Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:960/13.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO;
GERÊNCIA EFECTIVA
PROVA.
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente;
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige, para que possa efectivar a responsabilidade subsidiária, a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito;

III - É à Administração Tributária, na qualidade de exequente, que cabe demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Fazenda Pública veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 29 de dezembro de 2019, que julgou totalmente procedente a oposição deduzida por M... , viúva de V... , oponente e aqui Recorrida, no âmbito dos processos de execução fiscal números 1112200801005243, 1112200901072641, 1112201001121987, 1112201001130056, 1112201201131958, e, 1112201201159860 instaurados pelo Serviço de Finanças de Portimão, originariamente contra a sociedade “P... , Lda”, e que contra aquela reverteram, por dívidas de IVA, dos anos de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2012 no valor de 7.835,40 €.
Nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:

«A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso sub júdice, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra os que somente a título subsidiário respondem pelas dívidas da sociedade comercial originariamente devedora, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte do recorrido, no período a que se reporta o prazo legal de pagamento do imposto.

C. Na verdade, é possível verificar, mediante a análise dos elementos que constam dos autos, que no período em que terminou o prazo legal para pagamento dos tributos, quem dirigia de direito e de facto os destinos da sociedade primitiva executada, era o ora recorrente.

D. Não tendo ficado demonstrado que lhe tenha sido vedado o exercício das funções de gerência.

E. Razão pela qual é patente ser imputável ao recorrido, quer por acção quer por omissão, a prática de actos de gestão, consubstanciados na exteriorização da vontade da sociedade e vinculação da mesma perante terceiros em todos os seus actos e contratos, na medida em que forma de obrigar a sociedade era pela intervenção do recorrido conforme, claramente, resulta dos elementos juntos aos autos.

F. Acresce que, o regime de responsabilidade dos gerentes e administradores pelas dívidas de impostos das suas representadas é regulado pela lei sob cuja vigência ocorrem os respectivos pressupostos da obrigação de responsabilidade.

G. Importa ainda atentar ao facto de que não se exige que a gerência seja em simultâneo de direito e de facto, pois segundo o citado artigo, só compete provar a gerência de facto, quando a mesma não for acompanhada da gerência de direito,

H. Do mesmo modo que, um administrador ou gerente que o seja de direito, mas que não exerça de facto, e que cause com essa omissão, o não pagamento dos impostos legalmente devidos no período do exercício do seu cargo, deve poder ser responsabilizado pelas dívidas tributárias da sociedade.

I. Ora, sendo o recorrido gerente de direito, presume-se que também o é de facto, sendo-lhe imputada responsabilidade subsidiária pelos créditos fiscais, nos termos dos normativos citados, no período da sua administração, pelo que na qualidade de revertido é parte legítima para a execução.

J. In casu, e atento os elementos probatórios juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade do recorrido.

K. Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, devendo ser considerada legítima a reversão contra o recorrido.

L. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.»


*

A Recorrida, apresentou contra-alegações, tendo formulando as conclusões seguintes:

«A) A douta Sentença do Tribunal a quo foi disponibilizada aos intervenientes processuais no dia 2 de Janeiro de 2020.

B) O prazo peremptório de 30 dias, previsto no artigo 282.º n.º1 do CPPT, para a interposição do recurso, iniciou-se no dia 7 de Janeiro de 2020, tendo terminado no dia 5 de Fevereiro de 2020.

C) A Recorrente AT- Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o seu recurso no dia 10 de Fevereiro de 2020, sem fazer qualquer referência à necessidade de pagamento de multa decorrente da realização do acto processual no terceiro dia útil posterior ao término do prazo.

D) Nos termos do artigo 139.º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, a validade do acto depende do pagamento imediato de uma multa.

E) Perante o não pagamento espontâneo da referida multa, deverão ser retiradas as necessárias consequências legais.

Sem prescindir,

F) Não se verifica a existência de qualquer erro de julgamento dos factos provados da douta sentença recorrida porquanto,

G) É notória e evidente a ausência de produção de prova por parte da Recorrente AT-Autoridade Tributária e Aduaneira da hipotética gerência de facto da sociedade P... Lda. pelo responsável subsidiário, ora revertido, V... , no período entre 1 de Janeiro de 2006 a 1 de Julho de 2012.

