Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:72/17.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
CUSTOS
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
GRUPO DE EMPRESAS
EMPRÉSTIMO DE EMPRESA DO GRUPO
ART. 23.º CIRC
Sumário:I - À luz do disposto no art. 23.º do CIRC, basta que o custo seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, para que o mesmo seja fiscalmente dedutível.
II - A Administração fiscal não está legitimada para, à luz deste preceito, sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na sua liberdade e autonomia de gestão.
III - A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

A Fazenda Pública e M....S.A. (anteriormente denominada “M.... Autoserviço Grossista, SA”, sociedade incorporante por fusão, da sociedade “M.... Portugal SGPS, Lda.”, em nome da qual foi realizada a liquidação), inconformadas com a sentença proferida em 2017-01-31 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial interposta pela segunda Recorrente tendo por objeto a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1998, e respetiva liquidação de juros compensatórios, no montante total de EUR 921.072,26, e, em consequência, manteve na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC e anulou a liquidação de juros compensatórios, vêm dela interpor recursos independentes.

A Recorrente Fazenda Pública encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

D. Das Conclusões

i. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, na parte relativa à liquidação de juros compensatórios ao concluir que “a razão está com a Impugnante, sendo de anular, por vício de forma, a liquidação dos juros compensatórios ora em apreço”.

ii. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e direito relevante no que concerne à liquidação de juros compensatórios, pelo que, a douta sentença está ferida de erro de julgamento.

iii. Determinava o artigo 80.º do CIRC, com redacção à data dos factos que sempre que, por motivo imputável ao sujeito passivo, fosse retardada a liquidação do imposto devido, acresceriam juros compensatórios ao montante de imposto.

iv. Deste modo, demonstrado que está o nexo de causalidade entre a actuação da impugnante e o retardamento da liquidação de Imposto, apenas e só àquela imputável, ou seja, são devidos juros compensatórios, com vista a compensar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que deixou de ser liquidada no momento em que deveria.

v. Ora, na eventualidade da liquidação não estar devidamente fundamentada, poderia o Impugnante requerer essa fundamentação no prazo de 30 dias, face ao previsto do artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, já que esta norma não só é aplicável nas situações em que a fundamentação existe mas não foi notificada, como também é aplicável quando a fundamentação não existe.

vi. Findo este prazo o eventual vício ficou sanado não podendo ser agora invocado nem apreciado em sede de impugnação.

vii. De referir ainda que, ao contrário do que considerou a douta sentença, a liquidação em apreço contém a base legal (artigo 80.º do CIRC supra mencionado), como podemos constatar a doc. 1, da petição inicial, no campo 20 da descrição consta: “Juros Compensatórios art. 80.º CIRC”, indicando o montante dos juros, isto é, valor sobre o qual incidem.

viii. Ora, o cálculo dos juros compensatórios decorre da lei, mencionando expressamente o artigo 35.º, da LGT, que os juros são calculados dia a dia, desde a data em que deveria ter sido liquidado e entregue até à detecção da falta, integrando-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados e sendo a taxa equivalente à taxa de juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º, do C.C.

ix. Ou seja, a Impugnante tendo omitiu rendimentos e tendo em conta que os juros compensatórios fazem parte integrante da dívida do imposto com a qual são conjuntamente liquidados, atento o n.º 8 do artigo 35.º da LGT, tem-se que a fundamentação contida no projecto de relatório notificado pelos Serviços de Inspecção Tributária é suficiente para explicar a origem dos mesmos bem como a nota de demonstração da liquidação notificada à Impugnante onde evidencia claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios e distinguindo-os de outras prestações devidas.

x. Assim sendo e após tudo o que foi dito, podemos concluir que a actuação da Administração Tributária não foi mais do que dar cumprimento aos preceitos legais em vigor à data, nomeadamente aos artigos 80.º do CIRC e 35.º da LGT, pelo que, a sua actuação foi no estrito cumprimento dos mesmos.

xi. Ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que o acto impugnado enferma de vício de forma, por falta de fundamentação, no que concerne à demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios.

xii. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei.

Termina pedindo:

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.


*

A Recorrida M....SA não apresentou contra-alegações.

***

A Recorrente M....SA encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

VI. DAS CONCLUSÕES

Nestes termos, a Recorrente conclui as suas alegações requerendo que seja o presente recurso julgado procedente e, consequentemente, a sentença proferida seja revogada e substituída por acórdão que dê total provimento ao pedido daquela, porquanto os fundamentos por si utilizados não assentaram nos factos provados, e foi realizada uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, além de no âmbito da comprovação dos factos não ter o tribunal a quo atendido à prova testemunhal:

1. A decisão a quo merece censura em virtude dos fundamentos por si utilizados terem assentado em factos insuficientes e mal interpretados que originaram uma incorrecta aplicação da lei. Tal decisão assenta no pressuposto de que a ora Recorrente não fez prova da indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora dos juros suportados, alegando o artigo 23.º do Código do IRC.

2. A sentença não atendeu à jurisprudência deste Venerando Tribunal Central respeitante à questão concreta que se discute nos autos e, em particular:

a) Ao acórdão do TCAS de 26 de Janeiro de 2017, no Recurso n.º 06047/12; e

b) Ao acórdão do TCAS de 23 de Fevereiro de 2017, no Recurso n.º 05493/12;

processos esses em tudo idênticos ao caso sub judice, tanto em matéria de factualidade, como em matéria de direito.

3. A sentença omitiu factos que resultaram da instrução do processo, mas que não foram dados por provados na decisão, pelo que devem ser aditados ao probatório e exigem a modificabilidade da decisão de facto e de direito, a saber:

a) A M.... SGPS foi constituída por escritura de 14 de Dezembro de 1989 com um capital social de cerca de 730 mil contos, tendo por actividade a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta do exercício de uma actividade económica. Facto alegado pela Recorrente na p.i. e pelos depoimentos da primeira e segunda testemunha arroladas e não contestado pela Fazenda Pública;

b) Para fazer face aos investimentos a efectuar no exercício de 1990 e 1991, a SGPS necessitava de novos capitais para além do seu capital social, tendo a administração equacionado várias possibilidades, designadamente o recurso a capitais alheios com vencimento de juros (i.e, empréstimos, fossem de terceiros ou dos sócios) e a capitais dos sócios (eg., novos aumentos de capital social ou prestações suplementares). Factos alegados pela Recorrente na p.i. confirmado pelos depoimentos testemunhais da primeira e segunda testemunha e não contestado pela Fazenda Pública;

c) A M.... SGPS era a holding do grupo M.... em Portugal, constituído por sociedades de negócio grossista e de distribuição também pela sociedade M.... Auto Serviço Grossista e SA e pela sociedade N....- Sociedades de Gestão e Exploração de Restaurantes — Facto que consta do probatório e do depoimento testemunhal da primeira e segunda testemunha;

d) Afigurando-se extremamente difícil e oneroso captar capitais no mercado, uma vez que a sociedade era muito recente (não tendo capitais próprios nem garantias suficientes), os sócios efectuaram prestações suplementares no montante total de Esc. 8.230.666.666 equivalente a € 41.054.392,24, durante o ano de 1991 para aportar à sociedade os capitais necessários aos investimentos a realizar, sem onerar demasiado a empresa. Factos que resultam dos docs. n.º 5 e 6 em anexo p.i. e confirmado pelos depoimentos testemunhais da primeira e segunda testemunhas e não contestados pela Fazenda Pública;

e) Assim, ao invés de fazerem suprimentos à sociedade com o correspondente vencimento de juros ah inir.io os sócios assumiram sobre si esse encargo, sendo certo que, num momento futuro, quando a sociedade já tivesse capacidade para subsistir por si no mercado, poderiam converter essas prestações suplementares em suprimentos ou solicitar o seu reembolso. Facto alegado pela Recorrente na p.i. e não contestado pela Fazenda Pública e confirmado pelos depoimentos testem unhais da primeira e segunda testemunha.

