Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:473/15.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:CRISTINA ALEXANDRA PAULO COELHO DA SILVA
Descritores: IRC
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
DIRECTOR FINANCEIRO
Sumário:I– A tributação autónoma prevista no art. 88º, nº 13, al. a) do CIRC aplica-se apenas aos gestores, administradores e gerentes das sociedades que o fossem à data da rescisão do contrato de trabalho, sendo necessário que estes desenvolvam funções com impacto determinante na definição dos objectivos operacionais e estratégicos das empresas.
II– Na verdade, sendo uma norma anti abuso, a mesma não será de aplicar senão quando os gestores, administradores ou gerentes exercessem, de facto, tais funções.
II– Não tendo ficado provado que o Director financeiro da Impugnante exercesse quaisquer funções de gestão, à data em que lhe foi atribuída a indemnização por cessação do contrato de trabalho, o valor da indemnização paga não está sujeito a tributação autónoma nos termos do art. 88º, nº 13, al. a) do CIRC .
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO
T........, S.A., com o NIPC nº 50........., com os demais sinais dos autos, impugnou judicialmente a decisão de indeferimento da sua reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de IRC, na parte referente às tributações autónomas de IRC do exercício de 2012, no montante de € 53.900,00.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 12 de Janeiro de 2022, julgou a impugnação procedente.
Não concordando com a decisão, veio a Fazenda Pública dela interpor recurso.
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Para tanto, a Fazenda Pública, nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões que aqui se reproduzem:
CONCLUSÕES:
A. No caso sub júdice, considerou o douto Tribunal, que aquando a cessação do contrato de trabalho, o diretor não exercia funções determinantes para a definição dos objetivos empresariais, não tendo qualquer impacto sobre os destinos do grupo empresarial.
B. Salvo o devido respeito, por opinião contrário, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento, pois as funções do Sr. J.......... na sociedade impugnante passavam por estudar, organizar, dirigir e coordenar as atividades do departamento “New Projects Management”.
C. Tem sido entendimento da jurisprudência, que alguém que desenvolve os planos estratégicos e operacionais que entende ser os mais eficazes para atingir os objetivos propostos, que concebe as estruturas e estabelece as regras, políticas e procedimentos mais adequados aos planos desenvolvidos e, implementa e coordena a execução desses planos através de um determinado tipo de comando e de controlo, como era o caso do trabalhador J.........., têm um poder de gestão semelhante ao dos administradores e gerentes.
D. Com efeito, resulta da leitura do documento de revogação do contrato de trabalho junto aos autos, que competia ao trabalhador dirigir e coordenar as atividades de um dos departamentos da sociedade, significando isto, que no departamento que dirigia dentro da estrutura da empresa, esse trabalhador estabelecia as regras, políticas e procedimentos, bem como implementava regras e coordenava a execução dos planos, desempenhando, desta forma, um papel preponderante na definição das estratégias seguidas pela empresa, isto é, um papel de efetiva gestão.
E. Ao contrário do entendimento do douto Tribunal e salvo o devido respeito, que é muito, não nos podemos olvidar, que a Impugnante, ora recorrida, era a entidade que melhor poderia identificar as funções atribuídas ao Diretor em questão e certo é que no momento da entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2012, não teve qualquer dúvida, em sujeitar a tributação autónoma, o valor pago a título de indemnização nos termos da al. a) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC.
F. Diga-se ainda, que o facto do trabalhador não estar, nos meses finais da execução do seu contrato, a executar as funções que lhe estavam contratualmente atribuídas, tal não pode servir de critério para se aferir do conteúdo funcional da pessoa em causa nos termos da lei e do contrato vigente.
G. Assim, o trabalhador J.........., devido ao cargo de direção que, por direito, ocupava na sociedade, tinha ainda no momento da celebração do seu acordo de revogação do contrato de trabalho, uma especial capacidade de intervir na fixação da sua própria indemnização, em conflito de interesses entre a esfera empresarial e a pessoal, fundamento teleológico para a previsão da presente tributação autónoma.
