Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1781/21.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:ART. 45.º N.º DA LGT
CADUCIDADE
ALARGAMENTO DO PRAZO
Sumário:I - Nos termos do art. 45.º n.º 5 da LGT, o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do mesmo artigo «é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano», nos casos em que «a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal»;

II - O alargamento do prazo de que dispõe a AT para exercer o direito à liquidação dos tributos previsto n.º 5 do artigo 45.º da LGT pressupõe uma mera coincidência factual objectiva não pressupondo uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, pelo que, no decurso do prazo alargado pode ter lugar a liquidação do tributo, sem necessidade de aguardar o desfecho daquele como corolário dos princípios da proporcionalidade, da eficácia e celeridade;

III - Também não é exigível, a par de uma identidade objectiva entre facto tributário e o facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto, operando o referido alargamento do prazo independentemente do conhecimento da instauração do processo-crime ou do conhecimento do próprio alargamento;

IV - A data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração;

V – O legislador adoptou a solução do alargamento do prazo de caducidade da liquidação do imposto respeitante a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, resolvendo a tensão entre os legítimos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes e o direito do Estado a obter a cobrança dos impostos devidos, igualmente digno de protecção, atendendo à complexidade geralmente associada à investigação da criminalidade tributária, com a necessidade de descoberta da verdade material e de prevenção das infracções tributárias e da prossecução da legalidade;

VI - O alargamento do prazo não se pode considerar, assim, violador do princípio da proporcionalidade, na exacta medida em que a restrição resultante de tal alargamento foi ditada apenas para os casos mais graves, de criminalidade económica, a exigir medidas como a adoptada, sendo, ademais, o alargamento do prazo limitado no tempo.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A sociedade G......., LDA., com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida em 23 de Janeiro de 2023 pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, no âmbito da impugnação judicial, por si deduzida, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3255202004007522, interposta contra as liquidações adicionais de IVA, devidamente identificadas nos autos e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas, respeitantes aos exercícios dos anos de 2013, 2014 e 2015,
julgou a impugnação judicial parcialmente procedente e, por conseguinte, anulou os actos tributários impugnados relativos a 2013, «(…) IVA e respetivos juros compensatórios;», improcedendo quanto aos actos tributários e respectivos juros compensatórios relativos a 2014 e 2015.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«A) Na presente impugnação judicial discute-se a legalidade dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios (e correspondentes demonstrações de acerto de contas), respeitantes aos exercícios de 2013, de 2014 e de 2015, praticados pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência de correções promovidas no âmbito das ações inspetivas levadas a efeito ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI201700433, OI201700434 e OI201704535, respetivamente.

B) Contrariamente ao invocado pela Recorrente, o Tribunal a quo considerou que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação do IVA referente aos anos de 2014 e de 2015, uma vez que, no decurso dos correspondentes prazos de 4 anos, foram instaurados procedimentos criminais com referência aos factos que deram origem a tais liquidações.

C) Relativamente aos vícios de substância apontados pela Recorrente, o Tribunal a quo julgou a impugnação improcedente.

D) Assim, no que respeita à correção relativa às transmissões intracomunitárias de bens, tituladas pelas faturas emitidas pela Recorrente à sociedade espanhola B....... no ano de 2014, o Tribunal a quo entendeu que, atenta a prova produzida nos Autos, a Recorrente não logrou provar a saída de bens do território nacional, «ónus que lhe pertence porquanto se trata de enquadrar determinada venda como isenta de IVA, nos termos do artigo 14.º do RIT».

E) Quanto à dedução do IVA liquidado nas diversas faturas emitidas por terceiras entidades à Recorrente nos anos de 2014 e de 2015, o Tribunal a quo considerou tal se encontrava inviabilizado pelo disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º do Código do IVA, dado que, existindo fortes indícios de que tais faturas não correspondiam a operações reais, a Recorrente não logrou «provar a realização das operações descritas nas faturas por aqueles emitentes».

F) A sentença recorrida enferma de erros sobre a matéria de facto, quer por não ter selecionado e dado como provados todos os factos relevantes, quer por erro de julgamento quanto aos factos que considerou não provados.

G) Com efeito, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos Autos, além dos factos especificados na decisão sobre a matéria de facto, devia o Tribunal a quo ter selecionado e ter considerado como provados outros factos que eram, também, relevantes para a apreciação da ação e que permitiriam chegar a conclusão diversa da que foi tomada quanto à questão da caducidade do direito à liquidação, bem como quanto ao IVA que foi deduzido pela Recorrente nos períodos de 2014 e de 2015.

H) Atenta a sua relevância para a decisão da causa, devem ser aditados à decisão sobre a matéria de facto e ser dados como provados os seguintes factos:

(i) No Relatório de Inspeção é expressamente referido que «As ordens de serviço mencionadas visaram o controlo declarativo em sede de IRC e IVA, nomeadamente no que respeita a operações relacionadas com fornecedores e transmissões intracomunitárias de bens. (…) Perante a existência de indícios da prática de ilícitos criminais de natureza fiscal e/ou tributária descritos, foi instaurado e comunicado ao Ministério Público competente, o processo de inquérito n.º 210/18.4IDLSB» (cf. página 7 do Relatório de Inspeção Tributária);

(ii) No que respeita às faturas emitidas pela Recorrente à sociedade B....... S.L., a Administração tributária indicou que «O sujeito passivo não deu cumprimento à notificação efectuada, não comprovando assim a expedição dos bens do território nacional com destino a outro Estado-membro. (…) Pelo exposto, não podem as transmissões serem isentas de IVA nos termos da alínea a) do art.º 14º do RITI, devendo por esse facto, e para efeitos de tratamento em sede de IVA, ser consideradas como operações / transmissões internas, e por consequência, sujeitas a imposto» (cf. página 52 do Relatório de Inspeção);

(iii) No capítulo III.6 do seu Relatório, a Administração tributária indica o seguinte: «A acrescer ao exposto e nos termos do ponto III.2.3. do presente relatório, as transmissões intracomunitárias não podem ser consideradas isentas nos termos da alínea a) do artigo 14º do RITI, devendo assim ser apurado o imposto exigível na data da emissão das faturas, conforme disposto nos artigos 1.º e 8.º do Código do IVA e aplicada a taxa de IVA aplicável à data» (cf. página 84 do Relatório de Inspeção);
(iv) No capítulo VII do seu Relatório de Inspeção, a Administração tributária afirma o seguinte: «No decurso do procedimento de inspeção, foram detetadas as seguintes infrações fiscais (…)

(v) E no capítulo VIII do mesmo Relatório é mencionado que «Perante a existência de indícios da prática dos ilícitos criminais de natureza fiscal e/ou tributária descritos, foi instaurado e comunicado ao Ministério Público competente, o processo de inquérito n.º 210/18.4IDLSB» (cf. p. 88 do Relatório de Inspeção);

(vi) A Recorrente só tomou conhecimento da existência dos inquéritos criminais n.ºs 210/18.4IDLSB e 307/19.3IDLSB em 16 de julho de 2019, altura em que foi constituída arguida conjuntamente com o seu gerente (facto não controvertido e também decorrente dos Docs. 141 e 142 da p.i.);

(vii) Para além de funcionar como restaurante, o estabelecimento G.......tinha também outros eventos.

(viii) Para a realização dos eventos e festas que a Recorrente organizava (eventos temáticos, festas de empresas, ativação de marcas e eventos privados) era necessário reforçar a equipa, uma vez que os funcionários do restaurante não eram suficientes/adequados para esse tipo de serviços (cf. depoimento de D........- minutos 00:30:05 a 00:30:48 e minutos 00:40:00 a 00:40:50 - e depoimento de E........ - minutos 01:03:51 a 01:04:25; 01:07:06 a 01:08:51 e 01:17:48 a 01:18:32);

(ix) A organização dos eventos era feita por relações públicas que tinham as suas empresas, conheciam a noite e que os promoviam. Eram terceiros contratados pela Recorrente que se responsabilizavam pela organização. (cf. depoimento de E........– minutos 01:04:50 a 01:06:22)

(x) Eram os relações públicas contratados pela Recorrente que tratavam da contratação dos serviços e do pessoal adicional (cf. depoimento de D........– minutos 00:30:50 a 00:31:15 - e E........ – minutos 01:07:06 a 01:09:32, e minutos 01:10:50 a 01:11:04);

(xi) Ao rececionista e trabalhadores da Recorrente era só passada a informação de que iria existir uma festa e do modo como a mesma iria decorrer (cf. depoimento de D........– minutos 00:31:27 a 00:31:40 e minutos 00:36:00 a 00:36:44);

(xii) Na ocasião das festas ou eventos, as pessoas que iam participar nesses mesmos eventos – bailarinas, Djs, promotores e outros – identificavam-se como vindo para trabalhar e algumas vezes indicavam que vinham de determinada entidade (cf. depoimento de D........– minutos 00:31:41 a 00:32:19 e minutos 00:36:40 a 00:36:45);

(xiii) O relações públicas passava ao rececionista do restaurante da Recorrente o layout das festas e o nome das pessoas que iriam participar e a função que iam exercer (cf. depoimento de D........– minutos 00:32:20 a 00:33:33);

(xiv) Era comum serem feitos pagamentos em dinheiro diretamente aos participantes na festa nos anos de 2013 a 2015, sendo o dinheiro entregue pelo rececionista do restaurante no final da noite (cf. depoimento de D........– minutos 00:37:00 a 00:37:22);

(xv) Os pagamentos que eram realizados estavam, previamente, definidos no início dos eventos e era indicado pelo relações públicas o valor a entregar a cada pessoa (cf. depoimento de D........– minutos 00:37:22 a 00:37:40 e E........ – minutos 01:09:55 a 01:10.16);

(xvi) As instruções pontuais sobre o funcionamento do restaurante, nomeadamente o horário, podiam ser dadas pelo rececionista do restaurante da Recorrente, mas a função que cada um desempenhava concretamente já estava pré-determinada e a pessoa já sabia o que ia fazer (cf. depoimento de D........– minutos 00:33:34 a 00:34:03);

(xvii) Quem dava as indicações no local ao pessoal que vinha trabalhar nos eventos era o relações públicas ou gerente do restaurante à data (cf. depoimento de D........– minutos 00:34:10 a 00:34:40);

(xviii) As pessoas que participavam nos eventos, principalmente ao fim-de-semana, não eram sempre as mesmas, iam variando consoante o evento (cf. depoimento de D........– minutos 00:34:30 a 00:35:12);

(xix) O escritório do restaurante (concretamente a testemunha E........) solicitava ao rececionista que fosse ao banco depositar cheques e proceder ao levantamento de valores monetários com base em cheques ao portador emitidos pela Recorrente (cf. depoimentos de D........– minutos 00:37:45 a 00:38:35 e de E........ – minutos 01.16.38 a 01.16.54 e minutos 01:30:00 a 01:30:50);

(xx) Os valores levantados ao balcão com base em cheques emitidos ao portador eram, posteriormente, entregues no escritório da Recorrente (cf. depoimentos de D........– minutos 00:38:35 a 00:40:00 e de E........ – minutos 01:07:06 a 01:09.32 e 01.31.00 a 01:32:00);

(xxi) Também eram realizados pagamentos no escritório em momento posterior, feitos pela testemunha E........, solicitados pelos relaçõespúblicas responsáveis pelos eventos (cf. depoimento de E........ – minutos 01:09:30 a 01:09:58; 01:10:10 a 01:11:40; 01.14.24 a 01:16:20 e 01:31:50 a 01:32:09);

(xxii) À data, havia fornecedores que eram pagos por cheque e outros em numerário de acordo com a solicitação dos mesmos (cf. depoimento de E........ – minutos 01:32:15 a 01:32:40);

(xxiii) Uma das pessoas que tratava da organização de eventos e que disponibilizava recursos era o empresário identificado como “I........”, que estava relacionado com a empresa “O........” e com outras indicadas no Relatório de Inspeção (cf. depoimento de E........ – minutos 01:34:31 e 01:37.00).

I) Se tivesse selecionado e dado como provados os factos acima indicados, o Tribunal a quo teria tomado decisão diversa quanto à caducidade do direito à liquidação do IVA nos anos de 2014 e de 2015.

J) Mais: se tivesse dado como provados os elementos concretos que constam do Relatório de Inspeção e que foram acima indicados, o Tribunal a quo não teria - erradamente - concluído que «o processo criminal n.º 210/18.4DLSB pode, em abstrato, contemplar as correções relativas às TICB», e, nessa medida, não teria admitido o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação relativamente a factos que, manifestamente, não tinham identidade com os factos objeto da investigação criminal.

K) Importa, também, salientar que, se o Tribunal a quo tivesse dado como provados os factos que a Recorrente pretende que sejam aditados - e que se encontram suportados por prova testemunhal -, não teria concluído que a Recorrente não logrou provar que foram realizadas as operações descritas nas faturas emitidas por referência aos anos de 2014 e de 2015, particularmente as faturas que foram emitidas pelas entidades E........, Lda, A........, Lda e O........, Lda.

L) Na verdade, atendendo ao procedimento concreto que foi descrito pelas testemunhas e ao facto de todas confirmarem a existência de eventos e festas, bem como a participação nas mesmas de pessoal externo à Recorrente, o Tribunal a quo errou ao considerar que a Recorrente não logrou demonstrar que foram efetivamente prestados os serviços titulados pelas faturas emitidas em 2014 e 2015, pelos fornecedores E........, Lda, A........, Lda e O........ Lda.

M) O Tribunal a quo errou também ao considerar que não se provou que a Recorrente procedeu ao pagamento das faturas indicadas nos RIT, já que existem elementos no processo (declaração escrita do gerente destas entidades) que confirmam que as faturas emitidas pelos fornecedores E........, Lda, e A........, Lda foram oportunamente pagas (cf. cits. Docs. 152 e 153 da p.i.).

N) Em face da prova produzida, impunha-se concluir que:

(I) Os serviços titulados pelas faturas emitidas em 2014 e 2015, pelos fornecedores E........, Lda, A........, Lda e O........, Lda foram prestados à Recorrente;

(II) as faturas emitidas pelos fornecedores E........, Lda, e A........, Lda foram oportunamente pagas pela Recorrente.

O) Não o tendo feito, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto, devendo ser alterada no sentido de serem aditados à matéria de facto e dados como provados os factos indicados na alínea H) supra, sendo, igualmente, considerado como demonstrados os factos indicados na alínea N).

P) Para além dos erros de facto, a sentença recorrida enferma também de erros de julgamento quanto à matéria de direito.

Q) Quanto à invocada caducidade do direito à liquidação, importa fixar que o instituto da caducidade constitui uma garantia do contribuinte, fundada no princípio constitucional da segurança jurídica, que, por seu turno, se encontra sujeita ao princípio da legalidade tributária previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual se proíbe a existência de uma situação indefinida de pendência do direito da Administração tributária a liquidar o imposto.

R) Como bem referem JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, GONÇALO BULCÃO, JOSÉ RAMOS VIDA e MARIA JOÃO MENEZES, «[o] instituto da caducidade visa precisamente introduzir um factor de estabilidade e previsibilidade na relação jurídico-tributária. O propósito último é o de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos tributos que lhe sejam eventualmente devidos de modo a que, quer o sujeito passivo, quer eventuais terceiros, saibam com o que podem contar, assim promovendo os valores da certeza e segurança do comércio jurídico. […] A caducidade é o prazo considerado razoável e suficiente para que a administração tributária desempenhe as suas funções de controlo, inspeção e verificação do cumprimento das obrigações tributárias dos sujeitos passivos, por forma a que o tributo a pagar corresponda ao que efetivamente se mostre devido em face do facto gerador que foi produzido. Nesta linha, a caducidade sanciona a ineficiência da administração tributária» (cf. in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, p. 401).

S) A Recorrente alegou que se verificou a caducidade do direito à liquidação do IVA referente aos anos de 2014 e de 2015, uma vez que apenas foi notificada dos atos de liquidação referentes a esses períodos em março de 2020.

T) Porém, na sentença recorrida, o Tribunal a quo, entendeu o seguinte:

«aplicando a jurisprudência citada ao caso concreto, designadamente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado,

Uma vez que, os processos de inquérito n.º 210/18.4IDLSB e n.º 307/19.3IDLSB, foram instaurados dentro dos 4 anos, contados a partir de 01/01/2015 e 01/01/2016,

Ao caso concreto e relativamente aos anos de 2014 e 2015, é aplicável o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

Ou seja, no caso concreto, o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal: utilização de faturação falsa; pelo que o prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Encontrando-se o processo crime suspenso, o mesmo ainda não transitou em julgado, data à qual acrescerá um ano, para efeitos da contagem do prazo de caducidade.

Por conseguinte, no caso concreto, relativamente aos anos de 2014 e 2015, não ocorreu a caducidade do direito à liquidação do IVA relativo aos períodos de 2014 e 2015, ora impugnados».

U) Sucede que o alargamento do prazo de caducidade, previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, deverá aplicar-se, apenas, às situações em que a Administração tributária está impossibilitada de liquidar/apurar o imposto em falta antes de ser emitida uma decisão no âmbito do processo criminal em curso, por essa liquidação estar, de alguma forma, dependente da qualificação e/ou quantificação criminal de determinados factos tributários que será realizada no âmbito desse processo criminal.

V) Ora, resulta demonstrado nos Autos que os Serviços de Inspeção Tributária não consideraram estar dependentes da conclusão dos procedimentos criminais instaurados contra a Recorrente para liquidar os impostos que consideravam devidos, tendo, de resto, avançado com a liquidação desses impostos antes do desfecho de tais procedimentos.

W) Nestes termos, deveria o Tribunal a quo ter concluído que não ocorreu qualquer alargamento dos prazos de caducidade, pelo que, no momento em que foram emitidos e notificados os atos de liquidação referentes aos anos de 2014 e de 2015, já se encontrava caducado o direito da Administração tributária, sendo tais atos ilegais. Não tendo assim decidido, a sentença recorrida enferma de erro de direito, por violação do disposto no artigo 45.º da LGT.

X) A Recorrente não desconhece o entendimento que os Tribunais Superiores têm vindo a veicular, no sentido de que basta que seja instaurado o procedimento criminal quanto aos mesmos factos para que se produza o alargamento do prazo de caducidade.

Y) Contudo, salvo o devido respeito, constituindo o instituto da caducidade uma garantia fundamental do contribuinte, a limitação do seus direitos, liberdades e garantias só pode ocorrer em casos excecionais, não podendo admitir-se, sob pena de violação dos princípios do Estado de Direito Democrático e da proporcionalidade (previstos nos artigos 2.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa), que a Administração tributária beneficie desse alargamento de prazo quando ela própria considera ter todas as condições para apurar a dívida tributária – o que sucedeu no caso em apreço.

Z) Acresce que, mesmo admitindo que a instauração de procedimento criminal é suscetível de alargar o prazo de caducidade do direito à liquidação, não pode aceitar-se que esse alargamento do prazo possa ocorrer sem conhecimento – e, portanto, controlo – por parte do contribuinte.

AA) De facto, ainda que a instauração de procedimento criminal possa provocar esse efeito de alargamento e correlativa restrição ou condicionamento da garantia constitucional de que o contribuinte dispõe, parece evidente que essa restrição só poderá ter eficácia a partir do momento em que o contribuinte tome conhecimento da mesma, sob pena de evidente violação do disposto nos artigos 2.º e 18.º da Constituição da República.

BB) Assim é porque tendo o instituto da caducidade como propósito estabelecer um prazo razoável para que o Estado possa exercer o seu direito a liquidar impostos, garantindo, por contrapartida, ao contribuinte que, após o decurso desse prazo, a sua situação jurídico-tributária se encontra definitivamente definida, é curial admitir que não pode ser apenas o Estado o único a ter a prorrogativa de controlar esse prazo.

CC) De resto, se para efeitos criminais (e o alargamento do prazo de caducidade está, nestes casos, diretamente relacionado com a prescrição do procedimento criminal, posto que de acordo com o previsto no artigo 21.º, n.º 3, do RGIT, «[o] prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação»), a suspensão do prazo de prescrição por se encontrar pendente procedimento criminal só ocorre com a notificação da acusação (cf. 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal) - precisamente para garantir que o particular se encontra na posse dos elementos necessários para saber (e aceitar) a restrição dos seus direitos, liberdades e garantias -, é evidente que também deve ser exigido que o contribuinte tome conhecimento da existência de procedimento criminal para que o alargamento do prazo de caducidade possa ser eficaz contra si.

DD) Neste contexto, sob pena de violação do disposto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, o disposto no artigo 45.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária deve ser interpretado no sentido de que esse alargamento do prazo de caducidade pressupõe que tenha sido dado conhecimento ao contribuinte do facto que justifica tal alargamento, ou, melhor dizendo, do facto que restringe ou condiciona a sua garantia.

EE) Aqui chegados, entende a Recorrente que, no caso em apreciação, tal efeito só poderia limitar-se ao prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA do período de 2015.

FF) Na verdade, a Recorrente só teve conhecimento de que tinha sido instaurado o inquérito criminal n.º 210/18.4IDLSB (e de que no mesmo se investigava a prática do crime de fraude fiscal por utilização de faturas que corresponderiam a operações fictícias) no dia 16 de julho de 2019, altura em que foi constituída arguida (cf. factos indicados nos pontos G e I da decisão sobre a matéria de facto e facto que a Recorrente entende que deve ser aditado à mesma decisão).

GG) Ora, nessa altura já se encontrava decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA de 2014, pelo que a notícia da pendência de procedimento criminal não era suscetível de ter qualquer impacto no prazo que já não estava a decorrer.

HH) Acresce que, embora não tenha informado a Recorrente da existência dos inquéritos criminais, em concreto do inquérito relativo ao exercício de 2014, muito antes dessa data que a Administração tributária sabia da sua existência (tanto mais que foi a própria Administração tributária a instaurar o procedimento criminal), pelo que, não tendo comunicado tal facto à Recorrente, não pode beneficiar de qualquer efeito de alargamento do prazo de caducidade.

II) Em face de tudo quanto ficou exposto, entende a Recorrente que o prazo de caducidade referente ao ano de 2014 não pode considerar-se como alargado nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LGT, sob pena de violação do disposto nas normas supra identificadas e dos direitos, liberdades e garantias dos contribuintes, concretamente dos princípios constitucionais da certeza e segurança jurídicas e da proporcionalidade.

JJ) Na verdade, como já se disse, a interpretação segundo a qual a mera instauração de procedimento criminal permite o alargamento de um prazo que constitui uma garantia do contribuinte sem que se exija que este seja notificado, ou, sequer, tome conhecimento do facto – procedimento criminal – que produz tal efeito, coloca, necessariamente, o contribuinte numa situação de incerteza quanto à sua situação tributária, sem que exista qualquer justificação atendível para a supressão ou condicionamento dessa garantia constitucional.

