Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1784/19.8 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/11/2024 |
Relator: | SUSANA BARRETO |
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO |
Sumário: | I- As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no artigo 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada do acórdão datado de 19 de junho de 2023, que procedeu à reforma do anterior acórdão, veio, ao abrigo dos artigos 125.º do CPPT, alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615.º e nº 1 do 666.º, ambos do CPC, e ainda do art.º 616º do CPC, arguir nulidades processuais e do acórdão, e ainda solicitar a sua reforma. Posteriormente, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Em tal requerimento, sustenta a Requerente em conclusão: I. Consta dos autos que o impugnante/recorrente tinha apresentado uma reclamação graciosa em 25/02/2019 no serviço competente da AT contra a autoliquidação da CESE objecto dos presentes autos, referindo e confessando no artigo 37º da sua petição que (em 2018) se encontrava a exercer a sua actividade no âmbito do aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados e está enquadrada na al. e) do art. 2º do RCESE, ou seja, que é titular de uma licença de distribuição local de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos DL 65/2008, de 9 de abril, DL 66/2010, de 11 de junho, e DL 231/2012, de 26 de outubro, embora alegando no artigo 288º da petição, entre outras, a inconstitucionalidade como um todo do art. 2º da RCESE, ou seja, a inconstitucionalidade de todas as normas constantes do mesmo preceito legal, por violação do art. 13º da Constituição e requerendo, a final, a anulação da autoliquidação da CESE em causa. II. E que posteriormente, em 12/07/2019, apresentou impugnação judicial contra o indeferimento da reclamação graciosa e contra a autoliquidação da CESE de 2018, onde igualmente confessa igualmente no artigo 39º da petição inicial que se encontrava a exercer a sua actividade no âmbito do aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados e está enquadrada na al. e) do art. 2º do RCESE, ou seja, que é titular de uma licença de distribuição local de gás natural, embora alegando no artigo 290º da PI, entre outras, a inconstitucionalidade como um todo do art. 2º da RCESE, ou seja, a inconstitucionalidade de todas as normas constantes do mesmo preceito legal, por violação do art. 13º da Constituição e requerendo igualmente, a final, a anulação da autoliquidação da CESE em causa. III. Por sua vez, na sentença proferida em 03/02/2022, o tribunal dá como provado por confissão e acordo das partes no ponto 1 do probatório que a impugnante exerce a sua actividade no âmbito do aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros combustíveis canalisados, apoiando-se no confessado no art. 39º da PI e acordado no art. 9º da contestação, nos termos do nº 5 do art. 607º do CPC (que, como se viu acima, diz que está enquadrada na al. e) do art. 2º do RCESE, ou seja, que é titular de uma licença de distribuição local de gás natural) e fundamenta de direito que a impugnante se enquadra no exercício dessa mesma actividade e, elencando todas as alíneas do art. 2º do RCESE, julga improcedente a impugnação judicial. IV. No recurso da sentença para o TCAS apresentado pela impugnante em 09/03/2022 apenas veio alegar, entre outros, a inconstitucionalidade e a desaplicação do art. 2º do RCESE como um todo por violação do art. 13º da Constituição e, por sua vez, no subsequente acórdão do TCAS proferido em 19/01/2023, dando como provado o elencado em todo o probatório da sentença, é fundamentada e decidida, entre outras, a não inconstitucionalidade do art. 2º do RECESE como um todo, julgando, a final, a improcedência do recurso e confirmando a sentença recorrida. V. No subsequente recurso para o TC apresentado pelo impugnante em 03/02/2023, apenas alega, entre outras normas, a inconstitucionalidade do art. 2º do RCESE como um todo, mas já na subsequente decisão sumária nº 201/2023 do TC, proferida em 28/03/2023, surpreendente e estranhamente, este tribunal vem fundamentar no seu relatório, sem mais indagações, que a recorrente (impugnante) tem como actividade o aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados e se encontra abrangida pela al. d) do art. 2º do RCESE, ou seja, que exerce a sua actividade como concessionária das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n. os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro, e, apoiando-se no acórdão nº 101/2023 do mesmo TC, vem julgar inconstitucional a al. d) do art. 2º do RCESE, por violação do art. 13º da Constituição, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos activos previstos no nº 1 do