H. Por todo o exposto e ao contrário do entendimento do douto Tribunal, estamos perante um gestor, para efeitos da incidência descrita no artigo 88.º, n.º 13, al. a) do CIRC.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!
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A recorrida, devidamente notificada, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
A. Atento o disposto na alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, para que exista sujeitação a Tributação Autónoma é necessário que se encontrem verificados, cumulativamente os seguintes pressupostos:
1) Tratar-se de uma indemnização ou compensação;
2) Que esta não esteja relacionada com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual;
3) E, por fim, que a mesma seja atribuída na sequência da cessação de funções de gestor, administrador ou gerente na parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daquelescargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão antes do respetivo termo.
B. Neste contexto, discute-se exclusivamente nos autos – e no âmbito do presente Recurso -, especificamente quanto ao terceiro sobredito pressuposto, se o valor da indemnização paga a um determinado trabalhador pela cessação do contrato de trabalho se enquadra na alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, ou seja, se as funções exercidas pelo mesmo cabiam ou não no conceito de “gestor” previsto na norma de sujeição a tributação autónoma;
C. Salvo o devido respeito, o Recurso apresentado pela IRFP consubstancia um recurso ‘vazio’, apresentado apenas ‘porque sim’, por mera discordância da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
D. Isto porque, em suma, se ao nível do direito, quanto à interpretação do conceito de “gestor” previsto na norma, a IRFP defende que um “Diretor” poderá estar sujeito a tributação autónoma se as respetivas funções forem, na prática, equivalentes à de um verdadeiro Gerente ou Administrador da sociedade (com base em jurisprudência que cita e que, aliás, foi seguida pelo Douto Tribunal recorrido);
E. A verdade é que, ao nível dos factos, a IRFP considera que o Dr. J..........(trabalhador) seria efetivamente um “gestor para efeitos da incidência descrita no artigo 88.º, n.º 13, al. a) do CIRC”, atento exclusivamente os termos do acordo de revogação do respetivo contrato de trabalho - quando este reproduz as funções (formais) desse trabalhador aquando da respetiva contratação 17 anos antes -, sem suplementarmente apresentar uma qualquer análise crítica ou refutação da prova provada nos autos, ao completo arrepio e contradição com a mesma.
F. Desconsiderando o facto de, em concreto, estar dado como provado nos autos que o trabalhador não estava efetivamente a exercer quaisquer funções na sociedade aquando dessa cessação, sequer as que lhe estavam contratualmenteformalizadas ab initio, não desempenhando, de todo, há vários anos e sob nenhuma forma ou meio, um qualquer ‘papel preponderante’ na definição das estratégias seguidas pela sociedade, que pudesse justificar a manutenção da sujeição à tributação autónoma sub judice (ver, mais em concreto, o facto G) do elenco dos factos dados como provados na Douta Sentença sob recurso, bem como toda a prova testemunhal produzida);
G. Numa argumentação de recurso que se revela, em si, contraditória e incoerente, pois a factualidade dada como provada nos autos, e não refutada, contraria a interpretação que a própria IRFP confere à norma.
H. Pelo que dever-se-á manter inalterada, por irrepreensível, quer ‘de facto’, quer ‘de direito’, a Douta Sentença sob recurso.
I. Mas não só: conforme já alegado em sede de primeira instância pela RECORRIDA, o conceito de ‘gestor’ previsto na norma sob análise tem sido interpretado em concreto – quer pelos agentes económicos, quer pela IT - como respeitando apenas aos conceitos de “gestor público” ou “gestor de sucursais” de entidades não residentes, o que levaria, de forma imediata, a concluir pela não aplicação da norma à situação.
