Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:436/15.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/20/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CESE
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL E ORGÂNICA
AUXÍLIO ESTATAL
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:I- A contribuição extraordinária sobre o setor energético é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica.

II-O conceito de Auxílio Estatal traduz uma relação entre uma entidade concedente (o Estado num sentido muito amplo) e a Entidade Beneficiária, que se traduz na outorga de uma medida específica vantajosa para o beneficiário e prejudicial para os concorrentes deste.

III-São elementos integrantes do conceito: a corporização de uma vantagem recebida pelo beneficiário que não advenha do livre jogo do mercado; imputada a poderes públicos de um EM e materializada com recursos públicos desse mesmo EM; seletiva, podendo a mesma ser geográfica ou material; provoque ou possa provocar distorções de concorrência e afete ou possa afetar o comércio intracomunitário.

IV-O regime da CESE não assume o qualificativo de auxílio de Estado contrário ao Direito da União.

Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

R…………. P………., S.A., e R………. G……… P……….., S.A., (doravante Recorrentes) interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida na sequência dos despachos de indeferimento proferidos pela Chefe de Divisão da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datados de 31/12/2014, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º ………………798, relativo à autoliquidação da contribuição extraordinária sobre o setor energético, datada de 5 de novembro de 2014, no montante de € 241.219,98, quer no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º ……………..780, relativo à autoliquidação da contribuição extraordinária sobre o setor energético, datada de 5 de novembro de 2014, no montante de € 92.298,62, respetivamente.

As Recorrentes apresentam as suas alegações de recurso nas quais formulam as conclusões que infra se reproduzem:

“1.ª O douto Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelas Recorrentes contra os atos de autoliquidação da CESE de 2014;

2.ª Consideram as Recorrentes que a sentença recorrida incorreu: (i) em nulidade por omissão de pronúncia; (ii) em erro de julgamento da matéria de facto, por manifesta insuficiência da matéria de facto dada como provada e por errónea apreciação da mesma; (iii) em erro de julgamento de direito na qualificação do tributo como contribuição financeira, e, consequentemente, na desconsideração da violação dos princípios da igualdade, na sua vertente da universidade e da uniformidade, e da tributação das empresas pelo lucro real, adicionalmente, na eventualidade da qualificação do tributo como uma contribuição financeira – o que se equacionou por mero dever de patrocínio – esta sempre desrespeitaria os princípios da legalidade, na vertente da tipicidade, e da equivalência, enquanto corolário do princípio da igualdade;

3.ª No que concerne à omissão de pronúncia imputável à sentença recorrida, tendo o Tribunal a quo adotado a fundamentação vertida nos acórdãos n.º 7/2019, de 8 de janeiro, proferido pelo TC e n.º 12313/17.1BELRA, de 11 de janeiro, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o Tribunal a quo é omisso quanto à questão suscitada de o regime da CESE violar o princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 103.º da CRP, mesmo quando equacionando a classificação da CESE como contribuição financeira, uma vez que nem a sentença recorrida, nem a jurisprudência que fomentou a decisão apreciam tal vício;

4.ª Efetivamente, no que toca à violação do princípio da legalidade fiscal, o Tribunal a quo transpôs as considerações tecidas pelo Tribunal Administrativo Sul no acórdão supra identificado, sucede, porem, que este douto Tribunal superior apenas analisa se o regime da CESE abstratamente colide com o princípio da legalidade fiscal na sua vertente formal, não sendo escrutinado se o regime da CESE é contrário ao princípio da legalidade na sua vertente material, i.e., se letra da lei indica de forma clara, pormenorizada, e precisa os elementos essenciais da CESE.

5.ª Tratando-se de questão sobre a qual se lhe impunha tomar conhecimento, a decisão que não a conheceu incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;

6.ª De facto, no caso vertente da criação do regime da CESE, o princípio da legalidade em matéria tributária afigura-se afrontado quanto ao princípio da tipicidade, dado que, como se evidenciou, a incidência objetiva do imposto é indeterminada;

7.ª Não resultando do artigo 3.º do regime da CESE um grau mínimo de densificação da incidência objetiva do imposto, a inconstitucionalidade material é patente, motivo pelo qual, não poderão deixar de considerar-se as normas do artigo 3.º do regime da CESE como inconstitucionais, recusando a sua aplicação, por violação do preceituado no referido artigo 103.º, n.º 2, da CRP;

8.ª Perante as alegações sobre a apontada violação ao princípio ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, o Tribunal a quo foi totalmente omisso sobre tal questão, e tratando-se de questão sobre a qual se lhe impunha tomar conhecimento, por consubstanciar um pedido totalmente novo e distinto daqueles que foram escrutinados pelo acórdão supra mencionado do TC e do Tribunal Central Administrativo Sul, a decisão que não o conheceu incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;

9.ª Ademais, a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto, pelo que não podem as Recorrentes deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, deveriam ter sido dados como provados factos, nomeadamente:

1) As Impugnantes, ora Recorrentes, não efetuam qualquer tratamento dos produtos comercializados (cf. artigo 12.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);

2) A primeira Impugnante, ora primeira Recorrente, limita-se a adquirir os produtos petrolíferos (gasolinas e gasóleos) nos mercados internacionais e às refinarias da Petrogal, para posterior revenda (cf. artigo 13.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);

3) A segunda Impugnante, ora segunda Recorrente, limita-se a adquirir os gases de petróleo liquefeitos nos mercados internacionais e às refinarias da Petrogal, para posterior revenda (cf. artigo 14.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);

4) A primeira Impugnante, ora segunda Recorrente, não exerce outra atividade que não a de comercialização de produtos petrolíferos, concretamente gasolinas e gasóleos (cf. artigo 15.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);

5) A segunda Impugnante, ora segunda Recorrente, não exerce outra atividade que não a de comercialização de gases de petróleo liquefeitos (cf. artigo 16.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);

10.ª Os pontos supra deveriam constar do probatório (matéria de facto provada) da sentença, porquanto foram invocados pelas Recorrentes na petição inicial e não foram controvertidos pela Fazenda Pública em sede administrativa ou judicial, o que implica que sobre o Tribunal a quo impendia o ónus de ponderar tal ausência de contestação, conforme previsto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, face à essencialidade de tais factos para a boa decisão da causa;

11.ª O Tribunal a quo incorreu em errónea apreciação dos factos, uma vez que não tem em conta as especificidades das atividades desenvolvidas pelas Recorrentes, tendo aderido, integralmente, ao entendimento propugnado no acórdão n.º 7/2019, propugnado pelo TC, cuja recorrente que figurava naqueles autos dedicava-se ao armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para o efeito;

12.ª No caso em apreço nos autos, a atividade das Recorrentes é diversa, razão pela qual são invocados fundamentos de facto e de direito, no sentido de demonstrar a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, considerando que as Recorrentes não operam nem são agentes do SEN, nem pode ser assumida a presunção suficientemente forte do aproveitamento ou causa da prestação tributária;

13.ª Em virtude da específica atividade das Recorrentes, foi alegado que, ao contrário do que sucedia no sector regulado (onde se insere o setor de produção elétrica) no sector liberalizado, onde as Recorrentes se inserem, a contribuição abrange todo e qualquer ativo;

14.ª Tendo em conta que as Recorrentes seguem as regras previstas no SNC (e não as NIC, como sucede com as empresas cotadas em bolsa), não existe qualquer uniformidade, ao considerar-se um índice de capacidade contributiva o valor líquido dos ativos na contabilidade, o que conduz à conclusão que a previsão de incidência objetiva – “ativos líquidos reconhecidos na contabilidade” – traduz uma total aleatoriedade, impedindo que os sujeitos passivos sejam tributados de forma uniforme;

15.ª Não pode deixar de impugnar-se a matéria de facto provada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, por manifesta insuficiência da matéria de facto provada para a decisão;

16.ª Admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, conforme disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;

17.ª A sentença incorre, ainda, em erro de julgamento da matéria de Direito;

18.ª No que concerne à natureza da CESE, o Tribunal a quo entendeu que, perante as características e finalidades associadas à cobrança da CESE, este tributo deve ser qualificado como uma contribuição financeira a favor de entidades públicas;

19.ª Contudo, não podem as Recorrentes manifestamente concordar com tal entendimento, considerando a existência de erro na ponderação das verdadeiras caraterísticas e finalidades da CESE que apenas podem conduzir à conclusão de que a CESE é um imposto;

20.ª Da análise ao regime da CESE (artigo 1.º, n.º 2), do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril e aos trabalhos preparatórios, nomeadamente o relatório do Orçamento de Estado para 2014, resulta que as finalidades enunciadas para o tributo são próprias dos impostos, sendo a menção ao propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo setor, acompanhada da inscrição da receita como receita geral do Estado, evidências da finalidade reditícia primacialmente visada;

21.ª Ao contrário do defendido pela jurisprudência que acompanha o acórdão n.º 7/2019 proferido pelo TC e pela decisão recorrida aqui em crise, a intenção de financiamento da eficiência energética e de políticas de cariz social e ambiental é mesmo um mero exercício de retórica uma vez que as leis orçamentais que lançam anualmente o tributo dito extraordinário nem sequer alocam ao FSSSE, como despesa previsível ainda que não realizada, qualquer montante para lá da parcela da redução da dívida tarifária (cf. declarações do Presidente da ERSE à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, in http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1223&title=audicao-do-presidente-da-entidadereguladora- do-setor-eletrico);

22.ª Assim, diferentemente do propugnado na sentença que adere ao entendimento do TC patente no acórdão n.º 7/2019, não existe no caso em apreço e por banda das Recorrentes qualquer contrapartida nem esta se afigura, em limite, difusa, não existindo qualquer comutatividade ou sinalagma associado à prestação desta contribuição;

23.ª Face ao caráter de tal modo vago e genérico da finalidade de financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, não se vislumbra sequer a justificação para a segregação patrimonial em relação às demais incumbências estaduais gerais a prosseguir pela administração central, motivo pelo qual não pode deixar de se concluir no sentido de que a finalidade do tributo é semelhante à dos demais impostos – arrecadação de receitas para financiamento das despesas públicas em geral (neste sentido vai SÉRGIO VASQUES, A Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, Fiscalidade da Energia, Almedina, 2017, p. 235);

24.ª Acresce que a finalidade de redução do défice tarifário, por sua vez, também corresponde a uma finalidade fiscal na medida em que não se trata aí de uma prestação/ atividade pública a favor de um determinado grupo de contribuintes ou, pelo menos, de um grupo de que as contribuintes aqui em causa façam parte;

25.ª Na perspetiva das Recorrentes aqui em causa, ao pagamento, coativamente imposto da CESE não corresponde qualquer contrapartida específica para o sujeito passivo (equivalência pela via do benefício), nem a prestação pecuniária exigida é produto de qualquer custo especificamente gerado pelo sujeito passivo (equivalência pela via dos custos);

26.ª Acresce que, a titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas obrigadas ao pagamento da CESE não permite concluir que estas sejam causadoras ou beneficiárias das políticas públicas de energia nem das medidas de redução do défice tarifário que ela pretende financiar, sendo isto absolutamente evidente no caso das empresas comercializadoras de produtos petrolíferos ou gases de petróleo liquefeitos, como é o caso das Recorrentes;

27.ª Mesmo que se identificasse na CESE uma refração do princípio da sustentabilidade financeira dos bens e serviços de interesse público – como defende o TC no acórdão n.º 7/2019 e agora o Tribunal a quo –, com base na consideração de que a sustentabilidade do SEN corresponderia a um bem de utilizadores identificáveis e, por essa razão, um bem que deve transitar do estatuto de bem público para o estatuto de bem de um grupo, sendo financiado pelos que fazem parte desse grupo, importa frisar que as Recorrentes não fazem parte do grupo do sector electroprodutor;

28.ª Se se pode afirmar que sector electroprodutor está, através do imposto extraordinário, a assegurar o pagamento do défice tarifário que é devido a esse mesmo sector, tal já não poderá ser afirmado no que respeita aos comercializadores de produtos de petróleo e de gás natural, que são alheios ao sector de produção energética, não se identificando, assim, na base de incidência subjetiva qualquer nexo de bilateralidade (cf. em idêntico sentido ao pugnado os acórdãos n.º 101/2023, nº 196/2024 e a declaração de voto vencido do Senhor Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro aposta no acórdão n.º 296/2023);

29.ª Também contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo por citação do mencionado acórdão do TC n.º 7/2019, a configuração da base de incidência objetiva do tributo tãopouco permite divisar uma qualquer correspetividade ou cumulatividade;

30.ª Neste concreto ponto, o legislador não distingue nenhuma característica de bilateralidade genérica, nenhuma manifestação que distinga o contribuinte dos demais com referência a uma especial atividade pública, sendo que o facto pressuposto do tributo é um mero comportamento do sujeito passivo, não se divisando por detrás da fixação da respetiva base de cálculo qualquer tipo de prestação pública suscetível de desencadear a obrigação tributária;

31.ª Constata-se pela análise das características do tributo a impossibilidade de descortinar qualquer prestação pública presumivelmente aproveitada ou provocada pelos sujeitos passivos que permita a identificação de uma contraprestação traduzida na contribuição a cobrar;

32.ª Também a consignação da receita do tributo ao FSSSE não altera tal constatação, uma vez que, um tributo pode ter a natureza de imposto e ver a sua receita consignada, existindo no ordenamento jurídico português vários exemplos de impostos de receita consignada, tais como o Imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil e a Contribuição para o Audiovisual;

33.ª Acresce que a sentença proferida pelo Tribunal a quo merece censura na medida em que transpõe para o caso sub judice um entendimento que não se atenta ao facto de que, tal como demonstrado, a primeira Recorrente dedica-se à compra e venda de produtos petrolíferos, ou seja, limita-se a adquirir gasolinas e gasóleos nos mercados internacionais e às refinarias da Petrogal, para posterior revenda, e a segunda Recorrente dedica-se à compra e venda de gases petróleo liquefeitos nos mercados internacionais e às refinarias da Petrogal, para posterior revenda;

34.ª Ficou evidenciado nos autos que a CESE é um contributo para a existência geral da comunidade e não de um tributo que visa o financiamento de uma determinada atividade pública em razão de determinados sujeitos se ligarem (em maior ou menos escala) de modo especial a essa atividade, o que implica que – ao não haver nenhum nexo de correspetividade entre a contribuição, o serviço prestado e o beneficio, ou custo suportado pelos sujeitos passivos – este tributo deverá subsumir-se à natureza de imposto;

35.ª Por conseguinte, face à qualificação deste tributo como um imposto, o regime da CESE, nomeadamente nos seus artigos 2.º (incidência subjetiva), 3.º (incidência objetiva) e 4.º (isenções), é violador do princípio da igualdade, nas vertentes da universalidade e da uniformidade, contrariando, assim, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos;

36.ª No objeto da CESE, consignado nos termos do artigo 3.º do regime da CESE, não se encontra uma manifestação de capacidade contributiva distinta ou adicional relativamente àquela sujeita ao IRC, motivo pelo qual é patente a discriminação dos sujeitos passivos em causa, ao lançar-se o referido tributo concomitantemente a uma descida de IRC;

37.ª Diversamente do que sucede no caso do IRC, o regime da CESE, nomeadamente o artigo 2.º, aplica-se a uma categoria específica de sujeitos passivos sem que exista uma especial razão coerentemente articulada e evidenciada pela disciplina do tributo, quer pela via do benefício ou do custo, que os distinga homogeneamente da restante coletividade;

38.ª Em face dos conceitos sobre o princípio da igualdade fiscal e capacidade contributiva, bem como a equiparação com o IRC, a conclusão a extrair passará sempre por considerar a CESE como um imposto discriminatório, porquanto é aplicável a um determinado grupo selecionado sem que se apresente qualquer motivo atendível para tal;

39.ª Mesmo que se pudesse conceber essa eventualidade quanto às empresas do sector elétrico, ao auto-financiarem a sua própria subsidiação e ao apresentarem alguma conexão com a necessidade de sustentabilidade do SEN, já assim não sucede com os demais sujeitos passivos entre os quais a primeira Recorrente, que se dedica à atividade de comercialização de gasóleos e gasolinas, e a segunda Recorrente, à atividade de comercialização de gases de petróleo liquefeitos;

40.ª Para as empresas como as Recorrentes, que como já acima referido se dedicam à comercialização de produtos de petróleo, o presente tributo mais não é que um imposto adicional, paralelo e duplicada em relação ao IRC a que estão sujeitas as empresas de todos os setores;

41.ª Ao contrário do que resulta do entendimento do Tribunal a quo por invocação do acórdão n.º 7/2019, a CESE, o regime da CESE, nomeadamente os artigos 2.º e 3.º do diploma, ao discriminar um grupo de contribuintes e desrespeitando o critério da capacidade contributiva ao qual todos os impostos devem obedecer, deve, pois, ser considerada inconstitucional por violação do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.º da CRP, nas suas vertentes de universalidade e uniformidade;

42.ª Acresce que tanto as Recorrentes como as restantes empresas que estão sujeitas à CESE, apesar de serem as únicas sujeitas à obrigação tributária, não são as únicas (e nalgumas situações, não são de todo) beneficiárias das (pretensas) finalidades prosseguidas por este tributo, as quais são de âmbito geral e, não de âmbito específico, aplicável, apenas, a algumas empresas do setor energético;

43.ª E não se diga, como defendido pelo Tribunal Arbitral e posteriormente pelo TC nos termos do acórdão n.º 7/2019, que o facto de às entidades isentas de CESE serem aplicadas medidas que, indiretamente, visam reduzir o défice tarifário, é suficiente para afastar o efeito discriminatório deste tributo, pois que não se mostra evidenciado que tais tivessem como consequência a imposição de sacrifícios financeiros aos respetivos operadores económicos isentos da contribuição ou que visem alcançar a sustentabilidade do sector, já que continua a assistir-se a uma repercussão dos custos resultantes desse défice nas tarifas e no preço final a pagar pelo consumidor;

