Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 35/15.9BESNT |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/21/2024 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | IRS COMPETÊNCIA CUMULATIVA ESTADO DA FONTE E DA RESIDÊNCIA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL ÓNUS DA PROVA |
| Sumário: | I - Não sendo colocada em causa a efetividade dos rendimentos, o seu pagamento, e bem assim que houve lugar à retenção na fonte declarada, pautando-se o indeferimento pela insuficiência probatória, e dimanando da prova dos autos que a Recorrida auferia rendimentos de trabalho dependente, pagos por uma entidade domiciliada em Espanha, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha. II - In limite, o inquisitório sempre imporia que a AT, em caso de dúvidas fundadas, iniciasse um procedimento de troca de informações com as autoridades espanholas tendo em vista a determinação da situação contributiva e fiscal do titular dos rendimentos daquele país, não podendo, sem mais, coartar a possibilidade de acionar a Convenção e eliminar a dupla tributação internacional. III - O referido anteriormente, legitima a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J… e M…, contra o ato de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares-IRS, referente ao ano de 2011, no valor de €34.976,80. Os Recorrentes, apresentam as suas alegações de recurso nas quais formulam as conclusões que infra se reproduzem: “a) Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos que julga procedente a impugnação judicial deduzida por J… (e Outros), devidamente identificado nos autos, contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida do acto de liquidação de IRS, e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2011. b) Tendo o aqui Impugnante auferido rendimentos no estrangeiro, e sendo residente em Portugal, os mesmos encontram-se sujeitos a tributação no território nacional em virtude do princípio da universalidade ou da tributação mundial ínsito no n.º 1 do artigo 15.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), princípio este decorrente também do n.º 2 do artigo 13.º da Lei Geral Tributária (LGT). c) Contudo, para obviar à dupla tributação dos rendimentos, no país da origem e no país da residência, prevê o CIRS na alínea i) do n.º 1 do artigo 78.º, em conjugação com on.º 1 do artigo 81.º do CIRS, mecanismo legal reconduzido à dedução à colecta do crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a tais rendimentos líquidos, considerados nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, crédito esse que corresponderá à menor das seguintes importâncias: imposto pago no estrangeiro ou fracção da colecta de IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código. d) Mais, de acordo com o prescrito no n.º 2 do artigo 81.º do CIRS, existindo convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar não poderá ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela Convenção, mais resultando das aplicáveis no caso sub judice que pode o Impugnante deduzir do imposto uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago no Estado da fonte. e) Assim, resultando da legislação aplicável que a dedução à colecta admitida sempre se reconduzirá ao imposto efectivamente pago pelo Impugnante no estrangeiro em virtude dos rendimentos aí auferidos em 2011, essencial seria que o Impugnante tivesse feito prova do imposto efectivamente pago, o que não aconteceu, pois que procede para o efeito à junção de documentos de que decorre, como afirma a douta sentença, o imposto retido e não o imposto efectivamente pago por efeito da percepção dos rendimentos. f) Ora, cabendo ao Estado Português, enquanto Estado da residência, eliminar a dupla tributação gerada, através da concessão de um crédito de imposto, para que tal mecanismo possa ser accionado é necessária a apresentação de documento comprovativo do montante do rendimento auferido, natureza do mesmo, e do pagamento do imposto, total e a final, o qual deverá ser emitido ou autenticado pelas autoridades fiscais do respectivo Estado de onde são originários os rendimentos. g) O erro de julgamento de direito em que incorre a douta sentença decorre da equiparação a que procede entre montantes retidos na fonte pela entidade pagadora dos rendimentos, e alegadamente entregues junto da Autoridade Fiscal do Estado da fonte dos rendimentos a título de retenção, e montantes efetivamente devidos e pagos pelos rendimentos aí auferidos, que não encontra fundamento nas normas das CDT, nem nos n.ºs 1 e 2 do artigo 81.