J. Mas, novamente, ainda que assim não se considerasse, resulta inequívoco que à data do facto tributário o Dr. L........../trabalhador não teve ou exerceu quaisquer funções concretas que se pudessem, sequer aproximar, a um qualquer poder de gestão semelhante aos dos Administradores da T..........,
K. Em face do exposto e ao contrário do entendimento da RECORRENTE, é por demais evidente que, qualquer que seja a interpretação que se perfilhe, não estamos em concreto perante um gestor, para efeitos da incidência descrita no artigo 88.º, n.º 13, al. a) do CIRC, devendo, por isso, manter-se o sentido da Douta Sentença recorrida, com a correção da autoliquidação do exercício de 2012, e subsequente reembolso de € 53.900,00 pagos indevidamente a título de Tributação Autónoma.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL, SE REQUER, MUITO RESPEITOSAMENTE, QUE SEJA NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE NA ÍNTEGRA O TEOR DA DOUTA SENTENÇA AQUI RECORRIDA NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO, CORRIGINDO-SE O ERRO NA AUTOLIQUIDAÇÃO SUB JUDICE RELATIVA AO IRC DO EXERCÍCIO DE 2012 DA ORA RECORRIDA, DEVENDO ESTA SER REEMBOLSADA NO MONTANTE DE EUR 53.900,00 PAGOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA, NA SEQUÊNCIA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO MODELO 22 DO REFERIDO EXERCÍCIO, DADO O PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO POR CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, NO VALOR DE EUR 154.000,00, TER SIDO EFETUADO A UM TRABALHADOR QUE NÃO EXERCIA, SEQUER DE FACTO, QUAISQUER FUNÇÕES DE GESTOR, GESTOR PÚBLICO, DE ADMINISTRADOR OU GERENTE DE PESSOA COLETIVA, DE RESPONSÁVEL POR ESTABELECIMENTO ESTÁVEL DE UMA ENTIDADE NÃO RESIDENTE, NEM QUAISQUER OUTRAS QUE FOSSEM MATERIALMENTE EQUIVALENTES ÀS DE GESTOR, ADMINISTRADOR OU GERENTE, PARA EFEITOS DO ARTIGO 88.º, N.º 13 DO CIRC.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso da AT.
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Foram recolhidos os vistos legais.
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Delimitação do objeto do recurso
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da repectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recurso que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, a questão a decidir consiste em saber:
- Se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que o valor pago ao director financeiro da Impugnante e seu administrador num período antecedente, não está sujeito a tributação autónoma, nos termos e para os efeitos do artigo 88.º, n.º 13, al. a) do CIRC.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
Atenta a articulação das partes em juízo, e tendo em conta o disposto nos artigos 5º, nº 2 e 607º, nº 4, ambos do Código de Processo Civil (CPC), consideramse provados os seguintes factos, constantes dos autos e no processo administrativo instrutor, com relevância para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, tudo se dando por integralmente reproduzido:
A. A ora impugnante “T..........”, com o NIPC 50…., é uma sociedade anónima, com sede na Avenida A.........., em Sintra, dedicando-se ao exercício da atividade de gestão de participações sociais, encontrando-se enquadrada no “CAE 64202 – Act. Socied. Gestoras de participações sociais não financeiras”, e, para efeitos de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável. – [cf. fls. 132/133 do PA];
B. A Impugnante é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no âmbito do setor farmacêutico, designadamente, na indústria e comércio de produtos de especialidades farmacêuticas, medicamentos, produtos químicos, dietéticos, de higiene, dermocosméticos e alimentar, sendo a sociedade dominante do GRUPO T.........., tributado pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) – [facto não controvertido];
C. Em 01.06.1995, J.......... foi contratado pela Impugnante para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Diretor, no âmbito das quais lhe competia estudar, organizar, dirigir e coordenar as atividades do departamento “New Projects Management” - [facto provado pelo depoimento da testemunha F..........];
D. Desde o momento em que entrou na sociedade, em junho de 1995 até final de maio de 2008 exerceu exclusivamente as funções de Diretor Financeiro – [facto provado pelo depoimento das testemunhas B.......... e F..........];
E. Em 30.05.2008, o Dr. L.......... foi nomeado Administrador da Impugnante, tendo renunciado a esse cargo em 30.08.2009 – [cf. certidão do registo comercial, junta a fls. 121/129 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
