Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:155/25.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO
GARANTIA
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
Sumário:I - A reclamação de ato do órgão de execução fiscal prevista e regulada no artigo 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário visa a apreciação de atos praticados pelo órgão da execução fiscal e neste meio processual apenas é admissível pronúncia sobre o ato concretamente reclamado, tendo em consideração a respetiva fundamentação.
II - Cabe ao juiz apreciar e decidir se a ilegalidade imputada ao ato reclamado e invocada pelo reclamante, efetivamente se verifica, e sendo assim, determinar a anulação do ato do processo de execução fiscal afetado pela ilegalidade invocada.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada nos termos do art. 276º do CPPT por P… contra o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo nº 4227202201067540 e apensos que determinou o pagamento no montante de € 24.663,46.

A sentença recorrida julgou a “reclamação parcialmente procedente e em consequência:
“- Deve o Serviço de Finanças, também sujeito ao cumprimento dos desideratos constitucionais aplicáveis e aos princípios da legalidade e da proporcionalidade, indagar a existência de outros bens, rendimentos ou créditos na esfera patrimonial do Reclamante, de valor suficiente e proporcional ao valor da divida exequenda a garantir e suscetíveis de penhora para satisfação do crédito tributário, dando-lhes preferência na penhora, antes de acionar a garantia prestada pelo Reclamante;
- No caso de não serem encontrados outros bens, rendimentos ou créditos na esfera do Reclamante, sendo o imóvel dado em garantia e penhorado o único bem no património do Reclamante/Executado/devedor, e o Executado permanecer sem apresentar ou indicar outros bens ou meios de satisfação do crédito tributário, mesmo que o imóvel seja de valor superior à divida a garantir, deverá o Serviço de Finanças prosseguir com o despacho sindicado, isto é, atuar e tomar as diligencias necessárias à satisfação do crédito tributário, através da garantia hipotecaria prestada pelo Reclamante, notificando-o dos e para os termos subsequentes.”.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, que julgou a Reclamação parcialmente procedente e, em consequência, determinou que o Serviço de Finanças deveria indagar a existência de outros bens, rendimentos ou créditos pertencentes á esfera do reclamante, de valor suficiente e proporcional ao valor da dívida exequenda, para satisfação do crédito tributário, e só depois, acionar a garantia voluntariamente prestada pelo Reclamante, condenando em custas a Fazenda Pública na proporção do decaimento que fixou em 30%.

II. Entendimento do qual, respeitosamente, diverge a Fazenda Publica.

III. Está em causa a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, em que P…, veio nos termos do artigo 278º, n.º 2 e seguintes do CPPT deduzir reclamação contra despacho da Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Odivelas, constante no Oficio n.º 0040 de 14/01/2025, que decidiu “(…) ordenar ao ora executado a proceder no prazo de 15 dias ao pagamento dos presentes autos no montante de € 24.663,46, no processo de execução fiscal (PEF) n.º 4227202201067540 e apensos”.

IV. Veio o Reclamante alegar inadmissibilidade da penhora na extensão, uma vez que, o valor do imóvel é muito superior ao valor da dívida exequenda, (Ref. ao artigo 278º n.º 3, alínea a) e d) do CPPT).

V. Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1 da LGT, “[o] património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários”.

VI. Destarte, quando perante a falta de pagamento de um determinado crédito tributário, fica a administração tributária legitimada a proceder à respetiva cobrança coerciva do mesmo, máxime através da penhora e venda dos bens e direitos que fazem parte integrante do património do devedor.

VII. Com efeito, são três os principais efeitos gerados pela penhora, a saber: (i) a indisponibilidade material dos bens penhorados a partir da data em que o executado é notificado do despacho que ordena a penhora; (ii) a ineficácia em relação ao exequente dos atos de disposição jurídica dos bens penhorados, posteriores à penhora ou ao seu registo, e isto porque, “realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar dos bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente (art. 819.º do CC)” (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª edição, Lisboa: Áreas Editora, 2011, p. 581); e (iii) o direito do exequente a ser pago pelo valor dos bens penhorados com preferência a qualquer outro credor que não goze de garantia real anterior (cf. artigo 822.º, n.º 1 do CC).