º do CIRS. h) E a errónea apreciação dos factos levada a cabo pelo Tribunal a quo radica na consideração de que para efeitos de prova do montante de imposto pago no estrangeiro se configuram suficientes documentos em relação aos quais se verifica notória divergência de valores (cf. alíneas A) e H) do probatório), e dos quais consta apenas o montante do imposto retido na fonte, apenas certificando que tal retenção foi levada a cabo, não atestando ou provando que o imposto retido foi entregue, e que correspondeu ao imposto efectivamente pago pelo Impugnante no Estado estrangeiro, afastando-se a possibilidade de qualquer hipotético e posterior reembolso. i) Acresce a isso, que o facto constante da alínea H) do probatório não pode ser considerado como provado, uma vez que o documento a que aí se refere a douta sentença como emitido em Outubro de 2016, em data divergente de anterior documento, mais não corresponde do que à suposta tradução certificada do documento emitido em Junho de 2015, omisso do probatório – ora, tais documentos, inexplicavelmente, demonstram entre si incongruências notórias, tanto na data da emissão do documento (note-se que um deles seria a tradução certificada do outro), como em adicionais referências feitas no documento, o que os desqualifica enquanto documentos idóneos a provar o facto que alegadamente afirmam. j) Pelo que, o facto constante do probatório, na alínea H), não se encontra provado nos autos, pelo que, o raciocínio levado a cabo na douta sentença no sentido de aceitar a dedução do imposto pago nos termos do artigo 81.º do CIRS por equiparação da retenção na fonte ao imposto efectivamente pago, com base em declaração da Autoridade Tributária Espanhola, não será de aceitar, com consequente improcedência da pretensão do Impugnante. k) Não obstante, e como supra referido, ainda que se considerasse de alguma forma provada a retenção na fonte efectuada, apenas a Administração Tributária de cada um dos Estados envolvidos se encontraria na situação de certificar que tal retenção na fonte corresponde de facto, pela percepção dos rendimentos declarados pelo Impugnante, ao imposto suportado no estrangeiro, o que não acontece nos presentes autos. l) Assim, desconhecemos por via da prova documental produzida nos autos o montante de imposto efectivamente pago em 2011 em Espanha, facto que se constitui como condição sine qua non do reconhecimento do direito à dedução à colecta do montante, reconduzido ao crédito por dupla tributação internacional em causa nos presentes autos, conforme entendimento vertido no Acórdão do TCA Norte de 22/02/2012, proferido no processo n.º 00434/09.5BEMDL, não sendo de admitir ademais a inversão do ónus da prova que se encontra indubitavelmente a cargo do Impugnante. m) Deste modo, não carreando aos autos o Impugnante documentos capazes demonstrar o montante de imposto pago no Estado da fonte dos rendimentos, com referência ao ano de 2011, não logrou fazer a prova que lhe incumbia à luz dos normativos aplicáveis – n.ºs 1 e 2 do artigo 81.º do CIRS, n.º 1 do artigo 128.º do CIRS e artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º do Código Civil, não lhe sendo devido o sindicado crédito de imposto. n) Atento o exposto, incorreu a douta sentença, ao decidir anular a liquidação de IRS nos presentes autos impugnada, com consequente condenação da AT em juros indemnizatórios, em errónea apreciação da matéria de facto e de direito, com violação das citadas normas legais. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial. Sendo que Exas., Decidindo, farão a Costumada Justiça.” *** A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade: “Compulsados os autos, dão-se como provados, os seguintes factos: A) Em 11 de Janeiro de 2012 a empresa M…, s.a.U, emitiu um “Certificado de retenciones e ingresos e cuenta del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas”, segundo o qual o Impugnante J…, durante o exercício de 2011, auferiu rendimentos em dinheiro no montante de €136.414,56 e foram realizadas retenções no valor de €32.739,51.[cfr. doc. 3 da pi, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]; B) Em 30 de Abril de 2012, os Impugnantes J… e M…, procederam à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS – via internet, referente ao ano de 2011, na qual declararam, no “Anexo J – Rendimentos obtidos no estrangeiro” o seguinte: “Montante do rendimento: €136.414,56” e “Imposto pago no estrangeiro: €32.739,51”. [cfr. doc. 1 da pi]; C) Na sequência da entrega da mencionada Declaração de IRS, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2012 4002679363, no valor de €11.813,80. Tendo os Impugnantes procedido ao pagamento da mesma. [cfr. doc. 2 da pi e informação da AT de fls. 47 do PA apenso]; D) Em 31 de Julho de 2014 foi emitida, em nome dos Impugnantes, a liquidação adicional de IRS n.º 2014 4005188907, no valor de €44.471,46, acrescida de Juros Compensatórios no valor de €2.319,14. [cfr. doc. 2 da pi e de fls. 51 do PA apenso]; E) Na mesma data foi emitida, em nome dos Impugnantes, a “Demonstração de Acerto de Contas” n.º 2014 000010111421, com referência à liquidação de IRS n.