Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:415/22.3 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2022
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CITAÇÃO DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - De acordo com o nº 2 do artigo 192º do CPPT, no caso de a citação pessoal ser efetuada mediante carta registada com aviso de receção (como aconteceu, no caso) e este vier devolvido ou não vier assinado o respetivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal (o que corresponde ao circunstancialismo de facto em análise), então há que convocar a 2ª parte do mencionado nº 2, repetindo-se a citação, através do envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.

II - A cominação em causa refere-se ao disposto no nº3 do artigo 192º do CPPT, ou seja, a advertência relativa a considerar-se a citação efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

III - No caso em apreciação, foi o que se passou, tendo o SF repetido a citação, através de correio registado com AR, tendo sido deixado aviso no recetáculo postal, pelo que a citação tem que se considerar efetuada no 8º dia a contar da data em que foi deixado o aviso, ou seja, no dia 13/07/17.

IV- A jurisprudência “reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC)”.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

N …………………., com os demais sinais nos autos, recorre da sentença do Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, exarada em 10/06/22, que julgou improcedente a reclamação judicial que apresentou contra os despachos do Chefe de Serviço de Finanças de Leiria-2 que indeferiu os pedidos de reconhecimento da prescrição das dívidas provenientes de liquidações de IVA dos anos de 2009, 2010 e 2011 e de IRC respeitante aos exercícios de 2010 e 2011, em cobrança nos processos executivos nº………...................733, n.º……………..666, n.º…………..412, n.º……………..230, n.º ……………791, n.º ……………….266 e n.º…………947 que contra si foram revertidos, depois de inicialmente instaurados contra a devedora originária, a T…………… Empresa de ……., Lda.

Na sua alegação formulou as seguintes conclusões:

«A) – A douta sentença julgou improcedente a reclamação apresentada contra os atos (despachos) do órgão de execução fiscal, que indeferiram o pedido de reconhecimento de prescrição das dívidas em cobrança coerciva no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs …………….733, ……………….666, …………….412, ………….230, …………..791, …………..266 e …………….7947.

B) - O Tribunal a quo entendeu que foi cabalmente cumprido o disposto no n.º 2 do 192º do CPPT ao repetir-se o ofício do qual constava a específica menção à cominação do n.º 3 do 192º, depositando-se no recetáculo postal.

C) Ora, e salvo o devido respeito, o entendimento perfilhado não está correto, porquanto prescreve o legislador, no n.º 2 do artigo 192º do CPPT que “2 - No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.”

D) Nos termos do n.º 2 do artigo 192º do CPPT, quando a primeira carta registada com aviso de receção da primeira tentativa de citação venha devolvida, é necessária, para que haja citação pessoal, a repetição da citação, enviando-se nova carta com aviso de receção.

E) Dos autos não resulta que tenha havida a repetição da citação com nova carta com aviso de receção, mas tão-só o depósito de um segundo ofício, sem que se encontre provado que o executado foi efetivamente citado, assinando, para o efeito, o respetivo aviso de receção.

F) Assim, não se mostra provado que, de facto, o executado tenha sido citado, porquanto dos autos não consta qualquer aviso de receção por si assinado e relativo aos PEFs aqui sindicados.

G) Por outro lado, tem sido entendimento da própria jurisprudência que o não cumprimento das formalidades previstas para a citação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 192º, n.º 2 do CPPT e 228º, n.º 5 do CPC, faz incorrer em nulidade de citação.

H) Aliás, neste sentido se pronunciou a Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, no seu douto acórdão de 12 de maio de 2021, proferido no processo 02074/20.9BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt em cujo resumo se escreve:
“I – A não observância das formalidades prescritas no artigo 228.º, n.º 5 do CPC geram nulidade da citação, nos termos do n.º 1 do artigo 191.º do CPC, sendo aquele primeiro normativo aplicável ao processo de execução fiscal ex vi artigo 192.º, n.º 1 do CPC.
II – A tramitação prevista no artigo 192.º, n.º 2 do CPPT pressupõe o cumprimento do preceituado no artigo 228.º, n.º 5 do CPC.”

I) Do exposto resulta que, não tendo sido cumprido o disposto no artigo 192º do CPPT, não se encontram preenchidos os pressupostos da citação pessoal.