f) Com esses capitais, durante os primeiros dois anos (1990-1992), a SGPS adquiriu diversas participações sociais e, em particular, a totalidade do capital social da sociedade “M.... Autoserviço Grossista, SA.” e, simultaneamente, aportou também novos capitais a título de prestações suplementares a estas subsidiárias. Facto alegado pela Recorrente na p.i. e não contestado pela Fazenda Pública e confirmado pelos depoimentos testem unhais da primeira e segunda testemunhas,

g) No exercício de 1993, reconhecendo que a empresa estava já em «velocidade de cruzeiro» e em condições de se financiar de modo independente, os sócios da M.... SGPS deliberaram que esta os reembolsasse de parte dos capitais anteriormente entregues como prestações suplementares e que haviam sido aplicados no negócio de comércio por grosso, por via da aquisição de participações sociais e do aporte de capital às sociedades participadas. Factos que resultam dos docs. nºs 7, 8 e 9 anexos à p.i e não contestados pela Fazenda Pública e confirmado pelos depoimentos testemunhais da primeira e segunda testemunhas,

h) Neste âmbito, e após terem verificado que SGPS estava em condições de proceder ao reembolso de prestações suplementares, e no plano legal o artigo 213.º do CSC não se opunha a isso, os sócios e a gerência desencadearam diversos contactos, ora junto da Banca portuguesa no sentido de obter informação relativamente às taxas de juros activas praticadas, ora junto do Grupo internacional a que pertenciam fazendo pautar a remuneração de um eventual mútuo pelas regras do mercado. Factos que resultam do doc. n.º 10 em anexo à p.i. e não contestados pela Fazenda Pública e confirmado pelos depoimentos testemunhais da primeira e segunda testemunha.

i) Na sequência dessas negociações, a SGPS conseguiu negociar, com menores encargos (eg. a nível de garantias), o empréstimo junto de uma sociedade do grupo, com uma taxa de juro equivalente àquela que era exigida pela banca nacional. Facto alegado pela Recorrente na p.i. e não contestado pela Fazenda Pública e confirmado pelos depoimentos testemunhais da primeira testemunha;

j) Com a opção tomada (i.e., de financiamento através de prestações suplementares) a M.... SGPS apresentou mais resultados tributáveis do que se o empréstimo tivesse sido contratado ab initio, pois os juros teriam reduzido o lucro tributável de imediato. Facto provado por depoimento testemunhal da primeira e segunda testemunha;

k) Os juros suportados, em razão do mútuo contratado com a “M.... Intemational AG”, foram essenciais à manutenção da fonte produtora da M.... SGPS, posto que esta estava obrigada a restituir as prestações suplementares e, caso se restituíssem tais prestações por via da transformação de activos patrimoniais em dinheiro liquido, ter-se-ia provocado um abrandamento no desenvolvimento do negócio, na respectiva expansão e consequentemente uma redução do lucro tributável. Facto confirmado pelos depoimentos testemunhais da primeira e segunda testemunha;

l) Em suma, resultou provado que o empréstimo junto da sociedade suíça foi essencial para o reembolso aos sócios das prestações, as quais, por sua vez, foram indispensáveis para que a SGPS começasse e desenvolvesse a sua actividade de aquisição e gestão de participações sociais - Facto confirmado pelos depoimentos testemunhais da primeira e segunda testemunha.

m) O valor de realização dos bens do activo imobilizado que foram alienados em 1998, no montante de € 34.565,92, e que originaram uma mais-valia fiscal no valor de € 22.030,14, corrigida pela AT no montante de € 13.555,59, foi totalmente reinvestido entre 1998 e 2000, como se demonstrou nos autos (resulta dos docs n.º 11 a 17 em anexo à p.i e dos depoimentos testemunhais da primeira e terceira testemunhas)

n) No mapa das mais-valias e menos-valias fiscais, apresentado no exercício de 1998, a M.... GROSSISTA declarou pretender reinvestir, o remanescente do valor de realização não revestido em 1998, nos três exercícios seguintes e esse remanescente do valor de realização, correspondente a € 26.091,37, foi efectivamente reinvestido na construção de um imóvel inscrito no activo imobilizado, a Ecostore em Cascais, no valor de € 43.395,42 (resulta dos docs n.º 11 a 17 em anexo a p.i. e dos depoimentos testemunhais da primeira e terceira testemunhas).

4. Em suma, perante os documentos apresentados, os depoimentos das testemunhas arroladas, e os factos alegados e não contestados pela Fazenda Pública, deveria ter resultado como provado que o empréstimo junto da sociedade suíça foi essencial para o reembolso aos sócios das prestações, as quais, por sua vez, foram indispensáveis para que a SGPS começasse e desenvolvesse a sua actividade de aquisição e gestão de participações sociais; bem como que o reinvestimento do valor de realização ocorreu nos termos legais.

5. Tendo a sentença sido proferida em função de um juízo de convicção de que a Recorrente não fez prova da indispensabilidade do custo (IRC 1998), a inquirição das testemunhas deveria ter sido ponderada, posto que a jurisprudência consagra que no âmbito da comprovação da efectividade e indispensabilidade de um custo se deve recorrer, para além da prova documental, também à prova testemunhal o que significa que não só as testemunhas devem ser ouvidas como o seu depoimento ponderado; o que, na situação em apreço, já foi ponderado pelo próprio Tribunal Central Administrativo em dois acórdãos anteriores, respeitantes ao IRC de 1996 e ao IRC de 1997.

6. No que respeita ao (de)mérito da sentença, concluímos também que, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, para a Lei Comercial e Fiscal, bem como para a doutrina de Raul Ventura, é totalmente irrelevante que a restituição das prestações suplementares tenha sido concretizada mediante liquidez própria ou mediante um empréstimo disponibilizado pela M...., International AG, directamente a favor dos sócios da M.... SGPS que tinham realizado as prestações suplementares;

7. É perfeitamente legítima a vontade e o esforço financeiro da M.... SGPS para suportar a obrigação de reembolso das prestações: perante uma deliberação de reembolso de prestações suplementares feita nos termos da lei, a SGPS viu-se obrigada a encontrar os meios necessários que lhe permitissem, no âmbito da sua actividade de gestão, proceder a esse reembolso mantendo a sua actividade corrente e o seu equilíbrio financeiro intocados;

8. A Administração fiscal não tem liberdade para, de entre as várias soluções possíveis para o financiamento da SGPS, substituir-se aos órgãos da empresa (assembleia geral e gerência) e escolher aquela que lhe pareça mais adequada. Mais, no preenchimento deste conceito indeterminado não existe também qualquer margem para livre apreciação;

9. Se estivéssemos perante uma situação de subcapitalização excessiva, a Administração poderia ter procedido à citada liquidação, invocando que o juro não era dedutível nos termos do n.º 1 do artigo 57.º-C do Código do IRC (redacção vigente em 1997);

10. Sem a prova que o juro era excessivo e que as entidades têm relações especiais nos termos do artigo 58.º do Código do IRC, a Administração fiscal quis utilizar os seus poderes para preencher — ilegalmente! — o conteúdo de uma cláusula geral que legitimamente permitia à SGPS incorrer naqueles custos (encargos financeiros) para prosseguir a sua actividade;