º 2014 4005188907, do exercício de 2011, no valor de €34.976,80 e com data limite de pagamento em 8 de Setembro de 2014. [cfr. doc. 2 da pi]; F) Na sequência do não pagamento da “Demonstração de Acerto de Contas” descrita em E), foi instaurado o processo executivo n.º 3654201401140299, no valor total de €35.294,18 e enviado o documento “Citação” aos Impugnantes. [cfr. doc. 5 e 6 da pi]; G) Em 5 de Dezembro de 2014, deu entrada no serviço de Finanças de Oeiras 2, a presente Impugnação Judicial, a qual foi enviada a este Tribunal. [cfr. a fls. 1 e 4 dos autos]; H) Em 26 de Outubro de 2016, foi emitido pela Agência Estatal de Administração Tributária –Delegação Especial de Andaluzia, o documento intitulado “Certificado” com o teor que se reproduz: “N° REFERÊNCIA: 20166072580 MOTIVO DO REQUERIMENTO: para efeitos da Convenção de Dupla Tributação com Portugal, para acreditar retenções efectuadas e depositadas. A Agência Estatal de Administração Tributária: Uma vez examinados os dados e restantes antecedentes nesta unidade da Agência Estatal de Administração Tributária, CERTIFICA QUE: NIF/NIE: A… Razão ou denominação social: M… SA DOMICÍLIO FISCAL:C… 7… 2… ALMONASTER R HUELVA Apresentou o Resumo Anual de retenções e depósitos em conta sobre rendimentos do trabalho, de determinadas actividades económicas, prémios e determinadas imputações de rendimentos correspondente ao exercício de 2011. Ao sr. J… com NIF n° Y… foram feitas umas retribuições de 140.050,37 euros, sobre as quais se praticou uma retenção pelo valor de 33.612,09 euros, devidamente depositada no Tesouro. E para que conste, para os efeitos oportunos, Documento assinado electronicamente (Real Decreto 1671/2009) pela Agência Estatal de Administração Tributária, datado de 26 de Outubro de 2016. Autenticidade verificável mediante Código Seguro Verificação 4… em www.agenciatributaria.gob.es.” [cfr. doc. de fls. 122 e ss. dos autos, e tradução junta cujo teor se dá por integralmente reproduzido]; *** A decisão recorrida consignou ainda que: “Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa.” *** Mais ficou consignado em termos de motivação da matéria de facto que: “A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos constantes dos autos, no qual se inclui o processo administrativo apenso (PA apenso), bem como os documentos juntos pelos Impugnantes e mencionados em H), que, não obstante a IRFP ter impugnado o seu teor por “claras divergências no referente aos “n.º de Remessa” e “n.º de Comunicación e “N.º Referencia” apostos no documento”, mereceram credibilidade ao Tribunal, verificando-se que tais divergências se devem ao facto de se tratarem de documentos/certidões emitidos em momentos diferentes, ou seja, 18 de Junho de 2015 e 26 de Outubro de 2016, tal como se foi fazendo referência em cada um dos pontos do probatório.” *** C) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, interposta contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2011. Importa, desde já, ter em consideração que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece: · De erro de julgamento de facto, porquanto descurou acervo documental relevante e fixou factualidade com incorreções determinantes da sua supressão. · De erro de julgamento, por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se o Tribunal a quo, decidiu acertadamente a questão ao evidenciar que os meios probatórios juntos aos autos são suficientes para se concluir que os rendimentos de trabalho dependente foram pagos no estrangeiro, e nessa medida, há lugar à consideração do imposto pago no estrangeiro, por forma a eliminar a dupla tributação internacional. Comecemos pelo erro de julgamento de facto. Neste âmbito sufraga que, existe um notório erro de julgamento de facto, quanto ao facto constante na alínea H) do probatório, o qual não pode ser considerado como provado, uma vez que o documento evidenciado como emitido em outubro de 2016, mais não corresponde do que à suposta tradução certificada do documento emitido em junho de 2015, o qual, por seu turno, se encontra omisso do probatório. Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013).. Ora, in casu, a Recorrente impugna a matéria de facto, requerendo a supressão do facto constante na alínea H) da factualidade assente, porquanto desconforme com a realidade dimanante desse mesmo documento em confronto com o documento original, e o aditamento de um facto que espelhe, justamente, o aditamento do certificado original. Face ao supra expendido, entende-se que foram cumpridas, em termos mínimos, as exigências constantes no citado normativo. Vejamos, então, se procedem as visadas alterações ao probatório. Consta da alínea H) do probatório a seguinte asserção de facto: H) Em 26 de Outubro de 2016, foi emitido pela Agência Estatal de Administração Tributária –Delegação Especial de Andaluzia, o documento intitulado “Certificado” com o