44.ª Conclui-se que os artigos 2.º,3.º e 4.º do regime jurídico da CESE, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, colidem com o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, nas suas vertentes de universalidade e uniformidade, e capacidade contributiva, porquanto, como acima se explicitou, este tributo incide e onera injustificadamente uma categoria específica de sujeitos passivos sem, contudo, relevar a capacidade contributiva daqueles;

45.ª Ficando demonstrado o erro de julgamento da matéria de Direito, por referência à errónea classificação da CESE como contribuição financeira, uma vez que todas as características definidas pelos artigos 1.º a 4.º do regime da CESE apontam para a existência de um verdadeiro imposto, impera a análise do invocado argumento sobre a inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real, constitucionalmente consagrado nos termos do artigo 104.º, n.º 2, da CRP;

46.ª A CESE não tem em conta o lucro real das empresas, tomando como base de incidência o valor dos ativos detidos pelas empresas dos sectores da eletricidade, produtos petrolíferos e gás natural(cf. dispõe o artigo 3.º do regime da CESE), ativos que não têm relação direta com os seus lucros, como a não terão com eventuais prejuízos;

47.ª Acresce que a violação da injunção constitucional de tributação das empresas pelo rendimento real é agravada pela cumulação de não dedutibilidade em IRC do tributo dito extraordinário, sem que para isso haja qualquer justificação racional;

48.ª No caso em apreço, existe uma dupla penalização: primeiro o imposto extraordinário, a que se segue a tributação desse imposto à taxa do IRC;

49.ª Estando vedada a utilização de rendimentos não efetivos ou potenciais como base da tributação das empresas, salvo razões imperiosas atinentes à praticabilidade do sistema fiscal ou razões de justiça fiscal, que, como vimos, não têm lugar na situação vertente, impõe-se julgar materialmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP a norma constante do artigo 3.º do regime da CESE, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro;

50.ª Sem prejuízo do acima exposto [subcapítulo a) supra], caso se considere não proceder a invocada nulidade por omissão de pronúncia, sempre se dirá que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, porquanto o regime da CESE, concretamente o artigo 3.º, colide com o princípio da legalidade, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP e no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;

51.ª Efetivamente, por admitir que a CESE é uma contribuição financeira e não um imposto, o Tribunal a quo ignora as regras basilares da criação dos impostos, conforme decorre do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP;

52.ª Assente que é a caracterização da “contribuição extraordinária sobre o sector energético” como um tributo unilateral, sem qualquer contraprestação específica e, portanto, sujeito ao regime dos impostos, importa verificar o cumprimento desse mesmo regime;

53.ª Da análise do referido regime da contribuição sobre o sector energético, concretamente o artigo 3.º do diploma, resulta manifesto que está em causa um imposto cujo regime viola o princípio da legalidade fiscal previsto nos termos do artigo 103.º, n.º 2 da CRP, na medida em que a incidência objetiva do imposto é indeterminada;

54.ª Analisando o regime de contribuição sobre o sector energético à luz da disposição constitucional supra transcrita resulta evidente que o disposto no artigo 3.º do regime da contribuição não é suficiente para com certeza determinar a base de incidência objetiva do imposto;

55.ª Ademais, a conclusão supra mencionada será a idêntica na eventualidade de tal tributo ser considerado como uma contribuição financeira, tendo em consideração que tal contribuição obedecerá indiscutivelmente o regime aplicável aos impostos– enquanto o legislador não aprovar o regime geral das contribuições financeiras – havendo, assim, aquando da sua criação uma dupla necessidade: (i) a sua consagração através de lei parlamentar; e (ii) a determinação da sua incidência objetiva;

56.ª Em face do exposto não poderá, pois, deixar de considerar-se as normas dos artigos 3.º do regime da CESE aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, como inconstitucional, recusando a sua aplicação, por violação do preceituado no referido artigo 103.º, n.º 2, da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais, impondo-se nesta medida a anulação do ato tributário em crise;

57.ª Ainda que se classificasse a CESE como uma verdadeira contribuição, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP;

58.ª Com efeito, o princípio da equivalência impõe que exista uma conexão entre a contribuição e os custos da prestação administrativa, no sentido de ser mais elevada a contribuição dos sujeitos que mais beneficiem ou que mais custos causem, o que no caso da CESE não sucede (cf. nesse sentido a mais recente jurisprudência do TC, a título exemplificativo o acórdão n.º 101/2023, citado pelo TC no acórdão n.º 196/2024 e pelos acórdãos n.º 197/2024 e n.º 338/2024 e, bem assim, o voto de vencido do Senhor Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, no acórdão n.º 296/2023);

59.ª Inexiste qualquer tipo de contrapartida /benefício por banda das Recorrentes ou são estas beneficiárias da redução do défice tarifário, tal como é pretensão do legislador ao instituir o regime da CESE, nomeadamente nos termos do artigo 1.º, n.º 2; 60.ª Com o devido respeito pelo entendimento do Tribunal, o mesmo não tem fundamento, uma vez que, ao contrário do que sucede com outras contribuições financeiras, no caso da CESE os sujeitos passivos são individualmente identificáveis, não sendo a sua pertença a qualquer tipo de grupo homogéneo a condição de sujeição do tributo, conforme seria pretensão do legislador nos termos do artigo 2.º e 3.º do regime da CESE;

61.ª Mesmo que se pudesse pôr de parte a constatação de que não há qualquer prestação pública custeada pela contribuição, de imputação exclusiva a um setor e não à coletividade, sempre haveria lesão do princípio da equivalência pelo facto da base tributável não evidenciar qualquer nexo com o custo das prestações públicas;

62.ª No sector liberalizado de comercialização de produtos de petróleo não se identifica qualquer serviço prestado de forma direta ou indireta por entidades públicas, qualquer utilização de bens do domínio público, supervisão / regulação de qualquer entidade pública, qualquer aproveitamento direto ou reflexo de externalidade positivas ou negativas, que a presente contribuição vise compensar ou quaisquer finalidades extrafiscais que vise prosseguir;

63.ª Em face do supra descrito, conclui-se que os artigos 1.º, 2.º e 3.º do regime jurídico da CESE, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, colidem com o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP;

64.ª Por último, a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de Direito, porquanto entende que não há violação do Direito Comunitário pelo facto de, em face do conceito de “auxílio estatal” descrito pela jurisprudência comunitária, não se encontram preenchidos os pressupostos que permitam classificar o regime da CESE como auxílio estatal ilegítimo;

65.ª No entanto, considerando a subsidiação da produção elétrica em regime especial é financiada por um Fundo público (mesmo que em parte), existe uma inequívoca intervenção do Estado através de recursos estatais provenientes da cobrança de um imposto;

66.ª Observa-se uma violação ao artigo 107.º do TFUE quando os auxílios inerentes ao défice tarifário não são repercutidos aos consumidores finais de eletricidade (como, de resto, defendido pelo próprio TC) e passam a ser financiados pelo tributo aqui em causa, através do dispêndio por parte do FSSSE de parte das suas receitas públicas;

67.ª Impera a necessidade de interpretar esta questão à luz do Direito da União Europeia, pelo que deverá o Tribunal de recurso submeter a questão à apreciação do TJUE competente para decidir a título prejudicial, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do TFUE no sentido de saber se:

a. É compatível com o artigo 107.º do TFUE, um normativo interno como o que consta do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, quando da sua finalidade e respetiva cobrança do tributo tem como propósito a concessão de auxílio estatais de combate ao défice tarifário no sector electroprodutor, através do dispêndio por parte de um fundo público – o FSSSE – de parte das suas receitas públicas?

68.ª Em face do todo o exposto, a sentença ora sob recurso ao admitir que as autoliquidações de CESE não padecem de ilegalidades e inconstitucionalidades, não poderá deixar de ser anulada por se afigurar manifestamente ilegal.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, anulando-se os atos de autoliquidação da CESE, com as devidas consequências legais, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja a Recorrente dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Consideram-se provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

A) A Impugnante R………… P……………, S.A. é uma sociedade anónima que exerce atividade no setor energético, com sede em território nacional e dedica-se à compra e venda de produtos petrolíferos (gasolinas e gasóleos) – facto não controvertido;

B) A Impugnante R……….. G………. P……….., S.A. é uma sociedade anónima que exerce atividade no setor energético, com sede em território nacional e dedica-se à compra e venda de petróleo liquefeitos – facto não controvertido;

C) As Impugnantes são sociedades comerciais residentes em território nacional e que são consideradas, para todos os efeitos legais, como “Contribuinte[s] de elevada relevância económica e fiscal” ou “Grande[s] Contribuinte[s]” – facto não controvertido;

D) Em 05/11/2014, a Impugnante R............ P............... S.A. procedeu, através do formulário Modelo 27, à autoliquidação de Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, relativa ao ano de 2014, declarando um total de ativos com taxa de contribuição de 0,850% de € 23.378.821,47, resultando no valor de contribuição extraordinária a pagar de € 241.219,98 – cfr. doc. n.º 1, a fls. 89 a 90 junto com a reclamação graciosa (“RG”) autuado com o n.º ………………798 e parte integrante do processo administrativo tributário (“PAT”);

E) Em 05/11/2014, a Impugnante R............ G……… P……………., S.A. procedeu, através do formulário Modelo 27, à autoliquidação de Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, relativa ao ano de 2014, declarando um total de ativos com taxa de contribuição de 0,850% de € 10.858.661,24, resultando no valor de contribuição extraordinária a pagar de € 92,298,62 – cfr. doc. n.º 1, a fls. 89 a 90 junto com a reclamação graciosa (“RG”) autuado com o n.º ……………….780 e parte integrante do processo administrativo tributário (“PAT”);

F) Em 14/11/2014, foi efetuado o pagamento da autoliquidação identificada na alínea D) − cfr. doc. n.º 2, a fls. 113 junto ao processo instrutor de RG respetivo, inserto no PAT em anexo;

G) Em 14/11/2014, foi efetuado o pagamento da autoliquidação identificada na alínea E) − cfr. doc. n.º 2, a fls. 112 junto ao processo instrutor de RG respetivo, inserto no PAT em anexo;

H) Em 28/11/2014, a Impugnante R............ P………………, S.A. apresentou reclamação graciosa contra o respetivo ato de autoliquidação supra identificado em D), com os fundamentos e juntando os documentos constantes do PAT em anexo, aqui dados por reproduzidos, tendo o processo sido autuado sob o n.º ………………….798 − cfr. docs. junto do procedimento de RG n. º ……………….798, a fls. 4 a 91;

I) Em 28/11/2014, a Impugnante R............ G………. P…………, S.A apresentou reclamação graciosa contra o respetivo ato de autoliquidação supra identificado em E), com os fundamentos e juntando os documentos constantes do PAT em anexo, aqui dados por reproduzidos, tendo o processo sido autuado sob o n.º ……………….780 − cfr. docs. junto do procedimento de RG n. º …………….780, a fls. 4 a 91;

J) Na sequência da apresentação da reclamação graciosa referida na alínea H) foi elaborada em 11/12/2014, pela Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da Autoridade Tributária e Aduaneira, projeto de decisão de indeferimento (Informação n.º 399-AIR1/2014), do qual consta, entre o mais: “(…)”

1. A Contribuinte, ora Reclamante, sociedade constituída sob a forma comercial que usa a firma

"R............ P……………, SA”, NIPC ………………., com domicílio fiscal em Av. J……………….., n.º 16, ……..-091 Lisboa, vem, nos termos previstos na alínea f) do n.° 1 do art.º 54.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugada com o disposto no art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi do art.º 10.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, deduzir a presente reclamação graciosa do ato tributário de "autoliquidação" da denominada contribuição extraordinária sobre o sector energético referente ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2014 .

2. A Contribuinte, aqui Reclamante, configura uma sociedade comercial com sede em território nacional que exerce atividade nos termos previstos no actual n.º 4 do art.º 3.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas mais concretamente no âmbito do comércio grossita de gases de petróleo liquefeitos.

3. Atenta a atividade exercida pela Contribuinte, aqui Reclamante, esta é igualmente considerada sujeito passivo da aludida contribuição extraordinária sobre o sector energético, nos termos preceituados no art.º 2.º do respetivo Regime.

E

4. Para efeitos fiscais encontra-se registada junto do serviço periférico local territorialmente competente, in casu o 10.º Serviço de Finanças de Lisboa, sendo para todos os efeitos legais, considerada “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal” na aceção então prevista no art.º 68.º-B da Lei Geral Tributária, e, por isso, constante no elenco atribuído a esta Unidade dos Grandes Contribuintes.

§ II. DO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR

5. Constitui objeto da presente informação o pedido de anulação integral do referido ato tributário de "autoliquidação" da mencionada contribuição extraordinária sobre o sector energético referente ao período de tributação correspondente ao período de tributação subjuditio, consubstanciada na respetiva declaração “Modelo 27”, esta apresentada em prazo consentâneo com o disposto no art.º 7.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético.

6. O montante ora reclamado corresponde à importância de € 241.219,98 (duzentos e quarenta e um mil duzentos e dezanove euros e noventa e oito cêntimos).

E

7. Para fundamentar o pedido então formulado, a Contribuinte, ora Reclamante, alega, em suma, que o referido ato tributário de “autoliquidação”, aqui em contenda, se encontra praticado sob vício material, de lei.

E

8. Em consonância, nesses termos, invoca aqui, designadamente, a questão dos vícios de inconstitucionalidade e, bem como, de violação do Direito Comunitário, conforme melhor argumentado na sua petição inicial, constante dos autos, a qual, para os devidos efeitos, se considera aqui como integralmente reproduzida, com todas as consequências legais.

§ III. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

9. Compulsados os presentes autos e, bem como, o próprio Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, somos, desde já, a verificar inexistir, com efeito, qualquer razão, diga-se, exceção, nem dilatória nem perentória, suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da presente causa, visto que:

Ø A Contribuinte, aqui Reclamante, dispõe de personalidade e capacidade tributária, nos termos do preceituado nos art.os 15.º e 16.º, ambos da Lei Geral Tributária, e art.º 3.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, todos conjugados com o disposto no art.º 5.º do Código das Sociedades Comerciais;

Ø O procedimento gracioso em análise é o meio próprio para reagir contra o ato tributário de liquidação supra identificado, nos termos do art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

Ø A Contribuinte, aqui Reclamante, é parte interessada no procedimento, tendo legitimidade para a respetiva interposição ao abrigo do disposto no art.º 18.º da Lei Geral Tributária e também do n.º 1 do art.º 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

Ø O requerimento no qual se consubstancia o presente pedido gracioso é, com efeito, tempestivo, dado ter sido apresentado em conformidade com o estabelecido no art.° 131° do Código de Procedimento e de Processo Tributário; e

Ø Por último, verifica-se ainda que não nos é conhecida qualquer das circunstâncias previstas quer nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 56.º da Lei Geral Tributária, quer nos n.ºs. 3 e 4 do art.º 111. º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E

10. Por se tratar de “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, na aceção prevista na norma inserta no já mencionado art.º 68.º-B da Lei Geral Tributária, a competência para efeitos de prolação de decisão do presente procedimento administrativo de reclamação graciosa cabe ao Exmo. Sr. Diretor desta Unidade dos Grandes Contribuintes, conforme disposto no art.º 75.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, ambos por sua vez conjugados com o estabelecido quer na alínea n) do n.º 2 do art.º 34.º da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, quer no art.º 1.º da Portaria n.º 107/2013, de 15 de março, todos ex vi do art.º 10.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético.

Nestes termos ,

11. Em consonância e no sentido de ser prestada a presente informação, foi proferido o respetivo Despacho, ora em cumprimento.

§ IV. DOS FACTOS

12. A Contribuinte, ora Reclamante, é uma sociedade que se dedica à compra e venda de gases de petróleo liquefeitos. É esta a sua actividade comercial.

E

13. De acordo com o elenco estatuído no art.º 2.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, a Contribuinte, aqui Reclamante, é sujeito passivo de contribuição extraordinária sobre o sector energético.

E

14. O ato tributário aqui contestado diz precisamente respeito à "autoliquidação" em sede de contribuição extraordinária sobre o sector energético ex novo então introduzida pelo estabelecido no art.º 228.º da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro, conforme melhor demonstrado na própria declaração "Modelo 27” junta aos presentes autos de procedimento administrativo de reclamação graciosa.

Todavia,

15. Não se conformando com o ato tributário subjuditio, ainda que de “autoliquidação”, mesmo assim veio a Contribuinte, ora Reclamante, interpor agora a presente reclamação graciosa consubstanciada no requerimento aqui em apreço, entendendo pela sua anulação integral com todas as consequências legais que ao presente caso possam caber.

§ V. DA ANÁLISE DO PEDIDO

16. O thema decidendum revelado nos presentes autos gira exclusivamente em torno de matéria de direito, visto que, recorde-se, é aqui trazida à colação a questão da inconstitucionalidade e da violação do Direito Comunitário.

Ora,

17. Sem prejuízo do que, na verdade, resulta do previsto no n.º 3 do art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no sentido em que, com tais fundamentos, ainda assim é legalmente permitida a interposição de reclamação graciosa, não é de modo algum despiciendo aqui deixar perfeitamente sublinhando que, mantendo-se inalterado o quadro legal em vigor, e tendo sido aqui suscitadas aquelas questões, designadamente a inconstitucionalidade orgânica da contribuição extraordinária sobre o sector energético então autoliquidada, facilmente se alcança que a interposição deste meio de reacção parece-nos desde logo constituir nem mais nem menos que um ato manifestamente inútil por nunca poder ser deferido o pedido aí formulado, em virtude desta Unidade dos Grandes Contribuintes estar sujeita ao princípio da legalidade e não poder deixar de aplicar uma norma com base em fundamentos deste género, a menos que, por exemplo, o Tribunal Constitucional já tenha declarada a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem aos direitos, liberdades e garantias, o que de modo algum é o caso patenteado nos autos.