H) Sublinhamos que, compulsada a contestação apresentada pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrente, verificamos que esta não concretiza em momento algum a hipotética gerência de facto de V... da sociedade P... Lda, com sede na Rua ... -603 Portimão, devedora originária dos tributos em questão, porquanto não apresenta contratos ou quaisquer outros tipos de documentos que tivessem aposta a assinatura de V... , bem como não apresenta qualquer indício probatório que pudesse sustentar a prática material de um único acto de gerência de V... no período compreendido de 1 de Janeiro de 2006 a 1 de Julho de 2012.

I) Destacamos o douto parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público que concluiu de forma cristalina que “E competindo à AT o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.

Ora, na presente situação, a AT não fez prova dos factos que alega, relativamente à gerência de facto do revertido.

Pelo exposto, somos do parecer que a presente oposição deve ser julgada procedente, com as legais consequências.

Cf. Acórdão do STA (Pleno) de 28.02.2007, disponível em www.dgsi.pt”. – cfr. fls 2 do Parecer do Ministério Público.

J) O Douto Tribunal a quo, com base na prova produzida no processo, proferiu Sentença que, reforçamos, salvo melhor opinião, que manifestamente não descortinamos, constitui um hino à Justiça porquanto atende à verdade material.

K) Como salientámos anteriormente a Recorrente AT- Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou qualquer prova de gerência de facto do revertido. Com base na ausência da produção de qualquer tipo de prova por parte da Exequente, ora Recorrente, a douta Sentença do Tribunal a quo estatuiu que “Ora, o ónus da prova do exercício da gerência pelos revertidos, cabe à entidade exequente, e bem assim, sempre que o oponente negue aquele exercício, de forma séria e circunstanciada, sem que aquela entidade consiga fazer a sua prova, a incerteza sobre o efectivo exercício da gerência tem de recair sobre esta, o que é consentâneo com o regime do ónus da prova, vertido no artigo 74.º da LGT.” (negrito nosso)– cfr. fls 8 da douta sentença do Tribunal a quo.

L) Concluiu, e bem, o douto Tribunal a quo que “E aqui chegados importa verificar que a decisão de reversão teve como fundamento o vertido nos artigos 24.º, n.º1, alínea b) da LGT, nada se referindo, quer no despacho, quer nas várias informações em que este se fundou, sobre qualquer indício apto a concluir que o revertido Vítor Manuel Brito Pinheiro, foi, de facto, e não tão só de direito, gerente daquela sociedade.

De todo o exposto, é certo que não podemos concluir se o revertido V... , foi ou não gerente na ... , Lda., mas tal dúvida é suficiente para que proceda a pretensão deduzida na oposição, em face do ónus que corre sobre a EE, que nada provou, nada alegando em concreto, para que tal resultasse provado.” (negrito nosso)– cfr. Fls 8 da douta sentença do Tribunal a quo.

M) Recordamos que, como se encontra plasmado na Douta Sentença do Tribunal recorrido, a única prova que foi produzida foi da gerência de direito do responsável subsidiário, ora revertido V... . – cfr. fls 3 da douta sentença do Tribunal a quo.

N) É, no entanto, notório que a Recorrente desvaloriza e desconsidera a vasta e Douta Jurisprudência que os Doutos Desembargadores dos Tribunais Centrais Administrativos e Doutos Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, têm proferido relativamente à questão da ausência de produção de prova da gestão efectiva do responsável subsidiário, ora revertido, por parte da Exequente, ora Recorrente, AT – Autoridade Tributária e Aduaneira.

O) Destarte, invocamos a douta Jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que no Acórdão de 28.20.2007, relativo ao processo n.º 01132/06 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), estatuiu no sumário do referido Acórdão que “IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.”

P) Este entendimento encontra-se, outrossim, plasmado, na Douta Jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que no Acórdão de 21.11.2012, relativo ao processo n.º 0474/12 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), que quanto ao ónus da prova dos fundamentos da responsabilidade subsidiária, no sumário do referido Acórdão, estatuiu que “…IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.”

Q) Conclui o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.11.2012, relativo ao processo n.º 0474/12 , que “Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13° do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.”