teor que se reproduz: De relevar, desde já, que inexiste a incorreção da matéria de facto com a extensão evidenciada pela Recorrente, e, naturalmente, com os efeitos por si almejados, na medida em que, a 26 de outubro de 2016, foi, efetivamente, emitido pela Agência Estatal de Administração Tributária –Delegação Especial de Andaluzia, um “Certificado” com o teor nele constante, ainda que tal tradução só tenha sido obtida ulteriormente. Com efeito, o que resulta dos presentes autos, e de forma absolutamente clara e devidamente suportada documentalmente é que foram emitidos dois certificados pela Administração Tributária –Delegação Especial de Andaluzia, relativamente aos rendimentos em contenda, sendo que o último visou, efetivamente, dissipar as dúvidas suscitadas pela AT quanto ao efetivo, ingresso nos cofres do Estado. Assim, e ainda que, em substância, inexistisse uma verdadeira incorreção da asserção constante na aduzida alínea H), o Tribunal ad quem, visando retratar a realidade de facto sub judice de forma absolutamente fidedigna, procede à alteração da aludida alínea H), e adita duas alíneas, conforme infra se corporiza. Primeiramente, e quanto à visada alteração da alínea H), a mesma passa a contemplar a seguinte redação: H) A 26 de outubro de 2016, foi emitido pela Agência Estatal de Administração Tributária –Delegação Especial de Andaluzia, documento intitulado “Certificado” com o teor que se reproduz:
«Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» (cfr. doc. junto a 122 e seguintes dos autos); *** No concernente, aos evidenciados aditamentos por complementação, este Tribunal procede, como referido, ao aditamento de duas alíneas, elencando-as como alíneas I) e J), e na sequência da enumeração alfabética constante do acervo probatório, e com o teor que infra se descrevem: I) A 18 de junho de 2015, foi emitido pela Agência Estatal de Administração Tributária –Delegação Especial de Andaluzia, um documento intitulado “Certificado” com o teor que se reproduz: «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» (cfr. documento 1 junto com o requerimento com a referência 003991467 a fls.77 a 90 dos autos); J) A 22 de novembro de 2016, o documento intitulado “Certificado”, e melhor identificado em H), foi objeto de tradução pela Drª M…, com o teor que se reproduz:
«Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» (cfr. tradução junta a 123 e seguintes dos autos); *** Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Alega a Recorrente que a prova documental carreada aos autos não permite, de forma concludente, extrair que o imposto foi pago em Espanha conforme exige os n.ºs 1 e 2 do artigo 81.º do CIRS. Ademais, sublinha que da concatenação das alíneas A) e H) do probatório resulta uma notória divergência de valores. Conclui, assim, que não carreando os autos documentos capazes demonstrar o montante de imposto pago no Estado da Fonte dos rendimentos, com referência ao ano de 2011, não logrou fazer a prova que lhe incumbia à luz dos normativos aplicáveis n.ºs 1 e 2 do artigo 81.º do CIRS, n.º 1 do artigo 128.º do CIRS e artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º do CC, não lhe sendo devido o sindicado crédito de imposto, inversamente ao sentenciado na decisão recorrida. O Tribunal a quo concluiu pela procedência da presente impugnação judicial, porquanto o Recorrido logrou provar que auferiu rendimentos em Espanha, e que suportou imposto naquele território, por conseguinte deve o mesmo ser relevado com vista à eliminação da dupla tributação internacional. Concretiza mediante transposição para o recorte probatório dos autos que “[r]esulta assim que os Impugnantes demonstraram, através do documento emitido pela Autoridade Tributária Espanhola, o montante do imposto pago/entregue no país da fonte do rendimento. Respondendo assim, à dúvida da Fazenda Pública se “o imposto, foi nesse mesmo ano, efetivamente, pago/entregue nos cofres das autoridades tributárias daquele estado” (cfr. ponto 42.º e 43.º da informação da DJC).” Densificando, depois, mediante convocação de Jurisprudência que reputou de relevante para o caso vertente, mormente, do “Tribunal Central Administrativo Norte, vertida no acórdão de 14 de Julho de 2005, proferido no processo n.º 00089/03 – BRAGA, estando em causa uma situação semelhante à dos presentes autos, todavia referente a um país diferente, no qual se concluiu que “para prova do pagamento do imposto na Suíça por rendimentos de trabalho aí auferidos, para efeitos de aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça, é suficiente a declaração certificada pela autoridade tributária Suíça que atesta o montante de rendimentos aí auferidos e o montante de imposto aí pago por retenção na fonte”. Sublinhando, in fine, que de todo o modo compete à AT “[n]o caso de lhe subsistirem dúvidas quanto à coincidência entre o valor retido na fonte e o imposto liquidado, proceder à troca de informações com as autoridades fiscais suíças, de forma a evitar a dupla tributação. [no mesmo sentido, veja-se, também, o Acórdão do TCANorte de 16 de Junho de 2005, processo n.