VIII. No âmbito do direito tributário, estabelece o disposto no artigo 217.º do CPPT que “[a] penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para pagamento da execução, esta prossegue em outros bens”, mais acrescentado o n.º 1 do artigo 219.º do mesmo diploma legal que a penhora “começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo”.

IX. Já nos termos do disposto no artigo 199.º, n.º 4 do CPPT, “[v]ale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7”.

X. Das disposições legais supra mencionadas, resulta, desde logo, e em homenagem ao princípio da proporcionalidade, que o legislador pretendeu, assim, assegurar que a penhora se deve limitar ao necessário para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, porém, só será tida como adequada e necessária, à luz do princípio da proporcionalidade, a penhora de bens cujos valores sejam previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

XI. Em suma, constituindo a penhora uma «agressão» ao património do executado, a mesma “só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõem a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património, sendo que, tal ponderação conduz a que a natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode fundamentar uma completa indiferença pelos do executado, dado que a posição jurídica do credor, embora prevalecente, não pode ser considerada absoluta” (Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa, de 06.04.2017, Processo n.º 3449/09.0T2SNT‐A.L1‐6, disponível em www.dgsi.pt).

XII. Depois, e porque o CPPT se demonstra omisso, no que respeita à densificação dos bens passíveis de serem objeto de penhora ‐ bens absoluta ou relativamente impenhoráveis ‐ será ainda de atender, para o efeito, à disciplina prevista a este respeito no Código de Processo Civil («CPC»), maxime, o regime constante dos artigos 736.º e seguintes do referido diploma legal, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

XIII. Consultado o Sistema de Execuções fiscais WEB da AT, nomeadamente, a Tramitação do Processo n.º 4227202201067540, (PEF ora em crise), constata‐se que, (e a título meramente exemplificativo), em 28/09/2022, a AT recorreu à penhora de Outros Valores e Rendimentos, ou ainda, em 06/04/2023 a mesma entidade procedeu à Penhora de Créditos, ou seja, a AT cumprindo a lei, sempre recorre ao que é mais fácil de penhora e ao suficiente que satisfaça a dívida exequenda.

XIV. Compulsados os autos, constata‐se que foi o ora Reclamante quem indicou a hipoteca voluntária sobre o imóvel, inscrito sobre o artigo n.º 5181, fração U, matriz da freguesia e concelho de Odivelas, como garantia da dívida exequenda, evitando assim, a penhora de outros valores ou créditos.

XV. E nesse sentido vide ofício n.º 004014‐01‐2023, remetido pelo S.F. de Odivelas e relativo ao processo n.º 4227202201067540 onde se notifica o ora Reclamante no sentido de “Por despacho de 22/09/2023 da Sr.ª Chefe deste serviço de finanças foi aceite a hipoteca voluntária sobre o imóvel inscrito sobre o artigo n.º 5181, fração U, matriz da freguesia e concelho de Odivelas, como garantia para a suspensão do processo n.º 4227202201067540, alvo de reclamação
graciosa e recurso hierárquico (…)” (Ref. ao documento com o n.º 1, junto aos autos pelo ora Reclamante).

XVI. O Reclamante não desconhecia que poderia indicar como garantia outros valores ou bens.

XVII. O Reclamante ainda poderia solicitar a redução ou substituição da garantia, (ref. ao n.º 7 do artigo 52º da LGT), como muito bem fez (e a título meramente exemplificativo), em 18/11/2023 quando veio solicitar a redução de garantia (vide Tramitação do Processo n.º 4227202201067540).

XVIII. Ora, sabendo‐se que, a AT só penhora o proporcional e o suficiente para a satisfação da dívida exequenda, não entende esta Representação porque, em fez de interpor reclamação, o ora Reclamante não requereu a redução ou substituição da garantia presentada voluntariamente, ou ainda, porque não solicitou o pagamento em prestações nos termos do n.º 2 do artigo 86º do CPPT.

XIX. Estipula o artigo 219º n.º 4 do CPPT que “Caso a dívida tenha garantia real onerando bens do devedor por estes começará a penhora que só prosseguirá noutros bens quando se reconheça a insuficiência dos primeiros para conseguir os fins da execução.”

