ablativos para a esfera jurídica patrimonial das empresas daí decorrentes. CCC. Com efeito, é certo que o objetivo do legislador, quando fixou a CESE, não era o de supressão integral do défice tarifário, mas o da sua “redução”; e também é inequívoco que tem existido uma progressiva e acentuada redução desse défice, que, segundo os dados da ERSE, atingiu em 2023 um valor (800 milhões) que representa apenas 1/5 do existente em 2015 (5080 milhões). DDD. Ora, neste contexto, não parece ser aceitável que a medida em causa seja sucessivamente reiterada sem que se procure minimamente justificar em que medida continua a ser necessária para alcançar aquele objetivo específico de redução do défice tarifário (ou, dito de outra forma, em que medida a ampla redução da dívida tarifária alcançada não corresponde já aos objetivos de política pública inicialmente prosseguidos). EEE. Esta violação é agravada ainda, pelo facto de tal medida continua a ser qualificada como extraordinária, e, desse modo, mantém associada uma condição de “extraordinariedade”, cujo maior ou menor cumprimento deveria ser possível aos seus destinatários aferir ao longo da vigência do tributo. FFF. Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha rematam este argumento referente à ausência de justificação da manutenção da CESE, referindo que “[o]ra, neste contexto, em que é inquestionável e unanimemente reconhecido que a dívida tarifária tem vindo a decrescer de forma continuada, atingindo hoje um valor que constitui menos de 1/5 daquele que tinha quanto a CESE foi criada, não se poderá deixar de entender que o legislador está sujeito a uma especial dever de justificar em que medida essa substancial redução já alcançada não constitui uma alteração da "conjuntura" que fundamentou a criação da medida; ou, noutra perspetiva, de apresentar as razões que expliquem que, mesmo neste contexto, seja imprescindível uma medida que visava “contribuir" para a redução da dívida tarifária e foi qualificada como "extraordinária"” (cfr. cit Anexo n.° 4, p. 50 do Parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha) - sublinhado e realce da Recorrente. GGG. Nessa medida, a não demonstração do nexo existente entre a restrição/limitação de direitos fundamentais (neste caso, o direito à igualdade tributária e o direito de propriedade), e a prossecução de certo interesse juridicamente relevante, é ainda mais censurável, configura, indubitavelmente, a violação do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade. HHH. Noutra perspetiva, podemos enquadrar a incidência da CESE como violadora do princípio da igualdade tributária (cfr. artigo 13.° da CRP), visto que, esta reflete uma diferenciação de tratamento ao ser exigida de um grupo específico e diferenciável de empresas e não a todos os contribuintes. III. Conclui-se, assim, que, no que concerne à violação do princípio da igualdade tributária, "inexiste, pois, uma equivalência que possa materialmente justificar, à luz do princípio da igualdade tributária, a tributação dessas empresas através da CESE, pelo que a exigência deste tributo a tais entidades é inconstitucional por violação daquele princípio(cfr. cit Anexo n.° 4, p. 57 do Parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha) - sublinhado e realce da Recorrente. JJJ. Acresce que, como acima já se deixou referido, a violação do princípio da especificação conduz à nulidade dos “créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)”, conforme preveem o artigo 8.° n.° 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n.° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista. KKK. Ora, como bem refere Maria d’ Oliveira Martins, “implicando as inconstitucionalidades e as ilegalidades detetadas na sua orçamentação a invalidade e a total improdutividade (nulidade absoluta) dos créditos orçamentais relativos à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, isso não pode deixar de ter como consequência que os atos de liquidação e cobrança fiquem sem base legal de apoio, por não haver previsão orçamental das mesmas. Sem previsão orçamental, a Autoridade Tributária deixa de ter autorização para cobrança desta receita.” (cfr. cit Anexo n.° 2, p. 77 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D’Oliveira Martins). LLL. Por este motivo, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO. MMM. Importa, ainda, chamar à colação o teor do recentíssimo Acórdão n° 411/2022, do Tribunal Constitucional (TC), no qual este Tribunal se dedica à análise da eventual violação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, pelo disposto no artigo 11.