F. No exercício das suas funções, enquanto Administrador, foi-lhe atribuído o pelouro industrial, incluindo o controlo da produção da nova fábrica adquirida, nesse ano, à J.........., sita na Abrunheira, em Sintra, o que não terá sido bem sucedido, tendo gerado sucessivos conflitos com os restantes membros da empresa – [facto provado pelo depoimento das testemunhas B.......... e F..........];
G. No período que antecedeu a cessação de funções como Administrador, até à cessação do contrato de trabalho, em junho de 2012, as relações laborais entre a Impugnante e o Dr. L.......... foram-se deteriorando e esvaziando, ao ponto de o mesmo estar na empresa sem funções atribuídas – [facto provado pelo depoimento da testemunha F..........];
H. No dia 03.06.2012, a Impugnante e o Dr. J.......... celebraram um Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho, no âmbito do qual a Reclamante pagou o montante de € 154.000,00, a título de indemnização pecuniária pela cessação do contrato de trabalho, dele constando o seguinte: “(…) A. O TRABALHADOR foi contratado a 01-06-1995 para desempenho das funções inerentes à categoria profissional de “Diretor” no âmbito das quais, por último e entre outros, competia-lhe, estudar, organizar, dirigir e coordenar, nos limites dos poderes de que foi investido, as atividades do Departamento “New Projects Managment”. B. A obtenção do presente acordo radica na necessidade de reestruturação da organização da PRIMEIRA CONTRATANTE, visando, desta feita, a adequação do número de trabalhadores afetos ao funcionamento dos serviços administrativos e comerciais às estritas necessidades de trabalho existentes, tendo em conta que a empregadora atravessa uma fase de instabilidade económica, sendo o SEGUNDO CONTRATANTE excedentário. (…) F. A manutenção do posto de trabalho do SEGUNDO CONTRATANTE tornou-se, pelo que antecede economicamente inviável, não havendo trabalho para atribuir-lhe. G. O SEGUNDO CONTRATANTE reconhece a existência dos motivos supra indicados; H. Os motivos subjacentes ao presente acordo de revogação são, pois, motivos económicos e decorrem da reestruturação (…) face à conjuntura em que terá de operar; I. A PRIMEIRA CONTRATANTE não dispõe de outro local ou posto de trabalho compatível com a categoria do TRABALHADOR, deixando de existir o posto de trabalho ocupado pelo SEGUNDO CONTRATANTE, na decorrência do presente acordo de revogação. (…)” – [cf. documento nº 1, junto com a petição inicial, a fls. 19/22 dos autos];
I. Em 31.05.2013, a Impugnante entregou as declarações de rendimentos de IRC Modelo 22, individual e do GRUPO T.........., com a identificação nº 1562-C5496-16, referente ao exercício de 2012, inscrevendo no Quadro 10, relativo ao apuramento do imposto, o valor de € 264.764,86, no campo referente às tributações autónomas – [cf. documentos nºs 2 e 3 da petição inicial a fls. 24/31 e 32/40 dos autos];
J. No montante referente às tributações autónomas, estava englobado o valor de € 53.900,00 correspondente ao montante resultante da aplicação da taxa de 35% ao montante de € 154.000,00 – [cf. documentos nºs 6, 7 e 8 da petição inicial, a fls. 46/79 dos autos];
K. A declaração do GRUPO T.......... originou a Demonstração de Liquidação de IRC nº 2013.2500035882, com o valor a reembolsar, no valor de € 1.999.839,08 – [cf. documento nº 4 da petição inicial, a fls. 42 dos autos];
L. Em 30.07.2014, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de 2012, junto da Direção de Finanças de Lisboa – [cf. fls. 2 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
M. Em 24.09.2014, foi elaborada informação na reclamação graciosa, referida na alínea antecedente, propondo o indeferimento da mesma, donde se extrai o seguinte: “(…) 4 – De notar que, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, cabe à Reclamante a prova do invocado, ou seja, que o identificado Diretor não exercia efetivamente funções de gestor, gerente ou administrador da sociedade. Para o efeito, juntou aos autos fotocópia simples do acordo de revogação de contrato de trabalho (…). 5- Da análise efetuada ao referido acordo de revogação de contrato de trabalho, constata-se que o mesmo não demonstra com clareza as funções desempenhadas pelo identificado Diretor de modo a concluir que o mesmo não exercia funções de gestor, gerente ou administrador, pois, da cláusula “A” resulta que “O TRABALHADOR foi contratado a 01-06-1995 para desempenho das funções inerentes à categoria profissional de “Diretor” no âmbito dos quais, por último e entre outros, competia-lhe, estudar, organizar (…)”, pelo que, deverá a presente reclamação ser indeferida, porquanto não logrou a Reclamante em provar o invocado, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT (…)”. – [cf. fls. 106/109 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