KK) Em suma: não tendo a Recorrente sido notificada de qualquer diligência, ou sido constituída arguida, no âmbito do processo de inquérito referente ao ano de 2014, dentro do prazo de 4 anos contado de 1 de janeiro de 2015, é evidente que a instauração desse procedimento criminal não pode produzir o pretendido efeito de alargamento do prazo de caducidade, sendo, por consequência, ilegais aos atos de liquidação de IVA referentes aos diversos períodos de 2014.

LL) Tendo em consideração tudo o que antecede, a Recorrente peticiona a VV. Exas. a declaração da inconstitucionalidade material do artigo 45.º, n.º 5, da LGT, por violação dos artigos 2.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de incluir no âmbito da suspensão do prazo de caducidade aí regulada os casos em que: (i) o desfecho do respetivo inquérito criminal não seja necessário – ou sequer relevante – para a liquidação dos tributos em causa; e, bem assim, (ii) em que o respetivo inquérito criminal não é notificado – ou, por qualquer outra forma, comunicado – ao contribuinte, impedindo-o de conhecer e de se conformar com a restrição dos seus direitos, liberdades e garantias resultante da referida suspensão do prazo de caducidade (tal como sucedeu, manifestamente, na situação da Recorrente).

MM) Em consequência da inconstitucionalidade material do artigo 45.º, n.º 5, da LGT, na dimensão normativa acolhida nos presentes autos pelo Tribunal a quo, deverão VV. Exas. concluir que o prazo de caducidade referente aos anos de 2014 e de 2015, aqui em discussão, não foi alargado nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LGT, razão pela qual a sentença recorrida padece de evidente erro de direito, devendo, em conformidade, ser revogada.

NN) Sem prejuízo do que acima se afirmou, mesmo que se admitisse que o prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA do ano de 2014 devia considerar-se como alargado, por ter sido instaurado o procedimento criminal n.º 210/18.4IDLSB, a verdade é que o Tribunal a quo errou ao considerar «Entende-se que o processo de inquérito criminal n.ºs 210/18.4IDLSB pode, em abstrato, contemplar também as correções relativas às TICB».

OO) Com efeito, de acordo com o previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, o alargamento do prazo de caducidade depende de se encontrarem reunidos os seguintes requisitos:

(iv) Tenha sido instaurado um inquérito criminal;

(v) Esse inquérito diga respeito a factos com relevância criminal e tributária, i.e., a factos que sejam, simultaneamente, passíveis de subsunção em normas de incidência tributária e em normas de tipificação criminal (vd., neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 31-01-2019, no processo n.º 999/13.7BEALM); e

(vi) Esse inquérito criminal verse sobre os mesmos factos que são objeto do procedimento de inspeção tributária.

PP) A respeito deste último requisito regista-se que, no Acórdão proferido em 01-10-2014, proferido no processo n.º 0178/14, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que «[a] contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos» e, bem assim, que o Senhor Procurador Geral Adjunto sublinhou que «tem que haver uma correspondência entre os factos objecto de investigação no processo-crime e os factos que constituíram fundamento para as correcções que deram origem à liquidação adicional» - cf. no mesmo sentido, vd. Acórdão proferido, em 1-01-2012, no processo n.º 00670/08.1BEBRG, no qual o Tribunal Central Administrativo Norte concluiu que «para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à(s) liquidação(ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal». Também o Tribunal Central Administrativo Sul deliberou no mesmo sentido no Acórdão de 28-10-2021, proferido no processo n.º 1659/17.5BELRA.

QQ) Ora, resulta claramente do Relatório de Inspeção que a Administração tributária realizou correções em sede de IVA que não se encontram relacionadas com a matéria em investigação criminal e que não têm qualquer relevância nesse âmbito. O mesmo é também percetível da informação prestada pelo Ministério Público nos Autos, nos termos da qual se indica que os inquéritos nº 210/18.4IDLSB e n.º 307/19.3IDLSB foram instaurados com base no facto de a Recorrente ter deduzido imposto nos anos de 2013 a 2015 com referência a operações simuladas, tituladas por faturas falsas.

RR) Salienta-se também que o Tribunal a quo afirma, em outro segmento da sentença, que «no caso concreto, o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal: utilização de faturação falsa; pelo que o prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano».

SS) Assim, não podia o Tribunal a quo considerar que, em abstrato, esse processo também incluiria as faturas referentes a operações intracomunitárias, já que não existe nos Autos qualquer indício que permita tal conclusão.

TT) De resto, configurando o alargamento do prazo de caducidade uma restrição de uma garantia do contribuinte, nos termos atrás mencionados, cumpria ao Tribunal indagar (se existissem dúvidas), sob pena de défice instrutório, concretamente se estas operações estavam, ou não, a ser investigadas no procedimento criminal.

UU) Porém, não só tal não foi feito, como o Tribunal a quo afirmou, claramente, que o Ministério Público informou que no inquérito criminal se encontrava em investigação crimes de fraude fiscal por a Recorrente ter utilizado e deduzido imposto respeitante a operações fictícias.

VV) Para além disso, resulta dos factos que se pretendem que sejam aditados à decisão da matéria de facto que a Administração tributária fez uma clara distinção entre as infrações que poderiam ter relevância criminal e as que, em seu entender, não tinham, tendo sido a mesma a participar a dar início ao procedimento criminal.

WW) Reforça-se, ainda, a esse respeito que, no que se reporta às transmissões intracomunitárias de bens (que a Administração tributária considerou não estarem abrangidas pela isenção de IVA), não foi colocada em causa a realidade e efetividade das mesmas. De resto, se fosse esse o caso, a Administração tributária teria também procedido a uma correção em sede de IRC, uma vez que teria que desconsiderar o proveito associado a tais transmissões – o que, manifestamente, não foi feito.

XX) Dito isto e considerando a divisibilidade da liquidação, impunha-se ao Tribunal a quo considerar que o alargamento do prazo previsto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT apenas poderia ser aplicado ao imposto correspondente à correção respeitante às operações simuladas, anulando, assim, parcialmente, os atos de liquidação de IVA e juros compensatórios respeitantes aos períodos de 2014/09T e 2014/12T.

YY) Não o tendo feito, a sentença recorrida viola o disposto no mencionado preceito legal, impondo-se, por isso, a sua revogação, neste segmento, e a anulação daqueles atos tributários, por caducidade.

ZZ) Sem prejuízo do vício de forma acima indicado, também se impunha a anulação dos atos de liquidação de IVA, por erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito.

AAA) A este respeito recorda-se que, quanto ao IVA deduzido pela Recorrente nos anos de 2014 e de 2015, o Tribunal a quo considerou que foi demonstrado pelos Serviços de Inspeção que existiam indícios suficientes para concluir esse IVA dizia respeito a operações fictícias, tendo, também, concluído que a Recorrente não logrou demonstrar que os serviços titulados pelas faturas emitidas pelas entidades identificadas pela Inspeção Tributária «correspondem a operações reais, ou seja, que aqueles serviços foram efetivamente realizados por aquelas sociedades».

BBB) Contudo, no que em concreto se refere ao IVA deduzido, em 2014 e em 2015, por referência às faturas que foram emitidas pelas sociedades A........, Lda, E........, Lda e O........, Lda, tal decisão enferma de erro de facto e de direito.

CCC) Com efeito, se se poderá admitir – apenas para efeito do presente recurso -, que a prova produzida seria parca para permitir ao Tribunal verificar, com certeza, que as faturas emitidas pelos demais operadores correspondiam a operações reais - por considerar que não se estabeleceu uma correlação entre os serviços indicados, o momento que foram prestados e a atividade da Recorrente -, o mesmo não podia ser concluído quanto aos operadores supra indicados.

DDD) De facto, resulta do teor do Relatório de Inspeção que a sociedade A........, Lda emitiu, em 2014, faturas que totalizam o valor de € 371.470,00, e que as mesmas tinham como descritivo a organização de eventos/festas, dos meses de março, abril, maio e setembro, designadamente.

EEE) Também resulta dos Autos que a Recorrente deduziu IVA com referência às faturas que lhe foram emitidas pela sociedade E........, Lda, no valor global de € 282.900,00, sendo indicado no Relatório de Inspeção que tais faturas tinham como descritivo a prestação de serviços de análise e monotorização da plataforma blogs, o apoio na organização dos eventos Champions, bem como a organização e produção dos eventos de junho, agosto e outro, designadamente.

FFF) Com a petição inicial, a Recorrente juntou aos Autos, a título de exemplo, documentos (impressões) de várias plataformas informáticas em que se encontram publicitados os serviços prestados no seu restaurante, designadamente as fotos e flyers de eventos realizados nos meses de maio de 2014 e de setembro de 2014 (entre outros) e a listagem de faturas por si emitidas a diversos clientes respeitantes a eventos realizados no ano de 2014 (cf. Doc.s 148 a 151 da p.i.).

GGG) A Recorrente juntou, ainda, aos Autos cópias certificadas das Declarações emitidas por V........ (com a assinatura notarialmente reconhecida) - gerente daquelas sociedades -, nas quais o mesmo confirma, sob compromisso de honra, que os serviços indicados nas faturas emitidas à recorrente no ano de 2014 foram prestados, bem como que os valores indicados nessas faturas foram oportunamente recebidos (cf. Docs. 152 e 153 da p.i.).

HHH) Para além desses elementos, a prova testemunhal produzida nos Autos permitiu apurar que, à data dos factos, além de explorar diariamente o seu restaurante, a Recorrente tinha como atividade a organização de eventos e festas com serviços de restauração, bebidas e catering, nesse espaço ou em espaços fora do seu estabelecimento. Nas festas e eventos que organizava, a Recorrente disponibilizava serviços diversos, incluindo catering e serviço de mesa e tinha a participar outros profissionais, nomeadamente, DJs, bailarinas, hostesses, animadores, barmans, decoradores, maquilhadores, floristas, entre outros.

III) Todas as testemunhas inquiridas confirmaram que a Recorrente não dispunha, na sua estrutura empresarial, de colaboradores suficientes para garantir o funcionamento diário do identificado restaurante e, simultaneamente, prestar os serviços de organização de eventos e festas acima indicados.

JJJ) Foi referido pelas testemunhas que, para poder prestar os serviços de organização de eventos e festas, a Recorrente recorria a entidades/pessoas externas para garantir a prestação destes serviços completos para os quais era contratada. Foi, também, mencionado que eram contactadas pessoas/entidades que trabalhavam no sector da organização e da divulgação de eventos, de relações públicas e de marketing, os quais, por seu turno, tratavam da organização concreta dos eventos, diligenciavam a disponibilização de staff, davam instruções ao staff disponibilizado e, ainda, davam as indicações do modo como deveriam ser feitos os pagamentos aos diversos intervenientes.

KKK) A testemunha E........(cf. testemunho a partir de 0:54:58) confirmou, também, que as faturas de fornecedores relativas à prestação de serviços de organização de festas e eventos eram enviadas pelos fornecedores diretamente para a contabilidade da Recorrente. Mais confirmou que, além dos pagamentos em dinheiro que eram feitos a alguns dos participantes nos eventos no dia do evento, a gerência solicitava a emissão de cheques para pagamento a esses fornecedores, sendo feitos também pagamentos em numerário na sequência da emissão de cheques que eram levantados ao balcão e que esse procedimento era comum, à época, neste tipo de atividade.

LLL) Foi também mencionado no Relatório de Inspeção que as faturas emitidas por estes fornecedores se encontravam comunicadas à Administração tributária através do sistema e-fatura.

MMM) Em face de todos estes elementos e testemunhos, o Tribunal a quo deveria feito uma apreciação conjunta e integrada dos mesmos e ter concluído que os serviços titulados pelas faturas emitidas pelas sociedades A........, Lda e E........, Lda foram prestados, dado que os mesmos se encontram relacionados com os eventos que ocorreram nos anos de 2014 e de 2015 e que foram publicitados, nessa altura, pela Recorrente.

NNN) Acresce que o gerente das sociedades fornecedoras confirmou que os serviços mencionados nas faturas emitidas por essas entidades foram prestados à Recorrente e que o pagamento das faturas foi realizado oportunamente por esta.

OOO) Ora, esta confirmação feita pelo gerente das sociedades deveria ter sido devidamente relevada pelo Tribunal a quo, tanto mais que a mesma é coincidente e corroborada pelo testemunho das testemunhas arroladas, em particular pelo indicado pela testemunha E.........

PPP) Importa, também, salientar que a testemunha E........ indicou conhecer um empresário, de nome “I........”, que relacionou com a sociedade O........, Lda, tendo confirmado que o mesmo era também responsável por organizar alguns dos eventos que eram realizados pela Recorrente e que era próximo do gerente e do pai do mesmo.

QQQ) Neste contexto, tendo em conta que a referida sociedade também emitiu faturas que se reportam a serviços de catering, gestão de pessoal especializado e organização de eventos no ano de 2015 e que a Recorrente também juntou aos Autos documentos que atestam a realização de eventos em 2015, deveria o Tribunal a quo ter admitido que se encontravam reunidos os pressupostos para que a Recorrente pudesse deduzir o IVA por referência a tais faturas, no valor de € 18.390,60.

RRR) A este respeito, realça-se o que o Tribunal de Justiça da União Europeia referiu, nos pontos 60 e 61 do Acórdão proferido no processo Mahagében e David (Processo n.º C-80/11): «quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, um operador prudente pode, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, verse obrigado a obter informações sobre outro operador a quem pretende adquirir bens ou serviços, para se certificar da fiabilidade desse operador. Contudo, a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretende exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não existem irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito».

SSS) E mesmo que estes fornecedores possam não ter entregue, nos cofres do Estado, o IVA que era devido e que lhes foi entregue pela Recorrente — o que, relembra-se, a Administração tributária não referiu no Relatório de Inspeção Tributária —, ainda assim o direito à dedução do IVA não podia ser negado à Recorrente.

TTT) Como bem refere o Tribunal Central Administrativo Norte, num entendimento que tem vindo a ser seguido pela demais jurisprudência daquele Tribunal, «[a]ceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais. (…) Este entendimento está em consonância com o previsto no Acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2013, proferido no processo C-642/11, no qual se indica que «, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37) (…) Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41). 49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.» (cf. Acórdão proferido, em 18-12-2014, no processo n.º 00693/08.0BEBRG - sublinhado nosso).

UUU) Em suma, uma vez que (i) os valores faturados pelas entidades A........., Lda, E........, Lda e O........, Lda, representam serviços prestados à Recorrente, (ii) os serviços faturados relacionavam-se com o exercício da atividade da Recorrente e (iii) a Recorrente pagou o valor indicado nas faturas, não lhe podia ser negado o direito à dedução do IVA correspondente e efetivamente suportado.

VVV) Não tendo assim decidido, a sentença recorrida incorreu em erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 19.º do Código do IVA, impondo-se a sua revogação no que respeita ao IVA deduzido quanto às faturas emitidas por estes operadores e a consequente anulação dos atos de liquidação que refletem as correspondentes correções.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida nos termos acima indicados, com as demais consequências legais, incluindo a anulação dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios referentes aos períodos de 2014 e de 2015.»

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A Recorrida, Fazenda Pública, notificada para o efeito, não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento:
a) de facto, por não ter selecionado e dado como provados todos os factos relevantes e quanto aos factos que julgou não provados;
b) de direito, quanto à decisão de julgar não caducado o direito à liquidação e por erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo menos, quanto às empresas A........, Lda., E........., Lda. e O........, Lda., por, da prova produzida, ter sido possível estabelecer uma correlação entre os serviços prestados, o momento em que o foram e a actividade da Recorrente, sendo os serviços reais e pagos, pelo que se tinha que admitir o direito à dedução.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:

«A)Ao abrigo das ordens de serviço n.º 01201700433 e 01201700434, datadas de 22/03/2017, para os anos de 2013 e 2014; e n.º OI201704535, datada de 27/04/2018, para o ano de 2015, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa, realizaram uma ação de inspeção externa à ora Impugnante, de âmbito geral, na sequência da qual foi elaborado o relatório final (RIT), junto como documento 137 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) O procedimento de inspeção referido em A), relativamente aos exercícios de 2013 e de 2014 teve inicio em 22/03/2017 - cfr. alegado e mencionado na pág. 6 do RIT referido em A);

C) O procedimento de inspeção referido em A), relativamente ao exercício de 2015 teve inicio em 27/04/2018 - cfr. alegado e mencionado na pág. 6 do RIT referido em A);

D) O procedimento de inspeção relativo a 2013 e 2014 foi prorrogado por duas vezes, por períodos de três meses, através de Despachos datados de 13/09/2017 e 11/12/2017, notificados à Impugnante e ao seu procurador através de ofícios expedidos em 19/09/2017 e 14/12/2017 - cfr. pág. 7 do RIT e documento 138 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

E) O procedimento de inspeção relativo a 2015 foi prorrogado por duas vezes, por Despachos datados de 10/10/2018 e 21/01/2019, notificados à Impugnante e ao seu procurador através de ofícios expedidos em 11/10/2018 e 25/01/2019 - cfr. pág. 7 do RIT e documentos 139 e 140 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) As informações que deram lugar aos Despachos de prorrogação referidos em D) e E) indicam as seguintes razões: «(…) uma vez que no decorrer dos atos inspetivos, surgiram diversas dificuldades, para a concretização dos mesmos, nomeadamente a complexidade inerente aos procedimentos inspetivos e o grande volume de documentação na contabilidade do sujeito passivo.» - cfr. informações que integram os documentos 138, 139 e 140 da PI;

G) No decurso do ano de 2018 foi instaurado o processo de inquérito criminal n.º 210/18.4IDLSB - cfr. páginas 7 e 88 do RIT;

H) No decurso do ano de 2019 foi instaurado o inquérito criminal n.º 307/19.3IDLSB, com incidência sobre o exercício de 2015 - alegado e não contestado;

I) Em 16/07/2019, a Impugnante e o seu gerente, O........., foram constituídos arguidos nos processos de inquérito n.º 210/18.4IDLSB e 307/19.3IDLSB - cfr. Termos de constituição de arguido juntos como documentos 141 e 142 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

J) Em 10/02/2020, a Impugnante foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, relativo às ordens de serviço referidas em A) - cfr. documento 143 da PI;

K) Em 5/03/2020, a Impugnante foi notificada do RIT referido em A) - cfr. documento 137 da PI e data do Despacho do Chefe de Divisão no RIT;

L) Relativamente ao ano de 2013, a Administração tributária corrigiu, para além do IRC, o montante global de € 107 697,50, a título de IVA não dedutível - cfr. ponto III.6.1. do RIT referido em A), na página 83;

M) Relativamente ao ano de 2014, a Administração tributária corrigiu, para além do IRC, o montante global de € 250 585,00, referente a IVA não dedutivel, no valor de € 122 360,00 e à não isenção das declaradas transmissões intracomunitárias de bens (TICB), no valor de € 128 225,00 - cfr. ponto III.6.2. do RIT referido em A), na página 85;

N) Relativamente ao exercício de 2015, a Administração tributária corrigiu, para além do IRC, o montante global de € 123 673,30, referente a IVA não dedutível - cfr. ponto III.6.3. do RIT referido em A), na página 87;

O) Em 11/03/2020 foram emitidas em nome da Impugnante, as seguintes liquidações de IVA:

- cfr. documentos 2 a 11 da PI;

P) Em 11/03/2020 foram emitidas em nome da Impugnante, as seguintes liquidações de IVA:
- cfr. documentos 12 a 23 da PI;

Q) Em 11/03/2020 foram emitidas em nome da Impugnante, as seguintes liquidações de IVA:


- cfr. documentos 24 a 35 da PI;

R) Em 11/03/2020 foram emitidas as liquidações de juros compensatórios que constam dos documentos 36 a 69 da PI (demonstração de liquidação de juros de IVA), relativos aos períodos identificados em O), P) e Q) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

S) As liquidações de IVA e juros compensatórios referidas em O), P) Q) e R), foram notificadas à Impugnante através do Via CTT, e disponibilizadas em 14/03/2020 - cfr. extratos informáticos do sistema SECINNE no PA;

T) Em 27/08/2020, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação referidos em O), P) e Q), nos termos da petição a fls. 1 e ss. do respetivo processo, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual veio a ser instaurada sob o n.º 3255202004007522 e indeferida por Despacho datado de 28/05/2021 - cfr. documentos 144 e 1 da PI e fls. 275 do processo de reclamação graciosa;

U) A Impugnante foi citada no processo de execução fiscal n° 3255202001091280 e apensos, para cobrança coerciva do montante global de € 1 029 610,69, relativo para além de IRC, à quantia exequenda de IVA e juros compensatórios, no valor global de € 585 339,20 - cfr. Oficio de citação junto como documento 146 da PI;

V) Do RIT referido em A) destaca-se o seguinte:

«III.4. CONCLUSÕES

Atendendo ao exposto verificamos que os fornecedores em análise, mantiveram nos exercícios de 2013, 2014 e 2015, comportamentos fiscais bastante similares entre si.

No que toca à existência de património dos fornecedores indicados, não são conhecidos prédios na titularidade dos mesmos, assim como contratos de arrendamento de espaço onde tivessem exercido qualquer atividade.

Quanto à existência de veículos automóveis, apenas o fornecedor A........., Lda possui um motociclo registado em seu nome.

No que respeita ao cruzamento entre o Anexo P, dos fornecedores do sujeito passivo G........., Lda. e o Anexo O de eventuais fornecedores destes operadores, verificamos que não existe qualquer informação no sistema informático da AT.

Da pesquisa efetuada na base de dados da AT, DataWarehouse, recolheu-se a informação que apenas os fornecedores C........., Lda. e C........., Lda., procederam à entrega da Declaração de Remunerações Modelo 10. Relativamente ao fornecedor C........., Lda. o mesmo entregou retenções na fonte no âmbito de rendimentos empresariais e profissionais num montante diminuto e efetuou pagamentos de rendimentos de trabalho dependente a R........., com o NIF 20…….. e F........., com o NIF 24……., inscritos na segurança social.

No que toca à empresa C........., Lda. os pagamentos efetuados exclusivamente à sócia gerente T......... – Retenções efetuadas no âmbito do Trabalho dependente.

São assim empresas na sua maioria sem quaisquer trabalhadores inscritos na segurança social.

Dos contactos estabelecidos com os Contabilistas Certificados, fomos informados que nenhum deles se mantém em funções nas respetivas empresas, nem tem contacto com os representantes legais das mesmas.

No quadro abaixo, apresentamos os seguintes dados relativos a cada um dos fornecedores e as relações estabelecidas entre si, no que respeita a moradas e representantes das mesmas:

Conforme podemos constatar, as empresas fornecedoras E........, Lda. e A........, Lda., mantinham o mesmo Contabilista Certificado J........., Gerente e morada da sede, tendo inclusivamente cessado atividade na mesma data (28-10-2015).

Ambas as empresas têm compras a fornecedores de valores diminutos não se coadunando com os montantes por si faturados.

J......... foi ainda Contabilista Certificado da empresa T........., Lda.

No que respeita às empresas C........., Lda. e A........., Lda., as empresas cessaram atividade na mesma data e partilham ainda o mesmo Contabilista Certificado, Gerente e a mesma morada da sede da empresa. Ambas as empresas mencionadas têm como fornecedores A........., Lda.- NIF e E........ Lda.