°, n° 1, do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), no qual, salvo melhor opinião, ao mesmo tempo que se defende que a violação do princípio da discriminação da regra da especificação não poderá ter consequências - nem sequer reflexas - ao nível normativo, se defende que tal violação deverá, porém, inquinar o próprio ato de liquidação do crédito, na medida em que os créditos que lhes subjazem são inválidos. NNN. Do que antecede decorre que o TC relega a palavra final para os tribunais tributários, uma vez que, de acordo com o Acórdão em escrutínio, o vício decorrente da violação arguida adere ao ato de liquidação e não à norma que prevê a consignação do tributo, i.e., o 11.°, n.° 1, do RCESE (norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela ali Recorrente). OOO. No que respeita ao impacto da inconstitucionalidade as autoliquidações de CESE realizadas, considerando que estas correspondem “a meras declarações de facto, sem relevância jurídica”, e que, consequentemente, os atos de cobrança, enquanto atos de execução das autoliquidações, também correspondem a meras condutas de facto não enquadradas juridicamente, porquanto um dos traços caracterizadores da inexistência de ato administrativo é o de “as condutas executivas da Administração serem necessariamente vias de facto”, e nesse caso, deverão ser considerados os atos de autoliquidação inexistentes, nos termos do artigo 155 °, n.° 2 do CPA. PPP. Mas se não se considerar a intervenção da inexistência dos actos de (auto)liquidação e de cobrança, sempre se deverá considerar a invalidade por nulidade dos actos de (auto)liquidação e de cobrança, nos termos do artigo 161.°, n° 2, alínea j) e/ou k) do CPA, e os atos de autoliquidação praticados antes da entrada em vigor deste diploma, portanto, praticados em 2014, devem considerar-se inexistentes ou, subsidiariamente, nulos, ao abrigo do n.° 1 e al. d) do n° 2 do artigo 133.° do CPA de 1991. QQQ. Concluindo, suscita-se, expressamente e desde já, e nos termos que antecedem, a (in)constitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013;(ii) da norma que se retira do artigo 1.° do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iii) da norma que se retira do artigo 2.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 3.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (v) a norma que se retira do artigo 6.° do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vi) a norma que se retira do artigo 11.° do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (vii) da norma que se retira do artigo 12.° do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE, no sentido de que são devidos pelo contribuinte e não são nulos créditos tributários da CESE respeitantes ao ano de 2014, quando inexista especificação orçamental (a CESE de 2014 não é mencionada especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais, como demonstrado pela Recorrente) da receita que o Estado previu arrecadar para o FSSSE, por a CESE não ser a única fonte de receita do aludido Fundo. RRR. Em consequência, deverão os atos de (auto)liquidação de CESE ser considerados inexistentes, nos termos do artigo 155.°, n.° 2 do CPA. Caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar a invalidade por nulidade dos actos de (auto)liquidação e de cobrança, nos termos do artigo 161.°, n.° 2, alínea j) e/ou k) do CPA, e os atos de autoliquidação praticados antes da entrada em vigor deste diploma, portanto, praticados em 2014, devem considerar-se inexistentes ou, subsidiariamente, nulos, ao abrigo do n.° 1 e al. d) do n.° 2 do artigo 133.° do CPA de 1991. SSS. A Sentença a quo deveria, pois, ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 11.° e 12.° do regime jurídico da CESE, aqueles que concretizam as violações da Constituição arguidas nos autos. Não o tendo feito, incorre em vício de violação de lei, devendo por isso ser revogada. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, REQUER-SE A V. EXAS. QUE JULGUEM TOTALMENTE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E A SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DECLARE A INEXISTÊNCIA, OU, SUBSIDIARIAMENTE, A NULIDADE, OU, AINDA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, A ANULAÇÃO DOS ACTOS IMPUGNADOS. MAIS SE REQUER A V. EXAS., NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 651.°, N.