XX. No mesmo sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/01/2022, processo n.º 5935/17.9T8VNF‐C.G1, “Mantendo‐se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê‐lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.”, ou ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2ª secção, de 28/11/2007, processo n.º 0772/07, “Após a entrada em vigor da Lei n.º 53‐A/2006, de 29 de Dezembro, a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo, excepto se a dívida tiver garantia real que onere bens do devedor, caso em que a penhora começará por estes, só prosseguindo noutros quando se reconheça a insuficiência dos primeiros para conseguir os fins da execução – artigo 219.º, nºs 1 e 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.(destacado nosso).

XXI. Pelo exposto, facilmente se conclui que a AT tem o direito e o dever de penhorar o imóvel que o Reclamante voluntariamente outorgou como garantia, no entanto, sempre se dirá que a AT não pretende, nem nunca pretendeu prejudicar o ora Reclamante, apenas e só, de acordo com a lei e do interesse público ver ressarcida a dívida exequenda.

XXII. Não pode a Fazenda Pública, concordar com a douta sentença.

XXIII. Nestes termos, a sentença ora recorrida ao não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas e decidindo no sentido que efetivamente apontou, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de direito e de facto relevante para a boa decisão da causa.

XXIV. Em molde a subsumir a situação real contida nos autos à boa decisão da causa, deverá a sentença ser corrigida de acordo com a verdade substantiva.

XXV. Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, consequentemente, revogada a sentença recorrida, e superiormente ponderada a verificação dos seus pressupostos, seja determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.
V. Excelências, porém, farão a costumada JUSTIÇA”.

* *
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo seja concedido provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento, por errada valoração da prova, e por incorreta interpretação e aplicação do direito.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevo para a apreciação do mérito da pretensão da Oponente, consideram-se provados os seguintes factos:

a) Em 25/02/2022, pelo Serviço de Finanças de Odivelas foi instaurado contra o ora Reclamante P… para cobrança coerciva de IRS referente ao ano de 2017, no valor de 21.138,97€ e acrescidos, o processo de execução fiscal n.º 4227202201067540 e apensos – facto que se extrai do PEF a fls. 69 e 145 do SITAF e informação de sustentação do ato reclamado junta aos autos

b) Em 29/04/2022, deu entrada no Serviço de Finanças (via correio eletrónico) oposição à execução no âmbito do PEF n.º 4227202201067540 e apensos, autuada com o processo n.º 4227202209000135, que mereceu o despacho de rejeição por parte do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo n.º 996/22.1 BELRS, por não ser o meio próprio ao peticionado - facto que se extrai do PEF a fls. 69 e 145 do SITAF e informação de sustentação do ato reclamado junta aos autos

c) Em 01/02/2023, foi notificado o Serviço de Finanças de que tinha sido admitido pelo Tribunal Tributário de Lisboa, o processo de impugnação judicial da liquidação do IRS de 2017, processo com o n.º 1780/22.8BELRS, a que foi atribuído o processo de contencioso 4227202303000052, interposto na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, sendo que no referido processo foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, da qual o executado apresentou recurso jurisdicional em 23/11/2023, sobre o qual recaiu acórdão que negou provimento ao recurso, transitado em julgado em 24/06/2024, porém, o Reclamante, discordando quanto à apreciação de mérito realizado pela acórdão, apresentou recurso de revista em 21/10/2024, também negou provimento e transitou em julgado em 12/12/2024 - facto que se extrai do PEF a fls. 69 e 145 do SITAF e informação de sustentação do ato reclamado junta aos autos

d) Em 31/08/2023, depois de o Serviço de Finanças procurar penhorar bens, o Reclamante apresentou no PEF garantia voluntariamente, com apresentação de hipoteca voluntária registada pela apresentação 6004 de 10/10/2023, sobre a matriz urbana da freguesia e concelho de Odivelas, inscrita sob a fração U do artigo 5…, descrito na Conservatória do Registo Predial com o numero 3946/20020521 U, com o valor de aquisição de 130.000,00, com recurso a capitais próprios - facto que se extrai do PEF a fls. 69 e 145 do SITAF e informação de sustentação do ato reclamado junta aos autos

e) O Reclamante, através do seu mandatário, foi notificado nos autos para pagamento do montante em divida, a fim de evitar que seja acionada a garantia, pelo ofício n.º 40 de 14/01/2025, que ocasionou a presente reclamação:
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)
- cfr. doc. junto com a petição inicial e facto que se extrai do PEF a fls. 69 e 145 do SITAF e informação de sustentação do ato reclamado junta aos autos

FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão a proferir inexistem factos não provados.
MOTIVAÇÃO
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, nº. 2, do CPPT, in casu, ex vi do artigo 211.º, n.º 1 do CPPT].
Assim, a convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise dos documentos juntos aos autos e constantes do PEF, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido requerida e/ou produzida prova, por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito, não são os
mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados].”.
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Na sequência da notificação efetuada pelo órgão de execução fiscal dirigida ao executado com o teor constante da alínea d) do probatório, foi deduzida reclamação nos termos do art. 276º do CPPT tendo o executado, ora Recorrido, invocado no art. 5º da petição inicial que “verificar-se-ia a inadmissibilidade da penhora na extensão em que foi realizada, sendo ainda a garantia superior à devida pelo disposto no art. 278º, nº 3, alíneas a) e d) do CPPT”, formulando o pedido de “seja declarada nula ou revogada a decisão sub judice, ordenada a anulação da dívida exequenda e a extinção do processo executivo fiscal em causa”.

O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada, tendo determinado que o serviço de finanças deve “indagar a existência de outros bens, rendimentos ou créditos na esfera patrimonial do Reclamante, de valor suficiente e proporcional ao valor da divida exequenda a garantir e suscetíveis de penhora para satisfação do crédito tributário, dando-lhes preferência na penhora, antes de acionar a garantia prestada pelo Reclamante;
- No caso de não serem encontrados outros bens, rendimentos ou créditos na esfera do Reclamante, sendo o imóvel dado em garantia e penhorado o único bem no património do Reclamante/Executado/devedor, e o Executado permanecer sem apresentar ou indicar outros bens ou meios de satisfação do crédito tributário, mesmo que o imóvel seja de valor superior à divida a garantir, deverá o Serviço de Finanças prosseguir com o despacho sindicado, isto é, atuar e tomar as diligencias necessárias à satisfação do crédito tributário, através da garantia hipotecaria prestada pelo Reclamante, notificando-o dos e para os termos subsequentes.”.

Dissente do assim decidido vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira invocar erro de julgamento de facto por errada valoração da prova, e de direito, por incorreta interpretação e aplicação do art. 219º do CPPT.

Para o efeito invoca que foi o Reclamante que indicou como garantia da dívida exequenda, a hipoteca voluntária sobre o imóvel inscrito sob o artigo 5…, fração U, da freguesia e concelho de Odivelas, e que o Reclamante sempre poderia solicitar a redução ou substituição da garantia ou solicitar o pagamento em prestações.

Vejamos então.

Antes de mais importa salientar que a reclamação de ato do órgão de execução fiscal prevista e regulada no artigo 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário visa a apreciação de atos praticados pelo órgão da execução fiscal e neste meio processual apenas é admissível pronúncia sobre o ato concretamente reclamado, tendo em consideração a respetiva fundamentação.

Cabe ao juiz apreciar e decidir se a ilegalidade, imputada ao ato reclamado e invocada pelo reclamante, efetivamente se verifica, e sendo assim, determinar a anulação do ato do processo de execução fiscal afetado pela ilegalidade invocada.

No âmbito da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT compete ao tribunal, apreciar a legalidade do ato do órgão de execução fiscal atendendo às causas de pedir constantes da petição inicial que devem colocar em causa a legalidade desse ato.

Este meio processual destina-se a obter a anulação de atos praticados no processo de execução fiscal, como decorre dos seus próprios termos, e não a extinção do próprio processo de execução fiscal (cfr. Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado Vol IV. 6ª Ed., pag 280).

Ora no caso em apreço, o Tribunal a quo, julgou parcialmente procedente a reclamação, mas não determinou qualquer anulação parcial do ato, tendo ao invés determinado que o órgão de execução fiscal adotasse um comportamento em função de algumas condicionantes, decisão que não se mostra compatível com o meio processual em causa, pelo que o dispositivo da sentença recorrida não se poderá manter.