O Contabilista Certificado A......... foi ainda responsável pela contabilidade da empresa C........., Lda e do próprio sujeito passivo ora em análise, G........., Lda., até 19-05-2016.

A empresa C........., Lda. teve como gerente L........., que foi também gerente da empresa A........., Lda. da qual também é representante da cessação.

Como morada declarada de L......... consta ….., Rte. D'arlon Luxemburgo, que coincide com a morada da gerente das empresas P........., Lda. e C........., Lda., T..........

Relativamente ao Contabilista Certificado das empresas C........., Lda. e A........., Lda., o mesmo é também coincidente.

Em face do exposto, nomeadamente, inexistência de património assim como de funcionários a laborar nas empresas e impossibilidade de contacto com as pessoas responsáveis pela emissão das faturas identificadas, assim como pela prestação dos serviços supostamente realizados, não se vislumbra como possam as mesmas ter uma estrutura empresarial que justifique a existência de uma atividade efetiva, nomeadamente da dimensão referida.

De realçar ainda que, da análise aos dados constantes no sistema E-Fatura constatamos duas situações distintas, quanto aos fornecedores do sujeito passivo G.........., Lda. Por um lado, verificamos que alguns dos fornecedores do sujeito passivo ora em análise, evidenciam montantes de compras/serviços prestados irrisórios face aos montantes faturados ao sujeito passivo G........., Lda. e a outras empresas do “Grupo O.........”, nomeadamente compras/serviços prestados de montantes diminutos.

Por outro lado, verificamos que fornecedores como P........., Lda, C........., Lda., A........., Lda. e C........., Lda., apresentam valores de compras elevados. Porém, analisada a identidade dos fornecedores a montante, constatamos que se tratam de fornecedores sobre os quais recaem fortes e credíveis indícios de se tratarem de emitentes de faturação simulada que não titulam transações reais e efetivas. Tomemos como exemplo o facto do principal fornecedor da empresa P......... se tratar da empresa C........., Lda

A acrescer a todo o exposto, verificamos ainda dois pontos essenciais: o primeiro diz respeito ao facto de algumas das empresas mencionadas e respetivos fornecedores serem simultaneamente clientes e fornecedores entre si.

O segundo à existência de coincidências entre representantes legais e Contabilistas Certificados nas diversas empresas, moradas assim como datas de cessação de atividade.

Por conseguinte, se o montante das compras/serviços prestados não é real ou consistente, nem foi detetada uma estrutura empresarial adequada, também não existirão as respetivas vendas e prestações de serviços, concluindo assim pela existência de fortes indícios objetivos e credíveis de que as faturas emitidas pelos fornecedores indicados não titulam operações reais.

Verificamos ainda a existência de supostos pagamentos registados a crédito na conta 111 - Caixa, contrariando o determinado no artigo 63.º-C da LGT, que estipula que os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial devem ser movimentados através da conta bancária afeta à empresa.

A acrescer aos factos descritos, foi o sujeito passivo notificado mediante os ofícios n.ºs 29108 de 26-07-2017 e 831 de 08-01-2019, para apresentar cópia frente e verso dos cheques emitidos ou em alternativa autorizar a AT a aceder a informação e documentos bancários, sem que tenha sido dado cumprimento às referidas notificações.

O não cumprimento das notificações efetuadas, inviabilizou ainda o esclarecimento do motivo pelo qual foram assumidos os custos referidos, no âmbito da sua atividade e se os mesmos foram incorridos ou suportados para obter os rendimentos sujeitos a IRC, facto que não ficou demonstrado.

Deste modo, é possível concluir que os factos anteriormente relatados, e que se traduzem na inexistência de uma estrutura empresarial adequada relativamente aos fornecedores mencionados, traduzem-se em fortes indícios objetivos, fundados e credíveis de que as operações referidas nas faturas emitidas são simuladas ou não são reais e efetivas, quer quanto às partes quer quanto aos valores.

A acrescer ao exposto, existe ainda uma falta de evidência da ocorrência de pagamentos relativos à totalidade das faturas emitidas pelos fornecedores indicados existindo, contudo, uma continuidade nas operações realizadas.

Na sua maioria os principais clientes fazem parte das empresas de que é gerente O......... e os fornecedores analisados são simultaneamente fornecedores e clientes também entre si.

Das informações recolhidas junto dos contabilistas certificados contactados fomos informados que nada possuem quando à documentação dos fornecedores em análise, manifestando o facto de não existirem condições para desenvolver o trabalho técnico que lhes tinha sido solicitado, nomeadamente pela falta reiterada de documentação de suporte e informação relativos à atividade económica desenvolvida pelas sociedades em causa.

Grande parte dos representantes legais das empresas mencionadas não deram qualquer cumprimento às notificações efetuadas.

(…)» - cfr. páginas 72 a 75 do RIT referido em A);

W) Do RIT referido em A), mais se destaca:

«III.6. CORREÇÕES EM SEDE DE IVA – 2013, 2014 E 2015

Nos termos do artigo 20.º do CIVA, apenas poderá deduzir-se o imposto suportado nas aquisições destinadas à realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas.

Mais, por força dos números 3 e 4 do artigo 19.º, resulta que não pode deduzir-se imposto de operações simuladas ou em que seja simulado o preço constante na fatura e ainda que não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não entregue nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada.

Da relação constante no quadro infra e conforme exposto nos pontos III.1., III.2. e III.3., existem indícios fundados de estarmos perante faturas que não revelam reais transações, pelo que os seguintes montantes de IVA deduzido pelo sujeito passivo, não são aceites.

(…)

Deste modo, nos termos dos artigos 19.º, 20.º e 27.º do CIVA, propomos a correção de € 107.697,50 no exercício de 2013.

(…)

Deste modo, nos termos dos artigos 19.º, 20.º e 27.º do CIVA, propomos a correção de € 122.360,00 no exercício de 2014.

A acrescer ao exposto e nos termos do explanado no ponto III.2.3. do presente relatório, as transmissões intracomunitárias não podem ser consideradas isentas nos termos da alínea a) do artigo 14° do RITI, devendo assim ser apurado o imposto devido, exigível na data da emissão das faturas, conforme disposto nos artigos 1.º e 8.º do Código do IVA e aplicada a taxa de IVA aplicável à data, nos seguintes termos: (…) IVA 128 225,00

(…)

Deste modo, nos termos dos artigos 19.º, 20.º e 27.º do CIVA, propomos a correção de € 123.673,30 no exercício de 2015.» - cfr. páginas 82 a 87 do RIT referido em A);

X) Do Relatório referido em A) destaca-se ainda o seguinte:

«III.2.3. FATURAS EMITIDAS AO CLIENTE B....... S.L. – ESB37524980

No decorrer do exercício de 2014, o sujeito passivo registou vendas de cabazes, efetuadas à empresa espanhola B......., S.L., isentas de IVA ao abrigo do artigo 14.º do RITI, tendo sido registadas na c/c 211120001 e inscritas nas DP’s de IVA (Anexo XII - Elementos relativos ao cliente B....... S.L. - ESB37524980 - 2014):

Foram registados contabilisticamente os seguintes recebimentos, no exercício de 2015 (…)

De forma a comprovar a transmissão efetuada, foi o sujeito passivo notificado pessoalmente a 19-05-2017 para remeter aos nossos serviços, os documentos comprovativos do transporte realizado, contratos de transporte celebrados, faturas das empresas transportadoras, guias de remessa e identificação da pessoa/entidade que rececionou os bens (Cfr. Anexo XII - Elementos relativos ao cliente B....... S.L. - ESB37524980 – 2014).

O sujeito passivo não deu cumprimento à notificação efetuada, não comprovando assim a expedição dos bens do território nacional com destino a outro Estado-membro.

A par da diligência descrita, foi ainda solicitado às autoridades fiscais espanholas elementos que comprovem a veracidade das transmissões intracomunitárias efetuadas, nomeadamente através de Documentos comprovativos do transporte realizado, contratos de transporte celebrados, faturas das empresas transportadoras assim como guias de remessa.

Informaram as autoridades fiscais espanholas que o domicílio fiscal da entidade referida se situa na Calle Badajoz, 8, Bajo en Ciudad Rodrigo (Salamanca), estando este encerrado e sem qualquer atividade desde há bastante tempo.

Mais informaram que figuram como administradores da referida sociedade M........., (sendo que o proprietário do imóvel comunicou que o mesmo terá falecido há 3 anos) e S........., titular de 100% das ações da empresa espanhola, tendo como domicílio o mesmo da sociedade B........

Pelo exposto, não podem as transmissões serem isentas de IVA nos termos da alínea a) do art.º 14° do RITI, devendo por esse facto, e para efeitos de tratamento em sede de IVA, ser consideradas como operações/transmissões internas, e por consequência, sujeitas a imposto.

Para apuramento do imposto devido, exigível na data da emissão das faturas, conforme disposto nos artigos 1. ° e 8. ° do Código do IVA, é aplicada a taxa de IVA aplicável à data, relativamente aos artigos transacionados, nos termos do n.º 1 do artigo 18. ° do mesmo código e d escrito no ponto III.6.2.

(….)» - cfr. páginas 51 e 52 do RIT referido em A);

Y) Entre 2013 e 2015, a Impugnante, pessoa coletiva 50.........., era uma sociedade por quotas, que tinha desde 01/10/2010 a atividade de “Restaurante e Bar”, enquadrada em sede de IVA no regime normal mensal - alegado e não contestado;

Z) No âmbito da sua atividade, em 2013 a 2015, a Impugnante explorou o restaurante sito na Rua Barata Salgueiro, n.º …. em Lisboa, designado “G.........”, que se insere na categoria de “cozinha de autor”, sendo o seu chef nacional e internacionalmente conhecido - cfr. documento 148 da PI; alegado e não contestado;

AA) No âmbito da sua atividade, em 2013 a 2015, para além da exploração do restaurante referido em Z), a Impugnante organizou eventos e festas com serviços de restauração, bebidas e catering, ao longo de todo o ano, mas sobretudo no verão, que poderiam ter lugar no restaurante explorado pela Impugnante ou noutros locais - cfr. depoimento das testemunhas e a título de exemplo, documento 149 da PI;

BB) Durante os anos de 2013 a 2015, a Impugnante faturou os serviços referidos em AA) aos seus clientes, e no caso da “B.........” por força dos contratos de fornecimento celebrados relativos a determinadas marcas de bebidas - cfr. faturas emitidas e listagem de faturas emitidas, juntas como documentos 150 e 151 da PI e depoimento da testemunha P.........;

CC) Em alguns dos eventos realizados nos anos de 2013 a 2015, os trabalhadores da área da cozinha e serviço de mesa, eram cedidos pelas empresas do Chef O......... - cfr. depoimento das testemunhas;

DD) Em alguns dos eventos realizados nos anos de 2013 a 2015, a Impugnante recorreu a outro tipo de profissionais, tais como D........., bailarinas, hostesses, animadores, barman, decoradores, entre outros, os quais se apresentavam nos eventos não se identificando através de nenhuma das sociedades indicadas no RIT referido em A) - cfr. depoimento das testemunhas;

EE) O gerente da Impugnante (O.........), ou outros responsáveis pelo estabelecimento (RP e gerentes dos restaurantes), conheciam pessoas que trabalhavam no setor dos eventos, aos quais solicitavam determinados bens e serviços para os eventos referidos em AA) - cfr. depoimento das testemunhas;

FF) Em 2013 a 2015, era comum e frequente, os pagamentos dos serviços e aos profissionais referidos em AA) e DD) serem em dinheiro retirado da caixa do restaurante e no final da noite do evento - cfr. depoimento das testemunhas;

GG) Em 2013 a 2015, alguns pagamentos dos serviços referidos em AA) e DD) tinham lugar no escritório do Impugnante nos dias seguintes ao evento a que diziam respeito - cfr. depoimento das testemunhas;

HH) Em 2013 a 2015, a Impugnante desconhecia e não se relacionava com os gerentes das sociedades emitentes das faturas não aceites e indicados no RIT - alegado e não contestado;

II) Em 2013 a 2015, a Impugnante desconhecia se as sociedades indicadas no RIT dispunham de património - alegado e não contestado;

JJ) Em agosto de 2017, V........, subescreveu, na qualidade de gerente das sociedades A........ Lda. (51..........) e E........ Lda. (510 918 818), as declarações juntas como documentos 152 e 153 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

KK) Dá-se por reproduzida a declaração junta como documento 147 da PI, relativa à sociedade B....... SL;


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«1) Que a Impugnante procedeu ao pagamento das faturas indicadas no RIT.»

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Em matéria de convicção do Tribunal sobre a matéria de facto, consta da sentença o seguinte:

«A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados que dos autos constam.

Quanto aos factos provados em G) e H), atendeu-se à numeração dos referidos processos de inquérito.

Quanto ao depoimento das testemunhas, que permitiram dar como provados determinados factos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, refere-se o seguinte:

A primeira testemunha, C........., Chefe de sala, nos restaurantes do chef O......... há 15 anos (ainda que inicialmente com outras funções), mas nunca no explorado pela Impugnante, prestou um depoimento sério, credível e coerente.

Pese embora tenha trabalhado como chefe de sala, em eventos nos quais o restaurante explorado pela Impugnante fornecia o serviço de catering, e para os quais angariava empregados de mesa (pontuais), verbalmente e através de outros colaboradores, quando era necessário mais pessoal,

Não se envolvia no trabalho e contratação do restaurante explorado pela Impugnante e não conhecia se os trabalhadores que angariava, tinham alguma sociedade.

Foi também credível quanto às deslocações ao banco, a pedido do escritório, depositar e levantar cheques, sem que lhe fosse especificado a que empresas diziam respeito tais movimentos.

A segunda testemunha, D........., rececionista no restaurante explorado pela Impugnante há 8 anos, e anteriormente com funções de segurança noutro restaurante do grupo, prestou um depoimento impreciso e, portanto, inseguro quanto a determinados aspetos, como datas - no que se pode atender ao tempo já decorrido entre os factos e o depoimento; mas também relativamente a nomes de Chefes de Sala, Relações Públicas e Gerentes do restaurante. Neste caso, uma vez que afirmou serem quem lhe passava a informação sobre as pessoas que prestavam serviços nos eventos, era expetável que os identificasse espontaneamente, o que não fez.

Quanto aos pagamentos, foi mais credível, ao afirmar que tinham lugar no final da noite (dos eventos) e era comum pagar em dinheiro. No entanto, tendo afirmado que o dinheiro desses pagamentos se encontrava separado em envelopes, os quais eram por si entregues aos destinatários, revelou-se contraditório com o afirmado pela terceira testemunha.

Foi credível quanto às deslocações ao banco, a pedido do escritório, depositar e levantar cheques e dinheiro.

A terceira testemunha, E........., exerce funções de Administrativa no grupo desde 2009.

O seu depoimento evidenciou um conhecimento seguro e circunstanciado, do grupo e dos vários restaurantes, ao longo dos anos.

Quanto ao processamento e pagamento das faturas dos fornecedores, da distinção que descreveu entre as faturas dos fornecedores que eram recebidas no restaurante e as que eram enviadas diretamente para o contabilista, afirmou não conhecer nenhum dos emitentes das faturas referidas no RIT. No entanto, identificou outros fornecedores.

O seu depoimento foi credível quanto ao modo como tinham lugar os pagamentos: tiravam da caixa para pagar no final da noite; muitos eram pagos sem fatura; os que eram feitos no escritório eram por indicação do gerente da Impugnante; entre pessoas conhecidas; bem como quanto às deslocações ao banco, das testemunhas anteriores.

Descreveu de modo genérico os Cabazes e ter participado muito esporadicamente, na sua expedição, junto de uma transportadora. No entanto, de um modo pouco preciso, afirmando que as faturas que lhes diziam respeito eram emitidas pela contabilidade, nada sabendo a esse respeito, nem da sociedade espanhola em causa.

A quarta testemunha, P........., comercial desde 2003 a 2011, em empresa da qual a Impugnante foi cliente, (B.........), e esta fornecedora de bebidas. Celebrou contratos com cada uma das empresas que explorava cada restaurante do grupo O..........

Prestou um depoimento sério, credível e detalhado quanto à relação comercial entre ambos e à realização dos eventos temáticos que a mesma implicava, porquanto os frequentava no sentido de comprovar as contrapartidas acordadas. Afirmou que os D…. e bailarinas, não costumavam estar no restaurante, e eram quem diferenciava as festas.

Quanto ao facto não provado, alegado de modo conclusivo no artigo 270.º da PI:

O descrito no RIT a propósito de cada emitente - de onde se retira que os pagamentos imputados àquelas faturas, várias vezes não estavam contabilisticamente registados no próprio ano, mas sim e também no ano seguinte, independentemente da data de emissão da fatura e que ou eram contrapartida da conta Caixa e/ou através de cheques ao portador. Estes, por sua vez, eram em montantes que não coincidiam com os valores em dívida àquele fornecedor; e em alguns casos, estavam creditados na conta 1201 em conjunto com outros cheques, debitados por valores diferentes em diversas contas de fornecedores, o que não permitiu aos SIT identificar qual o cheque que dizia respeito ao pagamento registado na c/c de cada fornecedor; relativamente às sociedades que só emitiram faturas em 2015, não se encontra registado contabilisticamente qualquer pagamento;

Bem como que a Impugnante não apesentou nem durante o procedimento inspetivo (onde foi notificada para o efeito) nem nos presentes autos, cópia frente e verso dos cheques registados quanto ao pagamento das faturas ora em causa (juntou apenas cópia da frente dos cheques que já se encontravam arquivados nas pastas da contabilidade a que os SIT tiveram acesso), nem concedeu autorização para acesso pela AT à sua documentação bancária;

E ainda que na documentação contabilística apresentada aos SIT, relativa à C......... Lda. e A......... Lda., existiam post-it apostos, no primeiro caso, na cópia de cheque com a indicação “Felicidade, verifique as faturas em aberto”; e no segundo caso, no comprovativo da transferência, com a indicação “Felicidade, veja a maneira de justificar a saída deste valor. Pode ser para um dos forn.? A5A? Depois diga-me o que decidiu”. Neste caso, o NIB de destino, foi indicado por e-mail de f…….pt.

Não permitiram ao Tribunal formar convicção sobre a prova do pagamento das faturas indicadas no RIT, cujo direito à dedução não foi aceite pela Administração fiscal, e subjacente às liquidações impugnadas.»


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II.2. Apreciação jurídica do recurso
II.2.1. Erro de julgamento de facto

Como se viu, a Recorrente começa por invocar o erro de julgamento da decisão recorrida quanto à matéria de facto, defendendo que não foram selecionados os factos relevantes, pedindo o aditamento de vários factos, e que houve erro quanto à apreciação dos factos que considerou não provados.
Importa, em primeiro lugar, ter presente que na impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640.º do CPC, existem regras que não podem deixar de ser observadas. Em tal preceito se dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

No que se reporta à reapreciação da matéria de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que “1-A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem solução diversa.” e desde que do processo constem todos os elementos que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto posta em causa.
Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, em princípio essa matéria é inalterável, só podendo ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º do CPC, onde se indicam as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto.
Daí, é orientação jurisprudencial prevalente que “o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição”.
Dito isto e analisadas as conclusões do recurso, concatenadas com as alegações, verifica-se que a Recorrente cumpriu adequadamente as referidas regras, pelo que há que apreciar a impugnação feita.
Como se viu, e quanto ao relatório de inspecção, a decisão recorrida só transcreveu a respectiva fundamentação parcial relativa aos pontos III.2.3, III.4 e III.6 (cfr. pontos V), W) e X) do probatório).
Nos pontos (i) a (v) da conclusão H) a Recorrente pede que se aditem algumas passagens do relatório, mais concretamente, as que se referem ao objecto das ordens de serviço ((i)), ao que ali consta quanto às facturas emitida à sociedade B....... e ao respectivo enquadramento legal das correcções ((ii) e (iii)) e ao enquadramento infracional das correcções e respectiva comunicação ao processo de inquérito ((iv) e (v)).
Ora, analisados os pontos do probatório nos quais estão vertidos o conteúdo do relatório de inspecção (pontos V), W) e X)), verifica-se que, de facto, os mesmos se revelam insuficientes, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 662.º do CPC, e complementando o requerido pela Recorrente, e por tal se revelar necessário para a apreciação do presente recurso, se aditam os seguintes pontos retirados do relatório de inspecção:

LL) No que se refere ao exercício de 2014, as correcções efectuadas pela AT tiveram os seguintes fundamentos:
III.2. Exercício de 2014
Da análise efetuada à contabilidade e mais concretamente aos extratos das contas correntes disponibilizados pelo sujeito passivo, verificamos a existência de faturas de fornecedores registadas nas subcontas da rúbrica 278 - Outros Devedores e Credores.
Todas as faturas identificadas foram contabilizadas como gastos do exercício, tendo influenciado o resultado apurado para efeitos de IRC.
De forma a validar a veracidade dos lançamentos registados nas contas acima identificadas, recolhemos os documentos respeitantes a cada um dos fornecedores, nomeadamente cópia das faturas e comprovativos de pagamentos dos seguintes fornecedores:
• E........, Lda. - NIF 51……;
• A........, Lda. - NIF 51……

III.2.1. E........, Lda. - NIF 51…..
Foram registadas contabilisticamente na c/c 278210160 - E........, as seguintes faturas emitidas pelo fornecedor indicado, no exercício de 2014 (Anexo X - Elementos relativos ao fornecedor E........, Lda. - NIF 51…..- Exercício de 2014):

“(texto integral no original; imagem)”
Da consufta ao sistema informático da AT, temos a reter o seguinte:
a) A empresa encontra-se cessada em sede de IVA desde 28-10-2015;
b) O encerramento da liquidação em sede de IRC ocorreu na mesma data;
c) Esteve registada para o exercício da atividade com o CAE 56210 - Fornecimento de refeições para evento e CAE 82300 - Organização Feiras» Congressos e outros eventos similares;
d) Nunca possuiu veículos registados em seu nome ou quaisquer outros bens sujeitos a registo;
e) Não foram efetuados pagamentos de rendimentos de trabalho dependente, nem possuiu neste exercício qualquer trabalhador inscrito na segurança social;
f) Não consta qualquer informação no Anexo P do fornecedor em análise, relativamente ao exercício de 2014 no que diz respeito a Compras/FSE.

III.2.1.1. Notificações efetuadas
Foi solicitado ao Representante Legal do sujeito passivo, que nos fossem remetidos os extratos de conta corrente, cópia das 3 faturas de maior valor emitidas no exercício de 2014, comprovativos dos recebimentos auferidos assim como a descrição dos serviços prestados/bens alienados, nos termos do artigo 29.° do ROPITA, e com base no princípio consagrado no n.° 4 do artigo 59.° e na alínea d) do n.° 1 do artigo 63.° da LGT [Cfr. Anexo X - Elementos relativos ao fornecedor E........, Lda. - NIF 51…..- Exercício de 2014):
“(texto integral no original; imagem)”


III.2.1.2. DESLOCAÇÃO AO SUPOSTO LOCAL DA SEDE DA EMPRESA
A 21-07-2017, deslocamo-nos às instalações do suposto local da sede da empresa E........, Lda., sitas na Rua Camilo Castelo Branco, N.°….. - 2, 2680-….. Camarate, onde não nos foi possível chegar à fala com ninguém.