° 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), SE DIGNEM ADMITIR A JUNÇÃO AOS PRESENTES AUTOS DE RECURSO DOS PARECERES DA AUTORIA DO PROFESSOR JOSÉ CASALTA NABAIS, DA PROFESSORA MARIA DOLIVEIRA MARTINS, DO PROFESSOR TIAGO DUARTE E DOS PROFESSORES SÉRVULO CORREIA, RUI MEDEIROS, FILIPA URBANO CALVÃO E ANTÓNIO CADILHA, IDENTIFICADOS COMO ANEXOS N.° 1, N.° 2, N.° 3 E N.° 4, RESPETIVAMENTE.” A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atendendo às conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se: - A Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) é um imposto materialmente inconstitucional. - Ainda que a CESE seja uma contribuição financeira, a mesma é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade e, dentro deste, da capacidade contributiva. - E, ainda, e utilizando o resumo da Recorrente, se a CESE sofre de (in)constitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013; (ii) da norma que se retira do artigo 1.° do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iii) da norma que se retira do artigo 2.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 3.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (v) a norma que se retira do artigo 6.° do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vi) a norma que se retira do artigo 11.° do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (vii) da norma que se retira do artigo 12.° do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE, no sentido de que são devidos pelo contribuinte e não são nulos créditos tributários da CESE respeitantes ao ano de 2014, quando inexista especificação orçamental (a CESE de 2014 não é mencionada especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais, como demonstrado pela Recorrente) da receita que o Estado previu arrecadar para o FSSSE, por a CESE não ser a única fonte de receita do aludido Fundo.
II.1. Fundamentação de facto O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: G. A impugnante procedeu à entrega dos elementos a que se referem os pontos 2. e 3. da notificação referida na alínea D), os quais serviram de base aos cálculos efectuados pela Inspecção Tributária e que consubstanciam o apuramento de CESE pela AT. * Da decisão recorrida consta, ainda, a seguinte menção: “Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.” * Quanto à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte: “A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário e procedimento de reclamação graciosa, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.” * Como se viu, a Recorrente com as alegações de recurso juntou vários pareceres jurídicos, solicitando a sua admissão aos autos, nos termos do art. 651.°, n.° 2, do Código de Processo Civil. Esta norma dispõe que as partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão. Tal como ficou consignado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no proc. n.º 2332/19.5T8VNG-A.P1, de 08-09-2020, “(…) II - O CPC separa de uma forma clara a junção de documentos destinados à prova dos factos alegados como fundamento da ação ou da defesa, da junção de pareceres, independentemente da natureza que estes tenham, permitindo afirmar que para o CPC os pareceres, nomeadamente os de natureza jurídica, têm um regime de aquisição processual e são realidade diversa dos documentos, que integram a prova documental e que se destinam à prova dos factos que servem de fundamento à ação ou à defesa. III - As opiniões dos técnicos valem como meios de prova ou como pareceres, conforme sejam emitidos em diligência judicial, em resposta a quesitos formulados em arbitramento, ou sejam emitidos por via extrajudicial, sendo que neste último caso, enquanto resultado da investigação e do trabalho de pessoa com competência especializada na matéria, representam apenas e em todo o caso uma simples opinião sobre a solução a dar a determinado problema, a qual, consequentemente, não vincula o tribunal a segui-la, ainda que não deva ser negligenciada nas situações em que seja persuasória e com utilidade para a boa decisão da causa.” Não se destinando um parecer jurídico a servir de meio de prova mas tão somente a ajudar a esclarecer o espírito do julgador, não é considerado documento. E, por isso, pode ser junto aos autos, até se iniciarem os "vistos". Nestes termos, admite-se a junção de tais pareceres, independentemente da avaliação que oportunamente se venha a fazer sobre a sua valia na apreciação da matéria objecto do litígio. * II.2. De Direito L......., S.A. vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação que interpôs contra o acto tributário de liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), referente ao ano de 2014.