Aliás,

17. Compulsado o teor da petição inicial e também o pedido aí inserto, somos de opinião que, na verdade, para além dos documentos juntos, aquela vem igualmente acompanhada de um manifesto uso anormal do procedimento administrativo, isto é, da presente reclamação graciosa, designadamente, por referência ao prazos peremptório, de caducidade, para uso da faculdade de interposição direta de impugnação judicial ou de pedido de pronúncia arbitrai, atentos os prazos previstos quer no n.º 1 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quer na alínea a) do n.º 1 do art. º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

Dito isto,

§ V.I. Do cálculo de imposto

§ V.I.I. Da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético

§ V.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

18. A Contribuinte, ora Reclamante, não se conformando com o ato tributário de “autoliquidação” em apreço, vem argumentar, em síntese, que aquele, praticado em sede de contribuição extraordinária sobre o sector energético, se encontra inquinado por violação do princípio da legalidade, do princípio da igualdade, do princípio da tributação do rendimento real das empresas, e, bem como, do Direito Comunitário.

Por isso,

19. Requer aqui a anulação desse ato tributário, com todas as consequências legais.

20. É sobre isto, no essencial, que se suporta todo o seu entendimento, o qual, por razões de economia processual, nos inibimos de aqui transcrever, considerando-o aqui reproduzido, com todas as consequências legais.

§ V.I.I. II. Da apreciação

21. Sem prejuízo de desde já se referir que, consabido, não cabe no elenco das atribuições e competências desta Unidade dos Grandes Contribuintes aferir da bondade de uma qualquer norma face ao preconizado na nossa Lei Fundamental. Ainda assim não poderemos, sem mais, deixar de tecer algumas considerações acerca do assunto que ora nos apraz, a ponto de aqui deixar bem vincado que, na verdade, relativamente ao argumentado pela Contribuinte, ora Reclamante, não é de conferir valor jurídico suficientemente bastante para resolver a questão em causa; de modo algum, pois não é isso que resulta da lógica dessa novação tributária estabelecida pelo legislador fiscal nacional.

Senão vejamos:

22. Do acervo de inovações em matéria fiscal decorrentes da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), mormente do previsto no seu art.° 228.º, e tal como sucede em sede de outros setores específicos de atividade, dimana a criação de uma contribuição extraordinária sobre o sector energético, com entrada em vigor no dia 1 de janeiro de 2014, a qual visa arrecadar receita para o denominado "Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético”.

23. Através do referido “Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético”, o legislador fiscal teve em mente a criação dos mecanismos rumo à sustentabilidade do referido sector, o que implicaria a redução da dívida tarifária e o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, assim como, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o "Sistema Eléctrico Nacional” resultantes de custos de interesse económico geral, numa tentativa também de aproximação aos princípios de apoio e proteção do consumidor de eletricidade decorrentes do "Terceiro Pacote da Energia da União Europeia”, este consubstanciado nas Diretivas n.º 2009/72/CE e 2009/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009.

24. De acordo com o estabelecido no respectivo “Regime”, a contribuição extraordinária sobre o sector energético é devida pelas pessoas singulares ou colectivas que integrem o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável, em território português, e que, em 01 de janeiro do corrente ano, preencham determinados requisitos, isto é, que tenham como actividade a produção, transporte, distribuição, armazenamento ou comercialização grossista de petróleo e produtos derivados, como é o caso da Contribuinte, aqui Reclamante.

25. A contribuição extraordinária sobre o sector energético é, consabido, “autoliquidada” pelo próprio sujeito passivo, mediante declaração de "Modelo 27”, aprovada pela Portaria n.° 208/2014, de 10 de outubro, emitida pela Exma. Sra. Ministra de Estado e das Finanças, tendo que ser enviada por transmissão electrónica de dados até ao dia 31 de outubro do corrente ano, salvo nos casos da produção de electricidade por intermédio de centrais termoeléctricas de ciclo combinado a gás natural e da actividade de refinação de petróleo bruto, em que a data limite para a submissão eletrónica da mencionada declaração é a de 20 de dezembro do ano em causa.

E

26. Por seu turno, quanto aos respetivos atos tributário, entendemos que os mesmos não se encontram igualmente enfermados de qualquer inconstitucionalidade, muito menos nos termos é que tal é argumentado pela Contribuinte, aqui Reclamante, designadamente, no âmbito quer formal, quer material.

27. Nem tão pouco, relativamente aos mesmos atos, se evidencia qualquer violação em matéria de Direito Comunitário, muito menos no que tange às liberdades que propugnam o interesse do “Mercado Único”.

Aliás,

28. Igualmente não nos é conhecida qualquer intervenção em termos da fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, que, por sua vez, possa colocar em causa os atos tributário praticados em consonância com este último.

Destarte,

29. Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pela Contribuinte, ora Reclamante.

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido em conformidade com o teor do “quadrosíntese” desde logo melhor identificado no introito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos art.ºs 35.º a 41.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, através de ofício a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, de acordo com o disposto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugado com a regra contida no n.º 2 do art.º 100.º, este do Código do Procedimento Administrativo, ex vi alínea da c) do art.º 2.º também da Lei Geral Tributária.

(…)” − cfr. doc. junto do procedimento de RG n. º …………………..798, a fls. 94 a 100;

K) A Impugnante R............ P……………..S.A. não exerceu o direito de audiência prévia, pelo que foi proposta a convolação do projeto de decisão em decisão de indeferimento do pedido − cfr. consta da Informação N.º 414-AIR1/2014 junto do procedimento de RG n. º ………………798, a fls. 114 a 116;

L) Em 31/12/2014, por despacho da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, foi decidido o indeferimento da reclamação graciosa, concordando com o teor da informação referida na alínea J), bem como o teor da Informação n.º 414-AIR1/2014, de 31/12/2014 e que foi comunicado ao mandatário da Impugnante, R............ P………………….., S.A. pelo Ofício n.º 4764, de 31/12/2014 – cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i. e igualmente, junto aos autos cfr. docs. junto do procedimento de RG n. º ……………….798, a fls. 114 a 117;

M) Na sequência da apresentação da reclamação graciosa referida na alínea I) foi elaborada em 11/12/2014, pela Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da Autoridade Tributária e Aduaneira, projeto de decisão de indeferimento (Informação n.º 400-AIR1/2014), do qual consta, entre o mais: “(…)”

1. A Contribuinte, ora Reclamante, sociedade constituída sob a forma comercial que usa a firma "R............ G…..P…………., SA”, NIPC ……………., com domicílio fiscal em Av. ………………., n.º ……., 1099-091 Lisboa, vem, nos termos previstos na alínea f) do n.º 1 do art.º 54.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugada com o disposto no art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi do art.º 10.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, deduzir a presente reclamação graciosa do ato tributário de "autoliquidação" da denominada contribuição extraordinária sobre o sector energético referente ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2014 .

2. A Contribuinte, aqui Reclamante, configura uma sociedade comercial com sede em território nacional que exerce atividade nos termos previstos no actual n.º 4 do art.º 3.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas mais concretamente no âmbito do comércio grossista de gases de petróleo liquefeitos.

3. Atenta a atividade exercida pela Contribuinte, aqui Reclamante, esta é igualmente considerada sujeito passivo da aludida contribuição extraordinária sobre o sector energético, nos termos preceituados no art.º 2.º do respetivo Regime.

E

4. Para efeitos fiscais encontra-se registada junto do serviço periférico local territorialmente competente, in casu o 10.º Serviço de Finanças de Lisboa, sendo para todos os efeitos legais, considerada “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal” na aceção então prevista no art.º 68.º-B da Lei Geral Tributária, e, por isso, constante no elenco atribuído a esta Unidade dos Grandes Contribuintes.

§ II. DO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR

5. Constitui objeto da presente informação o pedido de anulação integral do referido ato tributário de "autoliquidação" da mencionada contribuição extraordinária sobre o sector energético referente ao período de tributação correspondente ao período de tributação subjuditio, consubstanciada na respetiva declaração “Modelo 27”, esta apresentada em prazo consentâneo com o disposto no art.º 7.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético.

6. O montante ora reclamado corresponde à importância de € 92.298,62 (noventa e dois mil, duzentos e noventa e oito euros e sessenta e dois cêntimos).

E

7. Para fundamentar o pedido então formulado, a Contribuinte, ora Reclamante, alega, em suma, que o referido ato tributário de “autoliquidação”, aqui em contenda, se encontra praticado sob vício material, de lei.

E

8. Em consonância, nesses termos, invoca aqui, designadamente, a questão dos vícios de inconstitucionalidade e, bem como, de violação do Direito Comunitário, conforme melhor argumentado na sua petição inicial, constante dos autos, a qual, para os devidos efeitos, se considera aqui como integralmente reproduzida, com todas as consequências legais.

§ III. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

9. Compulsados os presentes autos e, bem como, o próprio Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, somos, desde já, a verificar inexistir, com efeito, qualquer razão, diga-se, exceção, nem dilatória nem perentória, suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da presente causa, visto que:

Ø A Contribuinte, aqui Reclamante, dispõe de personalidade e capacidade tributária, nos termos do preceituado nos art.os 15.º e 16.º, ambos da Lei Geral Tributária, e art.º 3.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, todos conjugados com o disposto no art.º 5.º do Código das Sociedades Comerciais;

Ø O procedimento gracioso em análise é o meio próprio para reagir contra o ato tributário de liquidação supra identificado, nos termos do art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

Ø A Contribuinte, aqui Reclamante, é parte interessada no procedimento, tendo legitimidade para a respetiva interposição ao abrigo do disposto no art.º 18.º da Lei Geral Tributária e também do n.º 1 do art.º 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

Ø O requerimento no qual se consubstancia o presente pedido gracioso é, com efeito, tempestivo, dado ter sido apresentado em conformidade com o estabelecido no art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; e

Ø Por último, verifica-se ainda que não nos é conhecida qualquer das circunstâncias previstas quer nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 56.º da Lei Geral Tributária, quer nos n.ºs. 3 e 4 do art.º 111. º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

E

10. Por se tratar de “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, na aceção prevista na norma inserta no já mencionado art.º 68.º-B da Lei Geral Tributária, a competência para efeitos de prolação de decisão do presente procedimento administrativo de reclamação graciosa cabe ao Exmo. Sr. Diretor desta Unidade dos Grandes Contribuintes, conforme disposto no art.º 75.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, ambos por sua vez conjugados com o estabelecido quer na alínea n) do n.º 2 do art.º 34.º da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, quer no art.º 1.º da Portaria n.º 107/2013, de 15 de março, todos ex vi do art.º 10.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético.

Nestes termos ,

11. Em consonância e no sentido de ser prestada a presente informação, foi proferido o respetivo Despacho, ora em cumprimento.

§ IV. DOS FACTOS

12. A Contribuinte, ora Reclamante, é uma sociedade que se dedica à compra e venda de gases de petróleo liquefeitos. É esta a sua actividade comercial.

E

13. De acordo com o elenco estatuído no art.º 2.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, a Contribuinte, aqui Reclamante, é sujeito passivo de contribuição extraordinária sobre o sector energético.

E

14. O ato tributário aqui contestado diz precisamente respeito à "autoliquidação" em sede de contribuição extraordinária sobre o sector energético ex novo então introduzida pelo estabelecido no art.º 228.º da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro, conforme melhor demonstrado na própria declaração "Modelo 27” junta aos presentes autos de procedimento administrativo de reclamação graciosa.

Todavia,

15. Não se conformando com o ato tributário subjuditio, ainda que de “autoliquidação”, mesmo assim veio a Contribuinte, ora Reclamante, interpor agora a presente reclamação graciosa consubstanciada no requerimento aqui em apreço, entendendo pela sua anulação integral com todas as consequências legais que ao presente caso possam caber.

§ V. DA ANÁLISE DO PEDIDO

16. O thema decidendum revelado nos presentes autos gira exclusivamente em torno de matéria de direito, visto que, recorde-se, é aqui trazida à colação a questão da inconstitucionalidade e da violação do Direito Comunitário.

Ora,

17. Sem prejuízo do que, na verdade, resulta do previsto no n.º 3 do art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no sentido em que, com tais fundamentos, ainda assim é legalmente permitida a interposição de reclamação graciosa, não é de modo algum despiciendo aqui deixar perfeitamente sublinhando que, mantendo-se inalterado o quadro legal em vigor, e tendo sido aqui suscitadas aquelas questões, designadamente a inconstitucionalidade orgânica da contribuição extraordinária sobre o sector energético então autoliquidada, facilmente se alcança que a interposição deste meio de reacção parece-nos desde logo constituir nem mais nem menos que um ato manifestamente inútil por nunca poder ser deferido o pedido aí formulado, em virtude desta Unidade dos Grandes Contribuintes estar sujeita ao princípio da legalidade e não poder deixar de aplicar uma norma com base em fundamentos deste género, a menos que, por exemplo, o Tribunal Constitucional já tenha declarada a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem aos direitos, liberdades e garantias, o que de modo algum é o caso patenteado nos autos.

Aliás,

17 Compulsado o teor da petição inicial e também o pedido aí inserto, somos de opinião que, na verdade, para além dos documentos juntos, aquela vem igualmente acompanhada de um manifesto uso anormal do procedimento administrativo, isto é, da presente reclamação graciosa, designadamente, por referência ao prazos peremptório, de caducidade, para uso da faculdade de interposição direta de impugnação judicial ou de pedido de pronúncia arbitrai, atentos os prazos previstos quer no n.º 1 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quer na alínea a) do n.º 1 do art. º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

Dito isto,

§ V.I. Do cálculo de imposto

§ V.I.I. Da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético

§ V.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

18. A Contribuinte, ora Reclamante, não se conformando com o ato tributário de “autoliquidação” em apreço, vem argumentar, em síntese, que aquele, praticado em sede de contribuição extraordinária sobre o sector energético, se encontra inquinado por violação do princípio da legalidade, do princípio da igualdade, do princípio da tributação do rendimento real das empresas, e, bem como, do Direito Comunitário.

Por isso,

19. Requer aqui a anulação desse ato tributário, com todas as consequências legais.

20. É sobre isto, no essencial, que se suporta todo o seu entendimento, o qual, por razões de economia processual, nos inibimos de aqui transcrever, considerando-o aqui reproduzido, com todas as consequências legais.

§ V.I.I. II. Da apreciação

21. Sem prejuízo de desde já se referir que, consabido, não cabe no elenco das atribuições e competências desta Unidade dos Grandes Contribuintes aferir da bondade de uma qualquer norma face ao preconizado na nossa Lei Fundamental. Ainda assim não poderemos, sem mais, deixar de tecer algumas considerações acerca do assunto que ora nos apraz, a ponto de aqui deixar bem vincado que, na verdade, relativamente ao argumentado pela Contribuinte, ora Reclamante, não é de conferir valor jurídico suficientemente bastante para resolver a questão em causa; de modo algum, pois não é isso que resulta da lógica dessa novação tributária estabelecida pelo legislador fiscal nacional.

Senão vejamos:

22. Do acervo de inovações em matéria fiscal decorrentes da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), mormente do previsto no seu art.º

228.º, e tal como sucede em sede de outros setores específicos de atividade, dimana a criação de uma contribuição extraordinária sobre o sector energético, com entrada em vigor no dia 1 de janeiro de 2014, a qual visa arrecadar receita para o denominado "Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético”.

23. Através do referido “Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético”, o legislador fiscal teve em mente a criação dos mecanismos rumo à sustentabilidade do referido sector, o que implicaria a redução da dívida tarifária e o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, assim como, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o "Sistema Eléctrico Nacional” resultantes de custos de interesse económico geral, numa tentativa também de aproximação aos princípios de apoio e proteção do consumidor de eletricidade decorrentes do "Terceiro Pacote da Energia da União Europeia”, este consubstanciado nas Diretivas n.º 2009/72/CE e 2009/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009.

24. De acordo com o estabelecido no respectivo “Regime”, a contribuição extraordinária sobre o sector energético é devida pelas pessoas singulares ou colectivas que integrem o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável, em território português, e que, em 01 de janeiro do corrente ano, preencham determinados requisitos, isto é, que tenham como actividade a produção, transporte, distribuição, armazenamento ou comercialização grossista de petróleo e produtos derivados, como é o caso da Contribuinte, aqui Reclamante.

25. A contribuição extraordinária sobre o sector energético é, consabido, “autoliquidada” pelo próprio sujeito passivo, mediante declaração de "Modelo 27”, aprovada pela Portaria n.° 208/2014, de 10 de outubro, emitida pela Exma. Sra. Ministra de Estado e das Finanças, tendo que ser enviada por transmissão electrónica de dados até ao dia 31 de outubro do corrente ano, salvo nos casos da produção de electricidade por intermédio de centrais termoeléctricas de ciclo combinado a gás natural e da actividade de refinação de petróleo bruto, em que a data limite para a submissão eletrónica da mencionada declaração é a de 20 de dezembro do ano em causa.

E

26. Por seu turno, quanto aos respetivos atos tributário, entendemos que os mesmos não se encontram igualmente enfermados de qualquer inconstitucionalidade, muito menos nos termos é que tal é argumentado pela Contribuinte, aqui Reclamante, designadamente, no âmbito quer formal, quer material.

27. Nem tão pouco, relativamente aos mesmos atos, se evidencia qualquer violação em matéria de Direito Comunitário, muito menos no que tange às liberdades que propugnam o interesse do “Mercado Único”.

Aliás,

28. Igualmente não nos é conhecida qualquer intervenção em termos da fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade do Regime da Contribuição Especial Sobre o Setor Energético, que, por sua vez, possa colocar em causa os atos tributário praticados em consonância com este último.