11. Uma vez que às limitações à dedutibilidade dos juros pagos a uma entidade não-residente são aplicáveis as cláusulas específicas, como seja o artigo 57-C do Código do IRC, a Administração fiscal e o a sentença recorrida incorrem em erro sobre os pressupostos de direito [Neste sentido, v. Maria dos Prazeres Rito Lousa, "Enquadramento Fiscal da Subcapitalização das Empresas", in XIX Jornadas Latino-Americanas de Direito Tributário (Livro 3), AFP, 1998, pp. 131 e ss.).];

12. Concluímos também, na esteira da jurisprudência superior - que já se pronunciou sobre este mesmo reembolso - e doutrina, que o requisito da indispensabilidade dos custos só pode ser aferido de acordo com critérios de racionalidade económica face aos objectivos estatutários, impondo-se ao Fisco o ónus de demonstrar que tais custos tiveram origem num negócio artificioso, caso os queira desconsiderar. In casu o Fisco não fundamentou a liquidação com base em abuso ou negócio artificioso, pelo que, também neste aspecto, não encontra aqui fundamento a correcção do Fisco e da sentença recorrida.

13. A dedutibilidade fiscal dos custos depende de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa, e esta indispensabilidade verifica-se sempre que — por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas — as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário.

14. Sendo o objecto social da M.... SGPS exactamente a gestão de participações sociais, o reembolso de prestações suplementares e a celebração de um contrato de mútuo insere-se intrinsecamente na sua capacidade, está relacionada com a gestão da sua actividade e com a obtenção de lucro, e é portanto indispensável à realização de proveitos ou ganhos e à manutenção da sua fonte produtora. Neste sentido, veja-se o paradigmático e recente entendimento do STA de 02/07/2007 (2. Secção), proc. n.º 0146/05, que não considerou como custos de uma sociedade os encargos suportados com um empréstimo contraído para fazer face a prestações acessórias apenas porque a actividade daquela sociedade não era a de gestão de participações sociais;

15. A Administração fiscal só não pode aceitar como dedutíveis os juros suportados por um empresa relativamente a empréstimos que manifestamente se comprovar que os fundos obtidos foram aplicados em fins estranhos à actividade da empresa, o que não sucedeu in casu. Acresce que todos os actos realizados pela SGPS foram legítimos e merecem a integral tutela que a lei comercial e fiscal reserva a estas opções realizadas no âmbito da actividade económica da SGPS pelo que nenhum abuso se verificou;

16. Com efeito, a sentença contende com a jurisprudência citada e com doutrina a propósito das prestações suplementares que tem hoje claro que: Sendo os sócios livres de optar por financiar a sociedade com capitais próprios (capital social ou prestações suplementares) ou com capitais alheios (suprimentos), e não podendo aqueles, por natureza, vencer juros, nada poderá obrigar os sócios a reconhecer um proveito fiscal equivalente a um juro como resultado de uma prestação suplementar. Assim será ainda que o sócio se tenha de financiar junto de terceiros e suportar um encargo financeiro (juro) para poder realizar prestações suplementares. Ainda assim, deverá poder deduzir fiscalmente aquele encargo financeiro. (sublinhado nosso). Não se diga que por uma prestação suplementar não vencer qualquer juro (por natureza), não seriam dedutíveis os juros em que os próprios sócios incorressem para financiar o respectivo valor perante terceiros (MANUEL ANSELMO TORRES in Estudos em Memória do Prof. Dr. J.L: Saldanha Sanches, Volume IV, pág. 916, 2012). E, muito menos, os juros suportados para substituir os meios de financiamento da empresa (i.e. no âmbito de unia renegociação da dívida perante accionistas e terceiros) numa lógica que assim permitiu evitar a alienação de activos e abrandamento da actividade social.

17. Nesse sentido, foi bem esclarecido, no caso da M...., pela jurisprudência do TCAS, designadamente no citado Acórdão de 26 de Janeiro de 2017, no Recurso n.º 06047/12, como deve ser aferido o conceito de indispensabilidade: - «Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa e efeito, do tipo “conditio sine qua non”, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma relação e conexão objectiva com os proveitos». «Entendemos a indispensabilidade como a ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte». […] Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a activida de produtiva da empresa. (...)».

18. E conclui o TCA que o escrutínio do tribunal deve ser apenas pela negativa: - «(..). Assim, o controlo a efectuar pela A T sobre a verificação deste requisito de indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo (<O agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal, baste que se trate de operação realizada como acto de gestão sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realizações de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» VITOR FAVEIRO, Noções fundamentais de Direito fiscal português, volume II, página 601)» disponível em texto integral em www.dgsi».

19. Estamos perante a mesma questão identificada no douto acórdão: - «saber se os juros em causa estão ou não relacionados com a actividade da M.... SGPS (…) a qual foi já decidida pelos tribunais superiores - e.g. Acórdão do TCAS no processo n.º 6047/12 já mencionado: - «Nesta ordem de ideias é de considerar que a operação e empréstimo em causa nestes autos, se insere na actividade da recorrida e, por conseguinte, os juros dele decorrentes integram a previsão estatuída na alínea c) do n.º 1 do artigo 21º CIRC».

20. Em conclusão deve o tribunal ad quem concluir na linha dos acórdãos anteriores que: - «os juros pagos pelo empréstimo contraído com vista ao pagamento de prestações suplementares anteriormente efectuadas devem considerar-se um custo fiscal da sociedade impugnante/recorrida, mais caindo no crivo de indispensabilidade constante do examinado art. 23.º n.º 1, do CIRC, porque necessários à continuação da actividade da mesma empresa, cujo objecto social se reconduz à gestão participações sociais, conforme mencionado supra (estamos perante empréstimos que facultam à sociedade a necessária liquidez para prosseguir a sua actividade económica normal)».

21. Concluímos ainda que a interpretação pela qual o artigo 23.º do Código do IRC permite a adopção de uma atitude da Administração fiscal de controlar a gestão empresarial, não se compadece, com os princípios mais elementares do Estado de Direito: i) por um lado, o Fisco opta por recorrer ao artigo 23.º do Código do IRC (menosprezando a regra especial do artigo 57-C.º) propositadamente para não ter que preencher os requisitos de aplicação deste último preceito; ii) por outro lado, a Administração fiscal não tem (nem pode ter) poderes para, de entre as várias soluções de financiamento possíveis, substituir-se aos órgãos da empresa e escolher aquela que lhe pareça mais adequada, pelo que também, por isso, merece censura da decisão a quo.

22. A aplicação de um cláusula de carácter geral automática como o artigo 23.º do Código do IRC, que impede a dedutibilidade dos juros em situações de pagamentos a entidades residentes noutro Estado-membro ou país terceiro sem uma fundamentação compatível com o TCE, designadamente com base no princípio da proporcionalidade e da coerência do direito fiscal, é também contrária ao direito comunitário, como o próprio Tribunal de Justiça recentemente defendeu no processo Test Claimants (cf. Ac. TJCE de 13.03.07, Proc. C-524/04);

23. A subsistir quaisquer dúvidas sobre a ilegalidade da decisão recorrida, e não podendo decidir-se de imediato a questão nos termos supra referidos, sempre se teria que submeter a citada questão ao TJCE a título de reenvio prejudicial;

24. In casu, a interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IRC pelo Tribunal a quo, no seguimento do que fez o Fisco, está a fazer despoletar o regime do dedução de custos num mecanismo de pura intervenção na gestão privada das empresas, interpretação em contradição com o princípio disposto no n.º 2 do artigo 86.º da CRP. Inconstitucionalidade esta que foi expressamente arguida para todos os efeitos legais.