Antes, porém, de começar, há que dizer que, sobre algumas das questões aqui colocadas, relativamente à natureza do tributo em causa como contribuição financeira, à interpretação e aplicação ao caso dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, concretizado nos princípios da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real, bem como a questão do carácter extraordinário da CESE, se pronunciou já este Tribunal Central Administrativo Sul, ao apreciar uma situação em tudo idêntica à presente, estando naquele caso em discussão a CESE referente ao ano de 2016, no Acórdão proferido em 13-01-2022, no proc. 1474/17.6 BELRS, o qual cita os Acórdãos proferidos nos processos n°s 1034/18, de 14-01-2021, 322/19, de 17-09-2020, 536/17, de 30-09-2020, 1540/18, de 11-11-2021 e 2251/18, de 15-12-2021, jurisprudência com a qual se concorda inteiramente, pelo que aqui se acolhe, passando a transcrever-se os fundamentos da decisão ali proferida sobre esta matéria: “(…) A Recorrente começa por sustentar que não exerce qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade, logo em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma direta ou especial, da atividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa.
h) - Sejam operadores de transporte de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.° 31/2006, de 15 de fevereiro; 3 - No caso das atividades reguladas, a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos ativos regulados aceites pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) na determinação dos proveitos permitidos recuperados pelas tarifas do ano seguinte, caso este seja superior ao valor dos ativos referidos no n.° 1. Importa, igualmente, ter presente que o artigo 4.º do citado Regime tipifica as situações de isenção de CESE, o artigo 5.º consagra a não repercussão e o normativo 11.º sob a epígrafe de “Consignação”, consagra que: "A questão que se coloca, em primeiro lugar, prende-se com a configuração da CESE, enquanto tributo. Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.° 3.º da Lei Geral Tributária (LGT). A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas. Como se refere no Acórdão n.° 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015: "[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.°, n.° 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em "Constituição da República Portuguesa Anotada," I vol., pág. 1095, 4.a ed., Coimbra Editora). As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (...). Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.°, n.° 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa" (sublinhados nossos). Como referido por Sérgio Vasques[i]: "O que (...) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios". Sobre esta questão, num primeiro momento, já se pronunciaram os tribunais arbitrais tributários, em decisão proferida a 07.01.2016, no processo n.° 312/2015- T, decisão de que houve recurso para o Tribunal Constitucional, na sequência do qual foi proferido o Acórdão n.° 7/2019, a 08.01.2019. É ainda de sublinhar que, também neste caso, o sujeito passivo da CESE era uma entidade que não exercia atividade no setor electroprodutor ou em qualquer outro subsetor da eletricidade. No mesmo sentido também já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdãos de 08.01.2020 (Processo: 0386/17.8BEMDL), de 16.09.2020 (Processo: 0387/17.6BEMDL) e de 16.12.2020 (Processo: 0415/16.2BEVIS), e, bem assim, este TCAS, em Acórdãos de 17.09.2020 (Processo: 322/19.7BEALM), de 30.09.2020 (Processo: 536/17.4BEALM) e de 16.12.2020 (Processo: 822/18.6BELRA). (...) Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida. Deixando de lado o problema de saber se a CESE assume natureza extraordinária, (...) é de acompanhar, sem reservas, a apreciação deste aspeto realizada na decisão recorrida: «Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula- travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas. Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário. Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal - sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como "extraordinário", é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que "exige" a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu - será, nesse sentido, «provisório». Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza "extraordinária" - e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.° daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.° e artigo 3.°, n.° 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.°, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência - e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual. Sobre este último ponto, este Tribunal, no caso sub judice - que se reporta, de resto ao primeiro ano da cobrança do tributo, e em que, logo, a questão do seu prolongamento não se põe não tem de, nem pretende tomar posição. Mas o facto - o que só confirma o carácter «extraordinário» da contribuição é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.