III.2.1.3. Faturas comunicadas no E-Fatura em que a E........, Lda. figura como adquirente e faturas em que figura como EMITENTE — 2014
Da consulta efetuada ao sistema E-Fatura, constatamos que o valor global de compras efetuadas pela empresa E........, Lda. no exercício de 2014, ascende a € 2.332,60, sendo o total das vendas e serviços prestados declarado na IES de € 834.010,00, o que evidencia a disparidade das vendas face às compras.
No que toca às vendas, os principais clientes da empresa E........, são as empresas G........., Lda., O que é o A….., Lda. e H….., Lda, todas elas pertencentes ao universo de empresas do qual é gerente O..........

III.2.1.4. Pagamentos
Da análise ao extrato de c/c do exercício de 2014, encontram-se registados dois pagamentos, no valor de € 20.000,00 cada, sendo que o valor em dívida em 31-12-2014 ascende a € 242.900,00 [Cfr. Anexo X - Elementos relativos ao fornecedor E........, Lda. - NIF 51…..- Exercício de 2014):
“(texto integral no origina; imagem)”
Parte dos restantes supostos pagamentos encontram-se registados no exercício de 2015:

Temos assim os seguintes alegados pagamentos registados contabilisticamente na conta corrente do fornecedor E........:
“(texto integral no origina; imagem)”


No sentido de comprovar a veracidade dos registos de pagamentos efetuados, foi o sujeito passivo notificado pessoalmente a 19-05-2017 para disponibilizar cópia frente e verso dos cheques emitidos no exercício de 2014, não tendo o mesmo apresentado qualquer documento solicitado (Cfr: ponto III.2.4.2. do presente Relatório e Anexo XIII - Notificações efetuadas ao sujeito passivo e respetivas respostas - Exercícios de 2013 e 2014).
A 26-07-2017, mediante os ofícios n.ºs 29108 e 29109, foram o representante legal e sócio gerente do sujeito passivo notificados no sentido de ser concedida ou não autorização à AT para que a mesma pudesse aceder a informações e documentos bancários junto do Banco E........., sem que também nos tenham sido disponibilizados quaisquer documentos (Cfr ponto III.2 4.3. do presente Relatório e Anexo XIII - Notificações efetuadas ao sujeito passivo e respetivas respostas - Exercícios de 2013 e 2014).
Relativamente aos supostos pagamentos que se encontram registados no exercício de 2015, foi o sujeito passivo notificado através do oficio n.° 831 de 08-01-2019 (RH 1047 2979 5 PT) para apresentar a estes Serviços Inspetivos cópia frente e verso dos cheques emitidos pela empresa (Cfr. ponto III.3.7. do presente Relatório e Anexo XX - Notificação efetuada ao sujeito passivo e respetiva resposta - Exercício de 2015).

III.2.2. A........, Lda. - NIF 51…..
No que respeita ao fornecedor A........, Lda. foram registadas contabilisticamente na c/c 278210155, as seguintes faturas emitidas pelo mesmo, no exercício de 2014 (Anexo XI - Elementos relativos ao fornecedor A........, Lda - NIF 51……- Exercício de 2014):
“(texto integral no original; imagem)”
Da consulta ao sistema informático da AT, temos a reter o seguinte:
a) A empresa encontra-se cessada em sede de IVA desde 28-10-2015;
b) O encerramento da liquidação em sede de IRC ocorreu na mesma data;
c) Esteve registada para o exercício da atividade com o CAE 82300 - Organização Feiras, Congressos e outros eventos similares;
d) Nunca possuiu veicules registados em seu nome ou quaisquer outros bens sujeitos a regfótc;
e) Não foram efetuados pagamentos de rendimentos de trabalho dependente, nem possuiu neste exercício qualquer trabalhador inscrito na segurança social;
f) Não consta qualquer informação no Anexo P cfo fornecedor em análise, relativamente ao exercíç/ode 2014 no que diz respeito a Compras/FSE.

III.2.2.1. NOTIFICAÇÕES EFETUADAS
Foi solicitado ao Representante Legal do sujeito passivo, que nos fossem remetidos os extratos de conta corrente, cópia das 3 faturas de maior valor emitidas no exercício de 2014, comprovativos dos recebimentos auferidos assim como a descrição dos serviços prestados/bens alienados, nos termos do artigo 29.° do RCPITA, e com base no princípio consagrado no nº 4 do artigo 59.° e na alínea d) do n.º 1 do artigo 63 °da LGT (Cfr. Anexo XI-Elementos relativos ao fornecedor A........, Lda - NIF 51…..- Exercício de 2014):
“(texto integral no original; imagem)”

III.2.2.2. Deslocação ao suposto local da sede da empresa
A 21-07-2017, deslocamo-nos às instalações do suposto local da sede da empresa A........, Lda., sitas na Rua Camilo Castelo Branco, N.°….., Bairro da Car, 2680-….. Camarate, onde não nos foi possível chegar à fala com ninguém.

III.2.2.3. Faturas comunicadas no e-Fatura em que a, Lda. figura como adquirente e faturas em que figura como EMITENTE-2014
Da consulta efetuada ao sistema E-Fatura. constatamos que o valor global de compras efetuadas pela empresa A........, Lda. ascende a € 6.960,29, sendo o total das vendas e serviços prestados declarado na IES de € 603.210,00, o que evidencia a disparidade das compras face ás vendas/ serviços prestados.
No que toca às vendas, os principais clientes da empresa A........, Lda., são as empresas G........., Lda., O que é o A........., Lda. e H........., Lda., todas elas pertencentes ao universo de empresas das quais O......... é gerente.

III.2.2.4. Pagamentos
Da análise ao extrato de c/c do exercício de 2014, encontra-se registado um pagamento efetuado à empresa A........., Lda, no valor de € 8.190,43.
Consultados os extratos de c/c do exercício de 2015, verificamos a existência de diversos registos de pagamentos efetuados neste exercício, no valor global de € 272.999,49 (Cfr Anexo XI - Elementos relativos ao fornecedor A........, Lda - NIF 51…..- Exercício de 2014):
“(texto integral no orioginal; imagem)”

Temos assim os seguintes alegados pagamentos registados contabilisticamente na conta corrente do fornecedor A.........:

Relativamente aos supostos pagamentos que se encontram registados no exercício de 2015, foi o sujeito passivo notificado através do ofício n.° 831 de 08-01-2019 (RH 1047 2979 5 PT) para apresentar a estes Serviços Inspetivos cópia frente e verso dos cheques emitidos pela empresa (Cfr. ponto III.3.7. do presente Relatório e Anexo XX - Notificação efetuada ao sujeito passivo e respetiva resposta - Exercício de 2015).

III.2.3. Faturas emitidas ao cliente B....... S.t. - ESB37524980
No decorrer do exercício de 2014, o sujeito passivo registou vendas de cabazes, efetuadas á empresa espanhola B......., S.L, isentas de IVA ao abrigo do artigo 14.° do RITI, tendo sído registadas na c/c 211120001 e inscritas nas DP's de IVA (Anexo XII - Elementos relativos ao cliente B....... S.L -ESB37524980- 2014):
“(texto integral no original; imagem)”


Foram registados contabífístícamente os seguintes recebimentos, no exercício de 2015:
“(texto integral no original; imagem)”

Estando em causa transmissões intracomunitárias de bens, refere o artigo 14.° do RITI que estão isentas do imposto: "a) As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na affnea a) do n° 1 do artigo 2º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o vator acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;”
Quanto à comprovação das transmissões intracomunitárias de bens, preceitua o Ofício Circulado n° 30 009/99 de 10 de dezembro serem admissíveis os seguintes meios de prova:
“-os documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, poderão ser, respetivamente, a declaração de expedição (CMR), a carta de porte ("Airwaybil l"-AWB) ou o conhecimento de embarque ("Bill of landing"-B/L);
- os contratos de transporte celebrados;
- as faturas das empresas transportadoras;
- as guias de remessa; ou
- a declaração, no Estado membro de destino dos bens, por parte do respetivo adquirente, de aí ter efetuado a correspondente aquisição intracomunitéria."
De forma a comprovar a transmissão efetuada, foi o sujeito passivo notificado pessoalmente a 19-05-2017 para remeter aos nossos serviços, os documentos comprovativos do transporte realizado, contratos de transporte celebrados, faturas das empresas transportadoras, guias de remessa e identificação da pessoa/entidade que rececionou os bens (Cfr. Anexo XII - Elementos relativos ao cliente B....... S.L. - ESB37524980 - 2014).
O sujeito passivo não deu cumprimento à notificação efetuada, não comprovando assim a expedição dos bens do território nacional com destino a outro Estado-membro.
A par da diligência descrita, foi ainda solicitado às autoridades fiscais espanholas elementos que comprovem a veracidade das transmissões intracomunitárias efetuadas, nomeadamente através de Documentos comprovativos do transporte realizado, contratos de transporte celebrados, faturas das empresas transportadoras assim como guias de remessa.
Informaram as autoridades fiscais espanholas que o domicílio fiscal da entidade referida se situa na Calle Badajoz, …., Bajo en Ciudad Rodrigo (Salamanca), estando este encerrado e sem qualquer atividade desde há bastante tempo.
Mais informaram que figuram como administradores da referida sociedade M........., (sendo que o proprietário do imóvel comunicou que o mesmo terá falecido há 3 anos) e S........., titular de 100% das ações da empresa espanhola, tendo como domicílio o mesmo da sociedade B........
Pelo exposto, não podem as transmissões serem isentas de IVA nos termos da alínea a) do art.° 14° do RITI, devendo por esse facto, e para efeitos de tratamento em sede de IVA, ser consideradas como operações/transmissões internas, e por consequência, sujeitas a imposto.
Para apuramento do imposto devido, exigível na data da emissão das faturas, conforme disposto nos artigos 1. ° e 8. ° do Código do IVA, é aplicada a taxa de IVA aplicável à data, relativamente aos artigos transacionados, nos termos do n.° 1 do artigo 18. ° do mesmo código e descrito no ponto III.6.2.

III. 2.4. NOTIFICAÇÕES EFETUADAS AO SUJEITO PASSIVO - EXERCÍCIOS DE 2013 E 2014 (…)
III. 2.4.2. NOTIFICAÇÃO PARA PEDIDO DE ELEMENTOS/ ESCLARECIMENTOS
Perante a ausência de informação disponibilizada pelos fornecedores contactados e enumerados nos capítulos anteriores, a 19-05-2017, foi o sujeito passivo, na pessoa do seu sócio gerente, notificado pessoalmente para apresentar os elementos/esclarecimentos seguintes (Cfr. (Anexo XlII - Notificações efetuadas ao sujeito passivo e respetivas respostas - Exercícios de 2013 e 2014):
1. Pastas da contabilidade referentes aos meses de janeiro e novembro de 2014- Fornecedores/Clientes e Caixa;
2. Inventários das existências finais dos exercidos de 2012, 2013 e 2014;
3. Extratos da instituição bancária B........., referentes aos meses de janeiro, fevereiro, março, abril\ maio, julho, agosto, setembro, outubro e novembro do exercido de 2013 e abrif do exercício de 2014;
4. Relativamente às faturas n.°s 1400/000022 de 17-09-2014 e 1400/00003 de 29-12-2014, emitidas ao sujeito passivo espanhol B....... S.LU - ES837524980, apresentar os documentos comprovativos do transporte realizado, contratos de transporte celebrados, faturas das empresas transportadoras, guias de remessa e identificação da pessoa/entidade que recepcionou os bens, comprovativos do (s) pagamento (s) efetuado (s) pelo cliente e descrição da composição dos cabazes platina, ouro, goldt premium e silver;
5. Relativamente ao documento coniabilístico n.° 3.005 do diário 101 do exercício de 2013, apresentar o (s) documento (s) justificativo (s) que originou (aram) o débito da conta 25323 no montante de €3.086,84;
6. Cópia dos seguintes cheques abaixo indicados (frente e verso), vaf/dados pela instituição bancária B…., relativos à conta 00……..:
(…)
7. Relativamente aos lançamentos contabitfsticos n.° 4.003, 4.004, 5.008, 8.002, 8.003, 10.002 e 12.003 do diário 101 do exercício de 2013, indicar o motivo das passagens aéreas a alojamentos e de que forma os mesmos contribuiram para os proveitos ou ganhos da empresa;
8. Relativamente ao documento contabilístico n.° 11.005 do diário 106 do exercício de 2013, apresentar o (s) documento (s) justificativo (s) que originou (aram) o débito da conta 25323 e o crédito na conta 1203, no montante de € 30.000,00;
9. Quanto aos documentos coníabilísticos n.os 1.007, 2.008, 2.011, 3.033, 5.006, 9.045 e 11.016 do diário 106 do exercício de 2014, apresentar o (s) documento (s) justificativo (s) que originou (aram) os débitos da conta 25323, nos montantes de €11.095,81, €17.457,66; €6.235,69, €50.000,00, € 225,00 e€ 1.076,24 e €505,35, respetivamente.
Foi ainda notificado o sujeito passivo de que a falta de cumprimento desta notificação seria considerada recusa de exibição de escrita, infração prevista e punível nos termos dos artigos 113.° do RGIT, podendo constituir fundamente para a determinação do rendimento e imposto por aplicação de métodos indiretos, nos termos do artigo 57.º do Código do IRC e do artigo 90.° do Código do IVA, com observância e nas condições previstas nos artigos 77º, 85º, 87º, 88º e 90º da Lei Geral Tributária.
A 30-05-2017, deu entrada nesta Direção de Finanças (Doc. de Entrada n.° 217E001693536) exposição escrita assinada pelo sócio gerente do sujeito passivo onde esclarece o seguinte:
"Na sequência do pedido de elementos que nos foi feito no dia 19 de maio, serve o presente para infornar que o conjunto de documentação e esclarecimentos que foi solicitado pela inspeção implica a recolha e a análise de documentação muito diversa e obriga à obtenção e ao tratamento de documentos que se encontram na posse de diversas entidades, bem como à alocação extraordinária de recursos da empresa e dos seus contabilistas.
Ora, como se sabe, em maio, os recursos da área financeira e contabilística encontram-se prioritariamenie afetos à preparação das declarações fiscais das empresas, sendo, por isso, muito difícil afetá-los à recolha e ao tratamento de diversos elementos de anos anteriores ao ano de 2016.
Assim, sendo, tendo em conta a extensão da documentação e a necessidade de colaboração de diversas entidades para a sua recolha e tratamento, não nos será possível apresentar a documentação e os esclarecimentos pedidos nesta data, estimando-se, desde já, que sejam necessários mais 20 dias para que possamos responder ao pedido".
Até à presente data e decorrido o período largamente superior aos 20 dias referidos, o sujeito passivo não apresentou quaisquer esclarecimentos ou documento apesar de devidamente notificado para tal.

III.2.4.3. Notificações para acesso a informações e documentos bancários
Para efeitos de aferição da sua real situação tributária e em conformidade com artigo 79.° n.° 1 do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92 de 31 de dezembro) foi o sujeito passivo notificado através do ofício n.° 29108 de 26-07-2017, para manifestar se autoriza ou não a Autoridade Tributária e Aduaneira a aceder a informações e documentos bancários junto da Instituição de Crédito
- Banco E......... relativamente à conta bancária n0 0008 9688 8191 em nome de G........., Lda., relativamente aos exercícios de 2013 e 2014. Para o efeito anexou-se modelo de declaração que deveria ser remetida aos nossos serviços (Cfr. (Anexo XIII - Notificações efetuadas ao sujeito passivo c respetivas respostas - Exercícios de 2013 e 2014).
Também o sócio gerente do sujeito passivo foi notificado através do ofício n.° 29109 de 26-07-2017, no sentido de ser concedida ou não autorização à AT para que a mesma possa aceder a informações e documentos bancários junto do Banco E.......... A notificação foi devolvida pelos CTT com a indicação de "Recusado” (Cfr. (Anexo XIII - Notificações efetuadas ao sujeito passivo e respetivas respostas - Exercícios de 2013 e 2014).
Em resposta às notificações efetuadas, o procurador constituído pelo sujeito passivo, através de correio eletrónico (Doc. de Entrada GPS n.° 2017E002488190 de 16-08-2017) informou que "face volume e abrangência dos elementos solicitados, bem como dos já facultados no passado pelas sociedades visadas e respectivo gerente, solicito às Senhoras Inspetoras o agendamento de reunião, na qual participaria também a minha Colega Sra. Dra. A.A........., em CC, tendo em vista a discussão e simplificação da sequência do (s) processo (s) em curso.
A reunião solicitada foi realizada, não nos tendo sido, no entanto, disponibilizados os elementos constantes na notificação efetuada. (cfr. Relatório de Inspecção – fls. 50 e ss. do Doc. 004855597 e Doc. 004855598 do SITAF);

MM) Quanto ano de 2015 e às correcções efectuadas pela AT, o Relatório de Inspecção tem o seguinte teor:
Da análise efetuada à contabilidade e mais concretamente aos extratos das contas correntes disponibilizados pelo sujeito passivo, verificamos a existência de faturas de fornecedores registadas nas subcontas da conta 278 - Outros Devedores e Credores.
Todas as faturas identificadas foram contabilizadas como gastos do exercício, tendo influenciado o resultado apurado para efeitos de IRC.
De forma a validar a veracidade dos lançamentos registados nas contas acima identificadas, recolhemos os documentos respeitantes a cada um dos fornecedores, nomeadamente cópia das faturas e comprovativos de pagamentos dos seguintes fornecedores:
• E........, Lda. - NIF 51……
• A.........., Lda. - NIF 51……;
• C........., Lda. - NIF 51……;
• A........., Lda. - N/F 51……;
• O........, Lda. - NIF 51…….
• P.........., Lda. - NIF 51….;

III3.1. E........, Lda. - NIF 51…..
No que respeita ao fornecedor E........, Lda. foi registada contabilistíeamente na c/c 278210160, a seguinte fatura emitida pelo mesmo, no exercício de 2015 (Anexo XIV- Elementos relativos ao fornecedor E........, Lda. - NIF 51…..- Exercício de 2Q15):
“(texto integral no original; imagem)”
A acrescer ao anteriormente referido no ponto III.2.1. do presente Relatório, importa ainda referir o seguinte relativamente ao exercício de 2015:
a) Não foram efetuados pagamentos de rendimentos de trabalho dependente, nem possuiu neste exercício qualquer trabalhador inscrito na segurança sociaí;
b) Não consta qualquer informação no Anexo P do fornecedor em análise, relativamente ao exercício de 2015 no que diz respeito a Compras/FSE.

III.3.1.1. Notificações efectuadas
Foi solicitado ao Representante Legal e Contabilista Certificado do sujeito passivo, que nos fossem remetidos os extratos de conta corrente, cópia das 3 faturas de maior valor emitidas no exercício de 2015, comprovativos dos recebimentos auferidos assim como a descrição dos serviços prestados/bens alienados, nos termos do artigo 29.° do RCPITA, e com base no principio consagrado ro n.° 4 do artigo 59.° e na alínea d) do n* 1 do artigo 63.° da LGT (Anexo XIV - Elementos relativos ao fornecedor E.........., Lda. - NIF 51……- Exercido de 2015):
“(texto integral no original; imagem)”


III.3.1.2. Faturas comunicadas no E-Fatura em que a empresa E........, Lda. figura como adquirente e faturas em que figura como EMITENTE - 2015
Da consulta efetuada ao sistema E-Fatura, constatamos que o valor global de compras efetuadas pela empresa E........, Lda. no exercício de 2015, ascende a € 27.870,25, sendo o total das vendas e serviços prestados declarado nas bases tributáveis das DP’s de IVA de € 1.055.993,81, o que evidencia a disparidade das compras face aos serviços prestados.
No que toca ás vendas e prestações de serviço, o fornecedor em análise emitiu 12 faturas, sendo os seus principais clientes, a empresa C......... com o NIF 51..........(Cfr. ponto III.3.3.), P.........., Lda. com o NIF 51..........(Cfr ponto III.3.6 ), e A......... com o NIF 51..........(Cfr. ponto III.3.4.).
Os três principais clientes da empresa E........, Lda, são também fornecedores do sujeito passivo O que é o A........., Lda. e o seu comportamento fiscal será objeto de análise detalhada mais adiante.

III.3.1.3. PAGAMENTOS
Relativamente aos supostos pagamentos, remetemos para o ponto III.2.1. do presente Relatório, que versa sobre o exercício de 2014 (Anexo X - Elementos relativos ao fornecedor E........, Lda. - NIF 51..........- Exercício de 2014):

III.3.2. A........, Lda. - NIF 51..........
No que respeita ao fornecedor A........, Lda. foi registada contabilisticamente na c/c 278210155, a seguinte fatura emitida pelo mesmo, no exercício de 2015 (Anexo XV - Elementos relativos ao fornecedor A........, Lda. - NIF 51..........- Exercício de 2015):
“(texto integral no original; imagem)”
A acrescer ao antériormente referido no ponto II 1.2.2. do presente Relatório, importa ainda mencionar o seguinte relativamente a 2015:
a) Não foram efetuados pagamentos de rendimentos de trabalho dependente, nem possuiu neste exercício qualquer trabalhador inscrito na segurança social;
b) Não consta qualquer informação no Anexo F do fornecedor em análise, relativamente ao exercício de 2015 no que diz respeiío a Compras/FSE.

III.3.2.1. Notificações efetuadas
Foi solicitado ao Representante Legal e Contabilista Certificado do sujeito passivo, que nos fossem remetidos os extratos de conta corrente, cópia das 3 faturas de maior valor emitidas no exercício de 2015, comprovativos dos recebimentos auferidos assim como a descrição dos serviços prestados/bens alienados, nos termos do artigo 29.° do RCPITA, e com base no principio consagrado no n.° 4 do artigo 59.° e na alínea d) do n.° 1 do artigo 63.° da LGT (Cfr. Anexo XV - Elementos relativos ao fornecedor Ajusteqjações, Unipessoal, Lda. • NIF 51.......... - Exercício de 2015):
“(texto integral no original; imagem)”


III.3.2.2. Faturas comunicadas no E-Fatura em que a empresa A.........., Lda, figura como adquirente e faturas EM QUE FIGURA COMO EMITENTE — 2015
Da consulta efetuada ao sistema E-Fatura, constatamos que o valor global de compras efetuadas pela empresa A........, Lda. ascende a € 620,86, sendo o total das vendas e serviços prestados declarado nas bases tributáveis das DP's de IVA de € 626.410,11, o que evidencia a disparidade das compras face aos serviços prestados.
No que toca às vendas e prestações de serviço, o fornecedor em análise emitiu 13 facturas, sendo os seus principais clientes, a empresa C......... com o NIF 51..........(Cfr. ponto IIl.3.3.), P.........., Lda, com o NIF 51..........(Cfr. ponto III.3.6.), A......... com o NIF 51..........(Cfr. ponto III.3.4.), H........., Lda, com o NIF 50.........., e G.........., Lda.
Verificamos que os principais clientes da empresa A......... no exercício de 2015, são empresas do "Grupo" O......... ou empresas que são igualmente fornecedoras do mesmo grupo, conforme veremos mais adiante.