J) Desta forma, e uma vez que nos processos executivos em apreço se cobram coercivamente dívidas que tiveram origem em factos tributários que se reportam aos anos de 2011, 2012 e 2013, conclui-se que já decorreram os oito anos (nos termos do artigo 48º da LGT), encontrando-se, como tal, prescritas.

K) Com efeito, conclui-se que, não tendo havido citação pessoal, as dívidas fiscais dos processos executivos supra identificados se encontram prescritas porquanto não resulta dos autos que o executado tenha sido efetivamente citado, e como tal, não ocorreu nenhuma causa de suspensão da prescrição.

L) Em suma, a douta sentença recorrida fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 192º do CPPT, o que influiu na errónea decisão da causa.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se a prescrição das dívidas em cobrança coerciva no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs …………..733, ……………666, …………..412, ………………230, …………..791, ……………..266 e …………..947, com as legais consequências.»


*


Não há registo de contra-alegações.

*


Neste TCA, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

*


Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*




II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Durante o ano de 2010 o SF de Leiria 2 instaurou contra a sociedade T………… – Empresa …………, Ld.ª, entre outros, os PEF n.º ………….412 e n.º ………….733, para cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes ao exercício de 2010, no valor total de €3.274,78 (cf. ofício e listagem de fls. 72 e seguintes do SITAF);

2. Em 06.06.2017 o SF de Leiria 2 emitiu Citação (Reversão), dirigida ao Oponente, entre outros, no âmbito dos PEF n.º 3…………..412 e n.º ……………..733, através de correio registado com aviso de receção sob o n.º RD …………PT (cf. ofício e registo de fls. 72 e seguintes do SITAF);

3. Em 27.06.2017 o ofício referido em 2. foi revolvido ao remetente com a menção Objeto não reclamado (cf. vinheta aposta a fls. 76 do SITAF);

4. Em 03.07.2017 o SF de Leiria 2 emitiu Citação (Reversão), dirigida ao Oponente, entre outros, no âmbito dos PEF n.º …..………..412 e n.º …………..733, através de correio registado com aviso de receção sob o n.º RD ……………PT (cf. ofício e registo de fls. 78 e seguintes do SITAF);

5. Em 05.07.2017 o ofício referido em 4. foi depositado no recetáculo postal do Reclamante (cf. aviso de fls. 83 do SITAF);

6. Em 21.12.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF de Leiria 2, requerimento no qual solicitava o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º ………….412 (cf. requerimento de fls. 65 e seguintes do SITAF);

7. Em 14.03.2022 o Chefe do SF de Leiria 2 indeferiu o requerimento do Reclamante referido em 6. (cf. despacho de fls. 60 do SITAF);

8. Em 21.12.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF de Leiria 2, requerimento no qual solicitava o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º ……………..733 (cf. requerimento de fls. 95 e seguintes do SITAF);

9. Em 14.03.2022 o Chefe do SF de Leiria 2 indeferiu o requerimento do Reclamante referido em 8. (cf. despacho de fls. 89 do SITAF);

10. Durante os anos de 2010, 2012, 2013 e 2014 o SF de Leiria 2 instaurou contra a sociedade T…………… – Empresa …………., Ld.ª, entre outros, os PEF n.º ……………666, n.º…………………230, n.º………….791, n.º ……………266, e n.º………………..947, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes aos exercícios de 2010 e 2011, no valor total de €5.007,65 (cf. listagem de fls. 122 e seguintes do SITAF);

11. Em 06.06.2017 o SF de Leiria 2 emitiu Citação (Reversão), dirigida ao Oponente, entre outros, no âmbito dos PEF n.º ………………666, n.º ……….230, n.º ………….791, n.º ……………266, e n.º ……………947, através de correio registado com aviso de receção sob o n.º RD …………..PT (cf. ofício e registo de fls. 130 e seguintes do SITAF);

12. Em 13.06.2017 o ofício referido em 11. foi revolvido ao remetente com a menção Objeto não reclamado (cf. vinheta aposta a fls. 137 do SITAF);

13. Em 03.07.2017 o SF de Leiria 2 emitiu Citação (Reversão), dirigida ao Oponente, entre outros, no âmbito dos PEF n.º ……………666, n.º ………….230, nº …………..791, n.º ………….266, e n.º …………..947, através de correio registado com aviso de receção sob o n.º RD …………PT (cf. ofício e registo de fls. 139 e seguintes do SITAF);