Destarte,

29. Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pela Contribuinte, ora Reclamante.

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido em conformidade com o teor do “quadrosíntese” desde logo melhor identificado no introito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos art.ºs 35.º a 41.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, através de ofício a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, de acordo com o disposto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugado com a regra contida no n.º 2 do art.º 100.º, este do Código do Procedimento Administrativo, ex vi alínea da c) do art.º 2.º também da Lei Geral Tributária. (…)” − cfr. doc. junto do procedimento de RG n. º ………………780, a fls. 95 a 101;

N) A Impugnante R............ G…………. P……………., S.A. não exerceu o direito de audiência prévia, pelo que foi proposta a convolação do projeto de decisão em decisão de indeferimento do pedido − cfr. cfr. consta da Informação N.º 414-AIR1/2014 junto do procedimento de RG n. º ……………..780, a fls. 114 a 115;

O) Em 31/12/2014, por despacho da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, foi decidido o indeferimento da reclamação graciosa, concordando com o teor da informação referida na alínea M), bem com o teor da Informação n.º 414-AIR1/2014, de 31/12/2014 e que foi comunicado ao mandatário da Impugnante, R............ Portuguesa, S.A. pelo Ofício n.º 4770, de 31/12/2014, acompanhado da referida Informação – cfr. doc. n.º 4 junto com a p.i. e igualmente, junto aos autos cfr. docs. junto do procedimento de RG n. º ……………..780, a fls. 114 a 116;


***

O Tribunal a quo considerou como factualidade não provada:

“Inexistem factos com relevância para a decisão da causa, segundo as plausíveis soluções de Direito, que importe destacar como não provados.”


***

No concernente à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte:

“A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na análise crítica conjugada dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, incluindo os correspetivos procedimentos de reclamação graciosa, não impugnados, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, bem como na posição assumida pelas partes nos procedimentos administrativos e no processo, conforme referido a propósito de cada número do probatório e ainda na distribuição legal do ónus da prova, conforme referido a propósito de cada número do probatório e mais extensamente desenvolvido infra, na fundamentação de Direito.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, as Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a CESE, do ano de 2014.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar:

Ø Se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;

Ø Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto, competindo aferir do aditamento por complementação, ao abrigo do artigo 640.º do CPC e dos requisitos consignados para o efeito;

Ø Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se:

o A Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) é um imposto materialmente inconstitucional.

o Ainda que a CESE seja uma contribuição financeira, a mesma é inconstitucional por violação do princípio da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação do lucro real das empresas, e da equivalência.

o Ocorre violação do Direito Comunitário, porquanto a CESE é um auxílio estatal ilegítimo.

Ø Se deve ser deferido o Reenvio Prejudicial requerido.

Apreciando.

Comecemos, então, pela nulidade por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas a apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (1) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .

Vejamos, então.

As Recorrentes convocam nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal a quo adotou a fundamentação vertida no Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro, proferido pelo Tribunal Constitucional, e bem assim no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 12313/17.1BELRA, de 11 de janeiro, sendo que os mesmos são omissos quanto ao facto de o regime da CESE violar o princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 103.º da CRP.

Não lhes assiste, no entanto, razão.

De relevar, ab initio, que se atentarmos, com rigor, na petição inicial, mormente, nos artigos 180.º e seguintes verificamos que as Impugnantes, ora Recorrentes, arguem a violação do princípio da legalidade, advogando, para o efeito, que o regime da CESE não permite um grau mínimo de densificação da incidência objetiva, nomeadamente quando os mesmos ativos são utilizados em atividades sujeitas e isentas, daí retirando enquanto consequência e cominação a inconstitucionalidade material do tributo, por violação do artigo 103.º da CRP.

Mais importando notar que, inversamente ao aduzido pelas Recorrentes, a decisão recorrida não convocou apenas o Aresto do Tribunal Constitucional supra evidenciado, e o citado Acórdão do TCAS, chamando, outrossim, à colação diversos Arestos do STA, mormente, os “Acórdãos de 08/01/2020 proferido no âmbito do Processo n.º 0386/17.8BEMDL e de 16/09/2020, proferido no Processo n.º 0387/17.6BEMDL”.

Logo, fundamentando-se a decisão recorrida no juízo de integral conformidade do regime da CESE com a CRP, formulado quer pelo Tribunal Constitucional, quer pelo STA, e bem assim pelo TCAS, a eles aderindo, inexiste a arguida omissão de pronúncia quanto ao princípio da legalidade.

Por outro lado, e a adensar a inexistência de qualquer omissão de pronúncia, convoque-se, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica constante na decisão recorrida que patenteia, de forma clara, essa apreciação:

“Em acréscimo ao acima discorrido no Acórdão do Tribunal Constitucional que tivemos a oportunidade de transcrever parcialmente e ainda no tocante à alegada violação da legalidade - e tendo as Impugnantes esgrimido que não poderá deixar de considerar-se as normas constantes do artigo 3.º do regime da CESE como inconstitucionais, recusando a sua aplicação, por violação do preceituado no referido artigo 103.º, n.º 2, da CRP —,acompanhamos o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11/01/2024, proferido no Processo n.º 1213/17.1BELRA (e já vertido no Acórdão, de 06/12/2022 do mesmo Colendo Tribunal e proferido no Processo n.º 843/20.9BELRA) (ambos consultáveis em www.dgsi.pt), o qual sumariou que “[a] contribuição extraordinária sobre o setor energético é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica.”

Ou seja, não procede a argumentação aduzida pelas Impugnantes no sentido de que “[d]e facto, não tendo sido até à data criado qualquer regime geral das contribuições financeiras, previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, não é lícita a sua criação sem intervenção parlamentar.” Nem se poderá acompanhar igualmente o raciocínio final aduzido pelas mesmas de que “[e]m face do exposto não poderá, pois, deixar de considerar-se as normas constantes do artigo 3.º do regime da CESE como inconstitucionais, recusando a sua aplicação, por violação do preceituado no referido artigo 103.º, n.º 2, da CRP (…).”

Concluindo, depois, com excertos jurisprudenciais que analisam, com detalhe, essa questão.

Face a todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, conclui-se que inexiste a arguida omissão de pronúncia quanto ao princípio da legalidade.


***


Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2).

Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

As Recorrentes requerem o aditamento da seguinte factualidade:

“1) As Impugnantes, ora Recorrentes, não efetuam qualquer tratamento dos produtos comercializados (cf. artigo 12.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);
2) A primeira Impugnante, ora primeira Recorrente, limita-se a adquirir os produtos petrolíferos (gasolinas e gasóleos) nos mercados internacionais e às refinarias da Petrogal, para posterior revenda (cf. artigo 13.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);
3) A segunda Impugnante, ora segunda Recorrente, limita-se a adquirir os gases de petróleo liquefeitos nos mercados internacionais e às refinarias da Petrogal, para posterior revenda (cf. artigo 14.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);
4) A primeira Impugnante, ora segunda Recorrente, não exerce outra atividade que não a de comercialização de produtos petrolíferos, concretamente gasolinas e gasóleos (cf. artigo 15.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública);
5) A segunda Impugnante, ora segunda Recorrente, não exerce outra atividade que não a de comercialização de gases de petróleo liquefeitos (cf. artigo 16.º da petição inicial; facto notório e não controvertido, uma vez que não foi contestado pela Fazenda Pública)”

Ora, não obstante, se entenda que foram cumpridos os respetivos requisitos legais, ainda assim, entende-se que o seu aditamento não reveste utilidade para a decisão dos autos.

Com efeito, verifica-se que, in casu, não obstante as Recorrentes invoquem que os mesmos são factos notórios e não controvertidos, a verdade é que o aditamento dos mesmos em ordem à concreta discussão em litígio não revestem relevo para o caso sub judice, carecendo da pertinência que lhe é conferida pelas Recorrentes, neste e para este efeito, a concreta especificidade da atividade, e o domínio particular em que atuam.

E por assim ser, rejeita-se a aludida impugnação da matéria de facto.

Atentemos, ora, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Advogam, desde logo, erro de julgamento quanto à qualificação da CESE enquanto contribuição financeira, porquanto o Tribunal a quo ponderou, erroneamente, as verdadeiras caraterísticas e finalidades da CESE que apenas podem conduzir à conclusão que a CESE é um imposto, dado que inexiste qualquer contrapartida nem esta se afigura, em limite, difusa, não existindo qualquer comutatividade ou sinalagma associado à prestação desta contribuição.

Aduzem, adicionalmente, que como as Recorrentes não fazem parte do grupo do sector electroprodutor, encontram-se, através do imposto extraordinário, a assegurar o pagamento do défice tarifário que é devido a esse mesmo sector e sem que exista qualquer nexo de bilateralidade.

Concluem, assim, que o regime da CESE, nomeadamente nos seus artigos 2.º (incidência subjetiva), 3.º (incidência objetiva) e 4.º (isenções), é violador do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, e ainda nas vertentes da universalidade e da uniformidade, na medida em que este tributo incide e onera injustificadamente uma categoria específica de sujeitos passivos sem, contudo, relevar a capacidade contributiva daqueles

Advogam, in fine, que mesmo que se classificasse a CESE como uma verdadeira contribuição, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, acarretando, outrossim, a violação do princípio da tributação do lucro real das empresas e bem assim do princípio da legalidade.

O Tribunal a quo esteou a improcedência da impugnação judicial convocando jurisprudência que reputou aplicável ao caso vertente, mormente, do Aresto do Tribunal Constitucional (TC) nº 7/2019, e bem assim dos Acórdãos do STA e do TCAS já convocados aderindo, integralmente, ao juízo de conformidade constitucional do regime legal do tributo impugnado com a CRP.

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo valorado correta e adequadamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática, tendo inclusive decidido no sentido da vasta Jurisprudência dos Tribunais Superiores, mormente, do TC, do STA e dos TCA.

Senão vejamos.

Comecemos por convocar o quadro normativo que para os autos releva.

A CESE foi implementada com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estando o seu regime contemplado no artigo 228.º, extraindo-se da letra do seu artigo 1.º que a mesma tem por “objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético”.

Em termos de incidência subjetiva, preceituava o artigo 2.º que são, designadamente, sujeitos passivos de CESE:

“ [a]s pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2015, se encontrem numa das seguintes situações:

a) Sejam titulares de licenças de exploração de centros electroprodutores, com exceção dos localizados nas Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira;

b) Sejam titulares, no caso de centros electroprodutores licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, de licença de produção e tenham sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração, conforme relatório de vistoria elaborado nos termos do n.º 5 do artigo 21.º do referido decreto-lei, com exceção dos localizados nas Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira;

c) Sejam concessionárias das atividades de transporte ou de distribuição de eletricidade, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 104/2010, de 29 de setembro, 78/2011, de 20 de junho, 75/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro;

d) Sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro;

e) Sejam titulares de licenças de distribuição local de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro;

f) Sejam operadores de refinação de petróleo bruto e de tratamento de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;

g) Sejam operadores de armazenamento de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;

h) Sejam operadores de transporte de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;

i) Sejam operadores de distribuição de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;

j) Sejam comercializadores grossistas de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro;

k) Sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;

l) Sejam comercializadores grossistas de eletricidade, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 104/2010, de 29 de setembro, 78/2011, de 20 de junho, 75/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro.”

Por seu turno, no atinente à incidência objetiva, preceituava o artigo 3.º que:

“1 - A contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a:

a) Ativos fixos tangíveis;

b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e

c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior.

2 - No caso das atividades reguladas, a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos ativos regulados caso este seja superior ao valor dos ativos referidos no número anterior.

3 - Para efeitos do n.º 1, entende-se por 'valor dos elementos do ativo' os ativos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos, com referência a 1 de janeiro de 2015, ou no 1.º dia do exercício económico, caso ocorra em data posterior.

4 - Para efeitos do n.º 2, entende-se 'por valor dos ativos regulados' o valor reconhecido pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos, com referência a 1 de janeiro de 2015.”

Importa, igualmente, ter presente que o artigo 4.º do citado Regime tipifica as situações de isenção de CESE, o artigo 5.º consagra a não repercussão e o normativo 6.º, referente às taxas, consigna que “a taxa da contribuição extraordinária sobre o setor energético aplicável à base de incidência definida no artigo 3.º é de 0,85 /prct., exceto nos casos previstos nos números seguintes.”

Mais importa convocar o artigo 11.º que sob a epígrafe de “Consignação”, consagra que:

“1 - A receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.(n.ºs 2 e 3 – revogados)

4 - Fica o Governo autorizado a transferir para o FSSSE o montante das cobranças provenientes da contribuição extraordinária sobre o setor energético.

5 - Os encargos de liquidação e cobrança incorridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira são compensados através da retenção de uma percentagem de 3 /prct. do produto da contribuição, a qual constitui receita própria.”

De convocar, in fine, o normativo 12.º, o qual a propósito da não dedutibilidade consignava que:

“A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”

Visto o regime jurídico que releva para os presentes autos, vejamos, então, se assiste razão às Recorrentes quando propugnam que a CESE é um imposto materialmente inconstitucional, e ainda que a mesma seja uma contribuição financeira, se padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais supra evidenciados.

Neste particular, cumpre, desde logo, evidenciar que a aludida questão foi tratada por este Tribunal, designadamente, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos nºs 1034/18, de 14.01.2021, 322/19, de 17.09.2020, 536/17, de 30.09.2020, 1540/18, de 11.11.2021, nº 2251/18, de 15.12.2021, 1474/17, de 13.01.2022 e 1388/18, de 24.02.2022, 1476/17, de 10.11.2022, 843/20, de 06.11.2022, 1213/17, de 11.01.2024, 392/17, de 29.02.2024 1777/19, de 11.07.2024, e 1175/19, de 12.09.2024, 2341/16, de 06.02.2025, fundando-se, designadamente, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, datado de 08 de janeiro de 2019, e bem assim nos Arestos mais recentes prolatados no âmbito dos processos nºs 296/2023, de 25 de maio de 2023 e o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 324/2024, proferido no âmbito do processo n.º 1288/21.

No mesmo sentido se tem pronunciado o órgão de cúpula, conforme se extrai, designadamente, dos Acórdãos do STA, prolatados nos processos com os números: 0241/20, de 20.12.2023, 0585/21, de 29.11.2023, 01978/22, de 29.11.2023, 0193/19, de 06.06.2023, 0521/19, de 18.05.2022, 0810/18, de 02.02.2022, 01471/17, de 10.11.2021, 01587/18, de 08.09.2021, 0545/19, de 08.08.2021 e 0387/17, de 16.09.2020.

No concreto particular da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, e no sentido enunciado pelo Tribunal a quo, e que, ora, se secunda, a CESE do ano visado não tem suscitado controvérsias sendo a Jurisprudência unânime, atenta, desde logo, as condições de emergência financeira em que a República Portuguesa se encontrava e que justificavam a vigência da CESE.

É certo que, em particular, no atinente à CESE de 2018, a posição do Tribunal Constitucional não foi unívoca, conforme resulta, desde logo, dos Acórdãos n.ºs 101/2023, de 16.03.2023, 296/2023, de 25.05.2023, 338/2023, de 06.06.2023, 369/2023, de 07.06.2023, 372/2023, de 07.06.2023, 720/2023, de 25.10.2023, e 278/2024, de 10.04.2024.

Sublinhando-se, neste conspecto, que no âmbito do citado processo nº 101/2023, de 16 de março de 2023, se consagrou o juízo de inconstitucionalidade, tendo, no entanto, e ulteriormente à sua prolação sido proferidos outros Acórdãos que concluem no sentido do juízo de não inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, do Regime da CESE, criada pelo artigo 228.º, da Lei 83-C/2013, de 31/12, em vigor durante o exercício fiscal de 2018 ex vi artigo 280.º da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, mormente, o proferido no âmbito do processo nº 296/2023, de 25 de maio de 2023.

Ora, é precisamente tendo como parâmetro fundamentador o citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2023 supra evidenciado -o qual dá resposta a todas as questões objeto de recurso, e outras não sindicadas diretamente nos autos- que estabelece inclusive uma remissão e resenha do trilho jurisprudencial, mormente, para o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 7/2019, que este Tribunal dirime o presente litígio.

Assim, não obstante o aludido Aresto não respeite, expressamente, ao ano de 2014, a fundamentação jurídica nele constante é inteiramente transponível, legitimando, inclusive, com superior propriedade a CESE do ano de 2014. Nessa medida, e uma vez que aborda, particularmente, a sua natureza jurídica, e conformidade com os princípios constitucionais basilares e a relação entre a dívida tarifária e o conjunto do setor energético no âmbito do controlo da homogenia do grupo, e a sua excecionalidade, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no mesmo:

Comecemos por fazer ver que, em boa parte, a alegação da recorrente esgota-se em controvérsias que são hoje objeto de jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional, máxime no que respeita à qualificação jurídico-tributária da CESE como contribuição financeira (e não como imposto, como se pretende) e sua arguida desconformidade para com os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da igualdade tributária e da proporcionalidade.

Pelo Acórdão n.º 7/2019, decidiu o plenário do Tribunal Constitucional “Não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro”, posicionando-se pela conformidade para com Constituição de boa parte das normas ora sindicadas, bem como da CESE cujo regime legal delas deriva.

Foi entendimento adotado no aresto que a CESE escapa ao conceito (e regime jurídico próprio) do imposto (por não constituir tributo destinado a satisfazer toda a despesa pública) e da taxa (que se entende contrapartida de uma prestação pública de que beneficia o obrigado tributário), sendo qualificável como contribuição financeira a entidades públicas (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015) e, como tal, inserindo-se num tertium genus que não partilha o regime jurídico de nenhuma daquelas duas classes de tributos (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 152/2013, 365/2008 e 613/2008). É a unidade de interesses de grupo, a responsabilidade de grupo e o benefício de grupo, com relação à CESE e aos operadores no setor energético abrangidos pelo âmbito de incidência subjetiva (artigo 2.º do RJCESE), que suportam a conceptualização do tributo em causa como contribuição financeira inserida na lógica comutativa de aquisição de benefício difusa pela ação pública, esta por sua vez assente em responsabilidade de grupo pela situação carecida da atividade que a contribuição é chamada a financiar.