R) O mesmo entendimento encontra-se plasmado em múltipla Jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos, nomeadamente na Jurisprudência estatuída no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte – 2ª Secção - Contencioso Tributário, de 21.06.2018, no âmbito do processo n.º 01602/13.0BEBRG; no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Contencioso Tributário, de 27.10.2016, relativo ao processo n.º 07665/14; no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – Contencioso Tributário, de 11.07.2019, relativo ao processo n.º 1666/08.9BELRS e no recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Contencioso Tributário, de 13.12.2019, relativo ao processo n.º 2058/11.8BELRS (todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

S) A Recorrida adere e sem quaisquer hesitações faz suas todas as conclusões que o Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Central Administrativo Norte e o Tribunal Central Administrativo Sul mui doutamente formularam nos Acórdãos supra referenciados, quanto ao ónus da prova da gerência efetiva e às consequências legais da falta da produção da prova da gerência efetiva enquanto pressuposto para efetivar a responsabilidade subsidiária, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.

T) Ademais, analisando-se o caso concreto, lendo-se as peças processuais das partes e estudando-se os elementos nelas contidos e confrontando-se todos esses elementos com a sentença recorrida, não se pode deixar de concluir que a mesma fez uma análise conjugada, crítica e correta dos argumentos que lhe foram trazidos pelas partes e da prova carreada para o processo, tendo feito uma correta aplicação do Direito à questão sub judice.

U) A Recorrida concorda na integra com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nomeadamente com o julgamento da matéria de facto, atenta a prova produzida nos autos, sendo de considerar que a douta Sentença ora posta em crise, se encontra devidamente fundamentada e fez um correto enquadramento jurídico dos factos.

V) A Recorrida entende ser de negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente, devendo manter-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.

Assim sendo, deverá ser rejeitado o Recurso por extemporâneo, se assim não se entender e porque a douta sentença lavrada pelo Tribunal a quo não é passível de qualquer censura deve a mesma ser confirmada por Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, como é de Direito e imperativo da JUSTIÇA»


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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não merecerá provimento.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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Da tempestividade do recurso
Em sede de contra-alegações de recurso, veio a Recorrida suscitar a questão da intempestividade da apresentação do recurso.
Notificada a Fazenda Pública para se pronunciar, veio fazê-lo no sentido de ter sido o recurso apresentado dentro do prazo de 30 dias.
A Juiz a quo proferiu despacho de admissão de recurso, referindo a sua apresentação tempestiva, o qual não foi posto em causa, pelo que nada há a acrescentar.

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

a) Na sequência da ap. 09/19990408, foi registada a constituição da sociedade com a firma ... – ... , Lda., logo ficando desginados como gerentes P... , V... , e, R... (cfr. documento de fls. 32 dos autos);

b) A 12/01/2008, foi instaurado o PEF n.º1112200801005243, contra a sociedade ... ... , para cobrança de dívida no valor de 1.122,30euros (cfr. documento de fls. 1 do PEF apenso);

c) A 29/10/2013, foi emitido o ofício “Citação”, dirigido a V... – Cabeça de Casal, no PEF n.º111220801005243, para cobrança do valor de 7.471,65euros, lendo-se daquele, além do mais (cfr. documento de fls. 41 dos autos):

d) Encontra-se em anexo ao ofício, documento onde se lê seguinte (cfr. documento de fls. 43 dos autos):


“(texto integral no original; imagem)”





e) A 28/10/2013, foi emitida informação do OEF, lendo-se da mesma (cfr. documento de fls.44 , verso dos autos):

“(texto integral no original; imagem)”

f) A 28/10/2013, foi proferido despacho, no PEF n.º11122000801005243 e apensos, onde se lê (cfr. documento de fls. 45 dos autos):

“(texto integral no original; imagem)”

g) A 21/11/2013, foi efectuado o pagamento no valor de 7.471,65euros, pela aqui autora (cfr. documento de fls. 49 dos autos);»


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Factos não provados

«Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.»

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Motivação da decisão de facto

«Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao julgar procedente a oposição em virtude de não ter a AT logrado demonstrar e provar que o revertido tinha sido gerente efectivo da devedora originária.

