Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1234/08.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:TIAGO BRANDÃO DE PINHO
Descritores:PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Sumário:1 – Não é nula por excesso de pronúncia a sentença que conhece de questão suscitada na Petição Inicial.
2 - A impugnação de apenas alguns dos factos levados ao probatório da primeira sentença proferida nos autos traduz a aceitação, ainda que tácita, dos factos não impugnados, pelo que quanto a estes se mostra precludida a possibilidade de os impugnar em recurso posterior.
3 – O caso julgado vincula as partes e o Tribunal a uma decisão anterior transitada em julgado, aferindo-se o alcance desta decisão pelo seu dispositivo à luz dos respetivos fundamentos.
4 - Se um facto foi suprimido do probatório por acórdão transitado em julgado, a fixação, em segunda sentença, do mesmo facto, viola o efeito de caso julgado do acórdão.
5 – Transitado o acórdão que revogou a sentença com fundamento na insuficiência da alegação e da prova para justificar a estimativa dos custos que o sujeito passivo fez num determinado exercício, este fundamento impõe-se às partes e ao Tribunal ao longo de todo o processo.
6 – Não aceitando a Inspeção o diferimento de proveitos que o sujeito passivo imputou ao exercício de 2004, corrigindo-os para o de 2003, impõe-se que, concomitantemente, retire os mesmos proveitos do exercício de 2004, de forma a evitar que a mesma matéria coletável seja tributada duas vezes, em 2003 e em 2004. Não o tendo feito, a liquidação é anulável por vício de violação de lei.
7 – A anulação da liquidação por vício de violação de lei imputável aos serviços permite a condenação da Administração no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
8 – Julgando o TCAS em substituição, são devidas custas quer pela decisão que julga o recurso, quer pela que julga a ação, nos dois casos de acordo com os princípios gerais da tributação.
Votação:Voto vencido
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

Na Impugnação Judicial n.º 1234/08.0BELRS, deduzida por S.... , SA, atualmente designada por E... , SA, contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Tributário de Lisboa, foi inicialmente proferida sentença em 31 de agosto de 2022 que anulou a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2003.
Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 30 de março de 2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença na parte recorrida e determinou a baixa dos autos ao Tribunal a quo para eventual ampliação da matéria de facto e apreciação das questões cujo conhecimento ficara prejudicado.
Em 24 de julho de 2024 foi proferida nova sentença no Tribunal Tributário de Lisboa que, voltando a julgar a Impugnação procedente, anulou a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 e respetivos juros compensatórios, além de ter reconhecido o direito da Impugnante a ser indemnizada por prestação indevida de garantia.
Esta decisão, ora posta em xeque, considerou, na sua fundamentação, que ocorreu o efeito de caso julgado quanto às questões relativas aos “acréscimos patrimoniais de custos e à caducidade do direito à liquidação”, já decididas naquele acórdão deste TCAS, “restando apenas a análise de eventual violação do princípio da especialização dos exercícios, dúvida quanto à existência ou quantificação do facto tributário, e eventual violação do princípio da justiça”.
Quanto à existência ou quantificação do facto tributário, a sentença considerou que “enquanto a Impugnante estimou os custos totais em 69.439.158,00 EUR para 2002, 86.915.675,00 EUR para 2003 e 80.480.572,00 EUR para 2004, a Administração Tributária considerou como válida para o exercício de 2003 a estimativa feita em 2004, ou seja, 80.480.572,00 EUR.
Isso significa que a Administração Tributária encontrou fundamento, com base na documentação apresentada pelo contribuinte, para aceitar parte (11.041.414,00 EUR) do acréscimo de estimativa de custos de 17.476.517,00 EUR relativo ao exercício de 2003.
No entanto, não é possível identificar o fundamento em que a administração se baseou para corrigir a parte restante dos acréscimos de custos. A Administração deveria ou desconsiderar totalmente a estimativa de acréscimo de custos, ou aceitar a alteração de custos realizada pela Impugnante”.
E, a final, considerou “que as correções efetuadas à matéria coletável não são claras, acabando até por serem incoerentes”, concluindo “que da (contra)prova produzida pelo contribuinte [resultou] fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário”.
Inconformada, a Administração formulou as seguintes conclusões:
I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que - julgando procedente o segundo vício invocado pela Impugnante (“fundada dúvida”), após a decisão proferida por este Venerando Tribunal Superior de julgar incumprido pela Autora a prova do aumento do valor dos custos estimados em 2003, em montante revertido no exercício seguinte, cujo ónus sobre si impendia – impôs, pela segunda vez, a anulação a liquidação adicional de IRC n.º 2008 8310032833 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2008 00000065993 e a nota de compensação n.º 2008 00000193322, respeitante ao exercício de 2003, no montante de € 1.965.870,31.
II) Na análise que fazemos aos referidos pontos 14, 17 e 24, facilmente se verifica que não estamos perante factos, mas juízos conclusivos.
III) Saber se a viabilidade da pretensão era nula ou não…, ou, se as alterações aos projetos se traduziram numa economia de custos, ou, se as obras a mais decorriam de exigências técnicas ou funcionais e se possuíam ou não autonomia em relação à empreitada global, para além de não constituírem factos, senão meros juízos conclusivos que se impunha tivessem sido densificados em sede fundamentação, mediante conjugação dos elementos dos autos, e, exigiam, por outro lado, melhor prova que a testemunhal.