De facto, porque a CESE está legalmente alocada ao financiamento de Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (artigo 11.º, n.º 1 do regime jurídico da CESE) e destinada a financiar “mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético” (artigo 1.º, n.º 2), o tributo compreende-se de acordo com uma ótica interna de despesa, justificando a incidência contributiva sobre os operadores no setor energético por a atividade financiada se repercutir positivamente na sua atividade (bilateralidade genérica, potencial ou difusa).

A atividade do FSSSE está legalmente dirigida à “promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional” (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014 de 9 de abril e artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do RJCESE), o que caracteriza o espetro de vantagens para os operadores económicos do setor enquanto benefício grupal decorrente da ação pública financiada (artigo 81.º, alínea m) da Constituição da República Portuguesa). Por sua parte, também a necessidade de intervenção estadual tendo em vista garantir equilíbrio ambiental e a racionalização na exploração de recursos (artigo 66.º, n.º 2, alíneas d) e f) da Constituição da República Portuguesa), ambos integrados no programa de atividade do FSSSE (cfr. artigo 2.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 55/2014 de 9 de abril), constitui essencialmente uma forma de responder à pressão que a atividade económica dos operadores sujeitos à CESE coloca no respetivo domínio setorial e que, por esse motivo, igualmente lhes aproveita, reforçando a subsunção do tributo à figura da contribuição financeira.

Neste sentido, diz-se no citado acórdão:

a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.

Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos. (…)

no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador» (…) consignada a um fundo que tem natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (…) esta [é] uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais, confirmando a relação de bilateralidade, como decidido pelo Tribunal no Acórdão n.º 152/2013, relativo à taxa pela utilização do espetro radioelétrico.

Independentemente de se considerar esta consignação de receitas decisiva para a caracterização do tributo em causa, a verdade é que a natureza de contribuição financeira da CESE resulta, inequivocamente, da presença de um sinalagma, ainda que difuso, que lhe confere bilateralidade, nos termos atrás desenvolvidos.

O alegado pelo recorrente em nada abala esta doutrina, de profundas raízes na nossa jurisprudência constitucional e que aqui se reitera”.

Com interesse para a presente decisão, porém, cabe chamar à colação o julgado no recente Acórdão do TC n.º 101/2023, que se debruçou e exerceu juízo de reprovação constitucional sobre o regime jurídico na CESE, quando aplicável às empresas do setor de distribuição, transporte e armazenamento subterrâneo de gás natural e com relação ao modelo legal com vigência em 2018.

9. A sobredita decisão adotou por fundamento central as alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro ao Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, que estabelece o regime jurídico do Fundo para a Sustentabilidade do Setor Energético (em vigor a partir de 8 de dezembro e, como tal, abrangendo o regime contributivo sob sindicância – cfr. artigo 3.º do diploma).

O Acórdão faz ver que, nos termos do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, o Fundo dispunha de dois objetivos programáticos: por um lado, (i) o “financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética” (artigo 2.º, alínea a), do diploma); por outro, (ii) a “redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional” (artigo 2.º, alínea b), do diploma). Sublinha-se ainda que, na sua redação original, estava legalmente imposta uma certa forma de priorização da alocação da receita angariada através da CESE, que seria absorvida em 2/3 com custos destinados aos objetivos assinalados sob (i) supra (o Acórdão conforta esta observação com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril).

Sucede que, no ver do aresto, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, importaram uma alteração substancial deste quadro de organização financeira e do que se apelida de «destino típico» da CESE, o que, por sua vez, teria transportado consigo a descaracterização do interesse de grupo dos obrigados tributários (ou, ao menos, de certas entidades entre eles incluídas), de que depende a qualificação da CESE como contribuição financeira:

Esta ordem de prioridades foi, todavia, invertida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018 (…)

ficou o Governo habilitado a decidir, com a mais larga discricionariedade, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, no intervalo de 0% a 33%, visto que a lei não define nenhum limite mínimo nem fixa critérios de decisão (…) forçoso é reconhecer que os termos em que, a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a que diz respeito a norma sindicada no presente recurso.

Em primeiro lugar, tornou-se evidente que, por imposição legal, a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico, sem que sejam claras as razões pelas quais o legislador teve por adequado exigir a operadores não integrados nesse subsetor que participassem nos encargos daí advenientes, quando lhes não deram causa alguma, nem se vê que daí extraiam um especial benefício. Cabe notar que a mera circunstância de todos os operadores integrarem o «setor energético» não é manifestamente suficiente para afirmar que exista uma responsabilidade de grupo do subsetor do gás natural pelos encargos respeitantes a um problema específico do subsetor da energia elétrica. Embora seguramente exista alguma homogeneidade de interesses e interdependência entre os vários operadores do mercado energético, são diferentes as condições em que estes operam e bem assim os problemas de sustentabilidade que a propósito de cada um se colocam. (…)

O que daqui se depreende é que não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores (…)

(…) o regime não define critérios que imponham que uma parte relevante da receita da CESE se mantenha afeta ao financiamento de medidas tendentes a favorecer os interesses de todos os operadores económicos incluídos no seu âmbito de incidência subjetiva (e não isentos). Pelo contrário, na prática, é confiada ao Governo a possibilidade de, em função dos «objetivos que se revelem mais prementes», afetar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do setor elétrico – ou seja, ao financiamento de prestações públicas de que os operadores do setor do gás natural não podem, como se viu, presumir-se causadores ou beneficiários.

Por fim, ainda que um terço da receita da CESE tivesse sido consignado ao «financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética», a circunstância de as tarefas que o tributo se destina a financiar não terem sido objeto de densificação mínima, não permite sequer apreender se e em que medida cada um dos subsetores em causa é visado pelas medidas a adotar pelo FSSSE. De facto, mesmo em tais condições – estritamente hipotéticas −, não se poderia presumir que um terço da receita da CESE tivesse sido destinado a medidas de que seriam especiais beneficiários os operadores do subsetor do gás natural, de modo a garantir um certo equilíbrio na participação pelos subgrupos de operadores dos benefícios presumivelmente proporcionados pelo FSSSE.

Se do excerto transcrito se diria que o Acórdão do TC n.º 101/2023 se preparava para concluir que as alterações sobre a disciplina legal de realização de despesa pelo FSSSE teriam importado a ruína do modelo tributário da CESE enquanto contribuição financeira, certo é que conclui em termos muito mais modestos. O Tribunal não adotou esta conclusão maximalista, antes cingiu o juízo de inconstitucionalidade às normas do, “artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual)” (sublinhado nosso).

Atendendo à formulação do dispositivo, é de concluir que o juízo de inconstitucionalidade adotado pelo Acórdão por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) se dirige apenas à norma que integra na regra de incidência subjetiva as concessionárias dos serviços de transporte, distribuição e armazenamento subterrâneo de gás natural, tendo por base, infere-se, a inobservância de um dever de diferenciação destes operadores do setor energético que seria imposto pelo sobredito princípio. A referência ao quadro de incidência objetiva da contribuição (artigo 3.º, n.º 1), pois, surge apenas por se tratar de norma de parametrização da obrigação contributiva daquela categoria de sujeitos passivos (“na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo (…) da titularidade das pessoas coletivas que (…) sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural).

Assim sendo, o aresto não oferece suporte à afirmação de que a CESE é inqualificável como contribuição financeira, nem pretende realizar um confronto direto com a doutrina adotada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional até esta data, que acima descrevemos. Noutro sentido, apenas introduz o entendimento de que, pela operatividade de um quadro legislativo entrado em vigor no ano de 2018, as empresas do setor que destaca (distribuição, transporte e armazenamento subterrâneo de gás natural) passaram a não poder ser entendidas como dotadas dos atributos e propriedades que permitiriam integrá-las na lógica grupal que preside à contribuição. Para o Acórdão, o facto de a receita da CESE estar dirigida essencialmente à gestão da dívida tarifária – que, por essa altura e segundo se diz, apresentava sinais de vir ingressando numa curva descendente –, associado ao facto de não reconhecer uma vantagem própria aos operadores do setor do gás natural que adviesse dessa gestão, nem um nexo de causa entre a atividade destes e o problema gerido, levaria a que esses agentes económicos ficassem afastados do espectro de incidência.

Também este seria, ao que parece, o caso da ora recorrente no caso sub iudicio.

Ora, em primeiro lugar (e deixando de parte, por ora, a norma do artigo 11.º, n.º 4, do RJCESE), cabe fazer ver que nunca o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, nem na sua redação originária, nem na introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, alguma vez estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo para a Sustentabilidade do Setor Energético: a prioridade definida no sobredito preceito respeita às “verbas do FSSSE”, ou seja, a todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, acrescidas dos excedentes transportados de exercícios anteriores – cfr. n.º 2), não à coleta obtida de uma delas, fosse o caso da CESE.

Sobre o destino específico a cometer à receita por esta contribuição financeira no âmbito da governação do FSSSE, nenhuma alteração foi introduzida no diploma pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, porque nunca nenhuma finalidade peculiar às disponibilidades libertadas pela CESE alguma vez esteve fixada no Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril.

Desde a sua aprovação inicial, este diploma recorre ao valor de receita anual da CESE como parâmetro de limitação de certas categorias de despesa do Fundo, tendo em vista garantir o equilíbrio da sua orçamentação e da sua conta final. O valor bruto de receita obtida com a contribuição constitui o valor de referência para o limite à despesa com políticas do setor energético (artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril) e com despesas de liquidação e cobrança da CESE (fixada em 3% da receita bruta da CESE), que, agregadas, não era permitido excedessem 2/3 daquele montante (cfr. artigo 4.º, n.º 2, alínea a) e 3, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril).

A alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, reduziu este teto máximo (de 2/3) para 1/3 da receita da CESE, permitindo ainda ao Governo definir uma regra orçamental que se contenha neste quadro (cfr. artigo 4.º, n.º 4, alínea a), e 3, na nova redação). No entanto, como está bom de ver, isso não importou uma regra diferente de consignação da receita obtida pela CESE a certas despesas, já que essa regra nunca existiu: aquela permanece alocada à globalidade das despesas do Fundo, em consonância com os objetivos programáticos da entidade pública.

Mais se diga, se algum destino específico alguma vez foi associável à receita da CESE aquando da sua primitiva introdução na ordem jurídica, até seria mais fácil defender que respeitaria à gestão da dívida tarifária, o que desde logo pulveriza a noção de uma alteração da finalidade típica da receita em que se apoia toda a fundamentação constante do sobredito Acórdão. De facto, na definição daquela atribuição que subjaz à criação do FSSSE, ao artigo 2.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, foi conferida uma redação que expressamente refere ambas:

O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através: (…)

b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro”. (sublinhado nosso)

Seja como for, e como ressalta do supra exposto, nunca a jurisprudência do Tribunal Constitucional esqueceu ou obnubilou a relação entre a CESE, o FSSSE e a gestão da dívida tarifária do setor energético, sem por isso concluir pela desconformidade constitucional do regime da contribuição, designadamente no que respeita à sua incidência subjetiva, na sua total extensão e incluindo operadores do setor do gás natural. A inversão da doutrina até aqui acolhida pela jurisprudência constitucional imporia se realizasse uma desmontagem global do percurso argumentativo que a suporta, de modo a fundamentar a inversão nas conclusões a que conduz, demonstração que não vemos realizada no Acórdão do TC n.º 101/2023, tal como acima se disse.

Em segundo lugar, se é bem verdade que, na nova redação conferida ao artigo 4.º, n.º 2, alínea a), in fine, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, a despesa do FSSSE em cada exercício no âmbito do “financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética” passou a estar limitada a 1/3 da coleta anual da CESE, como assinalámos, por contrapartida foi também eliminado o teto de € 100 M, que, na redação primitiva, capeava a realização de despesa anual por encargos a este título, revogando este limite nominal absoluto.

Por esse motivo, do ponto de vista normativo não é defensável que se conclua estarmos perante uma alteração de essência do objetivo programático da CESE ou do FSSSE que se caracterizasse pela reorientação de qualquer um para um escopo diverso face ao primitivo – fosse o combate à dívida tarifária – e que permitisse qualificar como irrelevantes ou marginais todas as demais ações que este último venha a empreender. Eliminando o teto financeiro nominal (de € 100 M), é até possível que, em certos exercícios, o investimento em políticas ambientais e sociais no plano do setor energético se possa entender aliviado de condicionantes a despesa por comparação com o regime legal anterior, dependendo das variações da receita da CESE e, por conseguinte, da expressão concreta que o terço fixado na lei (como único limite estático a despesa) represente em cada exercício na conta de FSSSE.

Se não se discute, pois, que a atividade regulatória do FSSSE no plano de políticas relativas ao setor energético e sua eficiência, maxime de cariz social e ambiental (artigo 2.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril), responde (também) a necessidades geradas pela atividade das entidades integradas no Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) e que dessa regulação estas extraem vantagem, o facto de não decorrer necessariamente das alterações operadas ao Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, eo ipso, um limite reforçado de encargos ou de despesa nesse âmbito em todos os casos – antes dependendo da casuística referente a cada exercício fiscal –, impõe que desde já se conclua que a lógica dos tributos comutativos atribuída à CESE pela jurisprudência deste Tribunal Constitucional não se pode dizer embargada: a CESE, enquanto instrumento de assistência financeira ao FSSSE, viu preservado o nexo relevante para com as empresas do SNGN que até então se veio observando, bem como para com as demais que integram o quadro de incidência subjetiva, permitindo e impondo a sua qualificação como contribuição financeira.

De resto, como o próprio Acórdão n.º 101/2023 até refere, a disciplina legal do FSSSE, articulável com o regime da CESE, denota preocupações específicas orientadas para a estabilidade do subsetor do gás natural. A receita contributiva obtida das empresas deste setor tendo por fonte o valor e excedentes de contratos de aprovisionamento take-or-pay (artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 16 de julho e artigo 3.º, n.ºs 2 e 3, do RJCESE), acha-se alocada ao alívio dos encargos tarifários inerentes à utilização global do sistema (UGS) de gás natural pelos operadores das respetivas redes de transporte e de distribuição (cfr. artigo 11.º, n.º 4, do RJCESE, na redação conferida pela a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro). A regulamentação da atividade do Fundo assegura ainda a atualização anual do abatimento programado (cfr. artigo 2.º-A, da Portaria n.º 1059/2014 de 18 de dezembro, na redação conferida pela Portaria n.º 133-A/2017 de 4 de outubro). O abatimento no valor da tarifa por UGS do SNGN constitui uma medida de realização de despesa pelo FSSSE que se destina à estabilidade e equilíbrio do subsetor do gás natural que acresce às demais atividades compreendidas no seu escopo programático dirigidas ao conjunto do setor energético, de que os respeitos operadores serão beneficiários, seja o caso da recorrente.

Seria, pois, a exclusão das empresas do subsetor do gás natural do regime contributivo – solução diferenciada que contrastaria com os demais agentes económicos do setor energético, em contexto em que a atividade do FSSSE persiste legalmente dirigida ao domínio de atividade de todos eles –, que representaria um tratamento tributário desigual e injustificado entre operadores e, por inerência, que dificilmente se poderia dizer compatível com o artigo 13.º da Lei Fundamental.

Se o exposto não é bastante para embargar a conclusão que, em efeito, da alteração legislativa pode decorrer uma certa forma de priorização da despesa de FSSSE destinada ao controlo e redução da dívida tarifária, também se diga, e por último, que esse não é um problema que se possa dizer alheio ao grupo obrigado pelo regime contributivo, quando observado no seu conjunto ou relativamente ao caso particular das empresas integradas no SNGN, tanto menos essa observação coloca em causa a lógica grupal em que assenta o regime jurídico da contribuição.

Ainda que a dívida tarifária seja diretamente coeva à produção de eletricidade, o insucesso na sua gestão mostra-se apto a conduzir à instabilidade da plataforma de consumo do setor energético na sua globalidade, sendo apto a criar uma situação de asfixia financeira e de sobrecarga do público consumidor de energia (incluindo aqui também agentes industriais). Este efeito, ao menos em princípio, seria passível de produzir um perigoso efeito de contágio aos operadores em todos os segmentos deste espaço económico, importando prejuízo para a organização dos meios de produção que se observa e perturbando os fatores de concorrência e de crescimento do setor energético. Esta contingência constitui uma externalidade à generalidade dos sujeitos jurídicos em território português e não é sequer partilhada pelos agentes empresariais nacionais de outros ramos económicos, circunscrevendo-se aos operadores do setor energético obrigados pela CESE.

A dívida tarifária resulta, essencialmente, dos modelos de equilíbrio adotados pela Legislação do setor no âmbito da contratação para aquisição de energia e destina-se a compensar os produtores pela prática de preços tarifados (artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 185/2003, de 20 de agosto e Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro). Procurando temperar a evolução dos preços de energia por via da geração de stock de dívida, assenta-se no pressuposto de que, assegurando melhores condições de acesso por via da imposição de preços no mercado (tarifação), os produtores terão de ser compensados pelo encurtamento do preço potencial que praticariam em contexto de mercado desregulado. A dívida tarifária surge, portanto, como mecanismo de (e contrapartida do) controlo do preço no mercado de energia, tornando mais estável e evolutiva a respetiva procura, sem com isso prejudicar os ratios de rendibilidade das empresas eletroprodutoras.