III.3.2.3. Pagamentos
Relativamente aos supostos pagamentos, remetemos para o ponto III.2.2. do presente Relatório, que versa sobre o exercício de 2014 (Cfr Anexo XI - Elementos relativos ao fornecedor A........, Lda. - NIF 51.......... - Exercício de 2014).
(…)

III. 3.5. O........, Lda. - NIF 51..........
No que respeita ao fornecedor O........, Lda. foram registadas contabilisticamente na c/c 278210208, as seguintes faturas emitidas pelo mesmo, no exercicio de 2015 (Anexo XVIII - Elementos relativos ao fornecedor O........, Lda. - NIF 51.......... - Exercício de 2015):
“(texto integral no original; imagem)”


Da consulta ao sistema informático da AT, temos a reter o seguinte:
a) A empresa encontra-se cessada em sede de IVA desde 30-06-2018;
b) Esteve registada para o exercício da atividade com o CAE 73110 - Agências de Publicidade e 73200 - Estudos de Mercado e Sondagens de Opinião;
c) Nunca possuiu veículos registados em seu nome ou quaisquer outros bens sujeitos a registo;
d) Para o exercício de 2015, apenas foi declarado pagamentos a título de rendimentos de trabalho dependente a Pascal François Pommelet, no valor de € 2.000,00;
e) Na informação constante do Anexo P do fornecedor em análise, relativamente ao exercício de 2015, consta a empresa C..........Lda., com o NIF 51...........

III.3.5.1. NOTIFICAÇÕES EFETUADAS
Foi solicitado ao Representante Legal e Contabilista Certificado do sujeito passivo, que nos fossem remetidos os extratos de conta corrente, cópia das 3 faturas de maior valor emitidas no exercício de 2015, comprovativos dos recebimentos auferidos assim como a descrição dos serviços prestados/bens alienados, nos termos do artigo 29.° do RCPITA, e com base no princípio consagrado no n.° 4 do artigo 59.° e na alínea d) do n.° 1 do artigo 63.° da LGT (Cfr. Anexo XVIII - Elementos relativos ao fornecedor O........, Lda. - NIF 51.......... - Exercício de 2015):
“(texto integral no original; imagem)”

Em resposta à notificação efetuada, a Contabilista Certificada, através de correio eletrónico de 10-12-2018 informou que “Por impossibilidade de contacto com o cliente que tem todos os documentos na sua posse, vimos informar que os elementos ser-lhe-ão enviados na próxima quarta feira durante o dia. Iremos estar com o cliente de manhã".
Até ao momento não nos foram remetidos quaisquer dos elementos solicitados.

III.3.5.2. Faturas comunicadas no E-fatura em que a empresa O........, Lda. figura como adquirente e faturas EM QUE FIGURA COMO EMITENTE - 2015
Da consulta efetuada ao sistema E-Fatura, constatamos que o valor global de compras efetuadas pela empresa O........, Lda. ascende a € 149.040,00 sendo o total das vendas e serviços prestados declarado na IES de €149.965,00.
O único fornecedor que contribuiu para o valor de compras mencionado, é a empresa C..........Lda., com o NIF 51.........., que por sua vez possui compras no referido exercício no montante de€ 40,65.
No que toca às vendas, o fornecedor em anélise emitiu 11 faturas, sendo os seus principais clientes, as empresas H........., Lda., com o NIF 50.........., G……., Lda., com o NIF 50.......... e O que é o A........., Lda., com o NIF 50.........., todas pertencentes a empresas do "grupo O.........’.

III.3.5.3. Pagamentos
Da análise ao extrato de c/c, não se encontra registado qualquer pagamento efetuado à empresa O........, Lda. (Cfr. Anexo XVIII-Elementos relativos ao fornecedor O........, Lda. —NIF 51.......... -Exercíciode2015).
(…)
III.3.7. Notificação efetuada ao sujeito passivo - Exercício de 2015
Através do ofício n.° 831 de 08-01-2019 (RH 1047 2979 5 PT) e de acordo com o dever de colaboração, previsto nos artigos 31.° n.° 2, 59.° n.° 4 e 63.°, todos da LGT e ainda do n.° 2 do artigo 48.° do CPPT, foi o sujeito passivo notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar a estes Serviços Inspetivos cópia frente e verso dos seguintes cheques emitidos pela empresa no exercício de 2015 (Anexo XX - Notificação efetuada ao sujeito passivo e respetiva resposta - Exercício de 2015):
“(texto integral no original; imagem)”
Em alternativa, solicitamos ao sujeito passivo, que o mesmo autorizasse ou não a Autoridade Tributária e Aduaneira a requerer junto das entidades bancárias N..........e M.........., cópia dos referidos documentos, tendo para o efeito anexado modelo de declaração.
Mais solicitamos que, no que respeita aos lançamentos contabilísticos n.°s 7.013 de 31-07-2015, no valor de € 25.000,00, 10.015 de 31-10-2015 no valor de € 30.000,00 e 12.019 de 31-12-2015 no valor de € 30.000,00, que evidenciam pagamentos aos fornecedores E........, Lda. e A........., Lda., nos fossem disponibilizados os documentos de suporte que justificam tais lançamentos.
A 28-01-2019, deu entrada nestes serviços inspetivos o documento com n.° 2019E000343003 (Cfr. Anexo XX - Notificação efetuada ao sujeito passivo e respetiva resposta - Exercício de 2015), com a resposta do sujeito passivo à notificação efetuada, na qual o mesmo junta cópia da frente dos cheques indicados na notificação. Apesar de devidamente notificado para apresentar cópia frente e verso dos cheques emitidos,’ o mesmo juntou exclusivamente cópia da frente dos cheques, não fazendo qualquer referência ao verso dos mesmos. De referir ainda que as cópias da frente dos cheques emitidos que agora foram disponibilizadas, se encontram arquivadas nos dossiers da contabilidade, a que a inspeção tributária teve acesso durante a realização dos atos inspetivos externos.
Além de nada mencionar acerca do verso dos cheques, o sujeito passivo é ainda totalmente omisso no que toca à autorização ou não, para que a Autoridade Tributária requeira junta das entidades bancárias esses mesmos documentos.” (cfr. Relatório de Inspecção, doc. 004855598 do SITAF);

NN) No ponto VIII do Relatório de Inspecção consta o seguinte quadro-resumo das infracções verificadas no procedimento de inspecção:


(cfr. Relatório de Inspecção, Doc. n.º 004855598 do SITAF);
OO) Na sequência do que foi apurado no procedimento de inspecção a que se referem os pontos anteriores, a AT elaborou, entre outros os seguintes autos de notícia:
“(texto integral no original; imagem)”






“(texto integral no original; imagem)”




(cfr. docs. Do doc. n.º 004855614 do SITAF);

PP) O Relatório de Inspecção e os Autos de Notícia que antecedem foram remetidos ao proc. de inquérito n.º 210/18.4IDLSB (fls. 1 e ss. do doc. n.º 004855614 do SITAF);
QQ) Em 24-11-2021 o DIAP de Lisboa enviou aos presentes autos uma certidão, extraída do proc. de inquérito n.º 210/18.4IDLSB, dando conta da suspensão daquele processo nos termos do art. 47.º do RGIT, tendo o respectivo despacho, designadamente, o seguinte teor: “(…) Encontram-se em investigação, nos presentes autos, factos susceptíveis de consubstanciar, em abstracto, a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada, p. c p. peio art. 104.” do RGTT - com referência a IVA e IRC dos anos de 2013 a 2015 sendo arguidos as pessoas colectivas “G.........., Lda.” (anteriormente "O......... II - G.......... Lda.”) c “H..........Lda.” e o legal representante de ambas, O..........
De acordo com o requerimento agora junto, vieram as arguidas “G.........., Lda.” e “H..........Lda.” deduzir impugnação judicial, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que deu origem aos Processos n.° 1783/21.OBELRS, 1782/21.1BELRS, 1776/21.7BELRS, 1781/21.3BELRS, encontrando-se esses autos a aguardar decisão.
Analisado o teor das aludidas impugnações judiciais, verifica-se que as sociedades aqui arguidas impugnam, entre outros, os factos que constituem o objecto dos presentes autos.
Afigura-se-nos, pois, que existe coincidência entre o facto tributário em discussão nos processos de impugnação judiciai supra referidos e os factos constitutivos dos crimes em investigação nos presentes autos, pelo que o desfecho daqueles processos - em termos de considerar válida e legal ou inválida e ilegal a aludida liquidação irá afectar a qualificação penal dos factos aqui em investigação.
Ora, encontra-se disposto no art. 42.°, n.°s 2 e 4 do RGIT, que
2 - No caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja dejinição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, oprasp a que se refere o número anterior.
(...)
4 - Não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos, cujo procedimento tem prioridade sobre outros da mesma natureza.
Por sua vez, tal como prescrito no art. 47.°, n.° 1 do RGIT, se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.
E, em conformidade com o previsto no n.° 4, do art. 21.° do mesmo diploma, o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no nº 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º.
Deste modo, entendemos estarem preenchidos os pressupostos que justificam e determinam a suspensão dos presentes autos, nos termos do preceituado nos art. 47.°, n.° 1 do RGIT. (…)” (fls. 469 do SITAF).

***
Tendo em conta os factos que acima se aditaram, vejamos, agora, cada um dos pretendidos aditar pela Recorrente, os quais individualiza na alínea H) das conclusões:
- No ponto (i), pretende aditar o seguinte: “No Relatório de Inspeção é expressamente referido que «As ordens de serviço mencionadas visaram o controlo declarativo em sede de IRC e IVA, nomeadamente no que respeita a operações relacionadas com fornecedores e transmissões intracomunitárias de bens. (…) Perante a existência de indícios da prática de ilícitos criminais de natureza fiscal e/ou tributária descritos, foi instaurado e comunicado ao Ministério Público competente, o processo de inquérito n.º 210/18.4IDLSB» (cf. página 7 do Relatório de Inspeção Tributária)
Ora, este facto resulta já dos factos G), H), I) do probatório, bem como dos factos agora aditados oficiosamente pelo Tribunal nos pontos OO) e PP), pelo que não há necessidade de fixar um facto autónomo com o teor transcrito;
- No ponto (ii) petende aditar o seguinte facto: “No que respeita às faturas emitidas pela Recorrente à sociedade B....... S.L., a Administração tributária indicou que «O sujeito passivo não deu cumprimento à notificação efectuada, não comprovando assim a expedição dos bens do território nacional com destino a outro Estado-membro. (…) Pelo exposto, não podem as transmissões serem isentas de IVA nos termos da alínea a) do art.º 14º do RITI, devendo por esse facto, e para efeitos de tratamento em sede de IVA, ser consideradas como operações / transmissões internas, e por consequência, sujeitas a imposto» (cf. página 52 do Relatório de Inspeção)” e no ponto (iii) que “No capítulo III.6 do seu Relatório, a Administração tributária indica o seguinte: «A acrescer ao exposto e nos termos do ponto III.2.3. do presente relatório, as transmissões intracomunitárias não podem ser consideradas isentas nos termos da alínea a) do artigo 14º do RITI, devendo assim ser apurado o imposto exigível na data da emissão das faturas, conforme disposto nos artigos 1.º e 8.º do Código do IVA e aplicada a taxa de IVA aplicável à data» (cf. página 84 do Relatório de Inspeção)”.
O teor do Relatório pretendido aditar nestes pontos já resulta do ponto agora aditado em LL), pelo que se defere, embora nos termos ali expostos.
- Defere-se, também, o aditamento pretendido em (iv), de que “No capítulo VII do seu Relatório de Inspeção, a Administração tributária afirma o seguinte: «No decurso do procedimento de inspeção, foram detetadas as seguintes infrações fiscais (…)”, cujo teor consta do ponto NN) agora aditado.
- Quanto ao ponto (v), de que “no capítulo VIII do mesmo Relatório é mencionado que «Perante a existência de indícios da prática dos ilícitos criminais de natureza fiscal e/ou tributária descritos, foi instaurado e comunicado ao Ministério Público competente, o processo de inquérito n.º 210/18.4IDLSB» (cf. p. 88 do Relatório de Inspeção)”, tal questão consta dos pontos agora aditados em OO) e PP), pelo que se defere o pretendido, com o conteúdo aditado.

- Quanto ao ponto (vi), relativo à data em que a Recorrente tomou conhecimento do processo de inquérito, constando do probatório os factos relativos à instauração dos processos de inquérito (pontos G) e H)), bem como a data em que a Recorrente foi constituída arguida (ponto I)), entende o Tribunal que tal é suficiente para apreciação das questões suscitadas, nomeadamente, da caducidade do direito à liquidação, pelo que se indefere o requerido aditamento.

- No que diz respeito aos factos pretendidos aditar em (vii) e (viii), os mesmos, na formulação que se entende ser necessária e suficiente para a economia da decisão, resultam já dos pontos AA) e DD) do probatório, pelo que se indefere o pretendido aditamento.

- Os factos (ix) “A organização dos eventos era feita por relações públicas que tinham as suas empresas, conheciam a noite e que os promoviam. Eram terceiros contratados pela Recorrente que se responsabilizavam pela organização. (cf. depoimento de E........– minutos 01:04:50 a 01:06:22)”; (x) “Eram os relações públicas contratados pela Recorrente que tratavam da contratação dos serviços e do pessoal adicional (cf. depoimento de D........– minutos 00:30:50 a 00:31:15 - e E........ – minutos 01:07:06 a 01:09:32, e minutos 01:10:50 a 01:11:04”, (xi) “Ao rececionista e trabalhadores da Recorrente era só passada a informação de que iria existir uma festa e do modo como a mesma iria decorrer (cf. depoimento de D........– minutos 00:31:27 a 00:31:40 e minutos 00:36:00 a 00:36:44)”; (xii) “Na ocasião das festas ou eventos, as pessoas que iam participar nesses mesmos eventos – bailarinas, Djs, promotores e outros – identificavam-se como vindo para trabalhar e algumas vezes indicavam que vinham de determinada entidade (cf. depoimento de D........– minutos 00:31:41 a 00:32:19 e minutos 00:36:40 a 00:36:45)”; (xiii) “O relações públicas passava ao rececionista do restaurante da Recorrente o layout das festas e o nome das pessoas que iriam participar e a função que iam exercer (cf. depoimento de D........– minutos 00:32:20 a 00:33:33)”; (xvi) “As instruções pontuais sobre o funcionamento do restaurante, nomeadamente o horário, podiam ser dadas pelo rececionista do restaurante da Recorrente, mas a função que cada um desempenhava concretamente já estava pré-determinada e a pessoa já sabia o que ia fazer (cf. depoimento de D........– minutos 00:33:34 a 00:34:03)”; (xvii) “Quem dava as indicações no local ao pessoal que vinha trabalhar nos eventos era o relações públicas ou gerente do restaurante à data (cf. depoimento de D........– minutos 00:34:10 a 00:34:40)”; (xviii) “As pessoas que participavam nos eventos, principalmente ao fim-de-semana, não eram sempre as mesmas, iam variando consoante o evento (cf. depoimento de D........– minutos 00:34:30 a 00:35:12)” e (xxiii) “Uma das pessoas que tratava da organização de eventos e que disponibilizava recursos era o empresário identificado como “I........”, que estava relacionado com a empresa “O........” e com outras indicadas no Relatório de Inspeção (cf. depoimento de E........ – minutos 01:34:31 e 01:37.00)”, pretendidos aditar são especificações sobre a forma de trabalhar que teriam resultado do depoimento das testemunhas ali indicadas, mas que, não tendo sido posta em causa a existência genérica desse tipo de serviços e de actividades, e sendo tais factos genéricos, i. é, não se reportando concretamente a cada uma das facturas em causa e aos serviços nelas indicados, são dispensáveis para a apreciação do presente recurso.

- Quanto aos factos (xiv)Era comum serem feitos pagamentos em dinheiro diretamente aos participantes na festa nos anos de 2013 a 2015, sendo o dinheiro entregue pelo rececionista do restaurante no final da noite (cf. depoimento de D........– minutos 00:37:00 a 00:37:22)”; (xv) “Os pagamentos que eram realizados estavam, previamente, definidos no início dos eventos e era indicado pelo relações públicas o valor a entregar a cada pessoa (cf. depoimento de D........– minutos 00:37:22 a 00:37:40 e E........ – minutos 01:09:55 a 01:10.16)”; (xix) “O escritório do restaurante (concretamente a testemunha E........) solicitava ao rececionista que fosse ao banco depositar cheques e proceder ao levantamento de valores monetários com base em cheques ao portador emitidos pela Recorrente (cf. depoimentos de D........– minutos 00:37:45 a 00:38:35 e de E........ – minutos 01.16.38 a 01.16.54 e minutos 01:30:00 a 01:30:50)”; (xx) “Os valores levantados ao balcão com base em cheques emitidos ao portador eram, posteriormente, entregues no escritório da Recorrente (cf. depoimentos de D........– minutos 00:38:35 a 00:40:00 e de E........ – minutos 01:07:06 a 01:09.32 e 01.31.00 a 01:32:00)”; (xxi) “Também eram realizados pagamentos no escritório em momento posterior, feitos pela testemunha E........, solicitados pelos relações públicas responsáveis pelos eventos (cf. depoimento de E........ – minutos 01:09:30 a 01:09:58; 01:10:10 a 01:11:40; 01.14.24 a 01:16:20 e 01:31:50 a 01:32:09)”; (xxii) “À data, havia fornecedores que eram pagos por cheque e outros em numerário de acordo com a solicitação dos mesmos (cf. depoimento de E........ – minutos 01:32:15 a 01:32:40)”, descrevem, genericamente, o modus operandi seguido pela Recorrente quanto aos pagamentos aos fornecedores dos eventos.
No probatório (pontos FF) e GG)) ficou assente que “Em 2013 a 2015, era comum e frequente, os pagamentos dos serviços e aos profissionais referidos em AA) e DD) serem em dinheiro retirado da caixa do restaurante e no final da noite do evento” e “Em 2013 a 2015, alguns pagamentos dos serviços referidos em AA) e DD) tinham lugar no escritório do Impugnante nos dias seguintes ao evento a que diziam respeito”.
Ora, os pontos (xiv) e (xxi) pretendidos aditar incluem-se nos factos indicados, não sendo necessário qualquer aditamento.
Quanto aos restantes, para além de descreverem genericamente o modo como eram definidos os pagamentos e como funcionava o circuito do dinheiro (depósito de cheques e levantamento dos valores monetários) nada adiantam de concreto quanto aos pagamentos das facturas e aos fornecedores indicados no relatório de inspecção, sendo que esta prova tinha que ser consistente, individualizada quanto a cada um dos serviços e temporalmente situada.
Vai, assim, indeferido o requerido aditamento.
Entende a Recorrente que, se o Tribunal tivesse dado como provados os factos acima elencados, teria tomado decisão diversa quer quanto à caducidade do direito à liquidação quer quanto à efectiva realização das operações descritas nas facturas, em especial, as emitidas por E........, Lda., A........, Lda. e O........, Lda., bem como o seu pagamento, nomeadamente, tendo em conta “o procedimento concreto que foi descrito pelas testemunhas e ao facto de todas confirmarem a existência de eventos e festas, bem como a participação nas mesmas de pessoal externo à Recorrente” (conclusões K) e L)) e, quanto ao pagamento, também os documentos juntos com a p.i. (docs. 152 e 153) constituídos por declarações escritas dos gerentes das respectivas entidades (conclusão M)).
Entende, por isso, que se impunha concluir da prova produzida que:
- Os serviços titulados pelas facturas emitidas em 2014 e 2015 pelos fornecedores E........, Lda., A........, Lda. e O........, Lda. foram prestados à Recorrente;
- As facturas emitidas por estes fornecedores foram oportunamente pagas pela Recorrente.
Não o tendo feito, a sentença enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto.