25. Finalmente, há que censurar a decisão a quo por violação do artigo 44.º do CIRC, em virtude da ora recorrente ter reinvestido integralmente o produto da realização (€22.030,14) em 1998 e em 2000, tal como se provou documental e testemunhalmente; pelo que não poderia ser tributada em ofensa à citada norma legal e razão pela qual há que censurar a decisão a quo.

Termina pedindo:

Termos em que, a decisão a quo merece inteira censura, devendo V. Ex.ªs concederem provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença e tudo com as devidas consequências legais.


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A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões dos recursos, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pelos Recorrentes, concretamente, se foi feita uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 80.º do CIRC e 35.º da LGT, tal como alega a Recorrente Fazenda Pública, ou se ficaram por aditar à fundamentação factos pertinentes que foram provados e se foi feita uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto no art. 23.º do CIRC, tal como invoca a Recorrente M....S.A..


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. De Facto

Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 30.08.2001 a sociedade “M.... Portugal SGPS, Lda.” extinguiu-se por fusão, sendo incorporada na “M.... — Autoserviço Grossista, S.A.” — cf.. doc. 2 junto com a p.i..

B) A fusão por incorporação identificada em A) foi objeto de registo em 11.02.2002 — cf.. doc. 3 junto com a p.i..

C) A sociedade “M.... Portugal SGPS, Lda.” foi objeto de um procedimento interno de inspeção tributária ao exercício de 1998 na sequência do qual foi elaborado, em 29.04.2002, o Relatório com as respetivas conclusões que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca, no que ao caso mais releva, o seguinte:

«[...]


(imagem, original nos autos)

D) A “M.... Portugal SGPS, Lda.” foi constituída em 14.12.1989, com o capital social de 730.020.000$00 assim distribuído:


(imagem, original nos autos)

E) Até ao final de 1991 os sócios da “M.... Portugal SGPS, Lda.” deliberaram, por unanimidade, a realização de várias prestações suplementares num total de € 41.024.392,24 (Esc. 8.230.666.666) — cf. docs. 5 e 6 juntos com a pi. (anexo 9 do Relatório de Inspeção).

F) No artigo 6.º do contrato de sociedade da “M.... Portugal SGPS, Lda.” foi estipulado um limite de Esc. 10.000.000.000 relativamente à realização de prestações suplementares — por acordo.

G) Em Assembleia Geral realizada em 31.08.1993, os sócios da “M.... Portugal SGPS, Lda.” deliberaram, por unanimidade, que fossem restituídas as prestações suplementares no montante de Esc. 3.600.000.000, a efetuar em duas prestações de Esc. 1.800.000.000, sendo a primeira paga até 31.12.1993 e a segunda até 28.02.1994 — cfr. doc. 8, junto com a p.i.

H) Em 15.12.1993 foi celebrado entre a “M.... Internacional AG”, na qualidade de mutuante, e a “M.... Portugal SGPS, Lda.”, na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual foi feito constar, além do mais, o seguinte:

«A. Considerando que o Mutuário pretende obter um empréstimo de PTE 3.600.000.000 (três mil e seiscentos milhões de Escudos) para promover o desenvolvimento das suas actividades comerciais.

B. Considerando que os sócios do Mutuário deliberaram, em assembleia geral realizada a 31 de Agosto, efectuar o reembolso de parte das prestações suplementares de capital efectuadas pelo Mutuário.

C. Considerando que Mutuante está disposto aprestar o financiamento necessário para o efeito acima referido, nas condições e termos estabelecidos no presente Contrato,

D. As partes acordam entre si o seguinte:


Artigo 1º

“(...) O empréstimo será efectuado pelo mutuante em dois pagamentos no montante de PTE 1.800.000.000 (mil e oitocentos milhões de escudos) cada, apagar directamente aos sócios do Mutuário, mediante instruções escritas do Mutuário para esse efeito, devendo o primeiro dos referidos pagamentos ter lugar até 31 de Dezembro de 1993, e o segundo até 30 de Janeiro de 1994.

Artigo 2º

A taxa de juro a aplicar ao empréstimo será de 11% (onze por cento) ao ano, relativamente à totalidade do prazo de duração do empréstimo. Os juros serão calculados com base nos dias efectivamente decorridos, considerando-se que o ano tem 365 dias, e devendo a sua liquidação se efectuada pelo Mutuário no dia 30 do mês de Junho do ano do seu reembolso respectivo, acrescida dos eventuais juros de mora devidos, verflcando-se o vencimento do primeiropagamento de juros a 30 de Junho de 1994.

Artigo 3.º

O Mutuário deverá efectuar o reembolso do Empréstimo ao mutuante, mediante um pagamento único, no montante de PTE 3.600.000.000 (três mil e seiscentos milhões de Escudos) no dia 15 de Dezembro de 1998.»

- cfr. doc. 11 junto com a p.i. (anexo 3 do Relatório de Inspeção).

I) A taxa de juro prevista no contrato que antecede foi determinada na sequência de consulta efetuada pela “M.... Autoserviço Grossista, S.A.” a instituição bancária portuguesa que informou, em 24.09.1993, o seguinte:

«Nesta data, os empréstimos tipo obrigacionista observam taxas de juro fixa, a 3 anos na ordem dos 10,85% ao ano, enquanto que, para prazos de 5 anos a taxa situa-se nos 11% ao ano.

Chamamos a vossa atenção para o facto destas taxas estarem sujeitas a alterações a qualquer tempo, dada a volatilidade relativa do mercado, pelo que as taxas a cotar em 30 de Dezembro de 1993, conforme vossa solicitação, poderão sofrer alterações significativas, face às actuais.» — por acordo.

J) No cumprimento do contrato de mútuo identificado em H) a “M.... Portugal SGPS, Lda.” pagou à sociedade mutuante juros no valor de Esc. 378.641.098 (€ 1.888.653,83) - por acordo.

K) O valor objeto do mútuo identificado em H) foi utilizado pela “M.... Portugal SGPS, Lda.” para reembolso das prestações suplementares efetuadas pelas sociedades sócias daquela, “E… N.V.” e “L… AG” — por acordo (cf.. RIT e art.º 41.º da p.i.).

L) No ano de 1998 a “M.... Autoserviço Grossista, S.A.” alienou bens do imobilizado no valor de 6.929.845$00 (E 34.565,92), da qual resultou uma mais-valia no valor de 4.416.647$00 (E 22.030,14) — cfr. doc. 12 junto com a p.i..

M) Na declaração mod. 22 de IRC do mesmo ano, a “M.... Autoserviço Grossista, S.A.” inscreveu no quadro 29 (“Reinvestimento dos valores de realização”), os seguintes valores:


- cfr. doc. 14 junto com a p.i.

N) No mapa de reintegrações de 1998, em relação à “M.... Autoserviço Grossista, S.A.”, foi registada a aquisição de ativo imobilizado no valor de 32.929.704$00 (instalações de água, eletricidade...) e o reinvestimento da quantia de 1.698.995$00 — cfr. doc. 13 junto com a p.i..

O) No mapa de amortizações e reintegrações relativo ao exercício de 2000 consta da coluna 6 [Activo imobilizado (valores de aq. ou outro valor contábil. na falta daqueles)] a quantia de Esc. 8.700.000 relativo à construção do “Ecostore Cascais”, verba que não foi incluída na coluna g) do mesmo documento — cfr. doc. 15 junto com a p.i.