Se daqui resulta, necessariamente, um efeito de proteção do público consumidor, incluindo indústria transformadora e outras empresas cuja atividade importe utilização intensiva de energia, não é menos verdade que o modelo garante aos agentes no mercado energético um volume de oferta de que, de outro modo, não beneficiariam, já que o aumento de preço imporia necessariamente retração da procura, desencorajando investimento ou, pelo menos, degradando as suas condições de rendibilidade e de crescimento. A rotura dos agentes de consumo no médio/longo prazo seria também uma consequência equacionável, caso o preço de colocação de energia no mercado se descontrolasse, com o inerente risco de desorganização do setor.

Embora já resulte do exposto, impõe-se sublinhar que a necessidade de regulação do preço da energia nos mercados nacionais através de modelos contratuais é coeva à privatização do setor energético: renunciando o Estado a um papel de prestador neste domínio – de importância cardinal na capacidade do país, observado na sua globalidade, para gerar riqueza – e entregando-o a agentes privados (e admitindo que absorvam as inerentes mais-valias), surgem as necessidades de monitorização da atividade, mobilizando a função regulatória estadual, cujos encargos serão, por isso, imputáveis a esses agentes de forma específica. A assistência financeira à entidade reguladora compreende-se, pois, no trade-off inerente à liberalização do setor energético por quem nele adquire posição como meio de rentabilização de capitais próprios, convocando a figura tributária em causa.

Com o exposto, este Tribunal Constitucional não apresenta uma petição em favor do mecanismo em referência, não aplaude o modelo de compensação adotado, nem debate a sua eficácia por contraponto a alternativas possíveis: essas matérias acham-se fora dos parâmetros de constitucionalidade passíveis de fundamentar a apreciação da causa e aqui não nos importam.

Recentrando a nossa apreciação na relação entre a dívida tarifária e o conjunto do setor energético no âmbito do controlo da homogenia de grupo, porque nesta sede nos importa, como se disse, o mercado do gás natural de forma particular, comecemos por fazer ver que este subsetor está, desde logo, em situação de completa dependência da produção de energia elétrica e das condições de atividade dos respetivos operadores. No ano de 2018 – exercício a que respeita a incidência de CESE nestes autos (e no Acórdão do TC n.º 101/2023 a que nos temos vindo a referir) – 48,80% do gás consumido em território nacional destinou-se à produção de energia (2.649.693 103Nm3) (fonte: Direção Nacional de Energia e Geologia, DNEG). Este valor constituía, na altura, indicador de uma tendência crescente e, no ano de 2021 (o mais recente quanto a dados disponíveis), o gás consumido como energia primária ascendeu a 49,63% (2.700.327 103Nm3) do total do consumo nacional. Não é demais afirmar, pois, que metade do gás natural transportado, distribuído ou armazenado por empresas em Portugal nestes anos, seja o caso da recorrente, não era mais que eletricidade «em potência». De outra perspetiva, daqui resulta que o consumo de gás natural está diretamente dependente da capacidade do mercado para absorver a oferta do setor electroprodutor: reduções do consumo ou a degradação das margens de valor acrescentado neste domínio possuirão impacto direto na procura e/ou no preço do gás natural.

Cabe ainda notar que as empresas da indústria transformadora e o consumo doméstico representaram, em 2018 e conjuntamente, 44,17% do consumo total de gás natural em Portugal. Em 2021 este valor evoluiu para 47,02%, denotando também tendência de crescimento.

Esta observação possui também a sua importância, já que o consumo de gás natural por estes dois grupos depende de abastecimento contemporâneo de energia elétrica. Não é imaginável um aparelho industrial noutras condições e essa dependência é também observável em contexto de economia doméstica: em ambos os casos, o fornecimento e consumo de gás natural não são úteis, nem viáveis, sem acesso a eletricidade. Se disso alguém duvida, veja-se que, em 2018, a indústria transformadora foi responsável por 33,52% (16.388.875.815kWh) do consumo de energia elétrica em Portugal e, em 2021, por 33,81% (16.290.752.161kWh). Já o consumo doméstico exibiu oscilações semelhantes, representando 27,07% do total nacional de eletricidade consumida em 2018 e 29,38% no ano de 2021. A proximidade entre todas estas variações reforça a ideia de interdependência entre subsetores no que reporta às bases que suportam a competente procura.

Por outra parte, associados estes dois registos ao consumo de gás natural como energia primária nos mesmos períodos, temos que este conjunto tripartido representa, respetivamente, 92,97% e 93,67% de todo o consumo de gás natural nos anos de 2018 e 2021 em Portugal. Está bom de ver, no território português, o mercado do gás natural não tem expressão se não estiverem asseguradas condições equilibradas de oferta e de procura no mercado de energia elétrica.

Se dissemos acima que a gestão da dívida tarifária responde, essencialmente, à necessidade de estabilização do mercado electroprodutor quanto a procura (mediante temperamento do preço), não ficam dúvidas que a rotura ou perturbação das suas bases de consumo (que o mecanismo se destina a prevenir) impactaria de forma dramática na procura de gás natural e nas condições de atividade das empresas deste subsetor. Não se diga, como sugere o Acórdão do TC n.º 101/2023, que o interesse das empresas do setor de gás natural que aqui se sinaliza advém de linha “oblíqua”, ou que fosse de tal forma ténue que não se pudesse convocar como fundamento da incidência contributiva. O que se observa do exposto é a estreita interdependência entre subsetores do grande setor energético e a partilha de bases de consumo, sinalizando um mesmo feixe de interesses económicos, unitário e consistente, de onde resulta a homogeneidade de grupo que suporta a incidência da CESE, tal como vem, desde há muito, defendendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Como acima dissemos, a dívida tarifária é produto direto da forma como foi liberalizado o mercado de energia. Trata-se, por assim dizer, de um «filho da privatização» e da oportunidade de negócio capturada pelas empresas que atuam no setor energético e é daí que resulta a necessidade de regulação pública. Da perspetiva das unidades industriais ou dos consumidores domésticos, por exemplo, é absolutamente indiferente se o prestador é o Estado ou agentes privados. Estivessem estes ausentes da organização económica, assim em contexto de mercado nacionalizado, às entidades públicas caberia fazer a gestão do preço (e da procura energética) diretamente, em consonância com as suas fontes de receita e orientação de políticas públicas. Foi da necessidade de regular um mercado composto por particulares, dotados da sua própria carteira de interesses (legítimos, sem dúvida), que emergiu a necessidade de intervenção estadual no processo de formação do preço através de geração de dívida tarifária. Daqui resulta um grupo tendencialmente homogéneo de operadores que beneficia da estabilidade proporcionada por essa intervenção no respetivo mercado-alvo, e que, por isso, pode ser sujeito a obrigações contributivas específicas nesse âmbito, tal como sucede com a CESE e como vem afirmando a jurisprudência constitucional.

Exigir um nexo de correspondência de registo superior entre a prestação tributária e o benefício obtido, significaria reclamar pela caracterização, no âmbito da CESE, de uma relação jurídica entre obrigados tributários e entidade pública que exibisse “estrutura linear, diárquica e polarizada, assimilável à troca, identificando como sujeito passivo o beneficiário específico de uma prestação singular e individualizável da entidade pública credora com nexo de equivalência para com a respetiva obrigação de pagar” (Acórdão do TC n.º 682/2022), que é dizer, seria assimilar a estrutura da contribuição financeira ao modelo da taxa, desrespeitando a autonomia dogmática entre as duas figuras jurídicas.

Globalmente, o que da alteração legislativa decorre não é mais do que uma forma de preservação do equilíbrio entre fontes de despesa no âmbito do FSSSE e, bem assim, o propósito de estabelecer a sua organização no plano gestionário, garantindo maior plasticidade aos critérios para alocação das verbas de receita, que, no entender do Legislador executivo, se revelaram demasiado “rígidos, impedindo que, em cada ano, se possam ajustar os valores aos objetivos do FSSSE que se mostrem mais prementes” (cfr., preâmbulo do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 de 7 de dezembro).

Em face do exposto e como já tínhamos concluído, não colhe o argumento de que a CESE se destina exclusiva ou predominantemente a propósitos de “consolidação orçamental” ou que as entidades obrigadas, fosse esse o caso dos operadores do SNGN, dela não retiram vantagem que não seja comum a qualquer outra pessoa, singular ou coletiva, sediada em território nacional: demonstradamente e em face do respetivo regime e realidade operacional com que os operadores no setor da energia se confrontam, estamos perante situação absolutamente oposta.

10. Por outro lado, defende a recorrente que, prolongando-se a vigência da CESE desde 2014 até ao presente, daí se deve concluir que deve ser qualificada como um imposto, especialmente levando em conta que a situação financeira do país melhorou sensivelmente, obtendo até um superavit orçamental no ano de 2018 (período de incidência da CESE lançada em 2017).

O Acórdão do TC n.º 101/2023 apresenta uma argumentação que se pode dizer convergir com esta alegação, ao menos em parte, conquanto, referindo-se à situação financeira do Estado no ano de lançamento da contribuição sob fiscalização (exercício de 2018), alude à alteração dos pressupostos de facto em que teria assentado a introdução da CESE no ordenamento jurídico para fundamentar a descaracterização das empresas do SNGN como compreendidas na lógica de grupo característica das contribuições financeiras (“esta alteração do destino típico das receitas da CESE ocorreu num contexto significativamente diverso daquele em que o tributo foi criado. Com efeito, superados os condicionamentos impostos pela execução do PAEF e pelo procedimento de défice excessivo, findo em 2017, observava-se já em 2018 uma «tendência de diminuição da dívida tarifária do SEN, iniciada em 2015”).

Em primeiro lugar, é difícil de compreender como a conjuntura económico-financeira estadual influiria na qualificação de dado modelo tributário como imposto ou contribuição, ou como poderia participar na compreensão do respetivo âmbito de incidência subjetiva: a situação de folga ou estrangulamento financeiro do Estado não constitui parâmetro para a qualificação jurídica de um programa normativo de natureza jurídico-tributária, tanto menos participa no juízo sobre a consistência da relação de grupo de que depende a figura da contribuição financeira. Em todos os casos, importa a adequada avaliação da caracterização estrutural do programa no plano dogmático.

Dito de outra forna, enfim, não se divisa como seria possível que a qualificação de uma figura jurídico-tributária pudesse variar em função da linha final da conta geral do Estado.

De outra parte, é de notar que o regime jurídico da CESE tem vindo a ser objeto de atos legislativos anuais e sucessivos, cada um deles aprovando a sua vigência para um ano e alguns dos quais introduzindo alterações sensíveis de disciplina legal. A contribuição foi primeiro introduzida no ordenamento pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31.12, sendo depois lançada para o ano de 2015 pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31.12, para o ano de 2016 pelo artigo 6.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30.12, para o ano de 2017 pelo artigo 264.º da Lei n.º 42/2016 de 28.12, para o ano de 2018 pelo artigo 280.º da Lei n.º 114/2017 de 29.12, para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018 de 31.12, para o ano de 2020 pelo artigo 376.º da Lei n.º 2/2020 de 31.03, para o ano de 2021 pelo artigo 415.º da Lei n.º 75-B/2020 de 31.12, para o ano de 2022 pelo artigo 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31.12 e para o ano de 2023 pelo artigo 261.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30.12.

Não falta, de resto, quem defenda que as alterações introduzidas por alguns destes diplomas importaram a criação de tributos inteiramente novos face aos predecessores, destacando pelo menos três figuras de contribuição financeira distintas entre si (v., neste sentido, F. VASCONCELOS FERNANDES, A Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, Regime Fiscal e Constitucional, 2019, Gestlegal, pp. 51-57; o autor autonomiza a CESE aprovada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31.12 no regime vigente até à Lei n.º 42/2016 de 28.12 [CESE 1 – vigência 2014-2016]; a CESE com o recorte conferido por este diploma até às alterações introduzidas pela Lei n.º 71/2018 de 31.12 [CESE 2 – vigência 2017-2018]; e a CESE que passou a vigorar com o figurino adotado por este último ato legislativo [CESE 3 – 2019]).

Em face do exposto e como vem entendendo a jurisprudência constitucional, cada ano merecerá uma análise própria e individualizada à contraluz da dogmática tributária e constitucional colocada e, se não há dúvidas que boa parte das conclusões alcançadas pelo Tribunal Constitucional bem cedo são transponíveis e aplicáveis ao regime jurídico da CESE em anos subsequentes (mormente quanto a conformidade constitucional), considerações a propósito de iniciativas legislativas anteriores ou posteriores, como é evidente, não possuem relevância no juízo a formular nestes autos, porque cingidos a um quadro legal cuja vigência surgiu apenas no ano de 2018.

Mais se diga, se é inegável que a CESE foi considerada “extraordinária” pelo Legislador fiscal e permaneceu vigente no ordenamento pelos anos que se seguiram a 2014, não vemos como, por esse motivo, se pudesse entender convertida em imposto, ou devesse ser assim qualificada desde o início de vigência. A transitoriedade ou excecionalidade não constitui um atributo peculiar a nenhuma das duas figuras jurídico-tributárias, razão por que as conclusões extraídas pela recorrente a este propósito denotam um vazio de fundamento num ponto central da sua lógica argumentativa.

Em qualquer caso, há que sublinhar que o intervalo temporal por que uma medida tributária esteja em vigor não se pode entender o critério mais importante para aferir do seu caráter (substancialmente) excecional, antes interessará saber se, pelo hiato por que se manteve em vigência, a medida se justifica pela persistência do problema extraordinário a que oferece resposta, ou se, por oposição, em alguma altura ficou convertida num instrumento de captação de receita que servisse necessidades gerais de financiamento público.

Cabe relembrar que um dos principais problemas setoriais que a CESE se dirigiu a resolver (e não o único, como já vimos) respeita à necessidade de assistência financeira a um problema transitório e excecional relativo ao setor energético, a dívida tarifária acumulada (cfr. artigo 2.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 55/2014 de 9 de abril). No pressuposto – que, imaginamos, será incontroverso – que a dívida tarifária continuou a constituir um problema grave no setor da energia, que se prolongou no tempo e mesmo conheceu agravamento face a 2014 em alguns dos anos posteriores (2015 e 2016), não vemos, pois, como seja possível afirmar com propriedade no segundo dos sentidos possíveis: no ano de lançamento da contribuição (2014), a dívida tarifária ascendia a € 4.690 M, em 2017 (ano em que foi aprovada a norma sob sindicância), cifrava-se em € 4.397 M e, no encerramento do exercício de 2018 (ano a que respeita a incidência), fixava-se em € 3.654 M. Se se denota uma ligeira amortização – ao que não será estranha, na conta do ano de 2018, a receita angariada pela contribuição cuja constitucionalidade aqui se discute –, não merece dúvidas que a sujeição a CESE no ano em referência continuou a compreender-se também por este problema transitório, já que o stock de dívida tarifária continuou a ensombrar o setor energético português.

De maior importância, ainda que se acedesse a que a contribuição adquiriu estabilidade, que foi desprovida de natureza extraordinária e que deve hoje ser considerada uma componente permanente do sistema tributário, daqui apenas resultaria que o seu regime jurídico se converteu em algo mais próximo, face ao inicialmente consagrado, daquele que caracteriza as demais contribuições financeiras do ordenamento jurídico português. O princípio geral é o da revisibilidade da legislação e não se divisa princípio constitucional que impusesse, sem outras considerações, imobilismo ou estaticidade ao legislador a respeito do regime contributivo do setor energético, como não vemos qualquer contexto que pudesse ter sedimentado expectativas jurídicas sobre a não-implementação (ou cessação de efeitos a prazo) de um tributo com os carateres daquele que está sob fiscalização.

Para além de, no contexto colocado, o nomen iuris da contribuição financeira (CExtraordináriaSE) se mostrar francamente insuficiente para constituir, só por si, fonte de uma expectativa jurídica que merecesse outras considerações, o ponto de essência reside agora, como sempre residiu, na qualificação dogmática da CESE e nos parâmetros que a fundamentam. Quanto a estes e como já vimos, não se observa qualquer forma de rutura com o estatuto constitucional: o caráter transitório desta contribuição financeira será, pois, entendido como meramente conjuntural, não importando considerações de maior para efeitos de tutela de expectativas legítimas ou, por inerência, de constitucionalidade:

não se afigura decisivo o elemento da excecionalidade para um julgamento de não inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE. Tal caraterística reforça a argumentação plasmada no Acórdão n.º 7/2019, mas está longe de constituir o seu único pilar de sustentação. Para o juízo de não inconstitucionalidade então proferido – e que agora se renova – contribui, sobretudo, a caraterização dogmática do tributo como contribuição financeira, e o objetivo de financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor da energia, já que este permite afirmar a sinalagmaticidade do tributo, ainda que não referida a uma contraprestação específica” (v. acórdão do TC n.º 437/2021, também chamado à colação no acórdão do TC n.º 736/2021, que procedeu à fiscalização da norma do artigo 264.º da Lei n.º 42/2016 de 28.12 [vigência da CESE em 2017])

Assim, não procede a imputação de vício de inconstitucionalidade material.

11. Posto isto e tendo nós concluído que a CESE é qualificável como contribuição financeira, não como imposto e porque está devidamente sinalizada a lógica de grupo em que assenta aquela primeira categoria de tributos, resulta prejudicada a apreciação de boa parte dos vícios de constitucionalidade que a recorrente aponta ao diploma ou a certas normas específicas.

O princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e sua associação ao princípio da capacidade contributiva dependeria que estivessemos, não apenas perante um imposto, mas perante um imposto sobre o rendimento, o que, está bom de ver, não é de todo o caso. Também a caracterização da CESE como imposto ou tributo discriminatório, abrogante do princípio da igualdade material, fica precludida pelas conclusões já alcançadas a propósito da relação entre a contribuição e os especiais interesses grupais que a CESE está destinada a financiar e que suportam a sua incidência subjetiva.