14. Em 05.07.2017 o ofício referido em 13. foi depositado no recetáculo postal do Reclamante (cf. aviso de fls. 146 do SITAF);

15. Em 21.12.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF de Leiria 2, requerimento no qual solicitava o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º .…………..666 (cf. requerimento de fls. 124 e seguintes do SITAF);

16. Em 14.03.2022 o Chefe do SF de Leiria 2 indeferiu o requerimento do Reclamante referido em 15. (cf. despacho de fls. 118 do SITAF);

17. Em 21.12.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF de Leiria 2, requerimento no qual solicitava o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º ……………..230 (cf. requerimento de fls. 158 e seguintes do SITAF);

18. Em 14.03.2022 o Chefe do SF de Leiria 2 indeferiu o requerimento do Reclamante referido em 17. (cf. despacho de fls. 147 do SITAF);

19. Em 21.12.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF de Leiria 2, requerimento no qual solicitava o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º ………………..947 (cf. requerimento de fls. 192 e seguintes do SITAF);

20. Em 14.03.2022 o Chefe do SF de Leiria 2 indeferiu o requerimento do Reclamante referido em 19. (cf. despacho de fls. 181 do SITAF);

21. Em 21.12.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF de Leiria 2, requerimento no qual solicitava o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º ……………..791 (cf. requerimento de fls. 228 e seguintes do SITAF);

22. Em 14.03.2022 o Chefe do SF de Leiria 2 indeferiu o requerimento do Reclamante referido em 21. (cf. despacho de fls. 216 do SITAF);

23. Em 21.12.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF de Leiria 2, requerimento no qual solicitava o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º ………….266 (cf. requerimento de fls. 266 e seguintes do SITAF);

24. Em 14.03.2022 o Chefe do SF de Leiria 2 indeferiu o requerimento do Reclamante referido em 23. (cf. despacho de fls. 255 do SITAF);

25. Não correm nem correram termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal quaisquer processos em que se discuta, por qualquer forma, a dívida exequenda nos PEF n.º ……………733, n.º ……………….666, n.º ……………..412, n.º …………..230, n.º …………..791, n.º …………..266, e n.º ……………947.


*


De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.

No que concerne à prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 24., foi determinante a análise da prova documental que foi remetida ao Tribunal pelo órgão da execução fiscal com a entrega da reclamação e do processo executivo, sem que nenhum dos referidos documentos tenha sido posto em causa ou por qualquer forma impugnado pelo Reclamante, tudo conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório – cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil.

Foi ainda determinante, maxime para a prova do facto acima fixado sob o n.º25., a consulta da plataforma informática de apoio à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, à qual a signatária tem acesso por força do exercício das suas funções, e na qual foi possível, através de pesquisa pelo número de identificação do Reclamante, concluir pela inexistência de processos em que estejam em causa as dívidas analisadas nos presentes autos.


*


Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.»

*

Retifica-se a formulação do facto constante do nº 1 supra, porquanto o processo n.º ………………….412 respeita a IVA de 2009, conforme documentos referidos no correspondente ponto do probatório. Assim:

«1. Durante o ano de 2010 o SF de Leiria 2 instaurou contra a sociedade T………….. – Empresa ……….., Ld.ª, entre outros, os PEF n.º …………..412 e n.º…………..733, para cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos anos de 2009 e 2010, respetivamente, no valor total de €3.274,78 (cf. ofício e listagem de fls. 72 e seguintes do SITAF);


*

- De Direito

Como deixámos dito, a reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, foi julgada improcedente, na consideração de que a dívida exequenda não se mostra prescrita, razão pela qual foram mantidos os despachos do órgão da execução fiscal que não reconheceram a prescrição das dívidas (IVA e IRC dos anos de 2009, 2010 e 2011), em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal nºs nº…………….733, n.º…………………666, n.º…………………..412, n.º……………….230, n.º…………………791, n.º ………………………266 e n.º…………………947, para os quais o Recorrente foi chamado a título de responsável subsidiário.