° da Lei n.° 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015). E não se argumente, contra o carácter extraordinário e «provisório» da CESE, com o facto de a mesma integrar o leque de receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, e este Fundo ter sido criado com um carácter permanente, à semelhança dos seus homólogos europeus (ex. Fondo nazionale per l'efficienza energética, art. 15 do Decreto Legislativo 4 luglio 2014, n. 102): é que tal circunstância, como é claro, é perfeitamente irrelevante, ou ineficaz, para alterar normativamente a natureza da CESE, tal como resulta das leis que a preveem. [...] Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante - será mesmo causa suficiente- para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída. [...]» (...) Acresce que a CESE é consignada a um fundo que tem natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (...). Esta consignação ao FSSSE foi expressamente fixada, logo na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 11.º do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013), retirando esta receita ao financiamento de despesas públicas gerais do Estado. A jurisprudência do Tribunal Constitucional já considerou ser esta uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais, confirmando a relação de bilateralidade, como decidido pelo Tribunal no Acórdão n.° 152/2013, relativo à taxa pela utilização do espetro radioelétrico. No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.° do Regime jurídico da CESE). Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado. Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.° 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados - como é o caso da recorrente -, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos. Por outro lado, e relativamente às isenções previstas no artigo 4.° do regime da CESE, sendo, à partida, variado o leque de obrigados pelo tributo, a pretensão da sua criação será a de permitir, de algum modo, a distinção do seu impacto nos diferentes operadores económicos, visto que as diferenças normativas de regime já lhes definiram, previamente, distintos direitos e obrigações administrativas, ao modelarem a respetiva atividade. Ao estabelecer isenções, o legislador dá indicação de procurar atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores, em função da natureza da sua atividade, que os colocam em planos não coincidentes relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade sistémica do setor energético. O mesmo se diga da opção de não estabelecer uma taxa única aplicável à base de incidência definida, que fosse indiferenciável para todos os operadores. Daqui não se segue - o que é reforçado pela natureza do tributo em causa - que, da definição das isenções, ou da diferenciação introduzida, dentro de cada grupo de operadores económicos, em função do critério dos ativos como base de incidência, ou da distinção feita através da definição de taxas diferentes, tenham de resultar esforços com peso relativo rigorosamente igual, sob pena de se dever considerá-los arbitrários, já que, não apenas se entende que a definição das obrigações encontra fundamento nas características da sua atividade, como procura levar em conta os diversos contributos dos operadores para a sustentabilidade, verificando-se que a diferenciação não é arbitrária. Nesse sentido, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo quanto ao contributo das entidades isentas do pagamento da CESE: «[I]mporta destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a 'contribuir' por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.° 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.° 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.° e 9.° do Decreto-Lei n.° 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.° 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.° 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.° 68- A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.° 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade. Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.» Quanto à circunstância de a CESE não ter caráter extraordinário, invocada nas alegações, nada se extraindo, no entanto, do alegado, veja-se que, no caso, estamos perante o quarto ano em que tal tributo é aplicado, sempre sendo objeto de prorrogação específica, como referimos supra, não havendo elementos que nos possam fazer concluir pelo seu carater definitivo. No que respeita às experiências de outros ordenamentos, não nos compete, nesta sede, qualquer apreciação em seu torno, dado tratar-se de medidas nacionais de outros países e não de medidas associadas a enquadramentos legislativos aplicáveis no caso português(...)