P) Ato impugnado: Na sequência das correções a que se refere o Relatório de inspeção identificado na alínea D) em 08.05.2002 foi efetuada a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1998, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e que apurou a pagar, após compensação do montante anteriormente liquidado, o valor de € 921.072,26, sendo € 155.609,20 relativos a juros compensatórios, com data limite de pagamento em 24.06.2002 — cf.. doc. 1 junto com a p.i.

Q) Em 19.09.2002 foi apresentada a presente Impugnação — cfr. fis. 1 dos autos. Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa.


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Motivação de facto:

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, tendo a prova testemunhal produzida em audiência confirmado factos que, na sua essência, não se mostram controvertidos, relativamente aos quais as partes apenas dissentem no respetivo enquadramento jurídico.


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II.2. Aditamento à fundamentação de facto:

Em consequência da procedência do erro de julgamento de facto imputado pela Recorrente M....S.A. à sentença sob recurso, infra apreciado, procede-se ao seguinte aditamento à fundamentação de facto:

R) A M.... SGPS era a holding do grupo M.... em Portugal, constituído por sociedades de negócio grossista e de distribuição também pela sociedade M.... Auto Serviço Grossista e SA e pela sociedade N....- Sociedades de Gestão e Exploração de Restaurantes (cf. escritura de fusão, constante a fls. 42 a 58 do PAT).

S) Para fazer face aos investimentos a efetuar nos exercícios de 1990 e 1991, a M.... SGPS necessitava de novos capitais para além do seu capital social, tendo a administração equacionado várias possibilidades, designadamente o recurso empréstimos, fossem de terceiros ou dos sócios e a novos aumentos de capital social ou prestações suplementares (cf. depoimento da primeira e da segunda testemunhas);

T) A decisão de lançar mão às prestações suplementares deveu-se ao entendimento dos sócios da M.... SGPS de que seria difícil e oneroso captar capitais no mercado, uma vez que a sociedade era muito recente, não tendo capitais próprios nem garantias suficientes, sendo essa a melhor forma de aportar à sociedade os capitais necessários aos investimentos a realizar, sem onerar demasiado a empresa (cf. depoimento da primeira e da segunda testemunhas);

U) Foi entendimento dos sócios da M.... SGPS que seria mais vantajoso, ao invés de fazerem suprimentos à sociedade com o correspondente vencimento de juros, assumirem sobre si esse encargo, uma vez que, num momento futuro, quando a sociedade já tivesse capacidade para subsistir por si no mercado, poderiam converter essas prestações suplementares em suprimentos ou solicitar o seu reembolso (cf. depoimento da primeira e da segunda testemunhas);

V) Com esses capitais, durante os anos de 1990 a 1992, a SGPS adquiriu a totalidade do capital social da sociedade “M.... Autoserviço Grossista, SA” e aportou novos capitais a título de prestações suplementares a esta subsidiária (cf. depoimento da primeira testemunha; e RIT no respetivo ponto 1.6.7).

W) A deliberação descrita na alínea G assentou no entendimento dos sócios da M.... SGPS de que a empresa já não se encontrava na situação de “arranque” (cf. depoimento da primeira e da segunda testemunhas);

X) Antes de efetuarem o reembolso de prestações suplementares os sócios e a gerência desencadearam diversos contactos, junto da Banca portuguesa no sentido de obter informação relativamente às taxas de juros ativas praticadas, e junto do Grupo internacional a que pertenciam, com vista a pautar a respetiva remuneração pelas regras do mercado (depoimento da primeira e segunda testemunha).

Y) No mapa das mais-valias e menos-valias fiscais, apresentado no exercício de 1998, a M.... GROSSISTA declarou pretender reinvestir, o remanescente do valor de realização não revestido em 1998, nos três exercícios seguintes, i.e., nos anos de 1999, 2000 e 2001 (cf. mapa de reintegrações e amortizações, a fls. 120 do PAT, e depoimento da primeira e terceira testemunhas).

Z) Em 2000 o remanescente do valor de realização correspondente a EUR 26.091,37, foi reinvestido na construção de um imóvel inscrito no ativo imobilizado, a Ecostore em Cascajs (cf. mapa de reintegrações e amortizações, a fls. 120 do PAT, e depoimento da primeira e terceira testemunhas).


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A convicção deste Tribunal quanto à matéria de facto aditada à sentença, fundou-se no depoimento prestado pelas testemunhas, que depuseram de forma clara, congruente e revelando conhecimento de causa, assim como na prova documental efetuada, tal como indicado em cada um dos pontos do probatório.

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II.2. Fundamentação de Direito

Atendendo a que a sorte do recurso interposto pela Fazenda Pública depende da decisão a proferir no recurso da M....S.A., será conhecido depois da apreciação deste último.

No recurso que interpõe a M....S.A., começa por alegar que a sentença em crise padece de erro de julgamento de facto, por não ter dado como provados factos relevantes para a decisão, e que considera terem por si sido provados, e de erro de julgamento de direito, por não ter feito uma correta interpretação e aplicação ao caso do disposto no art. 23.º do CIRC.

Atenta a respetiva precedência lógica, há que começar por apreciar os erros de julgamento de facto imputados à sentença sob recurso.

Assim, alega a Recorrente que a sentença deveria ter considerado provados os seguintes factos, que se passam a numerar, por facilidade de referência:

1. A M.... SGPS foi constituída por escritura de 14 de dezembro de 1989 com um capital social de cerca de 730 mil contos, tendo por atividade a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de uma atividade económica;

2. Para fazer face aos investimentos a efetuar no exercício de 1990 e 1991, a SGPS necessitava de novos capitais para além do seu capital social, tendo a administração equacionado várias possibilidades, designadamente o recurso a capitais alheios com vencimento de juros (i.e, empréstimos, fossem de terceiros ou dos sócios) e a capitais dos sócios (eg., novos aumentos de capital social ou prestações suplementares);

3. A M.... SGPS era a holding do grupo M.... em Portugal, constituído por sociedades de negócio grossista e de distribuição e também pela sociedade M.... Auto Serviço Grossista e SA e pela sociedade N....- Sociedades de Gestão e Exploração de Restaurantes;

4. Afigurando-se extremamente difícil e oneroso captar capitais no mercado, uma vez que a sociedade era muito recente (não tendo capitais próprios nem garantias suficientes), os sócios efetuaram prestações suplementares no montante total de Esc. 8.230.666.666 equivalente a € 41.054.392,24, durante o ano de 1991 para aportar à sociedade os capitais necessários aos investimentos a realizar, sem onerar demasiado a empresa;

5. Assim, ao invés de fazerem suprimentos à sociedade com o correspondente vencimento de juros ab initio os sócios assumiram sobre si esse encargo, sendo certo que, num momento futuro, quando a sociedade já tivesse capacidade para subsistir por si no mercado, poderiam converter essas prestações suplementares em suprimentos ou solicitar o seu reembolso;

6. Com esses capitais, durante os primeiros dois anos (1990-1992), a SGPS adquiriu diversas participações sociais e, em particular, a totalidade do capital social da sociedade "M.... Autoserviço Grossista, SA" e, simultaneamente, aportou também novos capitais a título de prestações suplementares a estas subsidiárias;