O Recorrente discorda da conclusão extraída pelo TAF de Leiria, defendendo, em síntese, que, erradamente, o “Tribunal a quo entendeu que foi cabalmente cumprido o disposto no n.º 2 do 192º do CPPT ao repetir-se o ofício do qual constava a específica menção à cominação do n.º 3 do 192º, depositando-se no recetáculo postal”. Sucede que, refere o Recorrente, “nos termos do n.º 2 do artigo 192º do CPPT, quando a primeira carta registada com aviso de receção da primeira tentativa de citação venha devolvida, é necessária, para que haja citação pessoal, a repetição da citação, enviando-se nova carta com aviso de receção”, sendo que dos “autos não resulta que tenha havido a repetição da citação com nova carta com aviso de receção, mas tão-só o depósito de um segundo ofício, sem que se encontre provado que o executado foi efetivamente citado, assinando, para o efeito, o respetivo aviso de receção”. Portanto, para o Recorrente não se mostra provado que “de facto, o executado tenha sido citado, porquanto dos autos não consta qualquer aviso de receção por si assinado e relativo aos PEFs aqui sindicados”.

Para mais, sublinha o Recorrente que “o não cumprimento das formalidades previstas para a citação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 192º, n.º 2 do CPPT e 228º, n.º 5 do CPC, faz incorrer em nulidade de citação”.

Do exposto resulta, na tese do Recorrente, que não teve lugar a citação pessoal e, uma vez que nos processos executivos em apreço se cobram coercivamente dívidas que tiveram origem em factos tributários que se reportam aos anos de 2009 a 2011, deve concluir-se que já decorreram os oito anos a que se reporta o artigo 48º da LGT, pelo que as dívidas mostram-se prescritas.

Vejamos, antes do mais e por partes, o discurso argumentativo seguido pela Mma. Juíza para concluir nos termos em que o fez.

Começou a sentença por fazer o enquadramento legal da questão em termos que aqui se reproduzem e que não vêm atacados pelo Recorrente, isto é, chamando à colação o disposto nos artigos 48º e 49º da LGT, nos termos dos quais:

“Artigo 48.º

Prescrição

1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.

3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.

(…)

Artigo 49.º

Interrupção e suspensão da prescrição

1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.

2 - (Revogado.)

3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

4 - O prazo de prescrição legal suspende-se:

a) Em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizados;

b) Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida;

c) Desde a instauração até ao trânsito em julgado da ação de impugnação pauliana intentada pelo Ministério Público.

d) Durante o período de impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente.

e) Na pendência de reclamação a que se refere o artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário quando desta resulte a impossibilidade de praticar atos coercivos no respetivo processo de execução;

f) Até ao termo do prazo de suspensão e cessação de efeito a que se refere o n.º 3 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5 - O prazo de prescrição legal suspende-se, ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença.”

Em causa estão, como resulta do probatório, dívidas de IRC e IVA, ou seja, um imposto periódico (IRC) e outro de obrigação única (IVA).

Assim, e tendo presente o disposto no artigo 48º da LGT, a sentença evidenciou que “no caso do imposto periódico, temos que o prazo de prescrição tem o seu termo inicial, nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da LGT, no termo do ano em que se verificou o facto tributário, o que corresponde in casu aos dias 31.12.2012 e 31.12.2013, uma vez que estamos perante dívidas reportadas, justamente, aos anos de 2012 e 2013.

No caso dos impostos de obrigação única, como é o caso do IVA, verifica-se pela leitura do já referido n.º 1 do artigo 48.º da LGT, que o termo inicial do prazo de prescrição é o início do ano civil seguinte ao da verificação do facto tributário, correspondente portanto aos dias 01.01.2011 e 01.01.2012, uma vez que estamos perante dívidas reportadas aos anos de 2010 e 2011”.

De realçar, desde já, que, sem prejuízo de se mostrar correta a apreciação teórica feita quanto ao termo inicial do prazo prescricional, a verdade é que a sentença se enreda numa confusão quanto aos períodos de imposto, já que, conforme consta do probatório, as dívidas exequendas respeitam a IRC de 2010 e de 2011 e a IVA de 2009, 2010 e 2011 (não incluindo, portanto, os anos de 2012 e 2013).

Feito este esclarecimento, avancemos para mais adiante retomarmos este ponto.

Assim, tendo em conta os termos iniciais dos prazos de prescrição das dívidas, tal como indicados, a sentença fez notar que, até ao presente momento, decorreram já os oito anos a que alude o n.º 1 do artigo 48.º da LGT, o que vale por dizer que, se o prazo de prescrição tivesse corrido sem interrupções ou suspensões, a prescrição das dívidas já se teria verificado. Efetivamente, assim é, independentemente de sentença não ter considerado a dívida de 2009 (em todo o caso, sempre anterior às que foram consideradas).