º 0302/02 e de 14 de Abril de 2005, proferido no processo n.º 0285/02, todos disponíveis em www.dgsi.pt]” Concluindo, depois, pela integral “[v]erificação dos pressupostos para fazer operar um crédito de imposto por dupla tributação internacional dedutível até ao limite do valor do imposto pago em Espanha em harmonia com o disposto no n.º 1 e 2 do art.º 81.º do CIRS em conjugação com o n.º 2 do art.º 23.º da Convenção sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.” Apreciando. Importa, desde já, relevar que não se vislumbra que o entendimento do Tribunal a quo mereça qualquer censura, visto que interpretou corretamente o quadro normativo vigente e aplicou-o com adequação ao recorte fático dos autos. Senão vejamos. Comecemos por atentar no regime jurídico aplicável ao caso vertente. De harmonia com o consignado no artigo 15.º, do CIRS, sob a epígrafe de “Âmbito da sujeição”: “1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. 2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.” Consignando, por seu turno, o artigo 17.º, nº 1, alínea a), do CIRS, que se consideram rendimentos obtidos em território português: “Os rendimentos do trabalho decorrentes de atividades nele exercidas, bem como de atos isolados nele praticados, de carácter científico, artístico ou técnico, ou de prestação de serviços prevista no nº 4 do artigo 3º”. Preceituando, por seu turno, o artigo 81.º do mesmo diploma legal, relativamente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, que: “1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidas no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias: a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; De chamar, igualmente, à colação o disposto no artigo 128.º do CIRS, o qual a propósito da obrigação de comprovar os elementos das declarações, dispunha que: “1 - As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija. Mais importa convocar a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha (2-Resolução da Assembleia da República nº 6/95, de 28 de janeiro; Aviso nº 164/95, de 18 de julho)., a qual conforme dimana, desde logo, do seu artigo 1.º aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes. Neste particular, importa chamar à colação o artigo 15.º, sob a epígrafe de profissões dependentes, segundo o qual: Mais importa convocar, in fine, o disposto no artigo 23.º, nº2, da aludida Convenção, o qual regulamenta o método para evitar a dupla tributação, estatuindo, para o efeito, que: Visto o direito que releva para o caso vertente, atentemos, então, por reporte ao probatório dos autos o que resulta provado no caso sub judice. A 11 de janeiro de 2012, a empresa M…, s.a.u, emitiu um “Certificado de retenciones e ingresos e cuenta del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas”, do qual resulta que J…, durante o exercício de 2011, auferiu rendimentos de trabalho dependente no valor de €136.414,56 e foram realizadas retenções no valor de €32.739,51. Nessa conformidade, a 30 de abril de 2012, os Impugnantes J… e M…, procederam à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS tendo declarado no “Anexo J – Rendimentos obtidos no estrangeiro” “Rendimentos no valor €136.414,56” e “Imposto pago no estrangeiro: €32.739,51” Mais resulta que, a 26 de outubro de 2016 foi emitido pela Agência Estatal de Administração Tributária –Delegação Especial de Andaluzia, documento intitulado “Certificado”, do qual resulta expressamente que relativamente a J… foram pagas pela sociedade M… SA retribuições no montante de €140.050,37, sobre as quais se praticou uma retenção pelo valor de 33.612,09 euros, devidamente depositada. Ora, tendo por base a aludida realidade fática ter-se-á de secundar o ajuizado, e bem, pelo Tribunal a quo quanto à suficiência probatória. Com efeito, atentando no suporte documental supra aludido, dimana inequívoco que a documentação apresentada pelos Recorridos é idónea para os efeitos pretendidos, visto que dela decorre, sem margem para dúvidas, que J… auferiu rendimentos de trabalho dependente pagos por uma entidade domiciliada em Espanha, e por trabalhos exercidos nesse território, deles se extraindo, com segurança, todos os elementos atinentes a esses rendimentos e as quantias, efetivamente, retidas e entregues em Espanha. Note-se, neste âmbito, que não logra provimento a argumentação que expendeu quanto à concreta e efetiva prova do pagamento dos rendimentos, desde logo face à natureza da retenção em causa, e bem assim porque do aludido Certificado emitido pelas Autoridades Espanholas resulta atestado, de forma inequívoca, não só que foi praticada “uma retenção pelo