Afirma a Recorrente que dos elementos constantes dos autos é possível afirmar que o revertido exercia a gerência efectiva da devedora originária. Refere, por outro lado, que a circunstância de ser gerente de direito faz presumir a gerência de facto.

Não tem razão, adiante-se.

A sentença recorrida, depois de elencar o regime legal aplicável, entendeu o seguinte:

“(…) Ora, o ónus da prova do exercício da gerência pelos revertidos, cabe à entidade exequente, e bem assim, sempre que o oponente negue aquele exercício, de forma séria e circunstanciada, sem que aquela entidade consiga fazer a sua prova, a incerteza sobre o efectivo exercício da gerência tem de recair sobre esta, o que é consentâneo com o regime do ónus da prova, vertido no artigo 74.º da LGT.

E aqui chegados importa verificar que a decisão de reversão teve como fundamento o vertido nos artigos 24.º, n.º1, alínea b) da LGT, nada se referindo, quer no despacho, quer nas várias informações em que este se fundou, sobre qualquer indício apto a concluir que o revertido Vítor Manuel Brito Pinheiro, foi, de facto, e não tão só de direito, gerente daquela sociedade.

De todo o exposto, é certo que não podemos concluir se o revertido V... , foi ou não gerente na ... , Lda., mas tal dúvida é suficiente para que proceda a pretensão deduzida na oposição, em face do ónus que corre sobre a EE, que nada provou, nada alegando em concreto, para que tal resultasse provado.

Tanto basta para que seja determinada a extinção, quanto ao revertido Victor, dos PEFs que aqui nos ocupam.(…)”

Recorde-se que a reversão operada ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT (como a situação dos autos) pressupõe que o gerente tenha exercido, efectivamente, o cargo ao tempo em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento das dívidas tributárias, sendo que nessa hipótese, caberá ao revertido demonstrar e provar que não lhe é imputável a falta de pagamento.

E que não há dúvidas, como tem sido jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores, que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício efectivo da gerência.

Recuperamos, aqui, o que se expendeu a este propósito no Acórdão do STA de 2 de Março de 2011, proferido no âmbito do processo nº 0944/10:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.”

Inexiste, pois, presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício do cargo, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas circunscrita à culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

Note-se que não vem posta em causa a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, sendo que é clara a afirmação de que nenhum facto se provou que permitisse a conclusão de que o revertido exercia a gerência de facto da sociedade devedora originária ao tempo em que ocorreu o termo do prazo legal de pagamento das dívidas tributárias em causa nos autos.

E que, como supra vimos, o ónus de tal prova estava do lado da Fazenda Pública, ora Recorrente. O que nos leva a concluir que a sentença decidiu com acerto ao concluir pela procedência da oposição, por não ter sido efectuada a prova, pela Fazenda Pública, do exercício efectivo do cargo de gerente da devedora originária pelo revertido, entretanto falecido.

Para além do mais, a alegação recursiva peca por ser vaga, genérica e conclusiva, insuficiente para abalar o decidido. Afirma, a Recorrente que é possível verificar, mediante a análise dos elementos que constam dos autos, que no período em que terminou o prazo legal para pagamento dos tributos, quem dirigia de direito e de facto os destinos da sociedade primitiva executada, era o ora recorrente. Porém, não concretiza quais são os elementos constantes dos autos, que, em concreto, permitem tal conclusão, nem pugnou por qualquer aditamento ao probatório que permitisse alterar o sentido da decisão.

O mesmo se diga relativamente à afirmação da recorrente de que é patente ser imputável ao recorrido, quer por acção quer por omissão, a prática de actos de gestão, consubstanciados na exteriorização da vontade da sociedade e vinculação da mesma perante terceiros em todos os seus actos e contratos, na medida em que forma de obrigar a sociedade era pela intervenção do recorrido conforme, claramente, resulta dos elementos juntos aos autos. Não sabemos quais actos, contratos, nem de quais elementos retira tais conclusões.

Resta, pois, concluir, que o recurso não pode obter provimento, sendo de manter o decidido.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 26 de Junho de 2025

(Isabel Vaz Fernandes)

(Filipe Carvalho das Neves)

(Luísa Soares)