N. Em 27.10.2014, a Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa exarou o despacho concordante com a informação que propôs o indeferimento da reclamação graciosa – [cf. fls. 106 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
O. Em 28.10.2014, a Direção de Finanças de Lisboa, Divisão de Justiça Administrativa endereçou à mandatária da Impugnante o ofício nº 068440, sob registo postal, com a referência alfanumérica RC634327706PT, visando a notificação do projeto de decisão e para o exercício do direito de audição, na reclamação graciosa nº ..........13 - [cf. fls. 110 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
P. Em 11.11.2014, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia no processo de reclamação graciosa – [cf. fls. 114/119 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
Q. Em 18.12.2014, a Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, em regime de substituição proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa – [cf. fls. 131 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
R. Em 22.12.2014, a Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa dirigiu o ofício nº 082486, sob registo postal com aviso de receção, com a referência alfanumérica RD 309278333PT, visando a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida em 19.12.2014 – [cf. fls. 136 do procedimento de reclamação graciosa, em apenso ao PA];
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
III.2. DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, que devam julgar-se como não provados.”
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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“II.3. MOTIVAÇÃO
Nos termos do nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência.
Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso, tal como se foi fazendo referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório. No que concerne à prova da factualidade constante das alíneas C), D), F) e G) do probatório, contribuiu o depoimento das testemunhas B.......... e F.........., respetivamente, o Diretor Financeiro do grupo T.........., desde o ano de 2008 e a Diretora de Recursos Humanos, desde 2006 até 31.05.2020, cujo depoimento, espontâneo e assertivo, sem hesitações, foi essencial para a formação da convicção do Tribunal.
Neste desiderato, as referidas testemunhas explicaram em Tribunal que o Dr. L.......... foi contratado pela Impugnante para desempenhar o cargo de Diretor Financeiro, com funções de gestão de contabilidade, controlo de gestão e tesouraria, sendo que em 2008 assumiu as funções de administrador, aquando da aquisição da fábrica da J........... Considerando o insucesso do projeto em causa, o Dr. L.......... foi afastado da administração, cargo a que renunciou no Verão de 2009, tendo-se agravado a situação de litígio com a administração.
Mais acrescentaram que, até à sua saída, o referido Dr. L.......... não tinha quaisquer funções atribuídas, não geria qualquer projeto ou pessoal, sublinhando a testemunha F.......... que, na fase final já nem se encontrava na empresa.
Mais relatou esta testemunha que o seu gabinete era no mesmo andar do gabinete do Dr. L.......... e que muitas vezes o via a ler o jornal, o que reforçava a ideia de que não tinha qualquer função no grupo empresarial.
Explicitou ainda que, na fase final, nem encarava o Dr. L.......... como a pessoa que mandava.”
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III . Da Fundamentação De Direito
Em causa nos presentes autos está a questão de saber que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por ter entendido que as funções desempenhadas pelo Dr. L.......... não correspondem ao conceito de gestor, administrador ou gerente e, nessa medida, não estão sujeitas a tributação autónoma, nos termos do disposto no então art. 88º, nº 13, al. a) do CIRC.
A Recorrente defende que tendo o trabalhador em referência sido contratado para exercer funções de director da aqui recorrida e tendo a seu cargo um determinado pelouro, teremos de entender que as suas funções deverão ser entendidas como as de gestor e, nessa medida, encontram-se sujeitas à tributação autónoma aqui estabelecida. Mais defende que impendia sobre a recorrida o ónus de afastar esta presunção o que não aconteceu.