A motivação da matéria de facto constante da sentença tem o seguinte teor:
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados que dos autos constam.
Quanto aos factos provados em G) e H), atendeu-se à numeração dos referidos processos de inquérito.
Quanto ao depoimento das testemunhas, que permitiram dar como provados determinados factos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, refere-se o seguinte:
A primeira testemunha, C........., Chefe de sala, nos restaurantes do chef O......... há 15 anos (ainda que inicialmente com outras funções), mas nunca no explorado pela Impugnante, prestou um depoimento sério, credível e coerente.
Pese embora tenha trabalhado como chefe de sala, em eventos nos quais o restaurante explorado pela Impugnante fornecia o serviço de catering, e para os quais angariava empregados de mesa (pontuais), verbalmente e através de outros colaboradores, quando era necessário mais pessoal,
Não se envolvia no trabalho e contratação do restaurante explorado pela Impugnante e não conhecia se os trabalhadores que angariava, tinham alguma sociedade.
Foi também credível quanto às deslocações ao banco, a pedido do escritório, depositar e levantar cheques, sem que lhe fosse especificado a que empresas diziam respeito tais movimentos.
A segunda testemunha, D........., rececionista no restaurante explorado pela Impugnante há 8 anos, e anteriormente com funções de segurança noutro restaurante do grupo, prestou um depoimento impreciso e, portanto, inseguro quanto a determinados aspetos, como datas - no que se pode atender ao tempo já decorrido entre os factos e o depoimento; mas também relativamente a nomes de Chefes de Sala, Relações Públicas e Gerentes do restaurante. Neste caso, uma vez que afirmou serem quem lhe passava a informação sobre as pessoas que prestavam serviços nos eventos, era expetável que os identificasse espontaneamente, o que não fez.
Quanto aos pagamentos, foi mais credível, ao afirmar que tinham lugar no final da noite (dos eventos) e era comum pagar em dinheiro. No entanto, tendo afirmado que o dinheiro desses pagamentos se encontrava separado em envelopes, os quais eram por si entregues aos destinatários, revelou-se contraditório com o afirmado pela terceira testemunha.
Foi credível quanto às deslocações ao banco, a pedido do escritório, depositar e levantar cheques e dinheiro.
A terceira testemunha, E........., exerce funções de Administrativa no grupo desde 2009.
O seu depoimento evidenciou um conhecimento seguro e circunstanciado, do grupo e dos vários restaurantes, ao longo dos anos.
Quanto ao processamento e pagamento das faturas dos fornecedores, da distinção que descreveu entre as faturas dos fornecedores que eram recebidas no restaurante e as que eram enviadas diretamente para o contabilista, afirmou não conhecer nenhum dos emitentes das faturas referidas no RIT. No entanto, identificou outros fornecedores.
O seu depoimento foi credível quanto ao modo como tinham lugar os pagamentos: tiravam da caixa para pagar no final da noite; muitos eram pagos sem fatura; os que eram feitos no escritório eram por indicação do gerente da Impugnante; entre pessoas conhecidas; bem como quanto às deslocações ao banco, das testemunhas anteriores.
Descreveu de modo genérico os Cabazes e ter participado muito esporadicamente, na sua expedição, junto de uma transportadora. No entanto, de um modo pouco preciso, afirmando que as faturas que lhes diziam respeito eram emitidas pela contabilidade, nada sabendo a esse respeito, nem da sociedade espanhola em causa.
A quarta testemunha, P........., comercial desde 2003 a 2011, em empresa da qual a Impugnante foi cliente, (B.........), e esta fornecedora de bebidas. Celebrou contratos com cada uma das empresas que explorava cada restaurante do grupo O..........
Prestou um depoimento sério, credível e detalhado quanto à relação comercial entre ambos e à realização dos eventos temáticos que a mesma implicava, porquanto os frequentava no sentido de comprovar as contrapartidas acordadas. Afirmou que os DJ e bailarinas, não costumavam estar no restaurante, e eram quem diferenciava as festas.
Quanto ao facto não provado, alegado de modo conclusivo no artigo 270.º da PI:
O descrito no RIT a propósito de cada emitente - de onde se retira que os pagamentos imputados àquelas faturas, várias vezes não estavam contabilisticamente registados no próprio ano, mas sim e também no ano seguinte, independentemente da data de emissão da fatura e que ou eram contrapartida da conta Caixa e/ou através de cheques ao portador. Estes, por sua vez, eram em montantes que não coincidiam com os valores em dívida àquele fornecedor; e em alguns casos, estavam creditados na conta 1201 em conjunto com outros cheques, debitados por valores diferentes em diversas contas de fornecedores, o que não permitiu aos SIT identificar qual o cheque que dizia respeito ao pagamento registado na c/c de cada fornecedor; relativamente às sociedades que só emitiram faturas em 2015, não se encontra registado contabilisticamente qualquer pagamento;
Bem como que a Impugnante não apesentou nem durante o procedimento inspetivo (onde foi notificada para o efeito) nem nos presentes autos, cópia frente e verso dos cheques registados quanto ao pagamento das faturas ora em causa (juntou apenas cópia da frente dos cheques que já se encontravam arquivados nas pastas da contabilidade a que os SIT tiveram acesso), nem concedeu autorização para acesso pela AT à sua documentação bancária;
E ainda que na documentação contabilística apresentada aos SIT, relativa à C......... Lda. e A......... Lda., existiam post-it apostos, no primeiro caso, na cópia de cheque com a indicação “Felicidade, verifique as faturas em aberto”; e no segundo caso, no comprovativo da transferência, com a indicação “Felicidade, veja a maneira de justificar a saída deste valor. Pode ser para um dos forn.? A5A? Depois diga-me o que decidiu”. Neste caso, o NIB de destino, foi indicado por e-mail de f……...pt.
Não permitiram ao Tribunal formar convicção sobre a prova do pagamento das faturas indicadas no RIT, cujo direito à dedução não foi aceite pela Administração fiscal, e subjacente às liquidações impugnadas.

Ora, desde já se adianta, que, tirando os factos agora aditados, relativos ao conteúdo do relatório de inspecção, aos autos de notícia e sua remessa ao processo de inquérito, bem como o despacho de suspensão de tal processo, e que visaram completar os fixados na sentença, de modo a melhor percepcionar os fundamentos das correcções, não se vislumbra a existência de qualquer erro de julgamento do Tribunal recorrido na fixação e apreciação da matéria de facto que acima se deixou explanada.
Começando pelas questões relativas aos serviços a que se referem as facturas indicadas no Relatório, e tendo em conta que a Recorrente delimita o objecto do seu recurso apenas às emitidas pelas sociedades E........, Lda., A........, Lda. e O........, Lda., e, mesmo que se admitissem os aditamentos factuais indicados, não se vê como considerar que tais serviços tinham sido efectivamente prestados e pagos.
Com efeito, e como acima se deixou dito já, tais factos limitam-se a relatar, de forma genérica e não circunstanciada, a forma como tais actividades se desenrolavam, recorrendo a mão de obra externa, mas sem identificar ninguém em concreto ou identificando apenas pelo diminutivo (cfr. facto pretendido aditar (xxiii)) e referindo abstractamente que estaria “relacionado com a empresa O........ e com outras indicadas no Relatório de Inspecção”, sem fazer a relação entre os serviços constantes das facturas e os eventos concretos realizados e os respectivos pagamentos.
Quanto aos pagamentos, tem, ainda, razão o Tribunal recorrido em tê-los considerado não demonstrados na medida em que, para além da falta de demonstração concreta dos pagamentos que teriam sido efectuados em numerário, naqueles em que constava o pagamento por cheque, notificada a Recorrente para juntar cópia frente e verso de tais meios de pagamento, não o fez, além de não ter autorizado o acesso à informação bancária, o que inviabilizou a demonstração dos destinatários dos mesmos. Estando questionada a efectividade dos pagamentos, impunha-se à Recorrente a prova das quantias pagas, a quem foram feitos e em que datas.
Acresce que as declarações juntas com a p.i., subscritas pelo representante legal das sociedades A........, Lda. e E........, Lda. a que se referem os pontos JJ) e KK) do probatório, de acordo com as quais tal representante legal declara “sob compromisso de honra e para os devidos efeitos que a supra referida sociedade [A.........] prestou diversos serviços à socieade “O......... II – G.........., Lda”, nomeadamente serviços de organizações de eventos e festas, identificados nas facturas emitidas durante o ano de 2014. Mais declara que os montantes correspondentes a tais facturas foram oportunamente pagos pelo cliente”, “que a supra referida sociedade [E........] prestou diversos serviços à sociedade “O......... II – G.........., Lda”, nomeadamente serviços de organizações de eventos e festas, identificados nas facturas emitidas durante o ano de 2014. Mais declara que os montantes correspondentes a tais facturas foram oportunamente pagos pelo cliente” não são susceptíveis de demonstrar o efectivo pagamento das facturas em causa ou a efectividade das operações.
Com efeito, tais documentos apenas fazem prova de que o seu autor fez as declarações neles constantes e já não quanto ao seu conteúdo, excepto se contrárias aos interesses do declarante em termos semelhantes aos da confissão, conforme decorre do artigo 376.º, n.ºs 1 e 2 do CC. No caso, trata-se de declarações emitidas por entidades com interesse directo na causa, já que são suspeitas de emissão de facturação falsa, sendo o conteúdo das declarações favorável aos seus interesses, e, como tal, sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC. Por isso, só por si, têm um valor muito limitado quanto à prova daquilo que nelas foi afirmado ter sucedido. Acresce que tais declarações são, como de resto toda a prova feita nestes autos, genérica, não tendo dado pormenores sobre a localização temporal e o circuito financeiro dos pagamentos ou do tipo de serviços referidos nas facturas.
Por outro lado, tal como resulta do RIT, a sociedade E........, Lda. não efectuou pagamentos de rendimentos de trabalho dependente, nem possuiu em 2014 e 2015 qualquer trabalhador inscrito na segurança social, no Anexo P, relativamente aos exercícios de 2014 e 2015, não consta qualquer informação no que diz respeito a Compras/FSE; no sistema E-Fatura, foi verificado que o valor global de compras efectuadas por esta empresa no exercício de 2014, ascende a € 2.332,60 e, em 2015, € 27.870,25, sendo o total das vendas e serviços prestados declarado na IES, em 2014, de € 834.010,00 e, quanto a 2015, o total das vendas e serviços prestados declarado nas bases tributáveis das DP’s de IVA de € 1.055.993,81, o que evidencia a disparidade das vendas face às compras; da análise ao extracto de c/c do exercício de 2014, encontravam-se registados dois pagamentos, no valor de € 20.000,00 cada, sendo que o valor em dívida em 31-12-2014 ascendia a € 242.900,00 e parte dos restantes supostos pagamentos encontravam-se registados no exercício de 2015, sendo que, ao todo, estavam registados pagamentos de € 194.762,50, ou seja, ao contrário do afirmado na declaração aqui em causa, havia valores registados em dívida.
Para confirmar os pagamentos a AT solicitou cópia frente e verso dos cheques ou autorização de acesso à conta bancária, não tendo a Recorrente acedido a tal pedido.
Acresce que a declaração em causa refere-se apenas ao ano de 2014, sendo que também havia facturas emitidas no ano de 2015.
Quanto à sociedade A........., Lda., consta do RIT que, nos anos de 2014 e 2015, não foram efectuados pagamentos de rendimentos de trabalho dependente, nem possuiu nestes exercícios qualquer trabalhador inscrito na segurança social, não constando qualquer informação no Anexo P desta sociedade no que diz respeito a Compras/FSE.
No sistema E-Fatura foi constatado que o valor global de compras efetuadas por esta empresa ascende a € 6.960,29, sendo o total das vendas e serviços prestados declarado na IES de € 603.210,00, o que evidencia a disparidade das compras face às vendas/ serviços prestados; da análise ao extracto de c/c do exercício de 2014, encontra-se registado um pagamento no valor de € 8.190,43, sendo que, de acordo com os extratos de c/c do exercício de 2015, foi verificada a existência de diversos registos de pagamentos neste exercício, no valor global de € 272.999,49, pelo que, ao contrário do afirmado na declaração, havia valores em dívida.
Para confirmar os pagamentos a AT solicitou cópia frente e verso dos cheques ou autorização de acesso à conta bancária, não tendo a Recorrente acedido a tal pedido.
Acresce que a declaração em causa refere-se apenas ao ano de 2014, sendo que também havia facturas emitidas no ano de 2015.
Quanto às facturas relativas à sociedade O........, Lda., consta do RIT que, para o exercício de 2015, apenas declarou pagamentos a título de rendimentos de trabalho dependente a Pascal François Pommelet, no valor de € 2.000,00; no Anexo P desta empresa, relativamente ao exercício de 2015, apenas consta a empresa C..........Lda.; que, apesar de solicitados os elementos contabilísticos e informações sobre os serviços prestados, os mesmos não foram fornecidos e que, da análise ao extracto de c/c, não se encontra registado qualquer pagamento efectuado a esta empresa.

Assim, impõe-se concluir que não se podem dar como provados os factos pretendidos relativamente à prestação de serviços destas empresas e aos respectivos pagamentos.

No que diz respeito ao erro de facto quanto à caducidade do direito à liquidação do IVA dos anos de 2014 e 2015, invoca a Recorrente que o Tribunal errou quando considerou que o processo de inquérito n.º 210/18.4IDLSB poderia contemplar as correcções relativas às transmissões intracomunitárias de bens e, logo, fundamentar o alargamento de tal prazo nos termos do art. 45.º n.º 5 da LGT, já que não existiu identidade entre tais factos e factos objecto da investigação criminal.
A sentença recorrida, quanto a esta questão, entendeu estarem as correcções relativas às transmissões intracomunitárias de bens incluídas no processo-crime, remetendo para o despacho do MP, proferido no processo de inquérito n.º 210/18.4IDLSB, cujo teor ora aditamos sob a alínea QQ), de acordo com o qual os factos a que se referem os presentes autos são susceptíveis de consubstanciar, em abstracto, a prática do crime de fraude fiscal qualificada, prevista e punida pelo artigo 104.º do RGIT.
No caso concreto, como se viu (cfr. pontos LL) e NN) do probatório) a AT considerou que as transmissões de bens feitas para a sociedade B......., S.L., com NIPC espanhol, não poderiam ser consideradas transmissões intracomunitárias de bens e, como tal, isentas nos termos do art. 14.º n.º 1 do RITI, mas operações internas, havendo falta de liquidação de IVA nos períodos de 201409T e 201412T, nos valores de € 59.225,00 e € 69.000,00, respectivamente, invocando como norma infringida o art. 18.º n.º 1 do CIVA e como norma punitiva o art. 114.º n.º 1 do RGIT.
O relatório de inspecção e os autos de notícia, contendo, também, as alegadas transmissões intracomunitárias de bens, foram remetidos ao processo de inquérito (pontos OO) e PP) do probatório, agora aditados).
De acordo com o despacho de suspensão de tal processo de inquérito, foi entendimento do respectivo Magistrado do MP que se encontram “em investigação, nos presentes autos, factos susceptíveis de consubstanciar, em abstracto, a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 104.º do RGIT- com referência a IVA e IRC dos anos de 2013 a 2015 (…)
Afigura-se-nos, pois, que existe coincidência entre o facto tributário em discussão nos processos de impugnação judicial supra referidos e os factos constitutivos dos crimes em investigação nos presentes autos (…)” (ponto QQ) do probatório).
Ou seja, não resultam dúvidas de que as correcções feitas às TICB também integram os factos investigados no processo de inquérito.
E não se diga, como faz a Recorrente, que tais correcções não têm qualquer relevância em matéria de investigação criminal ou que o MP referiu que o inquérito criminal tinha por objecto o crime de fraude fiscal por utilização e dedução de imposto contido em facturas falsas, já que, como se viu do ponto QQ) do probatório, o MP não circunscreveu o objecto da investigação à questão das facturas falsas, sendo que, bem ao contrário, citou a norma do art. 104.º do RGIT, relativa à fraude fiscal qualificada, tendo a sentença recorrida transcrito o disposto no seu n.º 2 a) e b), resultando de tal preceito o agravamento da pena prevista no art. 103.º do RGIT por utilização de facturas falsas (a)) e quando a vantagem patrimonial for superior a € 50.000,00 (b)) – que é o caso a que se refere a presente correcção.
Note-se, de resto, que a norma do art. 114.º n.º 1 do RGIT, indicada no Relatório de Inspecção como norma punitiva, refere que a conduta é punível com coima “desde que os factos não constituam crime”, o que é o caso quando a vantagem patrimonial for superior a € 50.000,00, como se viu.
Assim, também quanto à inclusão das correcções relativas às AICB no processo-crime não sofre a sentença recorrida de erro de julgamento.

Assim sendo, e sem necessidade de considerações adicionais, e exceptuando os factos agora aditados, improcede o recurso quanto ao invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto.

II.2.2. Erro de julgamento de Direito
Defende a Recorrente que a sentença sofre de erro de julgamento de direito, já que:
i) O alargamento do prazo de caducidade, previsto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, deve aplicar-se apenas às situações em que a AT está impossibilitada de liquidar (apurar o imposto em falta) antes de ser emitida uma decisão no processo-crime; a AT avançou com a liquidação dos impostos antes do despacho do processo-crime, pelo que já se encontrava caducado o direito à liquidação quando foi notificada; este entendimento deve ser seguido sob pena de violação dos princípios do Estado de Direito Democrático e da proporcionalidade, da certeza e da confiança (artigos 2.º e 18.º da CRP); mesmo que se aceite o alargamento do prazo, o mesmo só deve ocorrer com a notificação da instauração ao contribuinte do processo-crime, pelo que, neste caso, só o ano de 2015 estaria dentro desse alargamento; há inconstitucionalidade material do art. 45.º n.º 5 da LGT por violação dos arts. 2.º e 18.º da CRP quando interpretado no sentido de incluir no âmbito da suspensão do prazo de caducidade que (i) o desfecho do inquérito criminal não seja necessário, ou sequer relevante, para a liquidação dos tributos em causa; (ii) o inquérito criminal não é notificado ao contribuinte, impedindo-o de conhecer e de se conformar com a restrição dos seus direitos, liberdades e garantias resultantes da suspensão do prazo; mesmo que se admitisse que o alargamento do prazo de caducidade incluiria o IVA de 2014, o Tribunal errou ao considerar que o processo-crime contemplava as correcções às TICB, já que tal processo-crime só incluiu a facturação considerada falsa, o que não sucedeu com as TICB, cuja efectividade das operações não foi posta em causa, verificando-se a caducidade do direito à liquidação das liquidações dos períodos de 201409T e 201412T.
ii) – A sentença padece de erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo menos, quanto às correcções relativas às empresas A........, Lda., E........, Lda. e O........, Lda., já que, da prova produzida, se conseguiu estabelecer uma correlação entre os serviços prestados, o momento em que o foram e a actividade da Recorrente, nomeadamente, as impressões de plataformas informáticas com publicidade aos serviços prestados, as declarações dos gerentes sob compromisso de honra de que tais serviços foram prestados e pagos e a prova testemunhal; os valores facturados por aquelas empresas representam serviços prestados à Recorrente, relacionam-se com o exercício da sua actividade e esta pagou o valor indicado nas facturas, pelo que não lhe podia ser negado o direito à dedução do IVA suportado; esta actuação viola a jurisprudência do TJUE.

i) Começando pela questão da caducidade do direito à liquidação, foi a seguinte a decisão proferida pelo Tribunal recorrido:
Quanto ao disposto no n.º 5 do citado artigo 45.º da LGT, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, datado de 29/09/2022, no processo 0111/21.9 BALSB, disponível em www.dgsi.pt, decidiu o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, que: «I - A aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não exige que se deva verificar uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, mas apenas uma mera coincidência factual objetiva.
II - Não constitui requisito para operar o alargamento do prazo de caducidade previsto no artigo no n.º 5 do artigo 45.º da LGT que o direito à liquidação do tributo esteja condicionado pelo desfecho do processo de inquérito.».
E como se refere nos Acórdãos mencionados pelo Impugnante, todos disponíveis em www.dgsi.pt,
No sumário do Acórdão do TCAS datado de 31/01/2019, no processo 999/13.7BEALM: «(…) c. Para que ocorra a extensão do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, basta a mera instauração de inquérito criminal em relação a factos com relevância tributária.»;
No sumário do Acórdão do STA datado de 01/10/2014, no processo 0178/14: « I – A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos. (…)»;
No sumário do Acórdão do TCAN datado de 18/01/2012, no processo 00670/08.1BEBRG: «(…) III - O direito de liquidar os tributos caduca, em regra, no prazo de quatro anos mas, se o direito à liquidação respeitar a factos relativamente aos quais foi instaurado um inquérito criminal, o prazo de caducidade sofre um alargamento até ao arquivamento do inquérito ou, caso tenha havido acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
IV - Todavia, para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objeto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal. (…)».
Como se retira da jurisprudência citada, o n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, prevê, um alargamento do prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do mesmo preceito (4 anos), sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, até ao arquivamento deste ou do trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, sendo a data relevante para este efeito (de alargamento) a da instauração do inquérito criminal. (Entre outros, nos sumários dos Acórdão do TCAS datado de 11/11/2021 no processo 68/08/.1BEFUN e no datado de 28/10/2021, no processo 1659/17.5 BELRA, também disponíveis em www.dgsi.pt).
Nos termos do n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 60-A/2005, este alargamento, que opera, portanto, quanto ao cômputo do termo do prazo em causa, aplica-se aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor daquela lei.
No artigo 46.º da LGT encontram-se previstas as causas de suspensão do prazo de caducidade, previsto no artigo 45.º da LGT e do qual se destaca o disposto no seu n.º 1:
(...)
O artigo 36.º do RCPITA, sob a epigrafe “Inicio e prazo do procedimento de inspeção” prevê que:
(…)
No caso concreto, as liquidações de IVA impugnadas dizem respeito a períodos dos anos de 2013, 2014 e 2015 e contemplam correções ao IVA deduzido pela Impugnante em vários períodos desses anos, através de faturas que os SIT concluíram não revelarem reais transações, pelo que, nos termos do artigo 19.º, nºs 3 e 4 do CIVA, não aceitaram e corrigiram, a dedução do IVA nelas mencionado.
No caso das liquidações relativas aos períodos de 201409 e 201412, contemplam ainda correções à liquidação de imposto, que os SIT entenderam estar em falta, relativo a transmissões intracomunitárias de bens (TICB) declaradas pela Impugnante à sociedade B....... Comércio e Indústria, S.L.
Ainda que o direito à dedução do IVA contemplado em faturas seja exercido pelos sujeitos passivos do imposto apenas na submissão da declaração periódica, na qual se declara o IVA liquidado aos adquirentes e o IVA suportado nos fornecedores (dedutível), daí podendo resultar imposto a entregar ao Estado, mas também deixar o sujeito passivo numa situação de crédito de imposto, e o IVA seja considerado um imposto de obrigação única.
Nos termos do n.º 4 do artigo 45.º da LGT, o prazo de caducidade deste imposto, previsto no seu n.º 1, 4 anos, conta-se a partir do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
Vejamos então no caso concreto, o cômputo do prazo de caducidade relativamente ao ano de 2013, por ser aquele que se iniciou em primeiro lugar.
(…)
Termos em que, assiste razão à Impugnante quanto à caducidade do direito à liquidação relativamente ao ano de 2013.
Razão pela qual, devem ser anuladas as liquidações de IVA e juros compensatórios, relativas ao ano de 2013.
Quanto aos anos de 2014 e 2015, cujo prazo de caducidade de 4 anos, sem causas suspensivas do computo do mesmo, se completaria em 31/12/2018 e 21/12/2019, respetivamente.
No caso concreto, evidenciam os presentes autos que pelo menos os factos subjacentes às liquidações impugnadas estão compreendidos no processo de inquérito n.ºs 210/18.4IDLSB.
Como refere o Exmo. Procurador no Despacho remetido aos presentes autos (cfr. fls. 402 e ss. dos autos) os factos ali em investigação são suscetíveis de consubstanciar em abstrato a prática pela Impugnante do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artigo 104.º do RGIT, e com referência ao IVA (e IRC) dos exercícios de 2013 a 2015.
Prevendo o n.º 2 do artigo 104.º do RGIT que: «A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de farturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000.»,
Entende-se que o processo de inquérito criminal n.ºs 210/18.4IDLSB pode, em abstrato, contemplar também as correções relativas às TICB.
Termos em que, e aplicando a jurisprudência citada ao caso concreto, designadamente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado,
Uma vez que, os processos de inquérito n.º 210/18.4IDLSB e n.º 307/19.3IDLSB, foram instaurados dentro dos 4 anos, contados a partir de 01/01/2015 e 01/01/2016,
Ao caso concreto e relativamente aos anos de 2014 e 2015, é aplicável o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
Ou seja, no caso concreto, o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal: utilização de faturação falsa; pelo que o prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Encontrando-se o processo crime suspenso, o mesmo ainda não transitou em julgado, data à qual acrescerá um ano, para efeitos da contagem do prazo de caducidade.
Por conseguinte, no caso concreto, relativamente aos anos de 2014 e 2015, não ocorreu a caducidade do direito à liquidação do IVA relativo aos períodos de 2014 e 2015, ora impugnados.
Não se encontrando completado o prazo de caducidade, segundo o alargamento que lhe confere o n.º 5 do artigo 45.º da LGT e aplicável ao caso concreto, para os anos de 2014 e 2015, resulta prejudicada a apreciação da verificação das invocadas causas de suspensão do prazo de caducidade, previstas nos artigos 46.º da LGT e 36.º do RCPITA, essencialmente relevantes para o computo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, não aplicável ao caso concreto, nos termos descritos.
Termos em que, não assiste razão à Impugnante quanto ao invocado vicio de caducidade do direito à liquidação dos atos tributários impugnados, relativos aos anos de 2014 e 2015.”