." De relevar, neste particular, que o Aresto que vimos acompanhando foi objeto de recente pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n° 105/2021, de 22 de setembro de 2021 (Acórdão n° 736/2021) nele se decidindo: "não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.°, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro, mantido em vigor pela Lei n.° 42/2016, de 28 de dezembro", com a consequente improcedência do recurso. Uma nota final para relevar que no aludido Acórdão n° 736/2021, se aquiesceu, de forma clara e inequívoca, que o juízo de entendimento e todos os argumentos convocados no Acórdão n° 7/2019 do Tribunal Constitucional, são transponíveis para o caso vertente, não obstante o mesmo se circunscreva, em termos de objeto, à CESE liquidada no ano de 2014. De resto, o juízo de inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 11.° e 12.° do regime da CESE foi, igualmente, afirmado nos Acórdãos do TC n.°s 303/2021 (CESE de 2014), 436/2021(CESE de 2016), 437/2021 (CESE de 2015), 438/2021 (CESE de 2015), 513/2021 (CESE de 2015 e 2016) e 532/2021 (CESE de 2016). (…) Assim, e independentemente do incumprimento da legislação que possa ter ocorrido, nos primeiros anos de vigência da CESE, quanto a transferências da receita obtida por via da sua cobrança para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, a verdade é que, desde esta perspetiva, resulta plenamente aplicável a este caso tudo o que este Tribunal Constitucional afirmou acerca daquela contribuição em 2019. Em razão de tudo quanto atrás se afirmou, renova-se, nesta sede, a fundamentação dos Acórdãos n.° 7/2019 e 301/2021 e, em consequência, não se julgam inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 11.° e 12.°, que modelam o regime jurídico da «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético», aprovado pelo artigo 228.° da Lei n.° 83°-C/2013, de 31 de dezembro, e prorrogado para o ano de 2016 pelo artigo 6.° da Lei n.° 159-C/2015, de 30 de dezembro." Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que não padece a CESE das ilegalidades que lhe são assacadas, improcedendo, na íntegra, os vícios arguidos pela Recorrente, donde a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica. (…)” Sobre as questões invocadas pela Recorrente tem-se pronunciado, também, reiteradamente, o STA, designadamente no Acórdão proferido em 05-07-2023, no proc. 0765/22.9BEBRG, no sentido de que “As normas que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” não violam os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal, nem o princípio da especificação orçamental”. No que se refere à invocada nulidade dos actos tributários em crise, por violação do princípio da especificação orçamental, pronunciou-se, também, recentemente, este TCA Sul, no acórdão n.º 1760/19.0BELRS, de 11-07-2024, com o qual concordamos inteiramente, e que, nessa parte, passamos a transcrever: “IV.B. Da nulidade do ato tributário, por violação da regra da discriminação orçamental Entende, ademais, a Recorrente que os atos impugnados padecem de nulidade [alíneas k) e l) do artigo 161.° do CPA], por violação da regra da discriminação orçamental, considerando que a CESE não se encontra orçamentada de acordo com a regra da especificação orçamental. Vejamos. Também esta questão já tem sido apreciada pelos nossos Tribunais superiores, em termos não convergentes com o entendimento da Recorrente. Não existindo motivos para nos afastarmos desse entendimento, com o qual concordamos, chamamos à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.09.2021 (Processo: 1587/18.7BEPRT), que vem sendo seguido nos arestos ulteriores [cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 29.11.2023 (Processo: 01978/22.9BELRS), de 13.12.2023 (Processo: 0240/20.6BELRA), nos quais a configuração jurídica dada pelos aí Recorrentes é idêntica à dada nos presentes autos], e onde se escreveu: "3.2. Na impugnação judicial cuja decisão agora se aprecia em sede de recurso foi também suscitada uma questão ainda não tratada na jurisprudência antes invocada, a saber: a alegada violação do princípio da especificação orçamental, i. e. o facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.0 da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.° 151/2015, de 11 de Setembro) e, como tal, daí resultar, consequentemente, um vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 105.° da CRP. Sobre este específico fundamento da impugnação, que o Tribunal a quo igualmente julgou improcedente, sustentou-se a decisão recorrida nos seguintes argumentos. Primeiro, no princípio da plenitude orçamental ou da plenitude do Orçamento do Estado. De acordo com este princípio, o que as regras da alínea a) do n.° 1 e do n.° 3 do artigo 105.