Já a recorrida sustenta a sua posição arguindo que o seu trabalhador não tinha quaisquer funções de gestão, sendo que a expressão “gestor” utilizada pelo legislador não pode englobar os directores das empresas.
Apreciemos.
Determinava, à data dos factos, o art. 88º, nº 13, al. a) do CIRC que:
13 — São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:
a. Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;” (sublinhado nosso).
Decorre do preceito supra transcrito que estão sujeitas à taxa de tributação autónoma ali estabelecida as indemnizações ou quaisquer compensações, desde que as mesmas reúnam os seguintes requisitos:
- não relacionadas com a concretização dos objectivos de produtividade previamente definidos no contrato de trabalho;
- a mesma seja atribuída na sequência da cessação de funções de gestor, administrador ou gerente na parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão antes do respectivo termo.
Como ensinava Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 407, “[a] introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respectivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais”.
Podemos, assim, afirmar, que a rácio do preceito contido na alínea a) do nº 13 do art. 88º do CIRC tem por finalidade a introdução na administração das empresas melhores práticas de governação, nomeadamente que tange às políticas de remuneração dos seus administradores/gerentes, e, por outro lado, procurando evitar que ocorram distribuições dissimuladas de lucros.
Estamos, assim, perante uma norma anti abuso que incide sobre despesas, individualmente consideradas, sendo que a taxa é aplicável a cada despesa.
Nos presentes autos, a questão que se coloca é a de saber se o director financeiro da aqui recorrida, relativamente ao qual ocorreu uma cessação do contrato de trabalho, exercia ou não funções de gestão e, em consequência, se a indemnização que lhe foi atribuída cai ou não no âmbito de aplicação do art. 88º, nº 13, al. a ) do CIRC.
Vejamos então.
O preceito em referência tem a sua origem na Proposta de Lei do Governo nº 294/C/4ª, através da qual se pretendia introduzir um aditamento ao então art. 81º do CIRC [actual art. 88º, nº 13, al. a)], introduzindo-lhe o seu nº 13. Esta proposta veio a ser concretizada pela Lei nº 100/2009, de 07/09.
Da exposição de motivos da mencionada proposta consta o seguinte com relevo para os autos:
“(…) existe um consenso generalizado quanto a eleger a inadequação das práticas remuneratórias dos administradores e de executivos de topo no sector dos serviços financeiros e nas sociedades com valores cotados, como um dos factores que também contribuíram para a adopção de uma gestão de riscos que privilegiou a obtenção de rendimentos de curto prazo e que induziu a elevada exposição potencial a riscos de perdas significativas a longo prazo.
Importa, pois, garantir que sejam aplicados os princípios de uma boa política de remuneração das categorias profissionais cuja actividade tenha um impacto determinante na definição dos objectivos operacionais e estratégicos das empresas, de modo a salvaguardar os valores e os interesses a longo prazo de todos os parceiros envolvidos, designadamente os trabalhadores, os clientes e os investidores. (…)
Assim, a presente proposta de lei contempla um regime de tributação integral das importâncias devidas em consequência da cessação de funções ou da rescisão de um contrato antes do seu termo, quando auferidas por administradores, gestores e gerentes de pessoas colectivas residentes em território português.”
Resulta do exposto que a intenção do legislador foi sujeitar as indemnizações concedidas pelas entidades sujeitas a IRC decorrentes da cessação dos contratos de trabalho dos seus administradores, gerentes e gestores, nele se englobando todos aqueles que executivos de topo das empresas cuja actividade tenha um impacto determinante na definição dos objectivos operacionais e estratégicos das empresas.
Atendendo ao conceito supra fixado, em abstrato, poderíamos afirmar que um director duma sociedade que esteja envolvido na definição dos objectivos operacionais e estratégicos das entidades sujeitas a IRC, poderá ver as indemnizações devidas por fim antecipado do seu contrato de trabalho, sujeitas a tributações autónomas, ao abrigo deste art. 88º, nº 13, al. a) do CIRC.
No entanto, não é normal que seja um director financeiro quem define os objectivos operacionais e estratégicos da sua entidade patronal.