7. No exercício de 1993, reconhecendo que a empresa estava já em «velocidade de cruzeiro» e em condições de se financiar de modo independente, os sócios da M.... SGPS deliberaram que esta os reembolsasse de parte dos capitais anteriormente entregues como prestações suplementares e que haviam sido aplicados no negócio de comércio por grosso, por via da aquisição de participações sociais e do aporte de capital às sociedades participadas;

8. Neste âmbito, e após terem verificado que a M.... SGPS estava em condições de proceder ao reembolso de prestações suplementares, e no plano legal o artigo 213.º do CSC não se opunha a isso, os sócios e a gerência desencadearam diversos contactos, ora junto da Banca portuguesa no sentido de obter informação relativamente às taxas de juros ativas praticadas, ora junto do Grupo internacional a que pertenciam fazendo pautar a remuneração de um eventual mútuo pelas regras do mercado;

9. Na sequência dessas negociações, a SGPS conseguiu negociar, com menores encargos (eg. a nível de garantias), o empréstimo junto de uma sociedade do grupo, com uma taxa de juro equivalente àquela que era exigida pela banca nacional;

10. Com a opção tomada (i.e., de financiamento através de prestações suplementares) a M.... SGPS apresentou mais resultados tributáveis do que se o empréstimo tivesse sido contratado ab initio, pois os juros teriam reduzido o lucro tributável de imediato;

11. Os juros suportados em razão do mútuo contratado com a “M.... International AG” foram essenciais à manutenção da fonte produtora da M.... SGPS, posto que esta estava obrigada a restituir as prestações suplementares e, caso se restituíssem tais prestações por via da transformação de ativos patrimoniais em dinheiro líquido, ter-se-ia provocado um abrandamento no desenvolvimento do negócio, na respetiva expansão e consequentemente uma redução do lucro tributável;

12. O valor de realização dos bens do ativo imobilizado que foram alienados em 1998, no montante de EUR 34.565,92, e que originaram uma mais-valia fiscal no valor de EUR 22.030,14, corrigida pela AT no montante de EUR 13.555,59, foi reinvestido, pela M.... Grossista, em bens do ativo imobilizado em 1998 [EUR 8.474,55], e em 2000 [EUR 26.091,37], tendo-se demonstrado nos autos:

i. Que, no mapa das mais-valias e menos-valias fiscais, apresentado no exercício de 1998, a M.... GROSSISTA declarou pretender reinvestir, o remanescente do valor de realização não revestido em 1998, nos três exercícios seguintes, i.e., nos anos de 1999, 2000 e 2001;

ii. Que esse remanescente do valor de realização correspondente a € 26.091,37, foi efetivamente reinvestido na construção de um imóvel inscrito no ativo imobilizado, a Ecostore em Cascais, no valor de EUR 43.395,42;

iii. Que, em consequência a respetiva mais-valia, no valor de EUR 13.555,59, foi indevidamente corrigida pela AT.

Vejamos então.

A circunstância descrita no ponto 1, e alegada no art. 18.º da PI, foi já abordada na alínea D, da fundamentação de facto da sentença, sendo certo que o facto de a M.... SGPS ter por atividade “a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de uma atividade económica” decorre do seu próprio regime jurídico, tal como resulta do n.º 1 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30/12, não havendo por isso que censurar à sentença por não fazer referência, na factualidade, a este aspeto concreto.

A realidade descrita no ponto 2, e alegada no art. 19.º da PI, é revelante para contextualizar a operação questionada pela Fazenda Pública, e foi provada pela Recorrente, através do depoimento das testemunhas, nos extratos dos respetivos depoimentos, que identifica, não tendo, além disso, sido contestada pela Fazenda Pública, pelo que deve figurar na fundamentação de facto da sentença, verifica-se o apontado erro de julgamento de facto.

A circunstância relatada no ponto 3 resulta provada através da escritura de fusão constante no processo administrativo tributário, em anexo, de cujo exame se retira o alegado, que, aliás, também não é posto em causa pela Recorrida.

No que diz respeito ao circunstancialismo descrito no ponto 4, e alegado no art. 20.º da PI, a formulação pretendida revela-se conclusiva.

Por outro lado, o facto de os sócios terem efetuado prestações suplementares no montante total de PTE 8.230.666.666, equivalente a EUR 41.054.392,24, encontra-se já registado na alínea E, da fundamentação de facto.

No entanto, por se revelar pertinente, por não ter sido contestado pela Fazenda Pública e por resultar do depoimento das testemunhas nos extratos identificados, deve ainda assim dar-se por provado que a decisão de lançar mão às prestações suplementares se deveu ao entendimento dos sócios da M.... SGPS de que seria difícil e oneroso captar capitais no mercado, uma vez que a sociedade era muito recente, não tendo capitais próprios nem garantias suficientes, sendo essa a melhor forma de aportar à sociedade os capitais necessários aos investimentos a realizar, sem onerar demasiado a empresa.

Assim sendo, também neste ponto se verifica o apontado erro de julgamento de facto.

Também o proposto no ponto 5, e alegado no art. 21.º da PI, se revela conclusivo na formulação proposta; no entanto, por se revelar pertinente, e não ser contestado pela Fazenda Pública, retirando-se do depoimento das testemunhas, deverá dar-se por provado que foi entendimento dos sócios da M.... SGPS que seria mais vantajoso ao invés de fazerem suprimentos à sociedade com o correspondente vencimento de juros, assumirem sobre si esse encargo, uma vez que, num momento futuro, quando a sociedade já tivesse capacidade para subsistir por si no mercado, poderiam converter essas prestações suplementares em suprimentos ou solicitar o seu reembolso.

Por se revelar pertinente, não ser contestado pela Fazenda Pública, e ter suporte no depoimento das testemunhas, nos extratos identificados, deve também passar a constar da factualidade provada o relatado no ponto 6, e alegado no art. 24.º da PI, tanto mais que a mesma é confirmada no ponto 1.6.7 do próprio Relatório de Inspeção Tributária (RIT).

No que diz respeito ao ponto 7, e alegado no art. 25.º da PI, ainda que ali com outra formulação, resulta já da alínea G da factualidade provada que “Em Assembleia Geral realizada em 31.08.1993, os sócios da “M.... Portugal SGPS, Lda.” deliberaram, por unanimidade, que fossem restituídas as prestações suplementares no montante de Esc. 3.600.000.000, a efetuar em duas prestações de Esc. 1.800.000.000, sendo a primeira paga até 31.12.1993 e a segunda até 28.02.1994”.

Ainda assim, por se revelar pertinente, não ser contestado pela Fazenda Pública, e ter suporte no depoimento das testemunhas, nos extratos identificados, deverá dar-se por provado que a deliberação descrita na alínea G assentou no entendimento dos sócios da M.... SGPS de que a empresa já não se encontrava na situação de “arranque”.

Quanto ao ponto 8, revela-se conclusivo, não podendo dar-se por provada a conclusão de que a remuneração do mútuo se pautou pelas regras do mercado.

Ainda assim, por se revelar pertinente, não ser contestado pela Fazenda Pública, e ter suporte no depoimento das testemunhas, deve dar-se por provado que “Antes de efetuarem o reembolso de prestações suplementares os sócios e a gerência desencadearam diversos contactos, junto da Banca portuguesa no sentido de obter informação relativamente às taxas de juros ativas praticadas, e junto do Grupo internacional a que pertenciam, com vista a pautar a respetiva remuneração pelas regras do mercado”.

Também a alteração proposta no ponto 9 se revela manifestamente conclusiva, além de que não foi alegada pela Recorrente na respetiva PI, pelo que, também relativamente a esta questão nada há a censurar à sentença.