art. 3º na titularidade de pessoas colectivas sediadas em Portugal e que em 01/01/2018 sejam concessionárias das actividades de transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural e conceder provimento ao recurso apresentado pela recorrente P………, determinando a reforma da decisão recorrida conforme o juízo de inconstitucionalidade proferido, ou seja, julgando ultra petita, o qual foi notificado ás partes por ofício datado de 29/03/2023 e certificado o transito em julgado em 27/04/2023 e devolvido ao TCAS por comprovativo datado de 05/05/2023. VI. No entanto, bastante tempo depois, a 26/05/2023, também estranha e surpreendentemente, a impugnante/recorrente vem entregar um requerimento dirigido ao TCAS, onde a mesma alega que exerce a sua actividade no âmbito do aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados, mas que está, afinal de contas, enquadrada na al. d) do art. 2º do RCESE, ou seja, que exerce a sua actividade como concessionária das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural e junta o mencionado acórdão do TC nº 101/2023, (isto é, contraditando o que tinha confessado na reclamação graciosa e posterior impugnação judicial e dado como provado na sentença), o que, desde logo, põe em causa o princípio da boa-fé processual estabelecido no art. 8º do CPC e no art. 104º da LGT. VII. Por sua vez, o TCAS, por acórdão proferido em 22/06/2023, dando cumprimento ao determinado na referida decisão sumária do TC, também sem mais indagações, chama á colação esse mesmo acórdão nº 101/2023 do TC, e diz que deve ser desaplicada a norma do artigo 2.º, al. d), do regime da CESE, que estabelece a incidência da CESE em relação às concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, por inconstitucionalidade em violação do princípio da igualdade constante do artigo 13.º da Constituição e profere decisão a conceder provimento ao recurso da impugnante, revogar a decisão recorrida e em substituição julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, ou seja, julgando ultra petita. VIII. Perante estes factos, não concordamos, de todo, com a decisão por último proferida neste último acórdão do TCAS, na medida em que contraria o dado como provado no anterior acórdão e incorre em erro ou lapso, por demais manifesto, na indagação e interpretação dos factos e daqui em erro manifesto do direito efectivamente aplicável, pois, a impugnante/recorrente é somente titular de uma licença de distribuição local de gás natural e, por este motivo, está enquadrada na al. e) do art. 2º do RCESE e o Tribunal Constitucional nunca julgou a inconstitucionalidade desta última norma, sendo que a mesma não é, de modo algum, concessionária das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos da al. d) do art. 2º da RCESE, sendo só e apenas esta norma que foi julgada inconstitucional pelo TC., o que fere este último acórdão de nulidade, como abaixo se demonstrará. IX. No entanto, apesar de tal enquadramento na al. e) do art. 2º da RCESE constar nos autos e da sentença por confissão da impugnante e acordo das partes, a verdade é que o TC na decisão sumária e a impugnante/recorrente em requerimento posterior vieram por em dúvida esse enquadramento dando a P……….. erroneamente como enquadrada na al. d) do art. 2º do mesmo regime, pelo que, mesmo em fase de recurso, se torna necessário diluir tal dúvida com a junção de um documento que meramente corrobora actualmente o já confessado e provado enquadramento na fase da impugnação judicial, nos mesmos termos do estabelecido da segunda parte do nº 1 do art. 651º do CPC, aplicável por analogia ás decisões proferidas em segunda instância, o que se requer. X. Neste seguimento, o TCAS suportou a decisão de conceder provimento ao recurso da impugnante, revogar a decisão recorrida e em substituição julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação da liquidação da CESE em causa nos autos na inconstitucionalidade e consequente desaplicação da norma constante da al. d) do art. 2º da RCESE, mas a autora P……….. não se encontrava, nem se encontra, enquadrada no âmbito deste último preceito legal, mas sim enquadrada na al. e) do art. 2º do mesmo regime jurídico, o qual nas anteriores decisões judiciais sobre os mesmos factos já se encontrava dado como provado e cuja prova destes mesmos factos nem sequer foi posta em causa neste último acórdão, pelo que, tal decisão do TCAS, por um lado, veio ferir este seu acórdão de ambiguidade ou obscuridade que torna a sua decisão não inteligível ao deixar em dúvida sobre a efectiva actividade e o efectivo enquadramento factual e legal da recorrente P………. como titular de uma licença de distribuição de gás natural enquadrável na al. e) do art. 2º da RCESE ou se exercia a sua atividade como