° da CRP pretendem impedir é a desorçamentação de verbas e não eventuais desacertos quanto às respectivas rubricas de inscrição. E apoiou-se, para o efeito, no acórdão do TC n.° 414/2011. Segundo, invocou a suficiência da conjugação dos critérios da classificação do tributo como contribuição, da autonomia do FSSSE decorrente do seu regime legal (Decreto- Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril), dos critérios legais de incidência objectiva da CESE e da previsão das receitas (globais) do FSSSE no Mapa V do orçamento, e assim fundamentou, in casu, o respeito pelo princípio da suficiência da especificação orçamental. Cumpre sublinhar que o que a Recorrente pretende essencialmente questionar com este argumento é a conformidade constitucional e legal, no plano orçamental, da circunstância de estas contribuições serem cobradas pela AT, não obstante a lei as configurar como receitas consignadas do FSSSE. E reconduz depois a complexidade deste circuito tributário-financeiro e a sua configuração no plano orçamental a uma violação do princípio constitucional da especificidade orçamental. Ora, para além de acompanharmos os fundamentos da decisão recorrida, aditamos ainda uma terceira razão pela qual o recurso há-de também improceder quanto a este fundamento. Um argumento extraído da jurisprudência constitucional sobre a interpretação do princípio da especificidade orçamental, segundo a qual, para efeitos constitucionais (designadamente do exercício de poderes reservados ao Parlamento no âmbito do orçamental), este princípio é relevante, sobretudo, para efeitos de despesas e não tanto de orçamentação de receitas. Neste sentido v. acórdão n.° 206/87, no qual pode ler-se o seguinte: «[...] A análise, ainda que superficial, deste preceito [à data, artigo 108.°, n.° 1, al. a) e n.° 5 da CRP] logo mostra que a CRP se preocupa muito mais em precisar o grau de especificação das despesas que o grau de especificação das receitas, talvez porque, no respeitante às receitas, e uma vez discriminadas as suas fontes, uma maior ou menor especificação, para além disso - e diferentemente do que sucede com as despesas - é desprovida de consequências jurídicas de qualquer ordem, pelo menos para o Estado. Assim é que, por exemplo, a cobrança de receitas pode ser efectuada mesmo para além do montante inscrito (artigo 17.°, n.° 2, da Lei n.° 40/83) [...]». Ora, mantendo-se hoje em vigor, quer uma redacção semelhante das normas constitucionais em matéria de exigência constitucional quanto à discriminação de receitas e despesas do Estado [a actual alínea a) do n.° 1 do artigo 105.° da CRP)], quer uma formulação normativa idêntica quanto à admissibilidade em sede de LEO de liquidação e cobrança de receitas para além do previsto na respectiva inscrição orçamental, devemos considerar que se mantém válida a interpretação jurisprudencial veiculada no aresto antes mencionado quanto à relativa desconsideração para efeitos jurídicos das exigências de especificação orçamental em matéria de receitas". Este entendimento afasta, porque umbilicalmente conexos, os demais argumentos aventados, motivo pelo qual não assiste razão à Recorrente.”
Assim sendo, tratando-se de situações similares à dos presentes autos, por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica dos acórdãos citados, o que vale por concluir que não se verificam os erros de julgamento que a Recorrente imputa à sentença recorrida, pelo que o seu recurso deve ser julgado improcedente. * Dispensa do remanescente da taxa de justiça Como se viu, a sentença recorrida dispensou o pagamento de tal remanescente com os seguintes fundamentos: “O valor da presente causa excede € 275.000,00, justificando-se in casu a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida para além daquele valor, nos termos do disposto no n° 7 do art. 6° do RCP, tendo em conta a correcta conduta processual das partes, a complexidade das questões decidendas, não inferior ao normal, mas dispondo de jurisprudência que a mitiga e o facto de o montante da taxa de justiça devida em função do valor da acção se afigurar desproporcionado, face ao concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, de acordo com o quadro constitucional vigente (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-04-2019, proc. 0436/18.0BALSB e jurisprudência aí citada.). Nestes termos dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.” Ora, com os exactos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo, os quais se mantêm e com os quais concordamos, também nós dispensamos o pagamento de tal remanescente. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso.
Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC), com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos vistos. Lisboa, 15-07-2025 _________________ (Teresa Costa Alemão)
__________________ (Ana Cristina Carvalho)
___________________ (Tiago Brandão de Pinho) |