O mesmo se diga relativamente aos pontos 10 e 11, nos quais se exprimem conclusões, que não têm cabimento na fundamentação de facto.

Por último, e relativamente à matéria referida no ponto 12, resulta provado nos autos, através do mapa de reintegrações e amortizações, e do depoimento prestado pela 1.ª e 3.ª testemunhas oferecidas pela Recorrente, que que no mapa das mais-valias e menos-valias fiscais, apresentado no exercício de 1998, a M.... GROSSISTA declarou pretender reinvestir, o remanescente do valor de realização não revestido em 1998, nos três exercícios seguintes, i.e., nos anos de 1999, 2000 e 2001 e que o remanescente do valor de realização correspondente a EUR 26.091,37, foi reinvestido em 2000 na construção da Ecostore em Cascais, no valor de EUR 43.395,42, donde também aqui se julga procedente o erro de julgamento de facto que invoca.

Estabilizada que está a fundamentação de facto da decisão, cabe apreciar os erros de julgamento de direito imputados pela Recorrente à decisão sob recurso, apurando-se se na mesma foi feita uma correta interpretação e aplicação ao caso do disposto no art. 23.º do CIRC.

Compulsada a sentença, constata-se que ali é corroborado o entendimento da Administração fiscal no sentido de que, e em suma, o custo não era indispensável, uma vez que a Recorrente, ao recorrer a um mútuo celebrado com uma empresa pertencente ao grupo ao nível internacional, no caso a M.... Internacional AG, gerou um custo que apenas beneficiou esta última, concretamente, os juros suportados para satisfazer o referido mútuo, pelo que não resultou verificado o requisito da indispensabilidade constante no art. 23.º do CIRC, mais ali se referindo que, embora não tenha sido beliscado o regime legal das prestações suplementares, não tendo sido violado o disposto no art. 213.º do CSC, a Recorrente terá, com recurso a esta operação, subvertido a ratio do regime legal desta forma de financiamento ao recorrer ao crédito para reembolsar as prestações suplementares, raciocínio que é sustentado através da citação de jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, concretamente, de um acórdão proferido em 4 de maio de 1989 por aquele Tribunal, relativamente a uma situação refere a suprimentos.

Vejamos então.

Antes de mais, cumprirá aqui recordar que o ónus de alegar e provar que o custo incorrido com os juros em questão não reunia os requisitos para ser dedutível nos termos e para os efeitos do disposto no art. 23.º do CIRC, cabia à Administração fiscal, tal como resulta do disposto no art. 74.º da LGT.

Por outro lado, sobre esta matéria, há que assentar que o critério que vem sendo afirmado pela doutrina e pela jurisprudência quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC “está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos(cf. neste sentido, o Acórdão proferido pelo STA em 15/11/2017, no proc. 0372/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Com efeito, o que vem sendo unanimemente entendido pelos nossos Tribunais é que para que o custo possa ser fiscalmente dedutível, à luz do disposto no art. 23.º do CIRC, bastará que o mesmo “seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa”, não estando a Administração fiscal legitimada a “sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade(cf. neste sentido, o Acórdão proferido pelo STA em 28/06/2017 no proc. 0627/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Ora, da prova produzida nos autos o que resulta é que a Recorrente alegou e provou uma motivação plausível para a operação em causa, ou seja, para o recurso às prestações suplementares para se financiar numa fase de implementação do negócio, para fazer face aos investimentos a efetuar nos exercícios de 1990 e 1991, atendendo a que a M.... SGPS necessitava de novos capitais para além do seu capital social, tendo a administração de entre as várias possibilidade de que dispunha - recurso empréstimos, fossem de terceiros ou dos sócios, novos aumentos de capital social ou prestações suplementares - concluído que lhe era mais favorável lançar mão às prestações suplementares, por terem considerado que seria difícil e oneroso captar capitais no mercado, uma vez que a sociedade era muito recente, não tendo capitais próprios nem garantias suficientes, sendo essa a melhor forma de aportar à sociedade os capitais necessários aos investimentos a realizar, sem onerar demasiado a empresa

Foi entendimento dos sócios da M.... SGPS que seria mais vantajoso ao invés de fazerem suprimentos à sociedade com o correspondente vencimento de juros, assumirem sobre si esse encargo, uma vez que, num momento futuro, quando a sociedade já tivesse capacidade para subsistir por si no mercado, poderiam converter essas prestações suplementares em suprimentos ou solicitar o seu reembolso

Por outro lado, resulta também provado que com esses capitais, durante os anos de 1990 a 1992, a SGPS adquiriu a totalidade do capital social da sociedade “M.... Autoserviço Grossista, SA” e aportou novos capitais a título de prestações suplementares a esta subsidiária, investimentos que tinham cabimento no seu escopo societário.

Mais resultou provado que a deliberação de restituir as prestações suplementares assentou no entendimento dos sócios da M.... SGPS de que a empresa já não se encontrava na situação de “arranque”, estando por isso em condições de proceder à respetiva restituição, no caso, e em face da decisão de recorrerem ao mútuo com a M.... Internacional AG para o efeito, em condições de suportar os juros que daí decorreriam.

Resultou ainda provado que antes de efetuarem o reembolso de prestações suplementares os sócios e a gerência desencadearam diversos contactos, junto da Banca portuguesa no sentido de obter informação relativamente às taxas de juros ativas praticadas, e junto do Grupo internacional a que pertenciam (cf. ponto X, da fundamentação de facto).

Ou seja, e tendo em consideração a natureza da Recorrente, que sendo uma SGPS, tem por atividade “a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de uma atividade económica”, tal como decorre do seu próprio regime jurídico, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30/12, a operação em causa encontrava pleno suporte “no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário” (cf. Acórdão do Pleno do STA proferido em 2018-06-27, no proc. 01402/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Por outro lado, e quanto à forma como foi efetuado o reembolso das prestações suplementares, o que resulta da tese da Administração fiscal, integralmente corroborada pelo Tribunal a quo, é que a Recorrente, não tendo feito o reembolso com recurso a meios próprios, provocou um custo que era “dispensável”, pois deste modo sujeitou-se ao pagamento de juros, que no seu entender, pressupõe-se, seria desnecessário.

Sucede, no entanto, que, e atendendo a que como bem é admitido na fundamentação do ato impugnado, integralmente secundada pela sentença sob recurso, nada na lei impedia a Recorrente de lançar mão do referido mútuo para obter financiamento necessário para proceder ao referido reembolso, também esta decisão cabia no espaço da sua liberdade de gestão, que, como já aqui se referiu, estava fora do âmbito do controlo da Administração fiscal.

Com efeito, a invocação, de resto, descontextualizada, do decidido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 4 de maio de 1989, no proc. 0023305, não oferece qualquer contributo nesta matéria, pois do acórdão em questão não decorre qualquer entendimento jurisprudencial que ponha em causa a conclusão de que a Recorrente não estava obrigada a efetuar o reembolso das prestações suplementares através de recursos próprios.

De facto, no referido Acórdão, do qual tanto no RIT como a sentença sob recurso se limitam a citar o sumário, foi apreciado um recurso interposto por uma sociedade no âmbito de uma ação intentada por um seu sócio que peticionava o reembolso de um suprimento – e não de prestações suplementares - tendo o Tribunal da Relação do Porto entendido que, por ser distinto de um mútuo, visto traduzir um financiamento interno com caráter de permanência, havia que aplicar ao caso o disposto no art. 245.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, que entendeu ter natureza interpretativa e, portanto, com efeitos retroativos, concluindo que, na ausência de estipulação judicial prévia de um prazo para a exigibilidade do reembolso, nos termos do art. 777.º, n.º 2 do Código Civil, a obrigação não se encontrava ainda vencida, e como tal, deu provimento ao recurso, “revogando” a sentença de 1.ª instância.