concessionária no âmbito do transporte, distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural enquadrável na al. d) do art. 2º do mesmo regime, o que fere este seu último acórdão de nulidade, nos termos do art. 666º e da al. c) do nº 1 do art. 615º, ambos do CPC. XI. E, por outro lado, não se pronunciou sobre factos e o direito que seria aplicável sobre o qual se deveria pronunciar, qual seja a titularidade de uma licença de distribuição de gás natural pela recorrente P………… enquadrável na al. e) do art. 2º da RCESE já dado anteriormente na sentença e depois por si como factualmente provado e veio a pronunciar-se sobre factos não dados como provados e sobre o direito que não era aplicável á recorrente P………., qual seja erroneamente que esta exercia a sua atividade como concessionária no âmbito do transporte, distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural enquadrável na al. d) do art. 2º do mesmo regime e dos quais não podia nem deveria ter tomado conhecimento, o que veio ferir este mesmo acórdão de nulidade, nos termos do art. 666º e da al. d) do nº 1 do art. 615º, ambos do CPC. Subsidiariamente: XII. Como se disse acima, na decisão por último proferida no último acórdão do TCAS, por um lado, este incorre em manifesto lapso na interpretação e qualificação dos factos na medida em que a recorrente P………… é somente titular de uma licença de distribuição local de gás natural e daqui o mesmo tribunal incorre também em manifesto lapso na determinação da norma aplicável, pois a mesma recorrente está enquadrada na al. e) do art. 2º do RCESE e o Tribunal Constitucional nunca julgou a inconstitucionalidade desta última norma e a mesma recorrente nunca foi, de modo algum, concessionária das atividades de transporte, distribuição ou armazenamento subterrâneo de gás natural, esta enquadrável na al. d) do art. 2º da RCESE, sendo só e apenas esta norma que foi julgada inconstitucional pelo TC. XIII. E, por outro, o que já se encontrava dado como provado na anterior sentença e no subsequente anterior acórdão do TCAS é que a recorrente P…………… é titular de uma licença de distribuição local de gás natural e cuja prova destes mesmos factos nem sequer foi posta em causa neste último acórdão, o que, tudo somado, vem implicar necessariamente uma decisão diversa da proferido no último acórdão do TCAS, pelo que, subsidiariamente, se requer a reforma deste acórdão, nos termos das als. a) e b) do nº 2 do art. 616º, ex vi art. 666º, ambos do CPC Também subsidiariamente: XIV. Por outro lado, em face das dúvidas, que objectiva e manifestamente constam dos autos, logo se vislumbra que o TCAS deveria em obediência aos seus poderes/deveres do inquisitório constantes, desde logo, no art. 99º da LGT e art. 13º do CPPT, indagar sobre a efectiva actividade e daqui sobre o efectivo enquadramento da recorrente P…………….. na RCESE, nos termos do art. 662º, mormente da al. b) do seu nº 2 do CPC ou então deveria ter notificado as partes para se pronunciarem em contraditório sobre o efectivo enquadramento da P…………… numa das alíneas do art. 2º da RCESE, nos termos do nº 3 do art. 3º e art. 4º, ambos do CPC, tudo antes da prolação deste seu segundo acórdão na sequência da decisão sumária do TC, o que não fez, em violação daqueles preceitos processuais, acresce a isto, igualmente, a violação do direito da fazenda Pública a um processo equitativo, nos termos dos nºs 1 e 4 e 204º, ambos da Constituição. XV. Ora, tais ilegalidades processuais vieram influir no exame e decisão da causa, já que, estando a P……………. enquadrada na al. e) do art. 2º da RCESE, o TCAS poderia e deveria tomar conhecimento da situação e decidir não reformar o seu anterior acórdão em face do erro ou lapso manifesto na decisão sumária do TC, pelo que tendo o TCAS omitido um acto ou formalidade que a lei prescreve, em violação dos preceitos legais acima enunciados, praticou uma nulidade processual, nos termos do art. 195º do CPC, o que, pois, se invoca. XVI. De qualquer modo, refira-se que, posteriormente ao mencionado acórdão 101/2023 do TC de 16/03/2023, foram prolatados pelo menos mais 4 acórdãos também proferidos pelo TC, a saber, o acórdão do TC nº 296/2023 de 25/05/2023, o acórdão do TC nº 338/2023 de 06/06/2023, o acórdão do TC nº 372/2023 de 07/06/2023 e o acórdão do TC nº 369/2023 de 07/06/2023, todos também relativos á CESE de 2018, onde em todos se decidiu pela não inconstitucionalidade, não só da norma constante da al. d), como de qualquer das normas constantes das outras alíneas do art. 2º da RCESE (assim como pela não inconstitucionalidade de outras normas neles invocadas, mormente dos arts. 3º, 4º 11º e 12º, também da RCESE), sendo que a jurisprudência que se retira dos citados acórdãos do TC referentes á CESE de 2018, também objecto dos presentes autos, dado que uma das normas em causa nesses arestos é a mesma que se veio a discutir, embora ilegal e erroneamente nos presentes autos, ou seja, a mencionada al. d) do art. 2º XVII. Pelo exposto, deve a nulidade do acórdão ou a sua reforma ou as nulidades processuais serem reconhecidos e declarados como procedentes. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar a nulidade do acórdão ou subsidiariamente a sua reforma ou ainda subsidiariamente as nulidades processuais serem reconhecidos e declarados como procedentes, com as legais consequências. Notificada do requerimento a suscitar o presente incidente, a Requerida nada disse. Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu douto parecer no sentido da improcedência da reclamação porquanto não existe fundamento para que seja declarada a nulidade do novo Acórdão, ou a reforma do mesmo, ou julgadas procedentes as nulidades processuais invocadas. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Requerente, sendo as de saber: (i) se o acórdão proferido enferma das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615.º CPC, por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e por omissão ou excesso de pronúncia; (ii) se foi cometida nulidade processual por preterição de formalidades essenciais. Por fim, vem peticionada a reforma do acórdão. Vejamos: Por Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de janeiro de 2023, o recurso foi julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida. Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional. Por Decisão Sumária, foi julgado inconstitucional o artigo 2º, alínea d) do regime jurídico da CESE, aprovado pelo artigo 228º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o nº 1 do artigo 3º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei nº 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual), por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). A ora Requerente aceitou a decisão do Tribunal Constitucional e baixaram os autos para a decisão ser reformada em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade. Diz o artigo 80º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional: Artigo 80.º 1 - A decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada.Efeitos da decisão 2 - Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade. 3 - No caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa. 4 - Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário. 5 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à decisão do recurso previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º Assim, e seguindo o disposto no nº 2 do artigo 80º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC), foi reformada a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade do artigo 2º, alínea d) do regime jurídico da CESE, aprovado pelo artigo 228º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, por violação do artigo 13º da CRP foi, então, concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e em substituição julgada procedente a impugnação, com a consequente declaração de nulidade do ato tributário impugnado. Inconformada com esta decisão veio a Requerente arguir nulidades e subsidiariamente pedir a sua reforma. Cumpre, pois analisar e apreciar o requerido. Vejamos, então: Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artigo 613/1, CPC), embora o mesmo possa e deva continuar a exercer no processo o seu poder jurisdicional para resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu. Como é jurisprudência assente, com a sentença fica precludida a possibilidade de o juiz conhecer de qualquer questão (relativa ao antes processado nos autos) que até esse momento não tenha sido suscitada, oficiosamente ou a requerimento, com exceção do nº 2 do mesmo artigo se dispõe em matéria de retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma da sentença ou acórdão quanto a custas e multa. Permite, assim, a lei que, verificadas determinadas circunstâncias, o juiz possa retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a decisão, nos termos dos artigos 613/2, 614º, 615.º e 616.º conjugados com o artigo 666/1, todos do CPC. Segundo as alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 615º do CPC, aplicável à 2ª Instância, por força do artigo 666/1 do mesmo Código, é nula a decisão quando: - [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; - [o] juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Nas palavras de Alberto dos Reis Aut. Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Anotado, Volume V, pág. 151, …sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes (…) num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos (…) evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade (…) se a determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz. Como é jurisprudência assente que se cita em seguida, é obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende. E é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes. Não é, pois, qualquer obscuridade ou ambiguidade que é sancionada com a nulidade da sentença pela alínea c) do nº 1 do artigo 615º CPC, mas apenas aquela que faça com que a decisão seja ininteligível. A ambiguidade ou obscuridade que possam ocorrer na sentença só integrarão a nulidade decisória prevista neste normativo se algum desses vícios tornarem a decisão incompreensível, por inacessível ao intelecto, impedindo a compreensão da decisão judicial por fundadas dúvidas ou incertezas. Situação em que os destinatários da sentença ficarão sem saber ao certo o que efetivamente foi decidido ou se quis decidir e com que fundamentos, e que em que porá em causa, simultaneamente, a delimitação do concreto caso julgado e respetiva autoridade. Vejam-se a este respeito, entre outros e a título meramente exemplificativo, os seguintes acórdãos do STA, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta: - Acórdão do STA de 2018.11.22, Proc. nº 0153/13.8BEPRT 0879/17, de cujo sumário transcrevemos: (…) II - É obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende; e é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir; III - Mas não é qualquer obscuridade ou ambiguidade que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível; (…) - Acórdão do STA de 2018.11.08, Proc. nº 0149/18.3BALSB, de cujo sumário se transcreve: (…) II - A mesma alínea do artigo 615º do CPC sanciona, ainda, com a nulidade, o acórdão em que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário do acórdão sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível (…); - Acórdãos do STA de 2017.09.14, Proc. nº 01249/16 e de 2017.09.14, Proc. nº 01274/16, de cujos sumários se transcreve: (…) II - É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; III - É «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes; IV - Não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível; (…) - Acórdão do STA de 2016.12.14, Proc. nº 0579/16, em que se sumariou designadamente o seguinte: (…) II - Na nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC abarcam-se apenas as situações de ambiguidade ou obscuridade da decisão que a tornem ininteligível e de contradição localizada no plano da expressão formal da decisão, mercê da existência dum vício insanável no chamado “silogismo judiciário”. (…)»; - Do sumário do Acórdão do STA de 2016.06.01, Proc. nº 01140/15, transcreve-se: A nulidade da decisão por infração do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC só ocorre, por um lado, quando se verifique ambiguidade ou obscuridade que a tornem ininteligível, o que não sucede quando a decisão, lida à luz dos respetivos fundamentos, é perfeitamente compreensível; ou, por outro lado, quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, a uma solução distinta daquela que foi adotada. Ora, apesar de vir alegada a nulidade prevista no artigo 615/1.c) CPC, consideramos que não só não vem alegado que o acórdão reclamado padece de qualquer obscuridade ou ambiguidade, mas que o seu sentido foi perfeitamente apreendido pela ora Requerente. Com efeito sem maior densificação por parte da Requerente, todo o alegado diz respeito a um eventual erro de julgamento de facto e de direito, subjacente à decisão de inaplicabilidade da norma. Por entendermos ser totalmente compreensível o raciocínio delineado e por dele não serem extraíveis diversas interpretações ou significados não detetamos, pois, no acórdão qualquer obscuridade ou ambiguidade geradora do vício de nulidade, tanto mais que não foram anotadas ou transcritas quaisquer passagens do acórdão para sustentar a sua posição. Se bem interpretamos a posição da Requerente vertida no requerimento, esta manifesta inconformismo relativamente ao decidido, mas essa discordância não consubstancia qualquer nulidade do acórdão, nem pode aqui ser apreciada em sede de arguição de nulidade. Com efeito, o pedido de aclaração do acórdão deixou de ter suporte legal desde que foi aprovado o atual CPC, e não tem hoje autonomia, sendo subsumível à nulidade prevista no artigo 615/1.c) CPC, como ambiguidade ou obscuridade da decisão, se e apenas se a tornarem ininteligível. Não é o caso, como vimos: a Requerente bem entendeu o sentido e alcance da decisão proferida. Do mesmo modo e sem maiores desenvolvimentos, entendemos que apesar de a Requerente alegar como errado o entendimento acolhido no Acórdão, este não é omissivo ou contraditório. Termos em que se indefere a arguição de nulidades. Não