Concretizando.

O ato reclamado é o teor da notificação dirigida ao executado pelo órgão de execução fiscal e transcrita na alínea d) do probatório, a saber:
- notificação para pagamento, no prazo de 15 dias, do montante de € 24.663,46;
- decorrido o referido prazo sem que seja efetuado o pagamento, será acionada a garantia prestada (imóvel inscrito sob o artigo nº 5..., fração U, na matriz da freguesia e concelho de Odivelas).

Do teor da petição da reclamação apresentada podemos extrair do seu art. 5º, a alegação pelo reclamante “da inadmissibilidade da penhora na extensão em que foi realizada, sendo ainda a garantia superior à devida” e formulado o pedido de “ser declarada nula ou revogada a decisão sub judice, ordenada a anulação da dívida exequenda e a extinção do processo executivo fiscal”. Pese embora o reclamante não concretize em que termos considera “a inadmissibilidade da penhora em que foi realizada” (sendo certo que do probatório não resulta a existência de qualquer penhora), pedindo a anulação da dívida exequenda e a extinção do processo de execução fiscal (pedidos não compatíveis com a reclamação prevista nos artigos 276º e seguintes do CPPT), resta-nos apenas considerar que o objeto da reclamação é a parte da notificação referente ao acionamento da garantia prestada (imóvel inscrito sob o artigo nº 5..., fração U, na matriz da freguesia e concelho de Odivelas), caso não seja feito o pagamento da dívida exequenda, alegando que a garantia é superior à devida e que a decisão de acionar a garantia deve ser anulada.

Concretizado o objeto da reclamação, importa agora decidir se a apreciação feita pelo tribunal a quo incorre ou não em erro de julgamento.

Da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação:
“Nos termos do n.º 1 do artigo 50.º da LGT “o património do devedor constitui garantia geral dos créditos tributários”.
Não sendo a obrigação fiscal voluntariamente cumprida, tem a AT legitimidade para exigir o seu cumprimento, executando o património do devedor.
Nos termos do artigo 601.º do CCivil “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (…)”.
Ora, a penhora é um ato de apreensão judicial de bens do devedor, a fim de, à custa deles, serem pagos os credores. É um ato de natureza conservatória que visa obstar à disponibilidade dos bens, por parte do executado, dando uma garantia de satisfação do direito ao credor exequente.
Tal ato deve necessariamente obedecer ao princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e concretizado no artigo 217.º do CPPT, segundo o qual “A penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para o pagamento da execução, esta prossegue em outros bens.”
E de acordo com o artigo 215.º, n.º 1 do CPPT, “findo o prazo posterior à citação sem ter sido efectuado o pagamento, procede-se à penhora.”
Por conseguinte, dada a sua natureza gravosa, a penhora deve limitar-se ao necessário e suficiente para pagamento da dívida em causa, o que implica, obrigatoriamente, que se tenha em consideração, por um lado, o valor base de venda dos bens e, por outro, os direitos de crédito de terceiros que devam ser pagos pelo produto da venda, com preferência ao crédito exequendo [cfr. Ac. do TCAS de 25/10/2010/Proc. n.º 04018/10].
Por outro lado, estabelece o artigo 199.º, n.º 4 do CPPT que: “Vale como garantia para os efeitos do n.º 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 6.”
Em homenagem ao princípio da proporcionalidade, que a penhora se deve limitar ao necessário para pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Este princípio determina, em primeiro lugar, que a penhora seja limitada a bens no valor suficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda, e, ainda, que a escolha dos bens a penhorar seja adequada a assegurar um mínimo de prejuízo ao executado, sem prejuízo do direito do exequente [cfr. Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, 2.º ed, pág. 93; neste sentido, veja-se, ainda o aresto do STA de 19/09/2012/Proc. n.º 0861/12].
Assim, a penhora só será de reputar excessiva quando for manifesta e evidente a desproporção entre o valor dos bens penhorados e o montante da dívida exequenda e acrescido.
Revertendo ao caso dos autos:
É facto assente que o Reclamante é executado no âmbito de diversos processos de
execução fiscal, os quais perfazem uma dívida exequenda de € 21.138,97 e acrescidos, que perfazem o montante global de 24.663,46€.
Mais resulta comprovado que foi apresentada uma garantia de pagamento constituída pela hipoteca voluntária sobre o imóvel inscrito sob o artigo nº 5..., fração U, na matriz da freguesia e concelho de Odivelas, cujo valor de aquisição, através de recursos próprios do Reclamante, foi de 130.000,00€.
Não há indicação nos autos sobre a existência ou não de outros bens do Reclamante suscetíveis de penhora ou da apresentação de pedido de pagamento em prestações da divida exequenda, mantendo ou não a garantia já apresentada no PEF.
Por outro lado, da simples comparação entre o valor da divida exequenda e acrescidos e o valor do imóvel declarado no ato de aquisição, a que se soma uma eventual valorização do mesmo, verifica-se que a garantia prestada, isto é o valor do imóvel é aproximadamente 4 vezes superior ao valor da divida exequenda e acrescidos.
Daí que, tal como referido pela Fazenda Pública, seja de sinalizar a omissão do Reclamante ao não requerer a substituição e/ou redução da garantia prestada. É que de nada lhe vale pretender nesta sede discutir a legalidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2017, pois não é este o meio adequado para o efeito.
Destarte, ainda que se trate de uma hipoteca voluntária, face à desproporcionalidade de valores entre o valor da divida a garantir e o valor do imóvel dado em garantia e penhorado, existe uma desproporção manifesta, pelo que se impõe, ao abrigo do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, que o Serviço de Finanças, também sujeito ao cumprimento dos desideratos constitucionais e ao principio da legalidade e proporcionalidade, indagar a existência de outros bens, rendimentos ou créditos de valor mais proporcional ao valor a garantir suscetível de penhora no património do Reclamante e suscetíveis de satisfação do crédito tributário, antes de acionar a garantia prestada pelo Reclamante.
Se não forem encontrados outros bens, rendimentos ou créditos, sendo o imóvel penhora o único no património do Reclamante/Executado/devedor, e o Executado permanecer sem apresentar ou indicar outros bens ou meios de satisfação do crédito tributário, mesmo que em valor superior à divida a garantir, deverá o Serviço de Finanças atuar e tomar as diligencias necessárias à satisfação do crédito tributário através da garantia hipotecaria prestada pelo Reclamante, notificando-o para e nos termos desse procedimento.”. (fim de citação)