Antes de mais, cumpre referir que, como resulta da decisão que se transcreveu, a impugnação foi julgada parcialmente procedente por se ter entendido ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação quanto às liquidações de IVA relativas ao ano de 2013.
Por assim ser, esse ano não foi objecto do presente recurso, o qual abrange apenas os anos de 2014 e 2015.
Por outro lado, como se viu, este Tribunal já acima se pronunciou, tendo considerado incluídas no processo-crime as correcções de IVA dos períodos de 201409T e 201412T relativas a transmissões intracomunitárias de bens para a sociedade B......., o que significa que o alegado, de forma subsidiária, quanto à caducidade do direito à liquidação do IVA destes dois períodos, com a fundamentação ali expendida, não tem provimento.

Dito isto, vejamos, pois, começando pelo regime legal aplicável.

O artigo 96.º n.º do CIVA, sob a epígrafe “Caducidade”, dispõe que “Só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária (…)”
Por seu turno, o art. 45.º da LGT preceitua que “1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - (…).
3 – (…).
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

A Recorrente defende que o alargamento do prazo de caducidade só ocorre quando a AT obtenha notícia de factos discutidos em processo-crime e desses factos dependa a liquidação e já não quando, havendo notícia do crime, a AT procede à liquidação do imposto antes do desfecho do procedimento criminal. Ou seja, considera que constitui pressuposto do alargamento do prazo que exista uma dependência ou prejudicialidade da liquidação do imposto relativamente à decisão a proferir no processo penal.

Precisamente sobre as questões aqui levantadas pronunciou-se STA num recente acórdão, de 23-10-2024, proferido no proc. n.º 1782/21.1BELRS, na sequência da admissão do recurso de revista, no qual era recorrida uma sociedade pertencente ao grupo de que faz parte a aqui Recorrente, com o qual concordamos inteiramente e a cuja fundamentação aderimos, nos termos do art. 8.º n.º 3 do CC, e que a seguir transcrevemos:
“(…)
Ora, no Acórdão recorrido entendeu-se que:
“Na interpretação que fazemos do art.º 45/5 da LGT, o alargamento do prazo de caducidade só ocorre quando a AT obtenha notícia de factos discutidos em processo-crime e desses factos, dependa a liquidação.
Mas já não vale para as situações, como a dos autos, em que a AT apurou factos em procedimento de inspecção tributária (deduções de imposto contido em facturas falsas), participou os factos à competente autoridade judiciária e, simultaneamente, efectuou liquidações oficiosas de imposto com base nos factos apurados em sede inspectiva e não com base em quaisquer factos apurados no processo-crime, cujo desfecho, aliás, só viria a ter lugar muitos anos decorridos sobre as ditas liquidações, ora impugnadas.”.

Será assim?
Nos termos do art. 45º nº 1 da LGT “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”, referindo o seu nº 5 que “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”.

Pois bem, no que concerne às liquidações adicionais de IVA, com interesse para os autos, é sabido que o prazo de caducidade do direito à liquidação iniciou-se em 01 de Janeiro do ano civil subsequente ao do facto tributário, nos termos do artigo 45º nº 4 da LGT, sendo que o prazo de caducidade do direito à liquidação dos factos ocorridos no ano de 2014 iniciou a sua contagem em 01 de Janeiro de 2015 e quanto aos factos ocorridos em 2015, o prazo iniciou a sua contagem em 01 de Janeiro de 2016, de modo que, se nenhum outro facto tivesse ocorrido, o direito da AT a liquidar o IVA em apreço terminaria em 31 de Dezembro de 2018 e 31 de Dezembro de 2019, respectivamente.
Ora, o probatório informa que:
(…)
Com este pano de fundo, ganha acuidade a questão de saber se tem aplicação o regime de alargamento do prazo de caducidade estabelecido no n.º 5 do art. 45.º da LGT a liquidações de IVA resultantes de correcções efectuadas pela AT, por ter sido detectada a dedução indevida desse imposto em relação a facturas, indiciariamente falsas, quando, relativamente a estes factos foi instaurado inquérito criminal contra a sociedade emitente daquelas facturas, mas as liquidações foram efectuadas antes do desfecho do processo-crime.

Neste domínio, cremos pertinente para enquadramento da realidade em apreço a alusão ao Ac. deste Supremo Tribunal de 08-09-2021, Proc. nº 0319/10.2BESNT, www.dgsi.pt, onde se ponderou que:
“…
Na interpretação das normas fiscais devem seguir-se as regras as regras e princípios gerais de interpretação das normas jurídicas, ou seja, as regras consagradas no art. 9.º do Código Civil (CC), como decorre do n.º 1 do art. 11.º da LGT.
Assim, desde logo, há que ter presente a letra da lei, que, não constituindo o único, nem sequer o mais importante elemento a considerar na tarefa hermenêutica, é o que constitui o seu ponto de partida e «[c]omo tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182. O mesmo Autor, na pág. 189, explicita: «A letra (o enunciado linguístico) é, assim o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação».), como resulta do disposto no n.º 2 do art. 9.º do CC.
Ora, com todo o respeito, a letra da lei não consente a interpretação defendida pela Recorrente. A previsão legal refere «o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal»; no texto da norma não encontramos qualquer referência ou alusão, ainda que remota ou implícita, ao enquadramento jurídico desses factos como infracções tributárias ou como infracções de natureza não tributária e, muito menos, que permita concluir que o legislador pretendeu que o alargamento do prazo do direito à liquidação aí consagrado se aplicasse exclusivamente ao inquérito criminal por factos insusceptíveis de integrarem infracção tributária (ubi lex non distinguet, nec nos distinguere debemus). A única referência efectuada pelo legislador é que a liquidação respeite a factos por que foi instaurado inquérito criminal, sem qualquer outra menção ou referência que possa ser convocada em abono da tese da Recorrente como podendo constituir o “mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” requerido pelo n.º 2 do art. 9.º do CC, no sentido de que os inquéritos aí previstos são apenas aqueles em que se investigue a prática de infracções não tributárias e já não os que se referem a infracções tributárias («[N]ão se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintáctico-formal) para afirmar um resulta que não resulte expresso.// Verifica-se, pois, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objecto que se pretende atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apreça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objecto deve considerar-se não significado» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 1 ao art. 11.º, pág. 120).). Se a intenção do legislador fosse, como sustenta a Recorrente, a de «que o inquérito criminal referido no art. 45.º, n.º 5 da LGT, é tão só aquele cuja instauração visa a perseguição criminal, por infracções não tributárias, mas de cujos actos criminosos possa resultar vantagens patrimoniais tributárias passíveis de tributação», por certo teria encontrado um modo de expressar esse desígnio na letra da lei (cf. n.º 3 do art. 9.º do CC).

Como salienta GERMANO MARQUES DA SILVA, «O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime e por isso que a extinção da responsabilidade penal tributária, seja qual for o seu fundamento, não implica por si só a extinção da responsabilidade pelo pagamento da prestação tributária» ( Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2.ª edição revista e ampliada, pág. 119.).
Acresce que o inquérito pode até ser arquivado por motivos que dispensem ou antecedam a necessidade do apuramento da situação tributária da qual depende a qualificação criminal dos factos e tenham outras consequências relevantes a nível de qualificação e sancionamento dos mesmos.
Seja como for, se houver irregularidade no inquérito, ou até nulidade, esta pode ser aí arguida, nos termos das regras do processo penal (cf. art. 118.º e segs. do Código de Processo Penal); não pode é a mesma irregularidade contender com a relação jurídico-tributária, tanto mais que, para além da já referida autonomia entre a responsabilidade criminal e a responsabilidade tributária, a liquidação tem mera natureza declarativa, que não constitutiva, da obrigação tributária, ou seja, a liquidação não é senão a «aplicação de uma norma tributária material, praticada por um órgão da Administração» (ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Livraria Almedina, 1972, págs. 83 a 92) e que «define o conteúdo das posições jurídicas do Estado e do Contribuinte, concretizando, para o primeiro, o direito a receber uma prestação pecuniária de determinado montante, e, para o segundo, o dever de a prestar» (CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, pág. 414.); não pode a mesma irregularidade, designadamente, obstar a que a Administração Tributária, no exercício das competências que lhe estão legalmente cometidas [cf. art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CPPT], proceda à liquidação do imposto que se mostrar devido, ainda que após o termo do processo penal.
E porque se mantém essa obrigação de imposto - haja ou não a prática de um crime tributário - e prevenindo as demoras que a investigação, por norma e em razão da sua complexidade, exige, que o legislador entendeu permitir, aditando ao art. 45.º da LGT um n.º 5 (Através do art. 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006.), que, ao prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 1 desse artigo, se somasse mais um ano, tudo nos termos que deixámos referidos supra.
Ou seja, porque a obrigação de imposto se mantém, independentemente da prática do crime tributário, para garantir a liquidação dos impostos evadidos, tendo em conta a complexidade geralmente associada à investigação da criminalidade tributária, o legislador terá adoptado como solução o alargamento do prazo de caducidade da liquidação do imposto respeitante a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Alargamento esse que, como deixámos dito, se deve verificar, quer o processo penal seja por crime comum quer seja por crime tributário; ponto é que a liquidação se refira a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. …”.

Para além do que fica exposto, o Pleno deste Supremo Tribunal, no seu Acórdão de 29-09-2022, Proc. nº 111/21.9BALSB, www.dgsi.pt, uniformizou jurisprudência no sentido de:
“I - A aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não exige que se deva verificar uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, mas apenas uma mera coincidência factual objectiva.
II - Não constitui requisito para operar o alargamento do prazo de caducidade previsto no artigo no n.º 5 do artigo 45.º da LGT que o direito à liquidação do tributo esteja condicionado pelo desfecho do quérito”.

Nesta matéria, o aludido aresto refere que:
“…
Recorde-se, desde logo, o que se encontra disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT: “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”
Perante esta redacção, caberá indagar se é válida a leitura mais restritiva da decisão arbitral recorrida ou a leitura menos restritiva constante do Acórdão fundamento.
Ora, já adiantamos, que o presente Recurso merece provimento e que é a leitura menos restritiva que deve prevalecer. E são quatro as razões pelas quais assim se deve concluir.
IX. Em primeiro lugar, é legítimo admitir que, se o legislador pretendesse fazer depender o exercício do direito à liquidação da sorte do inquérito-crime, então teria certamente optado pela solução da suspensão do prazo de caducidade ou, no limite, até pela sua interrupção; com isto, permitiria que o procedimento de liquidação fosse retomado ou reiniciado a partir do momento em que o pudesse fazer, tal como na situação-regra não patológica. Com efeito, e valendo-nos das palavras da decisão arbitral recorrida, enquanto a “questão prejudicial” não ficasse sedimentada e resolvida, o credor tributário nunca estaria em condições de determinar com rigor os elementos subjectivo e objectivo do facto tributário e, no seu seguimento, promover a liquidação do imposto devido; pelo que apenas a suspensão ou interrupção de um tal prazo configurariam a estatuição adequada a uma tal hipótese normativa.
Ora, não foi esta a opção do legislador e, já por aqui se vislumbra o desacerto da interpretação consagrada na decisão arbitral recorrida, aqui em crise.
X. Em segundo lugar, e na linha do acabado de expor, a proposta interpretativa vertida na decisão arbitral recorrida já encontra, em bom rigor, suporte direto e imediato numa norma expressa da Lei Geral Tributária - a saber, o artigo 46.º, n.º 2, alínea a), o qual dispõe: “O prazo de caducidade suspende-se ainda: a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;”.
Seria, de um ponto de vista da sistemática jurídica, muito pouco curial que o legislador desenhasse uma norma especial de caducidade quando o ordenamento já possui uma norma com idêntico escopo. Mas seria ainda mais grave, na linha da interpretação perfilhada na decisão arbitral recorrida, que o legislador o fizesse com uma estatuição distinta e mais favorável ao contribuinte potencialmente criminoso; ou seja, na interpretação veiculada na decisão arbitral em crise, haveria duas normas aplicáveis a situações de conhecimento prejudicial à liquidação, sendo a reservada aos crimes mais gravosa para a tutela dos interesses do credor fiscal do que a norma geral reservada às demais situações em que tal prejudicialidade ocorresse.
Tal significaria, a ser admitida a leitura propugnada na decisão arbitral recorrida, que o legislador estaria a dar o sinal contrário àquele que se teria pretendido com a introdução da norma no ordenamento nacional; o que não se pode conceder.
XI. Em terceiro lugar, a ter-se por prevalecente a posição perfilhada na decisão arbitral recorrida, o corolário forçoso da mesma conduziria a que todas as potenciais liquidações teriam de ter lugar no prazo de um ano, uma vez assente a questão prejudicial. Nem antes, nem depois.
A AT ficaria, assim, efectivamente coartada de exercer em tempo a sua acção de liquidação do tributo. É que, ao fazê-lo antes de terminado o processo criminal, a conclusão (à semelhança do que faz a decisão arbitral recorrida mas em completa oposição com o Acórdão Fundamento, assim como a demais jurisprudência infra citada) seria a de que os factos não se encontrariam dependentes do investigado e apurado no processo criminal e, por isso, o prazo seria inaplicável ex lege. Logo, para fazê-lo dentro do prazo legal, segundo a linha interpretativa ora questionada e precisamente pelo facto de o apurado no inquérito criminal funcionar como um prius à intervenção da AT, esta teria de instruir todo um novo procedimento inspectivo a partir das conclusões criminais, apurar o respectivo quantum tributário e emitir e notificar a subsequente liquidação no período de apenas um ano.
Atenta a jurisprudência deste Supremo Tribunal abaixo descrita - toda ela assente em factualidade semelhante, com as liquidações dos impostos a precederem a conclusão do processo criminal - é manifestamente inviável a aceitação de tal postulado e da correspondente premissa interpretativa que lhe subjaz.
XII. Em quarto e último lugar, é de salientar - como bem fazem a Recorrente e o Ministério Público no seu Parecer - que a posição vertida na decisão arbitral parte da assunção de uma sobreposição entre as responsabilidades tributária e penal, em que esta é condicionante da verificação daquela, não podendo a liquidação ser exercida senão nos termos extraídos (ou apurados) no processo criminal.
Ora, como facilmente se conclui do que vimos expondo, não é assim que as coisas se passam.
Como se pode ler naquela que julgamos ser a posição mais recente deste Supremo Tribunal a respeito desta questão de Direito, no Acórdão lavrado no Processo n.º 319/10, de 8 de Setembro de 2021: “…o inquérito pode até ser arquivado por motivos que dispensem ou antecedam a necessidade do apuramento da situação tributária da qual depende a qualificação criminal dos factos e tenham outras consequências relevantes a nível de qualificação e sancionamento dos mesmos.
Seja como for, se houver irregularidade no inquérito, ou até nulidade, esta pode ser aí arguida, nos termos das regras do processo penal (cf. art. 118.º e segs. do Código de Processo Penal); não pode é a mesma irregularidade contender com a relação jurídico-tributária, tanto mais que, para além da já referida autonomia entre a responsabilidade criminal e a responsabilidade tributária, a liquidação tem mera natureza declarativa, que não constitutiva, da obrigação tributária…” E, mais adiante, pode ainda ler-se: “É porque se mantém essa obrigação de imposto – haja ou não a prática de um crime tributário – e prevenindo as demoras que a investigação, por norma e em razão da sua complexidade, exige, que o legislador entendeu permitir, aditando ao art. 45.º da LGT um n.º 5 (Através do art. 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006.), que, ao prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 1 desse artigo, se somasse mais um ano, tudo nos termos que deixámos referidos supra.
Ou seja, porque a obrigação de imposto se mantém, independentemente da prática do crime tributário, para garantir a liquidação dos impostos evadidos, tendo em conta a complexidade geralmente associada à investigação da criminalidade tributária, o legislador terá adoptado como solução o alargamento do prazo de caducidade da liquidação do imposto respeitante a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.” E isto, na linha da Doutrina mais reputada, também citada nesse Acórdão, que esclarece em termos cabais: “O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime e por isso que a extinção da responsabilidade penal tributária, seja qual for o seu fundamento, não implica por si só a extinção da responsabilidade pelo pagamento da prestação tributária.” - Germano Marques Da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2.ª edição, 2018, p. 119.
XIII. A posição interpretativa vertida no Acórdão fundamento é, por isso, a única que pode lograr vencimento, tornando possível a existência de liquidações previamente à conclusão dos inquéritos crime e eventuais processos criminais que se lhes sigam.
Assim, importa concluir que a hipótese de Direito do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não pressupõe uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, mas uma mera coincidência factual objectiva.
A este respeito, cabe ainda registar que a linha interpretativa vertida no Acórdão fundamento corresponde àquela para a qual aponta já a jurisprudência deste Supremo Tribunal, a qual, sublinhe-se nunca sugere (nem muito menos refere) uma qualquer suposta prejudicialidade entre a factualidade resultante do inquérito-crime e a liquidação do imposto.
É, com efeito, assim que se pode ler, no Acórdão constante do Processo n.º 73/16, de 6 de Dezembro de 2017, que: “Não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.”, mas igualmente no Acórdão deste Supremo Tribunal, no Processo n.º 73/16, de 6 de Dezembro de 2017, onde se declarou que: “…uma vez as facturas cujo IVA foi não pode ser deduzido (no entendimento da AT) foram objecto de inquérito criminal, existe uma identidade objectiva entre o processo fiscal e o inquérito criminal, que determina o alargamento do prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não sendo para tal necessário que o sujeito passivo tenha sido constituído arguido no inquérito ou que contra ele tivesse sido instaurado inquérito.” - disponível em www.dgsi.pt (sublinhados nossos).
Tal leitura é de molde a logo demonstrar a inviabilidade da tese da suposta existência de uma questão prejudicial, posto que a putativa prejudicialidade não deixaria de, forçosamente, abranger quer a factualidade quer a sua imputação subjectiva; quer dizer, não só não é de exigir qualquer relação de prejudicialidade para a verificação da hipótese normativa do artigo 45.º, n.º 5 da LGT, como, mesmo dentro da identidade exigida, não se impõe sequer que a mesma se estenda à imputação subjectiva dos factos.
Noutra anterior ocasião, por Acórdão prolatado no Processo n.º 777/18, em 5 de Setembro de 2018, este Supremo Tribunal esclareceu que: “É, por isso, de afirmar que os elementos recolhidos no procedimento inspetivo, instaurado em 16/12/2014, se destinaram a apurar a responsabilidade tributária dos sujeitos passivos e a instruir o processo-crime instaurado nessa data, uma vez que tanto naquele como neste caso a instauração foi efetuada com base nos mesmos elementos indiciantes de ocultação de rendimentos pelo que são os mesmos os factos que deram origem ao processo-crime e ao procedimento que culminou na fixação do rendimento tributável cuja decisão foi impugnada.
É, por isso, aplicável à situação dos presentes autos o alargamento do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT sendo que o prazo de caducidade só termina um ano após o arquivamento do quérito ou do trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
Não se torna necessário, para que ocorra o mencionado alargamento do prazo, como se sustenta na sentença recorrida, que se apurem novos factos no processo-crime mas diversamente que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação.” - disponível em www.dgsi.pt (sublinhados nossos)
Numa outra ocasião, ainda, no Acórdão vertido no Processo n.º 1313/16, de 30 de Abril de 2019, pode ler-se que: “O legislador estabeleceu que quando haja identidade entre os factos tributários e aqueles que estão a ser investigados em inquérito criminal, o prazo de caducidade da liquidação dos tributos suportados nesses factos tributários se estende até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, sem desvendar a razão de tal opção ou lhe estabelecer restrições, o que impede o intérprete de o fazer. Assim, mesmo que a Autoridade Tributária disponha de todos os elementos necessários à liquidação, pode aguardar o desenrolar do processo criminal para proceder à liquidação.
O processo criminal que utiliza especializados e mais eficientes meios de investigação que os que estão ao alcance da Autoridade Tributária pode vir a encontrar elementos seguros que apontem para a liquidação do acto de liquidação ou que demonstrem que ela não deva ter lugar, ou que deva ter uma diferente amplitude daquela inicialmente antevista pela Autoridade Tributária, como pode não acrescentar qualquer elemento novo àqueles que já se conheciam no momento da instauração do inquérito sem que isso diminua o alargamento do prazo de caducidade de liquidação do tributo aqui em referência.” - disponível em www.dgsi.pt (sublinhados e negritos nossos).
XIV. De toda esta jurisprudência se conclui, em conformidade com a leitura aqui propugnada pela Recorrente, que não constitui requisito para operar o alargamento do prazo de caducidade previsto no artigo no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, que o direito à liquidação do tributo esteja condicionado pelo desfecho do quérito. …”.

A partir daqui, temos que no decurso do ano 2018, foi instaurado o Proc. de Inquérito n.º ...9/18...., à impugnante, com incidência sobre as correções efetuadas no âmbito da ação inspetiva aos exercícios de 2013 e 2014, por referência às operações simuladas, conforme quadro infra - cfr. fls. 1325 dos autos SITAF:
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E bem assim que no decurso do ano de 2019, por referência às operações “simuladas”, foi instaurado à impugnante, o quérito n.º ...6/19...., com incidência sobre as correções efetuadas no âmbito da ação inspetiva ao exercício de 2015, conforme quadro infra:
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- cfr. fls. 1804 e 1805 dos autos SITAF;
Por outro lado, considerando os termos dos relatórios de inspecção descritos nos autos, não se discute que existe identidade entre os factos apurados no procedimento inspectivo e os factos relevados no quérito criminal, sendo que o acórdão recorrido procedeu ao enquadramento desta matéria e decisão com base neste pressuposto, mais referindo que o processo-crime aguarda decisão final na impugnação judicial dessas liquidações, nos termos do art.º 47.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Assim sendo, perante a realidade descrita e a melhor leitura do artigo 45º nº 5 da LGT, tem de entender-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA dos períodos de 2014/01 a 2014/12 (em qualquer das suas vertentes - i) a dedução indevida de IVA, por corresponder a operações simuladas, e; ii) falta de liquidação de IVA por não ter sido feita a prova de que eram operações intracomunitárias) é alargado até ao arquivamento do inquérito n.º ...9/18.... ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, de modo que, tendo as liquidações adicionais de IVA dos períodos de 2014/01 a 2014/12, sido emitidas em 2020-02-07 e as respectivas notas de cobrança notificadas à Impugnante em 2020-02-08, não pode falar-se de caducidade do direito à liquidação do IVA de 2014, o mesmo sucedendo em relação ao IVA de 2015, em que o prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA dos períodos de 2015/01 a 2015/12 é alargado até ao arquivamento do inquérito n.º ...6/19.... ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, sendo que as liquidações adicionais de IVA dos períodos de 2015/01 a 2015/12, emitidas em 2020-02-20, e as respectivas notas de cobrança notificadas à Impugnante em 2020-02-21.