há, pois, omissão ou excesso de pronúncia, mas o que se verifica no caso concreto, é que a ora Requerente discorda da resposta que o Tribunal deu ao alegado erro na apreciação da prova, sustentando a sua discordância, sem concretizar a nulidade perpetrada pelo próprio acórdão do TCA quanto aos fundamentos e a decisão. Na verdade, as nulidades do acórdão são apenas as taxativamente previstas no já citado artigo 615º CPC e os requisitos de que depende a possibilidade de reforma do acórdão são os previstos no artigo 616/2 do CPC. Ora, nos termos do n 1 do citado artigo 80º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional “A decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada”. Entendendo a Requerente que a inconstitucionalidade em causa nos autos era diversa da que foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, deveria, em primeira linha, ter suscitado a questão junto do próprio Tribunal Constitucional. Sendo certo que, entretanto, fez dar entrada de requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Tanto basta para afastar a possibilidade de reforma do acórdão requerida. Por fim alega a Requerente ter sido cometida nulidade processual, defendendo que antes da prolação do segundo acórdão, as partes deveriam ter sido notificadas e ouvidas, nos termos dos artigos 3/3 e 4º CPC. Defende, pois, que ao abrigo do princípio do inquisitório ou da investigação antes da prolação do acórdão «reformado» ou segundo acórdão deveriam ter sido ordenadas diligências que entende como necessárias para a descoberta da verdade material, mas sem razão, como veremos infra, porquanto a matéria de facto assente não sofreu qualquer alteração ou modificação. Alega ainda violação do direito da Fazenda Pública a um processo equitativo (cf. conclusão XIV). É inquestionável que todos têm direito a um processo justo e equitativo (due processo of law), enquanto corolário direto da ideia de Estado de direito democrático. É, pois, um subprincípio da tutela jurisdicional efetiva, sendo absolutamente estruturante na construção e aplicação do direito processual ou adjetivo. Uma das manifestações do due process of law é precisamente o direito ao contraditório, materializado no artigo 3/3 CPC. Assim, o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. O princípio do contraditório, é um princípio fundamental do direito processual, que assegura não só a igualdade das partes, como uma «garantia de participação efetiva das partes em todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão» (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª Edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 127) . Com efeito, os Juízes estão vinculados à obrigação de garantir, ao longo de toda a lide, uma verdadeira e efetiva igualdade substancial das partes. Todavia, no caso a Fazenda Pública teve oportunidade de apresentar contra-alegações de recurso, tendo optado por não o fazer, como aliás é seu direito. A ora Requerente foi notificada da decisão proferida pelo Tribunal autoraConstitucional e nada disse ou requereu, insiste-se, com ela se conformando. Ora, não prevendo a lei a audição das partes após a prolação do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional e antes da prolação do acórdão reformado em conformidade com aquela decisão, não se vê em que medida foram violados os princípios do inquisitório e do contraditório e cometida a alegada nulidade processual, tanto mais que a decisão não alterou a matéria de facto fixada. Com efeito, como é consabido, só produz nulidade a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, quando a lei o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa (artigo 195/1 CPC). Não é o caso. A matéria de facto permaneceu inalterada entre aquela primeira decisão e o acórdão aqui em causa. Na verdade, compulsados os autos constata-se que ao longo de todo o processo foi observado o princípio do contraditório, não estando especificamente prevista na lei uma nova audição da parte a quem a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional não aproveita. Não tinha, pois, que ser ouvida. Pelo contrário, uma vez que a prática de um ato lei não admita é também ela, em si mesma, geradora do alegado vício de nulidade. Termos, em que se indeferem a arguição das nulidades e o pedido de reforma do acórdão. Sumário/Conclusões: As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no artigo 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. III - DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em indeferir a arguição das nulidades e o pedido de reforma do acórdão. Custas do incidente pela Requerente, que decaiu, que se fixa em 2 UC. Lisboa, 11 de janeiro de 2024 Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha Jorge Cortês |