Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 295/25.7BEBJA.CS1 |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | LINA COSTA |
| Descritores: | CAUTELAR AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA ACTO NEGATIVO COM EFEITOS POSITIVOS |
| Sumário: | I - Do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA resulta especificado que os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares são meramente devolutivos, pelo que não está na disposição do juiz do processo fixar efeito diferente; II - O acto suspendendo, de indeferimento da manifestação de vontade em obter autorização de residência, não é um mero acto de conteúdo negativo; III - Com efeito, até ao indeferimento expresso da manifestação de vontade em obter autorização de residência, o Recorrente, apesar de não ser titular de visto válido, actuava e era tratado como um estrangeiro autorizado a aqui permanecer, com direito à equiparação de direitos e deveres dos cidadãos nacionais, ao abrigo do artigo 15º da CRP, por tal resultar do nº 2 do artigo 88º da Lei dos Estrangeiros, na redacção em vigor na data em que apresentou a sua manifestação de interesse; IV - Indeferida a autorização de residência pretendida e determinado o abandono voluntário no prazo de 20 dias do território nacional – que, se não observado, motivará o procedimento de abandono coercivo -, essa situação terminou, o Recorrente deixou de poder continuar a permanecer, trabalhar, enfim, de viver em Portugal; V - Donde, apesar de o acto suspendendo ser de conteúdo negativo dele resultam efeitos positivos, lesivos imediatos na esfera jurídica do Recorrente que podem ser objecto da providência requerida, de suspensão de eficácia, visando manter a situação em que se encontrava anteriormente (o status quo ante) - finalidade deste tipo de providência conservatória - até à decisão da acção principal de que depende. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | S….., devidamente identificado como requerente nos autos de outros processos cautelares, instaurados contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 14.7.2025, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que rejeitou liminarmente o requerimento inicial do processo cautelar [em que requereu: a suspensão da eficácia do acto administrativo proferido pela AIMA, de 5.5.2025, notificado a 24.6.2025, que indeferiu o seu pedido de concessão de autorização de residência]. No requerimento de recurso o Recorrente requer que o mesmo suba com efeito suspensivo e, nas alegações, formula as conclusões que seguidamente se reproduzem: «- O indeferimento de autorização de AR, com a respetiva não concessão da mesma, deixa o recorrente numa situação de ilegalidade, que no final do prazo para abandono se transforma em clandestinidade. - A suspensão da eficácia de atos negativos, faz sentido nos casos em que o ato seja puramente negativo e na medida em que a lei associe à emissão do ato negativo uma modificação automática que até aí existia. - Os atos aparentemente negativos, ou atos negativos com efeitos positivos, trata-se de uma categoria de atos em que há, efetivamente, uma utilidade na suspensão na medida que deles advém efeitos secundários positivos. - A ordem de abandono voluntario do país e a posterior coercividade nesse abandono com a detenção do imigrante, tem como pressuposto o ato administrativo de indeferimento e a ordem de abandono do país e consequente expulsão coerciva, as quais são consequências diretas e necessárias daquele ato administrativo. - A decisão de indeferimento é um ato de conteúdo negativo, porém, é o ato definidor a situação jurídica, e é o pressuposto do segundo ato “ordem de abandono voluntário” sem o qual este não existiria. - Violou a douta decisão em crise o disposto no artigo 166 n.