Em suma, considerando o que ficou exposto e a aplicação da norma em apreço à situação em equação nos autos, não temos dúvidas em acompanhar o afirmado no Acórdão que admitiu a revista no sentido de que o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu em sentido oposto ao do citado Acórdão do Pleno, de modo que, importa aqui reafirmar o exposto no citado aresto - Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 29-09-2022, Proc. nº 111/21.9BALSB, www.dgsi.pt, o que significa que o Acórdão recorrido não pode manter-se, o que implica a procedência do presente recurso, a revogação do Acórdão recorrido, determinando-se a baixa dos autos ao TCA Sul para apreciação das demais questões suscitadas no âmbito do recurso interposto para aquele Tribunal pela Impugnante/Recorrente “A..., Lda.”

Tal como no Acórdão acabado de citar, também nos presentes autos se reafirma o entendimento ali expendido quanto ao alargamento do prazo de caducidade, nos termos do art. 45.º n.º 5 da LGT, já que não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos de tal alargamento, seja exigível, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto, ou seja, não sendo para tal necessário que o sujeito passivo tenha sido constituído arguido no inquérito ou que contra ele tivesse, sequer, sido instaurado inquérito.
De resto, no sentido de que a data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração, cfr. Acórdão do STA, 21-10-2015, proferido no proc. n.º 01477/13.
Estas conclusões, ao contrário do afirmado, não violam quaisquer “direitos, liberdades ou garantias” da Recorrente, nem os princípios do Estado de Direito Democrático (que, de resto, não são minimamente substanciados no recurso) ou da certeza, segurança jurídica e proporcionalidade, já que se tratou de uma opção legislativa legítima que, na tensão entre os legítimos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes e o direito do Estado a obter a cobrança dos impostos devidos, igualmente digno de protecção, e atendendo à complexidade geralmente associada à investigação da criminalidade tributária, com a necessidade de descoberta da verdade material e de prevenção das infracções tributárias e da prossecução da legalidade, adoptou a solução do alargamento do prazo de caducidade da liquidação do imposto respeitante a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. O alargamento do prazo não se pode considerar, assim, violador do princípio da proporcionalidade, na exacta medida em que a restrição resultante de tal alargamento foi ditada apenas para os casos mais graves, de criminalidade económica, a exigir medidas como a adoptada, sendo, ademais, o alargamento do prazo limitado no tempo.
Esta interpretação do art. 45.º n.º 5 da LGT não viola, por isso, os artigos 2.º e 18.º da CRP, não sendo tal norma materialmente inconstitucional.

Aqui chegados, a conclusão a que chegou a sentença recorrida de que não se verificou a caducidade do direito à liquidação relativamente ao IVA dos anos de 2014 e 2015, não merece censura.
Com efeito, como resulta da factualidade apurada, os factos tributários que deram origem às liquidações de IVA dos anos de 2014 e 2015 são provenientes de acção de inspecção e estão incluídos nos procedimentos criminais instaurados nos anos de 2018 e 2019, respectivamente, portanto, dentro do prazo de 4 anos previsto na lei (cfr. pontos A), C), G) e H) do probatório).
Nesta conformidade, o prazo de 4 anos foi alargado até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, por força do estatuído na norma do n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
O que significa que, uma vez que os impostos se reportam aos anos de 2014 e de 2015, que o inquérito criminal foi instaurado no prazo de quatro anos, que os factos subjacentes à liquidação foram objecto de investigação criminal, que o processo de inquérito se mantém suspenso, impõe-se concluir que aquando da notificação das liquidações, em Março de 2020 (ponto S) do probatório), ainda não tinha decorrido o prazo previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, pelo que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação.

Em suma, a sentença recorrida que concluiu pela improcedência da caducidade do direito à liquidação de IVA dos anos de 2014 e 2015 não incorreu nos apontados erros de julgamento, pelo que deve ser confirmada.

ii) Prosseguindo na apreciação do recurso, invoca Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito quanto às correcções relativas às empresas A........, Lda., E........, Lda. e O........, Lda., já que, da prova produzida, se teria conseguido estabelecer uma correlação entre os serviços prestados, o momento em que o foram e a actividade da Recorrente: impressões de plataformas informáticas com publicidade aos serviços prestados, declarações dos gerentes sob compromisso de honra de que tais serviços foram prestados e pagos e prova testemunhal; os valores facturados por aquelas empresas representam serviços prestados à Recorrente, relacionam-se com o exercício da sua actividade e esta pagou o valor indicado nas facturas, pelo que não lhe podia ser negado o direito à dedução do IVA suportado; esta actuação viola a jurisprudência do TJUE.

Antes de apreciar estes fundamentos do recurso, há, porém, que fazer uma precisão quanto ao seu objecto.
Analisadas as alegações e as conclusões, verifica-se que, quanto ao erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito, apenas questiona o julgado quanto às correcções efectuadas pela AT às deduções de IVA das facturas emitidas pelas sociedades A........., Lda., E........, Lda. e O........, Lda., com fundamento no facto de serem operações simuladas, conformando-se com as correcções efectuadas às deduções de IVA relativas às facturas emitidas pelas restantes sociedades identificadas no RIT. Do mesmo modo, e quanto à sociedade espanhola B......., cujas correcções se fundamentaram no facto de, não se tratando de TICB, não estarem isentas de IVA, verifica-se que a Recorrente apenas invoca o erro de julgamento quanto à não verificação da caducidade do direito à liquidação, nada invocando quanto ao erro de julgamento relativamente aos pressupostos de facto e de direito de tais correcções.
Ora, tal tem como consequência necessária a não abrangência de tais questões no presente recurso, significando que as deixou cair, conformando-se com o decidido pelo Tribunal recorrido.
Por assim ser, está este Tribunal impedido de sobre elas se pronunciar.

Feita esta delimitação, vejamos, então.

Quanto à presunção de veracidade da facturação, dispõe o n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária que:
1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
(…)”

No que concerne à presunção de veracidade das operações materiais que as facturas devem documentar, tem sido entendimento reiterado da jurisprudência que compete à Administração Tributária demonstrar os indícios sólidos da natureza fictícia do documento.
Cumprido o respectivo ónus probatório, compete a quem a imputação de falsidade é feita contradizer essa prova, demonstrando que a operação é verdadeira ou, pelo menos, alegando factos que abalem os indícios de falsidade em favor da presunção legal de veracidade.
Se é certo que a existência de meras irregularidades na contabilidade não é suficiente para ilidir a presunção de veracidade dos documentos contabilísticos, cabe sempre ao contribuinte alegar as razões que justificam as irregularidades contabilísticas ou factos que possam verosimilmente pôr em causa os indícios apontados pela Administração Tributária (cf., inter alia, Acórdãos TCA Sul, de 17-10-2019, proc. n.º 954/09.1BEALM; TCA Norte, 30-04-2019, proc. n.º 03271/06.5BEPRT; TCA Norte, 04-04-2019, proc. n.º 01406/07.0BEBRG; TCA Norte, 08-02-2018, proc. n.º 01981/08.1BEPRT; TCA Sul, de 26-06-2014, proc. n.º 07148/13; TCA Sul, 26-04-2014, proc. n.º 07141/13).
Conforme sintetizado no acórdão do STA, de 27-02-2019, proc. n.º 01424/05.2BEVIS 0292/18:
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.
No âmbito da facturação falsa, não é, pois, exigível que a AT efectue a prova directa da simulação, competindo-lhe demonstrar indícios sérios e suficientes de que as operações descritas nas facturas não existiram. Cumprindo esse ónus e ilidindo a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir a este o ónus da prova da realidade subjacente à factura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora.
Tendo presente este contexto, desçamos aos autos, adiantando, desde já, que não foi posta em causa pela Recorrente a demonstração pela AT de indícios suficientes da falta de correspondência com a realidade das operações descritas nas facturas das empresas referidas. Ou seja, a Recorrente não contesta que lhe incumbe a demonstração da veracidade das operações descritas em tais facturas.
Como se viu, o que a Recorrente defende é que, ao contrário do decidido pelo Tribunal Recorrido, logrou demonstrar tal veracidade, atendendo à prova feita.
Nomeadamente, quanto às sociedades A......... e E........, juntou aos autos, a título de exemplo, documentos de várias plataformas informáticas com publicidade aos serviços prestados no restaurante, juntou declarações do seu gerente, com assinatura notarialmente reconhecida, nas quais afirma, sob compromisso de honra, que os serviços indicados nas facturas, emtidas no ano de 2014, foram prestados e pagos e produziu prova testemunhal, que confirmou a organização de eventos e festas, tanto no seu estabelecimento como fora dele, com serviços de catering, serviço de mesa e outros, com vários profissionais contratados externamente, tendo os depoimentos feito a descrição do modus operandi dos pagamentos; por outro lado, resulta do RIT que estas facturas se encontravam comunicadas no E-factura; quanto à sociedade O........, uma testemunha confirmou a identidade de um empresário “que se relacionou” com esta sociedade e que seria responsável por organizar alguns eventos.
Entende, por isso, que o Tribunal deveria ter olhado para toda esta prova e feito uma “apreciação conjunta e integrada” da mesma e concluído que os serviços indicados nas facturas foram prestados e pagos e, como tal, o respectivo IVA podia ter sido deduzido, sendo que entendimento contrário viola o direito europeu, o que tem sido decidido pelo TJUE.

Ora, o julgamento feito pelo Tribunal a quo foi conforme com a prova produzida, como se explanou acima, aquando da apreciação do invocado erro de julgamento da matéria de facto.
Foi o seguinte o percurso argumentativo seguido na sentença recorrida:
“(…)
Como se retira do probatório, a Impugnante registou na sua contabilidade, nas contas 271111 – Outras contas a receber e a pagar e 2782 – Credores Diversos (...)
No ano de 2014, faturas emitidas pelas sociedades: E........, Lda. – NIF 51..........; A........, Lda. – NIF 51..........;
E no ano de 2015, faturas emitidas pelas sociedades: E........, Lda. – NIF 51..........; A........, Lda. – NIF 51..........; C........., Lda. – NIF 51..........; A........., Lda. – NIF 51..........; O........, Lda. - NIF 51..........; P.........., Lda. – NIF 51..........;
E deduziu o IVA contemplado nessas faturas, nas declarações periódicas de IVA que apresentou, relativas aos meses de 2013 a 2015.
Mais se retira, que os SIT realizaram várias diligências de comprovação dos registos contabilísticos da Impugnante (concretamente ao Balancete Analítico e extratos das contas correntes disponibilizados pela Impugnante), designadamente quanto ao registo contabilístico dos pagamentos daquelas faturas.
E quanto às sociedades emitentes de faturas registadas nessa contabilidade, através da consulta ao sistema informático da AT; deslocações às respetivas sedes sociais, consulta ao sistema E-Fatura, relativamente a faturas ali comunicadas em que figuravam como adquirentes e/ou emitentes; e contactos com os respetivos contabilistas certificados.
Do resultado dessas verificações, conjugadas entre si, mencionando os artigos 20.º e 19.º, n.º 3 e 4 do CIVA, concluíram os SIT que existem indícios fundados de se estar perante faturas que não revelam reais transações, pelo que os montantes do IVA deduzido nelas contemplado, não foi aceite, o que por sua vez, conjuntamente com a correção relativa às TICB nos períodos de 201409 e 201412, já apreciada e decidida, deu lugar às liquidações objeto da presente impugnação.
Cumpre então aferir se as faturas emitidas à Impugnante pelas sociedades mencionada no RIT, dizem respeito a operações simuladas e como tal não conferem o direito à dedução do IVA nelas contemplado, ou se ao invés, titulam operações reais que, verificados os demais pressupostos (os quais não foram postos em causa pelos SIT) conferem direito à dedução do IVA ali contemplado.
(…)
O confronto dos elementos e informações compulsados pelos SIT, detalhadamente descritos no RIT, designadamente os aqui destacados, conjugados entre si, constituem indícios bastantes e sólidos, para afastar a presunção de veracidade das declarações, contabilísticas e fiscais da Impugnante, relativamente às faturas emitidas pelas sociedades referidas no RIT, porquanto,
Estas sociedades não evidenciaram ter estrutura empresarial para os serviços faturados, quer pela falta de trabalhadores registados para efeitos fiscais e relativamente aos quais tenham sido observadas as inerentes prescrições legais, como seja a inscrição na Segurança Social quer pelas relações comerciais e pessoais demonstradas entre si.
Ao que acresce o confronto entre os CAE com os quais se encontravam registadas e os descritivos das faturas emitidas, demasiado genéricos, e o descrito no RIT a propósito dos pagamentos, que a Impugnante não logrou provar.
No caso em apreço, encontram-se assim reunidos e evidenciados no RIT, indícios de que a faturação emitida nos anos de 2013 a 2015 pelas sociedades C......... Lda.; P........., Lda.; C........., Lda.; A........., Lda.; E….., Lda.; A….., Lda.; T….., Lda.; E........, Lda.; A........, Lda.; C........., Lda.; A........., Lda.; O........, Lda.; e P.........., Lda. e refletidas nas declarações periódicas de IVA apresentadas, cujo IVA foi deduzido pela Impugnante, é falsa.
Uma vez reunidos no RIT indícios sérios e consistentes, de faturação falsa, isto é, que aquelas faturas não correspondem a operações efetivamente realizadas,
Impende sobre a Impugnante o ónus de demostrar que as operações tituladas por essas faturas, e das quais deduziu o IVA nelas contemplado, em 2013 a 2015, correspondem a operações reais, ou seja, que aqueles serviços faturados lhe foram realizados pelos emitentes das faturas registadas na sua contabilidade.
(…)
Como resulta provado, a atividade desenvolvida pela Impugnante nos anos de 2013 a 2015, consistia, para além da exploração do restaurante sito na Rua Barata Salgueiro em Lisboa, na realização de eventos temáticos e/ou promocionais quer solicitados por clientes quer no âmbito dos compromissos comerciais assumidos com determinados fornecedores, como resulta provado, de bebidas.
Todavia, a Impugnante não circunstanciou as datas e locais dos eventos realizados.
Juntou apenas e a titulo de exemplo, 6 impressões das publicações nas redes sociais da respetiva promoção, nos anos em causa. Sem fazer qualquer correspondência com as faturas emitidas ou os serviços empregues em cada um.
Mais se provou na presente impugnação que o pessoal externo às empresas do grupo O........., assim como os equipamentos específicos necessários para determinados eventos, era colocado à disposição da Impugnante por determinadas pessoas (que não foram identificadas nem pela Impugnante nem pelas testemunhas arroladas) e que aquando da prestação dos serviços, não se identificavam através de nenhuma das sociedades emitentes.
Como se referiu, demonstrados pelos SIT indícios que permitem concluir que se tratam de emitentes de faturas falsas,
Para efeitos do direito à dedução de IVA previsto no artigo 20.º do CIVA, contemplado nessas faturas, face ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º do CIVA, não basta à Impugnante provar que realizava eventos para além da exploração do restaurante, e que na organização e realização dos mesmos, recorria a terceiros - o que, note-se, nem sequer foi questionado pelos SIT.
O que a Impugnante alegou genericamente na PI, e que se situa quase num plano de senso-comum, resulta provado pelos depoimentos igualmente genéricos das testemunhas arroladas.
No entanto, o que se impunha à Impugnante provar é que as faturas desconsideradas pela AT para efeitos de IVA, diziam respeito a operações reais - identificando e demonstrando as respetivas datas e locais em que ocorreram os seus eventos, fazendo-os corresponder às faturas registadas na sua contabilidade - e sobretudo que foram realizadas por aqueles emitentes, que sendo pessoas coletivas o fariam através de pessoas físicas, já que os SIT reuniram e evidenciaram indícios consistentes de que não possuíam estrutura empresarial para tal, designadamente trabalhadores inscritos na Segurança Social.
E esta prova a Impugnante não fez.
Se por um lado se pode admitir que a gerência da Impugnante não tivesse a preocupação conhecer a estrutura empresarial, patrimonial ou laboral de cada sociedade emitente,
Já não é razoável, admitir que essa gerência não conhecia nem se relacionava com os gerentes daquelas, num meio até circunscrito como se entende que é a organização e sobretudo, a animação de eventos como os realizados pela Impugnante.
Estão em causa sociedades relacionadas entre si, algumas unipessoais, com elementos de conexão à Impugnante, como era o caso dos Contabilistas Certificados; relativamente às quais os meios de pagamento imputados são demasiado informais, para que não houvesse uma relação de confiança entre ambas as sociedades e sobretudo, as respetivas gerências.
Nem os pagamentos em numerário, nem através de cheques ao portador, permitem identificar quem os recebeu, se as sociedades emitentes, se os seus gerentes e/ou se quaisquer outras pessoas por elas designadas; e em que data tiveram lugar, se aquando da prestação do serviço no evento (descrito pelas testemunhas ter ocorrido em alguns casos); se em data posterior ao evento, no escritório da Impugnante (descrito pelas testemunhas ter ocorrido noutros casos, e sempre sem indicar qualquer emitente ou serviço); se na data em que foram registados na contabilidade, os que foram, vários deles, no ano seguinte à fatura a que diriam respeito.
Razões pelas quais, concluímos que a Impugnante não logrou demonstrar que os serviços titulados pelas faturas emitidas pelas sociedades C......... Lda. – NIF 50…..; P........., Lda. – NIF 51….; C........., Lda. – NIF 51….; A........., Lda. – NIF 50….; E…., Lda. – NIF 51….; A…, Lda. – NIF 50…..; T….., Lda. – NIF 51……; E........, Lda. – NIF 51..........; A........, Lda. – NIF 51..........; C........., Lda.; A........., Lda.; O........, Lda.; P.........., Lda. e refletidas nas declarações periódicas de IVA apresentadas, correspondem a operações reais, ou seja, que aqueles serviços foram efetivamente realizados por aquelas sociedades.
E era isto que lhe cabia provar, como forma de invalidar as liquidações impugnadas.
Termos em que, tendo a Administração fiscal afastado a presunção de veracidade das operações tituladas pelas faturas emitidas pelas sociedades C......... Lda.; P........., Lda.; C........., Lda.; A........., Lda.; E……, Lda.; A…..Lda.; T….., Lda.; E........, Lda.; A........, Lda.; C........., Lda.; A........., Lda.; O........, Lda.; e P.........., Lda., registadas na contabilidade da Impugnante, com base nas quais deduziu IVA no montante total de € 553 052,74, (€ 107 697,50, em diversos períodos do ano de 2013; € 122 360,00, em diversos períodos do ano de 2014; e € 123 673,30, em diversos períodos do ano de 2015);
Não resultando provada a realização das operações descritas nessas faturas por aqueles emitentes,
O direito à dedução do IVA nelas contemplado, encontra-se inviabilizado pelo disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º do CIVA.
Por conseguinte,
Não assiste razão à Impugnante quanto a este fundamento da presente impugnação, improcede, nesta parte a presente impugnação. (…)”

Concorda-se e acompanha-se o assim decidido, cujas críticas que lhe são desferidas pela Recorrente não são merecidas.
Esta defende que, quanto às sociedades A........., E........ e O........, da prova produzida, se teria conseguido estabelecer uma correlação entre os serviços prestados, o momento em que o foram e a actividade da Recorrente.
Quanto aos documentos de várias plataformas informáticas com publicidade aos serviços prestados no restaurante, trata-se de documentos que não foram relevados no probatório pela sentença recorrida, nem fundamentaram os factos julgados provados, pelo que, não tendo, quanto a eles, sido devidamente impugnada a matéria de facto, não poderão ser aqui valorados.
No entanto, sempre se diga que, tal como concluiu a sentença, a AT não pôs em causa nem a actividade da Recorrente, nem que, para além dos restaurantes, realizava eventos e festas para as quais necessitava de recorrer a prestadores de serviços e mão-de-obra externa. Isto mesmo está reflectido nos factos provados AA), DD) e EE) da sentença recorrida.
O que foi julgado não demonstrado pela Recorrente, e que este Tribunal também subscreve, foi que tais serviços externos, ou seja, tais eventos e festas com serviços externos de catering e serviços de mesa, etc,, indicados genericamente nas facturas desconsideradas, tivessem sido prestados pelas entidades referidas.
Ou seja, o que as testemunhas confirmaram, e tal foi julgado demonstrado, foi que houve organização de eventos e festas, tanto no seu estabelecimento e fora dele, com serviços de catering, serviço de mesa e outros, com vários profissionais contratados externamente, tendo os depoimentos feito a descrição do modus operandi dos pagamentos.No entanto, como se deixou explanado acima, aquando da aqpreciação do erro de julgamento de facto, tais depoimentos não lograram especificar datas e locais e não fizeram a relação entre as facturas em causa e os serviços concretos que teriam sido realizados. E tal sucedeu porque os depoimentos foram vagos e genéricos, o mesmo sucedendo com as declarações do gerente das emitentes das facturas, cuja relevância foi já acima apreciada. Acresce que o facto de tais facturas se encontrarem comunicadas no E-factura, nada adianta quanto à efectividade dos respectivos serviços nelas consignados.
Finalmente, e como se decidiu anteriormente, também os pagamentos não foram demonstrados, não tendo a Recorrente logrado provar, concretamente, o respectivo circuito financeiro relativamente a cada um dos alegados serviços.
E, assim sendo, não tendo sido capaz de demonstrar nem a efectividade dos serviços nem o seu pagamento, também não há a invocada violação do direito europeu a que se refere a jurisprudência do TJUE citada, a qual pressupõe sempre a demonstração dessa efectividade.

Daqui resulta que, nos termos do art. 19.º n.º 3 e 4 do CIVA, não é possível o exercício do direito à dedução do IVA contemplado nas facturas, pelo que as liquidações impugnadas se deverão manter.

Tanto basta para concluir que, também quanto ao invocado erro de julgamento de direito o recurso não pode proceder, não merecendo censura a sentença recorrida, a qual tem, por isso, de ser confirmada.
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Tendo em conta que foi fixado à causa o valor de € 585 339,18, resta apreciar se se justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A sentença recorrida, citando jurisprudência, entendeu dispensar tal remanescente em 80%, entendendo que “No caso em apreço, segundo os critérios elencados no n.º 7 do artigo 530.º do CPC, a causa não é de especial complexidade. Também a conduta processual das partes, se pautou pela boa-fé processual (cfr. artigo 8.º do CPC).
Este juízo mantém-se no presente recurso, entendendo o Tribunal que, tendo em conta a extensão das questões suscitadas, nomeadamente, a necessidade de reapreciação da prova, não se justifica a dispensa total do pagamento do remanescente, mas apenas na percentagem fixada na primeira instância.
Assim sendo, estando verificadas as condições previstas no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, calculado nos termos da Tabela I do RCP, em 80%.
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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça em 80%, nos termos vistos.


Registe e notifique.

Após trânsito, comunique o presente Acórdão ao processo de inquérito n.º 210/18.4IDLSB (DIAP – 3.ª Secçãode Lisboa)




Lisboa, 3 de Abril de 2025


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[Teresa Costa Alemão]


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[Rui A. S. Ferreira]



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[Maria da Luz Cardoso]