Não concordamos com o assim decidido, como melhor veremos de seguida.

Reiteramos que o ato reclamado é a notificação de que, caso não seja realizado o pagamento da dívida será acionada a garantia oferecida pelo reclamante – a hipoteca voluntária sobre o já mencionado imóvel, não existindo ainda qualquer penhora sobre o imóvel.

E se é certo que o valor de aquisição do imóvel é de € 130.000,00 e o valor da dívida exequenda e acrescido é de € 24.663,46, existindo uma real desproporção entre esses valores, também é verdade que foi o executado que, voluntariamente, ofereceu como garantia da dívida exequenda a hipoteca sobre o imóvel, não tendo formulado qualquer pedido de redução do valor da garantia, oferecido outros bens penhoráveis em sua substituição ou formulado pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda.

As considerações feitas na sentença a propósito da penhora e de se considerar excessiva quando for manifesta e evidente a desproporção entre o valor dos bens penhorados e o montante da dívida exequenda e acrescido não são aplicáveis ao ato reclamado, porquanto o órgão de execução fiscal não penhorou o imóvel, não sendo a penhora o ato reclamado nos presentes autos, mas sim o teor da notificação que o executado recebeu.

E até que seja acionada a garantia pode o executado proceder:
- ao pagamento da dívida exequenda;
- pedir o pagamento em prestações;
- pedir a redução da garantia prestada;
- pedir a substituição da garantia prestada por outra garantia idónea;
E a alegada penhora do imóvel nunca se concretizar.

Por tudo o que vem exposto, concluímos ser de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente com a presente fundamentação.

* *
V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente com a presente fundamentação.

Custas pelo Recorrido, dispensando-se do pagamento da taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado.
Lisboa, 15 de julho de 2025
Luisa Soares
Susana Barreto
Lurdes Toscano