valor de 33.612,09 euros” como a mesma foi “devidamente depositada no Tesouro.” É certo que este Tribunal não descura que existe, efetivamente, um valor diferencial de €872,58 entre a quantia que foi declarada como retida e paga em Espanha e a quantia que foi atestada para o efeito pelas Autoridades Tributárias de Espanha, mas a verdade é que tal diferencial não tem, de todo, o alcance que lhe pretende imprimir a Recorrente. E isto por duas ordens de razão, primeiro porque sendo a quantia declarada inferior aquela que foi atestada pelas Autoridades Competentes, não está a reclamar a dedução de quantia que não foi, efetivamente, retida e entregue no Estado da fonte-pelo contrário- donde que obvie, neste concreto particular, o crédito de imposto requerido. E por outro lado, porque resultando atestado o pagamento do imposto no Estado da fonte dos rendimentos, a verdade é que a existirem dúvidas, podia/devia a AT ao abrigo do artigo 26.º da citada Convenção, iniciar um procedimento de troca de informações com as autoridades fiscais de Espanha, com vista à determinação do valor exato do imposto pago no país da fonte dos rendimentos. Dir-se-á, portanto, que in casu, o inquisitório sempre imporia que a AT iniciasse um procedimento de troca de informações com as autoridades espanholas tendo em vista a determinação da situação contributiva e fiscal do titular dos rendimentos daquele país. Destarte, resultando demonstrado que os rendimentos foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, tem, então, de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional não podendo, sem mais, desconsiderar-se o imposto pago no estrangeiro. De convocar e salientar, neste concreto particular, e relativamente a rendimentos de trabalho dependente, no expendido por Alberto Xavier (3-in ob. cit, pp. 619 e 620.)e que se transcreve na parte que para os autos releva: “Em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais-seguindo o artigo 15.º do Modelo OCDE-reconhecem, em princípio, a competência exclusiva do Estado da Residência. Se o emprego é exercido no Estado da residência do empregado, nenhum problema se suscita; se, porém, é exercido noutro Estado, importa proceder à repartição dos poderes de tributar potencialmente interessados na situação. Nesta hipótese, há que distinguir as “actividades duradouras”, caso em que ocorre a competência tributária cumulativa (may be taxed) do Estado da fonte, das “actividades temporárias”, caso em que o Estado da residência tem um poder exclusivo (…)”. mais esclarecendo que, “através destes dois últimos requisitos, pretendeu-se esclarecer que a exclusividade do direito do Estado da residência, cessa quando a “fonte de pagamento” se localiza também no país em que a actividade é exercida (fonte da produção). Destarte, face ao supra expendido e à prova carreada para os autos, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, daí dimanando, face ao supra aludido, a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional. Conforme doutrina José Casalta Nabais, a dupla tributação do rendimento implica que “ (…) pode ser tributado tanto no Estado da fonte do rendimento como no Estado da residência do seu titular, sendo certo que, de acordo com o ius gentium, incumbe ao Estado da residência, porque tem legitimidade para tributar a globalidade dos rendimentos dos seus residentes, o ónus de eliminar ou atenuar a dupla tributação daí decorrente.” (4-Direito Fiscal, 4ª Edição, Almedina, 2006, p.237).. Sendo que, conforme consignado nos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, os métodos previstos pelas Convenções por forma a eliminar a dupla tributação, são o método da isenção e o método da imputação. In casu, como visto e já devidamente evidenciado anteriormente, a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha determina, no citado artigo 23.º, nº2, o método da imputação limitada, dele dimanando que “Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto pago em Espanha. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Espanha.” E por assim ser, resultando provado que os rendimentos de trabalho dependente foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, tem, necessariamente, de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto no artigo 23.º, nº2, da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, 8.º da CRP e 80.º do CIRS, pelo que não tendo sido esse o entendimento da AT, a liquidação impugnada padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Logo, a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura, mantendo-se, assim, o julgado anulatório, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento das demais questões. *** IV. DECISÃOFace ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 21 de novembro de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Cristina Coelho da Silva) (Margarida Reis) |