Por outro lado, será sempre necessário que essas funções sejam efectivamente exercidas.
Baixando agora ao caso dos autos, o Tribunal a quo considerou que, face à matéria de facto dada como provada, e que não foi colocada em causa pela aqui recorrente, o funcionário da recorrida não exercia, à data em que ocorreu a cessação do contrato de trabalho, qualquer função de direcção na recorrida, pelo que nunca lhe poderia ser aplicado o regime constante da al. a) do nº 13 do art. 88º do CIRC.
Para tanto discorreu a sentença recorrida o seguinte:
Com efeito, conforme resulta da factualidade provada, em 01.06.1995, J.......... foi contratado pela Impugnante para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Diretor Financeiro, até maio de 2008 [cf. alíneas C) e D) do probatório].
O período em que o mesmo exerceu funções de administrador, cerca de 1 ano e 3 meses, estando encarregue do pelouro industrial, incluindo o controlo de produção da nova fábrica, adquirida, à J.........., foi um período relativamente curto, não podendo retirar-se que a sua ação fosse determinante para a definição das estratégias operacionais do Grupo, tanto mais, que a suas funções estavam delimitadas a um âmbito muito específico, tal como foi relatado pelas testemunhas, em Tribunal. [cf. alínea F) do probatório].
Por outro lado, ficou demonstrado, em Tribunal, que, entre a renúncia às funções de administrador e a celebração do Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho, decorreu um lapso de tempo de cerca de 3 anos, período em que as relações laborais se foram deteriorando e esvaziando ao ponto de o mesmo estar na empresa sem funções atribuídas [cf. alíneas E), G) e H) do probatório].
Pelo que, de acordo com o recorte probatório que resulta dos autos, é convicção do Tribunal que o aludido J.........., aquando da cessação do contrato de trabalho que tinha com a Impugnante, não exercia quaisquer funções que possam ser qualificadas como determinantes para a definição dos objetivos empresariais, não tendo qualquer impacto sobre os destinos do grupo empresarial, tanto mais que, segundo o depoimento da testemunha F.........., passava a maior parte do tempo a “ler o jornal”, sendo que nos últimos tempos, em que ainda se manteve vinculado à empresa, já não se encontrava fisicamente nesta.”
Na verdade, decorrendo do probatório fixado que à data da cessação das funções de director financeiro J.......... já não exercia quaisquer funções de direcção, decidiu com acerto o Tribunal a quo quando considerou que os rendimentos que lhe haviam sido pagos pela aqui recorrida não estavam sujeitos à tributação autónoma estabelecida no art. 88º, nº 13, al. a) do CIRC, por este não desenvolver qualquer função de gestão à data dos factos.
Acresce ainda que a circunstância de no contrato de trabalho constar que este deveria estudar, organizar, dirigir e coordenar as actividades dum departamento não significa, por tudo o que acima já mencionamos, que ele tivesse poderes de gestão na aqui recorrida, na acepção que lhe foi conferida pela lei, desde logo porque essas funções de definição dos objectivos operacionais e estratégicos não são típicas dum director financeiro que, por norma, se limita à simples execução de diretrizes emanadas da administração.
Argui ainda a Recorrente que a Recorrida não logrou provar quais as efectivas funções do director em questão.
Também aqui não lhe assiste qualquer razão.
Efectivamente, como decorre de todo o probatório fixado na sentença, ficou por demais demonstrado que nos três anos anteriores à cessação do contrato de trabalho, este director não possuía quaisquer funções pelo que nunca poderia concluir-se que as suas funções concretas tinham impacto determinante na definição dos objectivos operacionais e estratégicos da aqui recorrida.
Concluímos, deste modo, e sem necessidade de mais considerações que a sentença recorrida não enferma do vicio de erro de julgamento pelo que deve ser confirmada.
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CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao seu total decaimento do recorrente, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
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III- Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 24 de Abril de 2024
Cristina Coelho da Silva (Relatora)
Sara Isabel Diegas Loureiro
Maria Isabel Ferreira da Silva