Contudo, como a decisão recorrida bem evidenciou, há que ter presente o disposto no “n.º 1 do artigo 49.º deste mesmo diploma legal (leia-se, LGT), de acordo com o qual, desde logo, a citação interrompe o prazo de prescrição”, facto que, segundo a Mma. Juíza a quo, e atenta a matéria de facto provada, assume natureza interruptiva da prescrição – lê-se na sentença, “a citação do responsável subsidiário é, no caso concreto, a única circunstância capaz de interromper o prazo de prescrição, uma vez que inexiste nos autos notícia da verificação de qualquer outro facto interruptivo ou suspensivo destes prazos de prescrição, seja reportado à devedora originária, seja ao Reclamante enquanto revertido”.

Ora, é precisamente quanto a este ponto – verificação da citação – que o Recorrente manifesta a sua clara discordância com o decidido, nos termos já expostos.

Retomando a decisão do TAF de Leiria, aí se lê que:

“Revertendo então ao caso concreto, e à citação que nos presentes autos foi levada a cabo, verificamos que resulta da al. b) do n.º 3 do artigo 191.º do CPPT que a citação do responsável subsidiário assume, sempre, a forma pessoal, podendo ler-se o seguinte no artigo 192.º deste diploma legal, a propósito das formalidades desta citação pessoal:

“1 - As citações pessoais são efetivadas nos termos do Código de Processo Civil, em tudo o que não for especialmente regulado no presente Código.

2 - No caso de a citação pessoal ser efetuada mediante carta registada com aviso de receção e este vier devolvido ou não vier assinado o respetivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.

3 - A citação considera-se efetuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.

(…)”

Ora, in casu, o órgão da execução fiscal levou a cabo a citação pessoal do devedor subsidiário através de correio registado com aviso de receção, tendo efetuado uma primeira tentativa de citação, através de ofício datado de 06.06.2017, sendo certo que tal ofício veio devolvido com a menção de Objeto não reclamado.

E, em respeito pela parte final do n.º 2 do artigo 192.º do CPPT, foi repetida a citação, através de novo ofício do qual constava específica menção à cominação do n.º 3 deste mesmo preceito legal, tendo esse ofício sido depositado na caixa postal do Reclamante em 05.07.2017, conforme indicado pelo distribuidor do serviço postal. Significa isto que esta citação se considera efetuada no oitavo dia posterior a esta data, e portanto no dia 13.07.2017, sem que conste dos autos qualquer elemento, ou o Reclamante produza qualquer alegação, no sentido de ilidir a presunção de citação que resulta deste normativo.

Regressando aos termos iniciais dos prazos de prescrição das dívidas que aqui se encontram em cobrança coerciva, facilmente verificamos que mesmo para a dívida mais antiga, correspondente à dívida de IVA referente ao ano de 2010 cujo prazo de prescrição começou a correr no dia 01.01.2011, a citação ocorrida em 13.07.2017 teve a virtualidade de interromper a sua prescrição, em respeito pelo disposto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT.

E a citação apresenta-se, em princípio, como um facto interruptivo duradouro da prescrição, por força do que dispõe o n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.06.2017, Proc. n.º 0639/17, disponível em www.dgsi.pt), o que implica a manutenção desta interrupção até à prolação de decisão final que ponha termo ao processo, o que ainda não ocorreu.

Mas mesmo que a citação não tivesse este efeito interruptivo duradouro que lhe é conferido pelo n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil, mas meramente um efeito instantâneo, sempre teria de atingir-se a mesma conclusão, que é a de que o prazo de prescrição destas dívidas ainda não ocorreu, uma vez que mesmo desde o dia 13.07.2017, data em que tem de considerar-se efetuada a citação do Reclamante, até ao momento presente, não decorreram ainda os oito anos a que se refere o n.º 1 do artigo 48.º da LGT.

Atento o exposto, e não se verificando a prescrição que é invocada pelo Reclamante, as decisões reclamadas não padecem dos vícios que lhes são assacados, nenhuma censura merecendo. Cumpre, destarte, julgar totalmente improcedente a reclamação e absolver a Fazenda Pública do pedido, tudo conforme a final se determinará”.