Afasta-se, pois, o pretendido juízo de reprovação constitucional com fundamento no disposto nos artigos 104.º, n.º 2 e 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Não obstante, no âmbito das contribuições financeiras o princípio da igualdade possui especial importância ao impôr obrigação de equivalência (justiça fiscal na incidência e quantificação da contribuição – v. acórdão do TC n.º 344/2019) e também nesta dimensão o acórdão n.º 7/2019 deste Tribunal concluiu que a CESE não colide com a Lei Fundamental, essencialmente pelos motivos já expostos. A contribuição compreende-se por ter abrangido os operadores no setor energético com uma forma especial de participação nos custos de estabilização do sistema coevo ao ramo económico em que operam. A constituição de uma entidade administrativa (o FSSSE), dotada de órgão executivo autónomo, que tem por única missão obter e preservar a estabilidade do setor energético e que, para esse propósito, absorve todas as receitas libertadas pela CESE, é, de si, não apenas evidente penhor do caráter comutativo e bilateral da contribuição, mas também adequada trave estrutural de equilíbrio, acentuando a importância do objetivo que preside ao tributo.

Esta questão relaciona-se também com a defesa da recorrente sobre a desproporção da CESE, no que reclama por juízo de inconstitucionalidade autónomo com esse fundamento: defende a recorrente que um operador nas suas condições se acha sobrecarregado com carga tributária, assim em violação de critérios de necessidade (ou, talvez, de proibição de excesso): à incidência de IRC sobre os lucros que obtenham, diz-se, os agentes no setor vêm acrescer um regime contributivo adicional que assenta no valor dos seus ativos fixos como critério principal de incidência objetiva (artigo 3.º do RJCESE), não os incrementos patrimoniais obtidos em cada exercício, situação penalizadora que se defende ultrapassar o limiar da equidade por, ao mesmo passo, não ser permitido a esses operadores abater o encargo tributário da CESE a lucros (artigo 12.º do RJCESE).

Ora, de modo algum os artigos 3.º e 12.º do RJCESE podem ser entendidos como achando-se em rutura com princípios constitucionais e, bem vistas as coisas, da consagração deste regime legal depende a efetividade da conexão entre a CESE e os parâmetros que a justificam (factores de responsabilidade de grupo e de vantagem de grupo).

A CESE responde à necessidade de oferecer estabilidade ao setor energético (que a recorrente integra) e, como se viu, resulta claro que os operadores nesse campo disso extraem vantagem: o benefício de não se acharem confrontados com um setor instável (desorganizado ou em rutura, fosse para com o contexto económico, social ou ambiental, que os envolve) é, sem dúvida, uma mais-valia económica para as entidades que nele operam, daí se compreendendo a chamada a financiamento da ação pública nesse domínio.

Veja-se que a forma de definição de base de incidência objetiva da CESE pelos ativos fixos dos operadores (artigo 3.º, compreendido no pedido de fiscalização) foi avaliada pelo Acórdão n.º 7/2019 e, também aqui, não vemos que a crítica da recorrente se mostre fundada:

A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas.

Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada.

Conquanto a receita da CESE está dirigida, como já tantas vezes repetimos, a conferir estabilidade ao setor energético, resulta líquido que o benefício que cada operador extrai dessa atividade pública dependerá da dimensão da sua atividade, mais que do rendimento líquido que extrai da aplicação dos seus capitais: de uma parte, grandes operadores colocarão mais pressão no setor energético do que operadores de atividade mais modesta, ainda que estes últimos possuam uma atividade mais rentável ou libertem maiores lucros anuais que os primeiros; por outra parte, porque o investimento em capitais fixos dos primeiros é mais elevado, serão esses agentes mais sensíveis a situações de rutura setorial que, no limite, a atividade do FSSSE pretende poder prevenir.

Também não merecerá discussão que o valor do investimento em capitais fixos (líquido de amortizações e depreciações) que cada operador apresente será o indicador mais direto para avaliar a dimensão da atividade das entidades sujeitas a CESE, tendo em vista aferir a partir daí qual a medida de benefício que extrairão da atividade reguladora do FSSSE.

De facto, pela situação do imobilizado e de investimentos financeiros associados à exploração (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 5, do RJCESE – v. g., participações sociais em sociedades agrupadas que participam na atividade sujeita a incidência) exprime-se o universo de recursos alocados à atividade por cada um dos operadores no setor económico. No caso de comercializadores do SNGN, é ainda estabelecido um ajustamento financeiro referente ao valor económico dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime «take or pay» e respetivo excedente (artigo 3.º, n.ºs 2 e 3, do RJCESE), por forma a melhor exprimir o valor real da estrutura e evitar omissões relativas a ativos financeiros inerentes à atividade não-contabilizados, assim prevenindo «injustiças relativas» face a operadores do setor que operem noutras áreas.

Assim, duas empresas que possuam registos semelhantes neste particular estarão em condições idênticas no que tange à abordagem ao mercado da energia, por ser semelhante o conjunto de meios colocado no terreno e, sendo assim, se impor concluir que o benefício que obterão da atividade reguladora do Estado, via FSSSE, será também idêntico. Por sua vez e de forma simétrica, desníveis entre organizações empresariais quanto a este conjunto de ativos estruturais sinalizarão registos de benefício potencial desiguais entre operadores, oferecendo indicadores diferenciados para efeitos contributivos.

Não se trata, pois, de tributar empresas pelo seu património (o parâmetro de incidência cinge-se às componentes do seu ativo afetos à atividade com caráter estrutual e não-circulante, excluindo todos os demais elementos patrimoniais – cfr. artigo 3.º do RJCESE), nem de lançar um imposto sobre o rendimento normalizado (tributando o lucro que o sujeito passivo estaria em condições de obter da sua constelação de ativos em condições médias de gestão). Noutro sentido, bastante mais elementar, mas mais adequado face à natureza do tributo, o quadro de incidência objetiva está definido de modo a ser apto a aferir a dimensão da atividade do sujeito passivo, já que o registo de capitais fixos e de investimentos financeiros associados à atividade representará o investimento estrutural do agente económico e, como dissemos, constituirá o melhor critério para compreender (i) a medida por que cada empresa extrairá benefício da ação pública do FSSSE e (ii) a medida por que essa ação pública se pode entender imputável à atividade da empresa sujeita a CESE.

Assim, não se vê que as normas de incidência objetiva da CESE (artigo 3.º do RJCESE) se encontrem em rutura com qualquer norma ou princípio da Constituição tributária ou que possuam o alegado caráter penalizador ou de efeito cumulativo (dupla tributação) para com o IRC.

De seu lado, caso se admitisse a dedutibilidade da CESE como custo fiscal em imposto sobre o rendimento (afastando as normas dos artigos 12.º do RJCESE), o encargo inerente à contribuição seria, em parte, transferido destas entidades para o Estado, então na medida por que importasse redução de receita em IRC (cfr. artigos 15.º, n.º 1 e 17.º, n.º 1, ambos do CIRC). Por outras palavras, caso se afastasse o caráter definitivo da CESE ou se permitisse que concorresse (negativamente, como custo) para o apuramento da matéria coletável em sede de IRC, teríamos que o FSSSE seria em parte financiado, não pelos beneficiários da ação reguladora, mas pelo orçamento da República. Sobre este ponto, a jurisprudência deste Tribunal Constitucional já fez ver:

se o encargo da CESE pudesse ser deduzido ao lucro tributável de modo a reduzir a coleta de IRC, o impacto financeiro deste tributo para os seus sujeitos passivos poderia ser efetivamente menor, resultando numa diminuição da respetiva «taxa efetiva». Contudo, a impossibilidade de atenuação do impacto financeiro deste tributo através da dedução dos respetivos encargos ao lucro tributável em IRC constitui um aspeto extrínseco a essa correlação relevante para a configuração da CESE e que não pode ser adequadamente apreciado à luz do princípio da equivalência, nem sequer como expressão do princípio da proporcionalidade.” (v. acórdão do TC n.º 301/2021)

Sobre esta matéria e mais exatamente, há que levar em conta a operatividade da CESE enquanto instrumento tributário de captação de receita: a conexão necessária entre contribuição e benefício (difuso) obtido (tributo comutativo) apenas se pode entender alcançável se a CESE participar na sustentabilidade do setor energético sem implicar um alívio das demais obrigações fiscais dos obrigados (seja exemplo o IRC), como seria o caso se fosse admitida como gasto a abater a proveitos no exercício fiscal, já que isso significaria a geração de despesa pública. Se fosse assim, o tributo ficaria desprovido de boa parte do seu alcance contributivo efetivo, cingindo-se, da perspetiva do sujeito passivo e em parte, a um mero efeito de transferência entre fontes de despesa corrente.

Acresce que a dedutibilidade da CESE como custo fiscal introduziria ruído no critério de incidência (dimensão da atividade), já que penalizaria operadores com lucros mais baixos ou que apresentassem resultados negativos, ainda que possuíssem uma estrutura de recursos colocada no terreno idêntica ou inferior a operadores com atividades de maior rendibilidade. Na verdade, entidades com ganhos líquidos mais reduzidos (ou que enfrentassem situações de prejuízo em dado exercício), poderiam nem sequer estar em condições de deduzir por inteiro (ou de todo) o valor da contribuição a lucros (porque insuficientes), o que prejudicaria a equidade e equilíbrio do tributo entre sujeitos passivos, quando se mantenha presente o critério de incidência. Em essência, o modelo aparentar-se-ia a um imposto sobre o rendimento das empresas de caráter regressivo.

Eliminar esta variável da equação, não permitindo que a CESE concorra para a base de tributação em IRC, está bom de ver, permite ampliar a justiça relativa do sistema, maximizar o princípio da neutralidade fiscal do tributo e descentrá-lo da rendibilidade de capitais do operador (que não é, de todo, fundamento ou parâmetro da tributação in casu), singularizando o benefício (potencial) inerente à atividade pública financiada pela contribuição como critério de incidência.

Serve por dizer, é a norma do artigo 12.º do RJCESE, cuja constitucionalidade aqui se debate, que assegura, em boa parte, a coerência interna do regime de tributação e a solidez da conexão entre a CESE e os princípios que a fundamentam enquanto contribuição financeira, também do ponto de vista jurídico-constitucional.

Em face do exposto, não se observa tensão entre a contribuição sob sindicância e os princípios da igualdade na subvertente de equivalência e, bem assim, da proporcionalidade: o encargo a que a recorrente fica sujeita por via da CESE não se pode entender descontextualizado ou desproporcionado face às contrapartidas de que beneficia e observa-se um quadro legal de incidência objetiva bem fundado, em face dos interesses presentes, repelindo a sua qualificação como tributo discriminatório ou desproporcionado.

Uma nota para deixar impresso que o juízo de constitucionalidade do regime jurídico da CESE, nestas vertentes, tem sido repetidamente reiterado pelo Tribunal Constitucional. Os exemplos são muito numerosos mas, por proximidade com a temática destes autos, assinalamos que, com relação ao regime contributivo do setor energético referente ao exercício de introdução da norma (2014), debruçaram-se sobre a sua natureza jurídica e constitucionalidade do seu regime de incidência (artigos 2.º-4.º) e desconsideração como custo fiscal em IRC (artigo 12.º), os acórdãos com os n.ºs 303/2021, 463/2021, 506/2021, 777/2021, 856/2021 e 411/2022, em todos os casos renovando-se a jurisprudência que viemos de expor, sem divergência assinalável. O acórdão n.º 204/2022, por sua vez, aplicou o entendimento colhido desta jurisprudência constitucional, ampla e pacífica, ao RJCESE na configuração de que ficou dotado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro para vigorar em 2018, chegando às mesmas conclusões, posição com que convergimos”.

Por seu turno, a 17 de abril de 2024, mediante Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 324/2024, proferido no processo n.º 1288/21 -tendo como Acórdão recorrido o prolatado no âmbito do processo nº 296/2023, de 25 de maio de 2023, supra transcrito e como Acórdão fundamento e em oposição, o citado Acórdão prolatado no processo nº 101/2023, de 16 de março de 2023- julgou-se não “inconstitucional o disposto no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na versão e período de vigência conferidos pelo artigo 280.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo discriminados no n.º 1 do artigo 3.º, do diploma, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho”.

A confirmação do juízo de não inconstitucionalidade do aludido Acórdão do Plenário, assentou, designadamente, no seguinte:

7. O Acórdão n.º 101/2023 concluiu pela inconstitucionalidade da sobredita interpretação do artigo 2.º, alínea d), do RJCESE, não porque pretendesse revisitar e inverter a jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional, mas por entender que existia um programa de despesa associado à CESE e às receitas que libertasse que caracterizavam a início este tributo de forma particular e de que dependia a homogeneidade de grupo dos respetivos obrigados tributários. No ver do aresto, essa «finalidade típica» da CESE foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, de tal forma que não era possível afirmar que a despesa que a contribuição financeira serviria representasse um benefício potencial para as empresas do setor do gás natural, a par das demais entidades integradas no grupo vinculado à contribuição.

Ainda que acedendo a que se trata de uma contribuição financeira em que se observa o caráter comutativo inerente a esta figura tributária, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/23 veio a concluir que as empresas do setor do gás não se integravam nessa lógica estrutural por estarem de fora do círculo de potenciais beneficiários da atividade pública servida pela receita da CESE, por isso se impondo um dever de exclusão do âmbito de obrigados tributários desrespeitado pelo legislador ordinário.

No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2023, a questão foi enquadrada e o entendimento adotado naquele aresto explicitado nos seguintes termos, que aqui repescamos:

A sobredita decisão adotou por fundamento central as alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro ao Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, que estabelece o regime jurídico do Fundo para a Sustentabilidade do Setor Energético (em vigor a partir de 8 de dezembro e, como tal, abrangendo o regime contributivo sob sindicância – cfr. artigo 3.º do diploma).

O Acórdão faz ver que, nos termos do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, o Fundo dispunha de dois objetivos programáticos: por um lado, (i) o “financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética” (artigo 2.º, alínea a), do diploma); por outro, (ii) a “redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional” (artigo 2.º, alínea b), do diploma). Sublinha-se ainda que, na sua redação original, estava legalmente imposta uma certa forma de priorização da alocação da receita angariada através da CESE, que seria absorvida em 2/3 com custos destinados aos objetivos assinalados sob (i) supra (o Acórdão conforta esta observação com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril).

Sucede que, no ver do aresto, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, importaram uma alteração substancial deste quadro de organização financeira e do que se apelida de «destino típico» da CESE, o que, por sua vez, teria transportado consigo a descaracterização do interesse de grupo dos obrigados tributários (ou, ao menos, de certas entidades entre eles incluídas), de que depende a qualificação da CESE como contribuição financeira:

«Esta ordem de prioridades foi, todavia, invertida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018 (…) ficou o Governo habilitado a decidir, com a mais larga discricionariedade, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, no intervalo de 0% a 33%, visto que a lei não define nenhum limite mínimo nem fixa critérios de decisão (…) forçoso é reconhecer que os termos em que, a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a que diz respeito a norma sindicada no presente recurso.

Em primeiro lugar, tornou-se evidente que, por imposição legal, a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico, sem que sejam claras as razões pelas quais o legislador teve por adequado exigir a operadores não integrados nesse subsetor que participassem nos encargos daí advenientes, quando lhes não deram causa alguma, nem se vê que daí extraiam um especial benefício. Cabe notar que a mera circunstância de todos os operadores integrarem o «setor energético» não é manifestamente suficiente para afirmar que exista uma responsabilidade de grupo do subsetor do gás natural pelos encargos respeitantes a um problema específico do subsetor da energia elétrica. Embora seguramente exista alguma homogeneidade de interesses e interdependência entre os vários operadores do mercado energético, são diferentes as condições em que estes operam e bem assim os problemas de sustentabilidade que a propósito de cada um se colocam. (…)

O que daqui se depreende é que não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores (…)

(…) o regime não define critérios que imponham que uma parte relevante da receita da CESE se mantenha afeta ao financiamento de medidas tendentes a favorecer os interesses de todos os operadores económicos incluídos no seu âmbito de incidência subjetiva (e não isentos). Pelo contrário, na prática, é confiada ao Governo a possibilidade de, em função dos «objetivos que se revelem mais prementes», afetar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do setor elétrico – ou seja, ao financiamento de prestações públicas de que os operadores do setor do gás natural não podem, como se viu, presumir-se causadores ou beneficiários.

Por fim, ainda que um terço da receita da CESE tivesse sido consignado ao «financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética», a circunstância de as tarefas que o tributo se destina a financiar não terem sido objeto de densificação mínima, não permite sequer apreender se e em que medida cada um dos subsetores em causa é visado pelas medidas a adotar pelo FSSSE. De facto, mesmo em tais condições – estritamente hipotéticas −, não se poderia presumir que um terço da receita da CESE tivesse sido destinado a medidas de que seriam especiais beneficiários os operadores do subsetor do gás natural, de modo a garantir um certo equilíbrio na participação pelos subgrupos de operadores dos benefícios presumivelmente proporcionados pelo FSSSE.»

Se do excerto transcrito se diria que o Acórdão do TC n.º 101/2023 se preparava para concluir que as alterações sobre a disciplina legal de realização de despesa pelo FSSSE teriam importado a ruína do modelo tributário da CESE enquanto contribuição financeira, certo é que conclui em termos muito mais modestos. O Tribunal não adotou esta conclusão maximalista, antes cingiu o juízo de inconstitucionalidade às normas do, «artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual)» (sublinhado nosso)

Atendendo à formulação do dispositivo, é de concluir que o juízo de inconstitucionalidade adotado pelo Acórdão por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) se dirige apenas à norma que integra na regra de incidência subjetiva as concessionárias dos serviços de transporte, distribuição e armazenamento subterrâneo de gás natural, tendo por base, infere-se, a inobservância de um dever de diferenciação destes operadores do setor energético que seria imposto pelo sobredito princípio. A referência ao quadro de incidência objetiva da contribuição (artigo 3.º, n.º 1), pois, surge apenas por se tratar de norma de parametrização da obrigação contributiva daquela categoria de sujeitos passivos (“na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo (…) da titularidade das pessoas coletivas que (…) sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural).

