Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:555/22.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:TAXA
FORNECEDOR
REDES E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1.Com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, por força do regime consagrado no n.º 3, al. d) do artigo 43.º da Lei Geral Tributaria por aquele Lei introduzida no ordenamento jurídico-tributário, deixou de ser discutível a possibilidade de atribuição de juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

2.Não consagrando o n.º 3, al. d) do art.º 43.º da LGT como pressuposto necessário da atribuição de tais juros indemnizatórios uma prévia declaração de ilegalidade ou inconstitucionalidade das normas fundantes da liquidação pelo Tribunal Constitucional, nem exigindo o mesmo preceito que previamente haja uma pronúncia por parte desse mesmo Tribunal no caso concreto ou em casos semelhantes, o julgamento do Juiz do Tribunal Tributário que anula a liquidação impugnada após desaplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, as referidas normas, constitui fundamento bastante ao reconhecimento e atribuição dos juros indemnizatórios em apreço (art.º 43.º, n.º 3 al. d) da LGT, 204.º e 207.º da Constituição da República Portuguesa).
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

N……. W…………, S.A., Impugnante nos autos acima identificados, vem, na sequência do trânsito em julgado do douto Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) de 08.11.2023, e consequente cessação da interrupção do prazo de recurso prevista nos artigos 75.º/1 e 80.º/4 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), interpor Recurso da Sentença de 28.02.2023, na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da Impugnada no pagamento de juros indemnizatórios, para este Tribunal Central Administrativo Sul.

A Recorrente conclui as alegações assim:
« ( Texto no original)».

A Recorrida, ANACOM, apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
« ( Texto no original)».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Com dispensa dos vistos legais, dada a simplicidade das questões a dirimir, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se é necessário, para a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto ou uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; ou se basta a desaplicação da norma com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos semelhantes, mesmo que não digam respeito ao caso concreto em apreciação pelo Tribunal a quo.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consta factualmente da sentença recorrida:
«(texto no original».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como enunciamos já, a questão essencial a resolver é a de saber se é necessário, para a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto ou uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; ou se basta a desaplicação da norma com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos semelhantes, mesmo que não digam respeito ao caso concreto em apreciação pelo Tribunal a quo. Vejamos.

Dispõe o art.º 43.º da LGT, no segmento pertinente para a questão controvertida:
«Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) (…);
b) (…);
c) (…).
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4 – (…)»

A sentença recorrida, em apreciação incidental concreta de inconstitucionalidade recusou a aplicação das normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na parte em que determinam a incidência e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações electrónicas enquadrados no escalão 2, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP. E, por falta de suporte normativo, determinou a anulação total da impugnada liquidação da “taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, relativa ao ano de 2021, no valor de € 110.809,17.”.

Em seguimento, ao apreciar e decidir se a anulação com o fundamento indicado confere à impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, ponderou, nomeadamente, o que se destaca:
«
(…) no caso em apreço, a procedência do pedido de anulação decorre da recusa de aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade.

Constitui Jurisprudência pacífica que, estando a Administração Tributária sujeita ao princípio da legalidade - cfr. arts. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT – não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281º da CRP) ou se esteja perante a violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos liberdades e garantias (cfr. art 18º, nº 1, da CRP).

Assim, não podendo a errada consideração (no apuramento do imposto a pagar) de uma norma posteriormente julgada inconstitucional ser atribuída a ilegal conduta da Administração Tributária, também não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43º da LGT, por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável aos serviços – cfr., a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2017, proferido no processo 0471/14.

A Impugnante invoca a aplicabilidade do disposto na alínea d) do nº 3 do art. 43º da LGT, em vista da citada norma de aplicação no tempo.

No entanto, a questão foi já analisada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 2-02-2022, relativo ao processo 0107/17.5BEFUN, decidindo-se em sentido contrário.

Ali se explicita que as entidades administrativas estão subordinadas ao princípio da legalidade e não têm acesso direto à Constituição nos domínios onde existe pronúncia expressa do legislador para poder formular um juízo sobre a conformidade constitucional dessas normas legais, nem poder para as desaplicar (artigo 266.º, n.º 2 da CRP).

De facto, o acesso à Constituição e o poder de desaplicar normas com fundamento em inconstitucionalidade é uma reserva do poder judicial, nos termos do disposto no art. 204.º da CRP.

“(…) A desaplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, ao abrigo do artigo 204.º da CRP não é uma decisão que julgue a norma inconstitucional é apenas uma decisão de desaplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade. O julgamento da conformidade constitucional da norma é uma reserva da jurisdição constitucional, os demais tribunais apenas têm poder de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade.”

Face ao exposto, atendendo à Jurisprudência citada e convocando novamente o disposto no art. 8º, nº 3, do Código Civil, cumpre julgar improcedente o pedido de condenação da Entidade Impugnada no pagamento de juros indemnizatórios.».

Todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que a sentença cita não se mostra conforme com a jurisprudência mais recente daquele alto tribunal, que se tem vindo a consolidar no seguimento da alteração do regime de atribuição de juros indemnizatórios que ocorreu com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2009, de 1 de Fevereiro, que introduziu a mencionada alínea d) no n.º 3 do art.º 43.º da LGT.

Como se refere no Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 02/12/2025, tirado no Proc.º 01527/16.8BELRS,
«
Com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro no dia 2-2-2019, (conforme artigo 4.º desse diploma legal) o regime de atribuição de juros indemnizatórios sofreu uma grande alteração. Importa, para a situação que enfrentamos, a alteração emergente da introdução no artigo 43.º, n.º 3 da LGT da sua al. d), a qual passou a prescrever que são também devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. Ou seja, após a entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, a questão (controversa) de saber se a anulação da liquidação baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele acto tributário confere à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, ficou legislativamente resolvida.

3.2.5. E sendo esse o circunstancialismo que no caso, se verifica, já que subjacente ao julgamento de ilegalidade esteve o afastamento do regime julgado constitucionalmente desconforme pelo Tribunal a quo, carece de sentido invocar, no sentido de ser denegado o direito a juros indemnizatórios à Impugnante, a inexistência de acórdão julgando as normas em apreço inconstitucionais com força obrigatória geral ou a inexistência de qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto.

3.2.6. É verdade que a interpretação ou densificação da expressão «decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor» não tem obtido resposta uniforme por parte dos nossos Tribunais Superiores, havendo arestos em que a mesma foi interpretada e aplicada como reportando-se exclusivamente ao juízo de inconstitucionalidade realizado pelo Tribunal Constitucional e outros que a interpretaram e aplicaram como abrangendo todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo é feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do artigo 204.º da CRP.

3.2.7. Sendo, para nós, suficiente, para que haja reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios previsto na norma e diploma legais citados, que haja um julgamento de desaplicação da norma com fundamento na sua inconstitucionalidade proferido por um Tribunal Tributário no exercício da competência de fiscalização de constitucionalidade das normas, reconhecido no sistema constitucional português a todos os Tribunais (judiciais, administrativos e fiscais (artigos 204.º e 277.º da CRP) (…).

3.2.8. Aliás, mesmo que entendêssemos que o reconhecimento a juros indemnizatórios com base no regime consagrado no artigo 43.º, n.º 3, al. d) da LGT pressupunha, no mínimo, uma pronúncia do Tribunal Constitucional, a sentença sempre seria mantida, nos seus exactos termos, na ordem jurídica, uma vez que, importa recordar, é jurisprudência firme desta Secção e Tribunal que aquele reconhecimento se basta com uma pronúncia de inconstitucionalidade das mesmas normas em casos semelhantes, isto é, que não é necessário, nem um julgamento do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral nem uma pronúncia no caso concreto (vide, neste sentido, designadamente, os acórdãos proferidos nos processos n.º 107/17.5BEFUN, de 21-2-2022; 845/17.2BELRS, de 10-4-2024 e 697/14.4BELRS, de 11-7-2024, todos integralmente disponíveis para consulta integral em www.dgsi.pt.).

3.2.9. Acresce que (…) o Tribunal Constitucional já declarou essa inconstitucionalidade com força obrigatória geral: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, na parte em que determinam a incidência e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas enquadrados no ‘escalão 2’, por violação do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 266.º, ambos da Constituição da República Portuguesa» (Acórdão n.º 779/2024, de 20-10-2024 integralmente disponível para consulta em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240779.html).

3.2.10. Diga-se, por fim, que a circunstância de o imposto liquidado se reportar ao ano de 2015, ou seja, respeitar a ano anterior à entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, também não tem qualquer relevo, uma vez que, em conformidade com a norma transitória (artigo 3.º), o novo regime consagrado na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT aplica-se a todas as decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, desde que a liquidação tenha ocorrido após 1 de janeiro de 2011, como também é o caso que cuidamos de apreciar.». (sublinhados nossos).

Acolhendo integralmente a jurisprudência citada, é manifesto que a sentença recorrida, na parte impugnada, não pode manter-se na ordem jurídica por padecer do apontado erro de julgamento, sendo de reconhecer à impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, nos termos do art.º 61/5 do CPPT, não havendo que remeter a decisão para execução da sentença, uma vez que tais juros vinham peticionados no articulado inicial da impugnação judicial.

O recurso merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e reconhecer à impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente paga.

Custas a cargo da Recorrida.

Lisboa, 30 de Setembro de 2025


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Vital Lopes


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Ana Cristina Carvalho


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Ângela Cerdeira