º 2 al. d) CPTA, TERMOS EM QUE DEVE PRESENTE RECURSO SER PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA DECISÃO E SUBSTITUIR-SE POR OUTRA QUE ORDENE O RECEBIMENTO DOS AUTOS COM TODA A DEMAIS TRAMITAÇÃO LEGAL A CITAÇÃO DA ENTIDADE RECORRIDA COM TODA A DEMAIS. COM EFEITO, ENTENDE O RECORRENTE COM RESPEITO PELA OPINIÃO CONTRÁRIA QUE O MEIO PROCESSUAL ADEQUADO PARA A PRETENSÃO DEDUZIDA É O POR SI APRESENTADO. COM EFEITO, O RECORRENTE FOI CONFRONTADO COM A COMUNICAÇÃO DE DUAS DECISÕES: A DO INDEFERIMENTO DO SEU PEDIDO E DO ABANDONO VOLUNTÁRIO.». O juiz a quo admitiu o recurso com efeito meramente devolutivo. Citada/notificada para a causa e do recurso, a Recorrida não contra-alegou. O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Notificado do parecer que antecede, o Recorrente reiterou o alegado no recurso. Sem vistos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com divulgação prévia do projecto de acórdão aos Exmos. Juízes-Adjuntos, vem o mesmo à sessão para julgamento. A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida errou ao rejeitar liminarmente a petição por entender que o acto suspendendo é um acto administrativo de conteúdo puramente negativo e, por isso, insusceptível de suspensão de eficácia. Alega o Recorrente que a decisão recorrida o deixou exposto aos efeitos do acto administrativo suspendendo, designadamente, a possibilidade de afastamento do território nacional, a perda dos seus meios de subsistência, do seu posto de trabalho e respectiva remuneração salarial, pelo que requer que o recurso suba com efeito suspensivo nos termos do artigo 143º, nº 4 do CPTA. Determina a referida norma que “[q]uando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos”, o que pressupõe, desde logo, que o efeito meramente devolutivo do recurso dependa de despacho judicial que o atribua. Na sentença recorrida não foram fixados factos, mas foi efectuada uma súmula do alegado no requerimento inicial para suportar a providência requerida, da qual se extrai: O tribunal recorrido proferiu despacho liminar ao abrigo do disposto no artigo 116º do CPTA, considerando haver fundamento para rejeição do requerimento inicial porque “(…), o acto administrativo ora suspendendo, concretizado no indeferimento do pedido de autorização de residência, assume natureza estritamente negativa, uma vez que dos seus efeitos não resulta, em bom rigor, a alteração de qualquer situação jurídica já constituída na esfera jurídica do Requerente, ou mesmo a denegação de qualquer eventual “renovação ou prorrogação de uma situação jurídica pré-existente e que, por isso, ferem legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior. Nessas hipóteses, os actos “alteram” realmente a situação jurídica ou de facto do requerente” (v. Ac. STA de 2003.02.19, Proc. 0289/03, www.dgsi.pt). O Recorrente discorda por entender que, no seu caso concreto, o acto suspendendo alterou automaticamente a sua esfera jurídica, pois até então encontrava-se numa situação de legalidade, trabalha, efectua descontos, com o indeferimento fica mais vulnerável a abusos, fica numa situação de ilegalidade que, no final do prazo concedido para o abandono voluntário do território nacional, se converterá em clandestinidade, legitimando até a sua detenção, pelo que a sua situação passa a ser completamente diferente da que tinha antes do indeferimento do seu pedido de autorização de residência, não podendo este acto ser considerado de conteúdo puramente negativo, a ordem de abandono e a consequente expulsão coerciva são consequências directas e necessárias do mesmo. E assiste-lhe razão. Assim foi decidido neste Tribunal no acórdão de 23.10.2025 no processo nº 285/25.0BEBJA - em que a aqui relatora foi 1ª adjunta e subscritora por com o mesmo concordar plenamente - e também no acórdão prolatado no processo nº 229/25.9BEBJA (acórdãos que ainda não se encontram publicados, mas foram notificados às partes, sendo que os aí recorrentes são representados pelo o também aqui Ilustre Mandatário do Recorrente). Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao TAF de Beja para prolação de despacho liminar de admissão do requerimento cautelar, se a tal nada obstar. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 6 de Novembro de 2025. Lina Costa, relatora, consigna e atesta que têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Joana Costa e Nora, em substituição e Mara de Magalhães Silveira – em substituição. |