Assim sendo, o aresto não oferece suporte à afirmação de que a CESE é inqualificável como contribuição financeira, nem pretende realizar um confronto direto com a doutrina adotada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional até esta data, que acima descrevemos. Noutro sentido, apenas introduz o entendimento de que, pela operatividade de um quadro legislativo entrado em vigor no ano de 2018, as empresas do setor que destaca (distribuição, transporte e armazenamento subterrâneo de gás natural) passaram a não poder ser entendidas como dotadas dos atributos e propriedades que permitiriam integrá-las na lógica grupal que preside à contribuição. Para o Acórdão, o facto de a receita da CESE estar dirigida essencialmente à gestão da dívida tarifária – que, por essa altura e segundo se diz, apresentava sinais de vir ingressando numa curva descendente –, associado ao facto de não reconhecer uma vantagem própria aos operadores do setor do gás natural que adviesse dessa gestão, nem um nexo de causa entre a atividade destes e o problema gerido, levaria a que esses agentes económicos ficassem afastados do espectro de incidência.

Também este seria, ao que parece, o caso da ora recorrente no caso sub iudicio.

De sua parte, o Acórdão n.º 296/2023 divorciou-se desta forma de compreender o problema, quer no que tange o pretenso programa inicial inerente à CESE, quer quanto à existência de alterações substantivas ao regime financeiro do Fundo beneficiário da receita, quer ainda no que se pode entender o conjunto de problemas a que responde o tributo e os benefícios que confere a operadores económicos no setor energético. (…)

É esta a jurisprudência que aqui se reitera.

As alterações introduzidas no regime jurídico do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, não descaracterizam a CESE enquanto tributo comutativo e continua a observar-se a conexão necessária entre contribuição e benefício (difuso) obtido da atividade do FSSSE por todos os operadores vinculados à obrigação tributária, incluindo os agentes económicos do subsetor do gás natural, talvez mesmo especialmente quanto a esses. Isto, não apenas quando se leve em conta a afetação da receita da CESE obtida de contratos de aprovisionamento take-or-pay, alocada que fica, no atual contexto legal, ao alívio dos gastos tarifários pela utilização do sistema em benefício particular dessa categoria de operadores, mas também porque a atividade do FSSSE persiste dirigida à estabilização e promoção de todo o setor energético, de que aqueles constituem também parte. Acresce que o combate à dívida tarifária (associável à instituição da CESE desde a sua génese, como o Tribunal Constitucional nunca deixou de fazer ver) e incluso nas atribuições do Fundo, se protege as bases de consumo do subsetor elétrico, impacta diretamente nas condições operacionais do subsetor do gás natural: a atividade destes últimos esgota-se no abastecimento das empresas electroprodutoras com energia primária (gás) e, no mais, com elas partilha fonte de procura, pelo que a estabilidade que se confere ao primeiro, é instrumental à defesa e crescimento do segundo.

Em face de todo o exposto, não existe fundamento para encontrar, no plano do RJCESE, um qualquer comando constitucional de diferenciação (artigo 13.º da Lei Fundamental) das empresas do setor energético face às demais, razão por que a interpretação normativa obtida do disposto no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi mantida durante o exercício fiscal de 2018 pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro) que inclui na norma de incidência as empresas do subsetor do gás natural, como é o caso da recorrente, não incorre em vício de inconstitucionalidade material”.

Ora tudo quanto se afirma no aludido Aresto, se aplica, sem necessidade de aduzir novos argumentos, à norma constante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e ao período em contenda (2014).

Destarte, tendo presente o supra exposto, como visto, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, e sendo as questões e a fundamentação integramente transponível para os presentes autos- aliás, como se disse, sobreponível à que foi apresentada nos processos nos quais foram proferidos o referidos acórdãos, designadamente, é de reiterar a relevância do procedimento por défice excessivo como circunstância que permite ao legislador justificar a criação do tributo extraordinário (posição que, por referência ao exercício de 2014, é inequívoca na jurisprudência do Tribunal Constitucional)- ter-se-á de concluir que não assiste razão às Recorrentes.

De relevar, in fine, que as questões de constitucionalidade arguidas pelas, ora, Recorrentes visando as normas emergentes do regime jurídico da CESE, concernentes ao ano de 2014, criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro que, no seu entender violam os anteditos princípios constitucionais, foram, por diversas vezes, objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, sendo vasto o acervo decisório existente e que revela orientação jurisprudencial consolidada no sentido da sua não inconstitucionalidade (enunciando-se, designadamente, o Acórdão n.º 7/2019, quanto às normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 11.º ; o Acórdão n.º 856/2021, quanto à norma constante do artigo 12. º; os Acórdãos n.ºs 301/2021, 303/2021, 437/2021, 204/2022, 366/2022, 411/2022, 454/2022, 572/2022, 231/2023, 300/2023 e 352/2023, quanto às normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, bem assim como as Decisões Sumárias n.ºs 176/2022, 730/2022, 757/2022, 102/2023, 185/2023, 955/2023, e 481/2024, cuja fundamentação jurídica se dá por reproduzida e à qual se adere).

Subsiste, ora, por analisar a questão da violação do Direito Comunitário.

Alegam as Recorrentes, neste concreto particular, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao ajuizar que não há violação do Direito Comunitário pelo facto de, em face do conceito de “auxílio estatal” descrito pela jurisprudência comunitária, não se encontrarem preenchidos os pressupostos que permitam classificar o regime da CESE como auxílio estatal ilegítimo.

E isto porque, inversamente ao propugnado na sentença visada existindo subsidiação da produção elétrica em regime especial, a qual é financiada por um Fundo público (mesmo que em parte), existe uma inequívoca intervenção do Estado através de recursos estatais provenientes da cobrança de um imposto, o que acarreta violação ao artigo 107.º do TFUE.

Apreciando.

Atentemos, para o efeito, no discurso fundamentador constante na decisão recorrida, e que se transcreve na parte que para os autos releva:

“Como se refere, exemplificativamente, no Acórdão do Tribunal Geral de 15 de novembro de 2018, proferido no Processo T-219/10 RENV:

“2. Apreciação do Tribunal Geral 59 A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes pressupostos. Em primeiro lugar, deve tratar se de uma intervenção do Estado ou com recursos estatais; em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão World Duty Free, n.º 53 e jurisprudência aí referida).

60 No que respeita ao pressuposto da seletividade da vantagem, que é constitutivo do conceito de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que a apreciação desse pressuposto impõe que se determine se, no âmbito de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» face a outras que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, em situação factual e jurídica comparável e que sofram, desse modo, um tratamento diferenciado que possa, em substância, ser qualificado de discriminatório (v. Acórdão World Duty Free, n.º 54 e jurisprudência aí referida).

61 Além disso, quando a medida em causa é encarada como um regime de auxílio e não como um auxílio individual, a Comissão deve demonstrar que essa medida, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo a certas empresas ou a certos setores de atividade (v. Acórdão World Duty Free, n.º 55 e jurisprudência aí referida).

62 Em especial, no que toca a medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, há que recordar que uma medida dessa natureza que, embora não inclua uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que a dos outros contribuintes é suscetível de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constitui, por conseguinte, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE. Em contrapartida, não constitui tal auxílio na aceção desta disposição, um benefício fiscal que resulta de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos (v. Acórdão World Duty Free, n.º 56 e jurisprudência aí referida).

63 Para qualificar uma medida fiscal nacional de seletiva na sequência desta análise, a Comissão deve, numa primeira fase, identificar o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado Membro em causa e, numa segunda fase, demonstrar que a medida fiscal em causa constitui uma exceção ao referido regime comum por introduzir diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (v. Acórdão World Duty Free, n.º 57 e jurisprudência aí referida).

64 O conceito de «auxílio de Estado» não abrange, porém, as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori, seletivas, quando o Estado Membro em causa conseguir demonstrar que essa diferenciação é justificada, uma vez que resulta da natureza ou do

conjunto do sistema em que as referidas medidas se inserem (v. Acórdão World Duty Free, n.º 58 e jurisprudência aí referida). (…)”

Ora, o facto de parte da receita tributária proveniente da CESE ser consignado ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético o qual, por sua vez, tem como finalidade, entre outras, a redução do défice tarifário do setor electroprodutor, não permite, por si só ter como estabelecido que o regime da CESE tem as apontadas características.

Nomeadamente, não se considera evidenciado que o regime da CESE seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados-Membros, concedendo uma vantagem seletiva e, por essa via, falseie a concorrência.

Não se tem, pois, por estabelecido que aquele regime jurídico é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» face a outras que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, em situação factual e jurídica comparável e que sofram, desse modo, um tratamento diferenciado que possa, em substância, ser qualificado de discriminatório, tendo em devida consideração que o regime não deverá ser tido como auxílio de Estado ilegal, mesmo que as medidas introduzam uma diferenciação entre empresas que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e sejam, por conseguinte, a priori, seletivas, quando se demonstre que essa diferenciação é justificada, uma vez que resulta da natureza ou do conjunto do sistema em que as referidas medidas se inserem (…).”

Ora, secundando-se integralmente o supra expendido, ter-se-á que concluir que inexiste a convocada preterição do Direito Comunitário, não podendo, inversamente ao propugnado pelas Recorrentes, validar-se o entendimento de que nos encontramos perante um auxílio estatal ilegítimo.

Com efeito, “[o]s Tratados não fornecem uma noção de AE. Mas da prática decisória da Comissão e, sobretudo do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), deduz-se estarmos perante uma noção muito ampla que, numa primeira aproximação, tende a abranger medidas específicas ou seletivas atribuídas, independentemente dos seus objetivos e da sua forma, pelos poderes públicos nacionais ou por entidades por estes controladas, com uso mediato ou imediato de recursos públicos, que proporcionem, direta ou indiretamente, qualquer tipo de vantagem a certas empresas (setores, produções ou regiões), e que provoquem ou possam provocar distorções de concorrência e afetação do comércio intracomunitária (3).”

Dir-se-á, portanto, que:
“[o] conceito de AE tem natureza comunitária e (…) é essencialmente fruto de uma construção jurisprudencial e também, até certo ponto, administrativa levada a cabo pela Comissão. O conceito de AE traduz uma relação entre uma entidade concedente (o Estado em sentido muito amplo) e a(s) entidade(s) beneficiária(s), em regra empresas (assumindo um conceito muito alargado de empresa, típico do direito da concorrência) ou um determinado setor económico que se traduz na outorga de uma medida específica vantajosa para o beneficiário e prejudicial para os concorrentes deste.
São assim elementos do conceito, segundo a prática e a doutrina das instituições europeias, que a medida de apoio outorgada:
- se traduza numa vantagem recebida pelo beneficiário que não advenha do livre jogo do mercado: não havendo vantagem não há AE (exemplo: a devolução de impostos indevidos ou a mera compensação pela prestação de um real serviço público);
- seja imputada a poderes públicos de um EM e efetuada com recursos públicos desse mesmo EM (e não, segundo o entendimento atual do Tribunal de Justiça, imputada ou efetuada): não são assim AE as medidas concedidas por outros Estados, por organizações internacionais, pela própria União ou por empresas desprovidas de controlo público, nem os chamados subsídios normativos;
- seja seletiva, isto é, atribuída a certas regiões, empresas e setores. A seletividade pode ser geográfica ou material. Esta engloba a seletividade setorial, incluindo os setores sujeitos à concorrência internacional; a discriminação com base na forma das empresas beneficiárias; a atribuição da medida a certas funções das empresas como serviços intragrupo, de intermediação ou de coordenação (seletividade horizontal); a atribuição de medidas mediante decisões discricionárias ou pouco transparentes; ou a escolha dos beneficiários por meio de disposições que estabelecem limiares com base no volume de negócios ou na implantação da empresa no território de um determinado número de países estrangeiros; ou a própria emanação de disposições que apenas se aplicam a empresas criadas posteriormente à entrada em vigor da legislação; ou, de modo geral, sempre que se limita, de alguma forma, o número de beneficiários. Caso não haja seletividade, não estaremos perante um AE, mas sim perante uma medida de uma política económica geral. Estas medidas económicas gerais serão aquelas que beneficiam de modo uniforme a economia de um país no seu conjunto, como ocorre, em regra, com os casos dos normativos fiscais gerais, isto é, não derrogatórios (de que é um exemplo a redução geral da taxa de IRC para todas as empresas num determinado território), com as leis gerais da segurança social ou, no que respeita aos EM que não integrem a área do euro, as medidas de política monetária;
- provoque ou possa provocar distorções de concorrência e afete ou possa afetar o comércio intracomunitário.(4).”

Ainda neste concreto particular, convoque-se, designadamente, a Jurisprudência do TJUE vertida nos Arestos que infra se enumeram e dos quais resulta, designadamente, o seguinte:

i. Acórdão Sloman Neptun, de 17.03.1993, processos apensos C-72 e 73/91, o qual interpreta o artigo 87.º TCE (hoje 107.º, n.º 1 do TFUE), no sentido de que para existir um AE não basta que tenha origem nos poderes públicos, sendo igualmente necessário que provenha de recursos públicos.

ii. Acórdão Itália/ Comissão, de 2 de julho de 1974, processo nº 173/73, que clarificou a questão atinente ao controlo dos AE e criou uma válvula de segurança que permite, em situações reputadas de excecionais, não considerar como AE determinadas medidas fiscais.

iii. Acórdão Altmark, de 24.07.2003, processo C-280/00, no qual se entendeu que não constitui AE uma compensação cujo montante não exceda o necessário para o cumprimento das obrigações de serviço público.

Ora, face aos elementos conceptuais supra expendidos anteriormente, e à Jurisprudência citada, conclui-se que não é possível subsumir a realidade fática em apreço no conceito de auxílio estatal, porquanto não resulta, minimamente, demonstrado que a mesma proporciona direta ou indiretamente qualquer tipo de vantagem a determinados setores, provocando, por conseguinte, distorções de concorrência e afetação do comércio.

Destarte, improcede a aludida violação do direito comunitário.

Resta aquilatar do pedido de Reenvio Prejudicial.

As Recorrentes requerem, a final, e a título subsidiário um pedido de reenvio prejudicial sugerindo a colocação da seguinte questão prejudicial:

“É compatível com o artigo 107.º do TFUE, um normativo interno como o que consta do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, quando da sua finalidade e respetiva cobrança do tributo tem como propósito a concessão de auxílio estatais de combate ao défice tarifário no sector electroprodutor, através do dispêndio por parte de um fundo público – o FSSSE – de parte das suas receitas públicas?”

Apreciando.

Dispõe o artigo 267.º, do TFUE (5) o seguinte:
“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
“a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível”

Conforme resulta da interpretação do aludido normativo, o reenvio prejudicial de interpretação só é obrigatório caso a questão de interpretação seja suscitada perante tribunal nacional de cujas decisões não caiba recurso, sendo nas restantes circunstâncias facultativo.

Por outro lado, o reenvio não deve ser efetuado sempre que: (i) a questão prejudicial não for necessária nem pertinente para o julgamento do litígio; (ii) o TJUE já se tenha pronunciado de forma firme sobre a questão ou já exista jurisprudência sua consolidada sobre ela; (iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (6).

Neste particular, e relativamente ao alcance de reenvio de interpretação, atente-se nas Recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), delas se extratando, designadamente, o seguinte:

“12. (…) [U]m órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial em direito interno é obrigado a submeter esse pedido ao Tribunal, exceto quando já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto) ou quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.
13. Assim, um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece. Todavia, um reenvio prejudicial pode ser particularmente útil quando se trate de uma questão de interpretação nova que apresente um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União, ou quando a jurisprudência existente não se afigure aplicável a um quadro factual inédito”.

In casu, não se afigurando que a questão prejudicial seja necessária, e pertinente para o julgamento do litígio, não resultando, face a todo o supra expendido, dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de direito.

No caso vertente, face à fundamentação deste Recurso, resulta manifesto que a questão formulada não contribuiria para a resolução da presente causa. Acresce que a correta aplicação do direito comunitário, face aos Arestos que foram sendo convocados para dirimir a questão, não oferece qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada.

E por assim ser, não se colocando a este Tribunal qualquer dúvida da conformidade da solução adotada com o direito comunitário, nos termos supra evidenciados e tendo presente, por outro lado, que o Tribunal in casu, não é obrigado a submeter qualquer pedido de reenvio prejudicial que, como já referimos, é, neste caso, facultativo, não se procede a qualquer reenvio prejudicial.

Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que não padece a CESE das ilegalidades que lhe são assacadas, improcedendo, na íntegra, os vícios arguidos pelas Recorrentes, donde a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.


***


Resta apreciar, a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação quer por este Tribunal, pelo TC e pelo STA, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

***
IV. DECISÃO
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, E MANTER A DECISÃO RECORRIDA.

Custas a cargo das Recorrentes, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 20 de fevereiro de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Ângela Cerdeira)

(Teresa Costa Alemão)



(1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(3) In Jurisprudência sobre auxílios de Estado, António Carlos dos Santos (coordenador) Eduardo Maia Cadete Cátia Sousa Sofia
Ricardo Borges, disponível https://www.cideeff.pt/xms/files/Arquivo/2022/04_PUBLICATIONS/Working_Papers/Grupo_III/Jurisprudencia_sobre_auxilios_de_Estado.pdf
(4) In Ob. Cit., pp.9 a 11.
(5) Ex-artigo 234.º TCE.
(6) Vide, neste sentido, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0280/06, de 14.11.2018.