Donde, nem a situação apreciada apresentava qualquer similitude com as circunstâncias do caso, nem da jurisprudência ali firmada resulta qualquer contributo no sentido de se concluir que da lei decorre uma qualquer limitação a que a aqui Recorrente lançasse mão de um mútuo com vista a obter financiamento para proceder à devolução das prestações suplementares de que beneficiara.

Tratou-se por isso de uma decisão tomada no âmbito da sua liberdade de gestão, sendo aqui de referir a este propósito que resulta das regras da experiência comum que poderiam existir motivos plausíveis para que a Recorrente tenha recorrido ao mútuo em vez de, como pretende a Administração fiscal, ter aguardado pela existência de disponibilidade financeira própria para proceder ao reembolso, desde logo, a circunstância de os sócios terem tido necessidade de ser reembolsados do montante em questão para efetuarem outros investimentos.

Por outro lado, e não tendo a Administração fiscal alegado ou provado que o mútuo foi efetuado em condições desvantajosas relativamente a um eventual endividamento no mercado, junto de uma entidade bancária – motivo pelo qual, aliás, não acionou o disposto no (então) art. 57.º do CIRC – há que referir que, e a partir do momento em que decidiu recorrer ao crédito, a Recorrente, para poder beneficiar do disposto no art. 23.º do CIRC, não estava obrigada a optar pela a solução que se revelasse menos vantajosa para o grupo societário em que se encontrava integrada.

Refira-se ainda que, mesmo que a Recorrente dispusesse de “recursos” próprios suficientes para proceder ao reembolso das prestações suplementares, não estaria, ainda assim, impedida de recorrer ao crédito para o efeito, mantendo quanto a esta matéria a sua liberdade para tomar a decisão de gestão que entendesse mais adequada, caso considerasse, por exemplo, e como é referido pela Recorrente, que nas circunstâncias em que se encontrava não seria adequada a descapitalização do seu negócio, assim ficando habilitada a prosseguir a sua estratégia económica de expansão e de desenvolvimento.

Ou seja, e ainda que se aceitasse, em tese, que o art. 23.º do CIRC pode ser mobilizado como norma anti abusiva, não resultou demonstrado, como parece pretender a Administração fiscal, que tenha ocorrido qualquer utilização imprópria de formas jurídicas.

Acresce, e como refere corretamente a Recorrente, que este Tribunal Central Administrativo Sul já se pronunciou neste mesmo sentido, nos Acórdãos proferidos em 26 de janeiro de 2017, no proc. n.º 06047/12, e em 23 de fevereiro de 2017, no Recurso n.º 5493/12, relativamente a circunstâncias factuais similares às que aqui se discutem, pois em causa estava o recurso das decisões proferidas nos processos de impugnação do IRC de 1996 e do IRC de 1997 da Recorrente, também eles deduzidos pela mesma, ali se tendo decidido que “… a lei consente que a SGPS pratique um conjunto de operações ou actividade acessórias em benefício das suas participadas, de entre as quais a de concessão de crédito, que é permitida nos termos do disposto no artigo 5º, n.º1, alínea c) e n.º2 do DL 495/88, com as alterações introduzidas pelo DL 318/94, de 24 de Setembro (…) [Sendo de] considerar que a operação de empréstimo em causa nestes autos se insere na actividade da impugnante, donde os juros dele decorrentes integram a previsão estatuída na alínea c) do n.º 1 do artigo 23º do CIRC.” (cf. Acórdão proferido por este TCAS em 26 de janeiro de 2017, no proc. n.º 06047/12).

Tanto é quanto basta para que se conclua que neste extrato o recurso deve proceder, por ter sido feita uma incorreta interpretação e aplicação ao caso em apreço do disposto no art. 23.º do CIRC.

Mais alega a Recorrente que tendo provado que foi efetuado o reinvestimento integral do montante do remanescente no ano 2000, na construção de um imóvel inscrito no ativo imobilizado, a E… em Cascais, o Tribunal a quo também errou ao não reconhecer que as mais-valias realizadas em 1998, através da transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado corpóreo foram integralmente reinvestidas, pelo que havia que aplicar ao caso o disposto então artigo 44.º, n. 1 do CIRC.

Com efeito, também relativamente a esta questão cabe razão à Recorrente.

Efetivamente, provando-se nos autos o reinvestimento da quantia em questão nos termos alegados pela Recorrente (cf. pontos Y e Z, da fundamentação de facto), confirma-se o apontado erro nos pressupostos de facto e de direito do ato impugnado e, consequentemente, a incorreta interpretação e aplicação do direito efetuada na sentença.

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente procedente.


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Atendendo à total procedência do recurso interposto pela M....S.A., fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela Fazenda Pública no seu recurso (cf. n.º 2 do art. 608.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT) - uma vez que tinham como pressuposto a legalidade do ato de liquidação impugnado -, e, em consequência, do pedido que nele formula.

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Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo recurso da M....S.A., visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).

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Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Na presente impugnação judicial encontra-se em discussão o IRC referente a 1998, no montante total EUR 921.072,26, a que corresponde o valor da ação e do presente recurso [cf. art. 97.º-A, n.º 1, do CPPT].

Tal como vem sendo consistentemente decidido pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência sobre esta matéria, revela-se inconstitucional “por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, do diploma fundamental” um regime das custas “definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas” sempre que no mesmo não se permita ao tribunal “que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão(cf. neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, de 2007-03-28, n.º 471/2007, de 2007-09-25, n.º 116/2008, de 2008-02-20, n.º 266/2010,de 2010-06-29, n.º 421/2013, de 2013-07-15 e 604/2013, de 2013-09-24, disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Concretamente no que se refere às custas no processo tributário, decidiu também já aquele Tribunal julgar inconstitucionais por violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP “(…) as normas contidas nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que, face a impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa visando a anulação parcial do acto de liquidação de IRC, a que corresponde a taxa de justiça de € 50 697,41 o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo(cf. Acórdão n.º 508/2015 proferido em 13 de outubro de 2015, no proc. 736/2014; cf. ainda o acórdão do STA proferido em 2012-04-26, no proc. 0768/11, e mais recentemente, o Acórdão do STA proferido em 2021-11-10 no proc. 02410/14.7BELRS, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).

Tanto basta para que se considere que no caso em apreço a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se justifica atendendo a que não só a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, como porque o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida, e calculado sobre a base tributável no montante de EUR 921.072,26 e levando em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

Em face do exposto, deverá ser dispensado o remanescente da taxa de justiça nas custas referentes à tramitação do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP.


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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. À luz do disposto no art. 23.º do CIRC, basta que o custo seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, para que o mesmo seja fiscalmente dedutível.

II. A Administração fiscal não está legitimada para, à luz deste preceito, sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na sua liberdade e autonomia de gestão.

III. A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso da Recorrente M....S.A., e em consequência, julgar a impugnação judicial totalmente procedente, e anular o ato impugnado, e em julgar prejudicado o conhecimento do recurso da Recorrente Fazenda Pública.

Custas pela Fazenda Pública, em ambas as instâncias, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo recurso da M....S.A., e sendo dispensada do remanescente.

Lisboa, 26 de junho de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Cristina Coelho da Silva – Patrícia Manuel Pires.