A questão que separa o entendimento da Mma. Juíza quo e do Recorrente – repete-se – prende-se com a efetivação da citação, a qual, este último, diz não se ter ocorrido de acordo com as regras legalmente exigidas, em concreto por inobservância do disposto no artigo 192º, nº 2 do CPPT.

O Recorrente não tem razão.

Consideremos o disposto nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 192º do CPPT, tendo presente que, de acordo com o nº 2, no caso de a citação pessoal ser efetuada mediante carta registada com aviso de receção (como aconteceu, cfr. nºs 2, 3, 11 e 12 dos factos provados) e este vier devolvido ou não vier assinado o respetivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal (o que corresponde ao circunstancialismo de facto em análise), então há que convocar a 2ª parte do mencionado nº 2, repetindo-se a citação, através do envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.

A cominação em causa refere-se ao disposto no nº3 do artigo 192º do CPPT, ou seja, a advertência relativa a considerar-se a citação efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. Isto é assim, sem prejuízo – claro, está – de poder ser feita prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.

De acordo com os factos provados, foi exatamente o que se passou, pois, como decorre dos pontos 4, 5, 13 e 14, o SF repetiu a citação, através de correio registado com AR, tendo sido deixado aviso no recetáculo postal. Mais, aliás. Analisando o teor dos ofícios com as segundas citações, às quais se reportam os nºs 4 e 13 dos factos provados, deles consta textualmente o seguinte: “Nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 192º do CPPT, a presente citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede, nos termos do estabelecido no artigo 43º do CPPT”.

Acresce que dos autos não consta (nem tal vem alegado) que tivessem ocorrido circunstâncias que impossibilitassem a comunicação da alteração do domicílio do revertido, ora Recorrente.

Assim sendo, tal significa que, como a Mma. Juíza a quo considerou, a citação tem que se considerar efetuada no 8º dia a contar da data em que foi deixado o aviso (dia 5/07/17, cfr. pontos 5 e 14 do probatório), ou seja, no dia 13/07/17.

É verdade que o aviso de receção que acompanhou o envio postal da segunda tentativa de citação não se mostra assinado, como realça o Recorrente. Contudo, isso não impede que, conforme decorre do nº 3 do artigo 192º do CPPT, a citação se considere efetuada no 8º dia a contar do dia 5/07/17, tendo em conta que foram observadas as formalidades prescritas no preceito em análise.

Por outro lado, o que dissemos relativamente à observância das regras previstas para a citação do responsável subsidiário afasta a verificação da nulidade da citação, tal como invocada neste recurso.

Aqui chegados, e considerando a citação ocorrida em 13/07/17, há que fazer o cômputo do prazo prescricional, levando em conta este facto interruptivo, sabido que a jurisprudência “reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC)” – vide, entre muito outros, o acórdão do STA, proferido no processo nº 02496/19.8BEBRG, de 13/01/21.

Vejamos, então, tendo presente o prazo de prescrição aplicável e o seu termo inicial, consoante a natureza e ano do imposto, tal como acima já ficou explicado.

Começando pela dívida mais antiga, de IVA de 2009.

Neste caso, temos que o prazo de prescrição, de 8 anos, teve o seu início em 01/01/10, ou seja, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. Se considerarmos um prazo contínuo, sem interrupções ou suspensões, temos que a prescrição ocorreria em 01/01/18. Contudo, pelas razões já expostas, há que atender à citação ocorrida em 13/07/17 que, interrompendo a prescrição (antes, portanto, de decorrer o prazo de 8 anos), produz os efeitos já referidos, desde logo, de inutilizar para a prescrição todo o tempo até então decorrido.

Se assim é para o IVA de 2009, assim é para as restantes dívidas, todas elas (quer de IVA, quer de IRC) mais recentes.

Como decidido nos despachos reclamados, as dívidas exequendas não se mostram prescritas. Portanto, sem prejuízo do ajustamento feito em relação à sentença (naquilo que mais parece um lapso de escrita) no que aos anos dos impostos respeita, a verdade é que, com esta fundamentação, o sentido do decidido pelo TAF de Leiria é de manter.

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, há que julgar improcedentes todas as conclusões da alegação do recurso e negar-lhe provimento. Mantém-se, pois, o decidido na sentença com a presente fundamentação.


*




III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença com a presente fundamentação.


Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 27/10/22


Catarina Almeida e Sousa

Lurdes Toscano

Isabel Fernandes