IV) Foi isso que foi afirmado, reiteradamente, por este Venerando Tribunal Central Administrativo do Sul, e que aqui enunciamos, a título exemplificativo (obviando à cansativa e desmesurada demonstração da posição sufragada), a propósito do § 9º do probatório fixado na 1ª sentença recorrida: “É certo que a testemunha E... (que, à época, exercia funções, junto da Impugnante, de responsável do desenvolvimento e orientação das operações imobiliárias) proferiu tal afirmação. Não obstante, trata-se de facto que, a ser provado, o teria de ser por recurso a prova documental, dado que o que se trata é de apreciação de um documento, o protocolo, e de potenciais outros documentos, atinentes às especificações técnicas. Ademais, atento o teor do protocolo, no mesmo remete-se para projetos, quer quanto às vias envolventes, quer quanto às vias de ligação, já aprovados pela Câmara
Municipal da Gondomar (CMG). Não se poderia, sem outro tipo de prova, extrair a conclusão de que o protocolo não continha (ainda que por remissão) quaisquer especificações técnicas. (p. 60 do Ac.).
V) É manifesta a insuficiência e fragilidade da prova testemunhal, seja na apreciação de factos que exigiam prova documental, seja quando este próprio TCA Sul, reconhece as limitações dos depoimentos, designadamente, ao nível da não contextualização, da não densificação, da falta de circunstancialismo, da ausência localização temporal dos factos e de qualquer tipo de quantificação concretamente enunciada.
VI) Por todos estes motivos, e mostrando-se evidente o erro na fixação do probatório, impõe-se a supressão dos pontos 14, 17 e 24.
VII) Por fim, fixa-se no probatório o seguinte:
“15. Assistia, ainda, à Impugnante a obrigação contratual de promoção da comercialização dos correspondentes espaços comerciais, ou seja, deveria angariar contraentes para a celebração de contratos de arrendamento das lojas localizadas no C... em construção.
16. A Impugnante estava obrigada a fazer a primeira e segundas comercializações dos espaços comerciais em questão.
(…).
VIII) A afirmação desde logo genérica (apanágio do que foi apurado nos autos) de que assistia à Impugnante a obrigação contratual de promover a comercialização dos espaços comerciais e que estava obrigada contratualmente a fazer as primeiras e segundas comercializações dos referidos espaços – só poderia ser elevada a facto, se, no lugar de assente em depoimentos reconhecidamente ausentes de características que suportasse a sua credibilidade, tivesse sido assente em prova documental externa, nomeadamente, a partir dos contratos celebrados.
IX) Mesmo que assim não fosse, em termos de motivação de facto não basta ao tribunal a quo afirmar, laconicamente: “Os factos 14.º a 17.º e 24.º foram provados a partir do depoimento das testemunhas arroladas.
X) É inadmissível que este ou qualquer outro tribunal de 1ª Instância se confronte com a análise e valoração da prova produzida por parte do TCA Sul e insista em dar por provados “factos”, partir de juízos conclusivos, e, de generalidades elevadas a factos sobre os quais os depoimentos prestados em momento algum reuniram as características essenciais que os torna credíveis.
XI) Que qualifique os depoimentos como coerentes, espontâneos e escorreitos, quando a Fazenda Pública já logrou demonstrar junto deste TCA Sul que os mesmos se mostram desprovidos de concretização, contextualização e circunstancialismo.
XII) Se o Tribunal reconhece que a inspeção realizada à Impugnante teve o seu início após um pedido de reembolso de IVA por esta realizado e confirma que ficou provado que foi a Autora, com base numa revisão de custos por si efetuada, quem declarou, em termos fiscais, e com base na sua contabilidade, um acréscimo de custos estimados para o exercício de 2003, então quem efetivamente declarou os direitos tributários, não foi a AT. Foi a Impugnante.
XIII) Se assim é, e, se é isso que afirma… a ideia de que o ónus da prova impende sobre a AT constitui evidente contradição insanável entre o que dá por provado (onde supostamente se devia alicerçar a sua convicção) e o juízo fundamentador do seu discurso.
XIV) Após aturada apreciação sobre a insuficiência da prova produzida pela Impugnante no tocante aos acréscimos previsionais dos custos, logrou este Venerando Tribunal Superior, no acórdão já proferido nos autos, expender o seguinte entendimento: “A sustentação essencial da AT, no que respeita à sua correção, foi justamente a da ausência de prova do ajustamento da estimativa dos ditos sobrecustos e essa ausência de prova não foi suprida em sede impugnatória, por parte de quem tinha o ónus da prova de o fazer, ou seja, a Impugnante e no âmbito da obra em causa.
Ora, em momento algum foram especificadas, demonstradas e computadas essas exigências, por forma a poder concluir-se tratar-se (i) de exigências não conjeturadas e/ou (ii) cujo custo seria, previsivelmente em 2003, a suportar pela Impugnante.
Esta ausência de prova conduz a que se entenda que não foram cabalmente demonstradas as circunstâncias fáticas inerentes ao aumento de custos previsíveis em 2003, reduzidos em 2004, o que implica que não foi demonstrada por quem tinha o ónus da prova a ilegalidade da correção.
Face ao exposto, assiste razão à Recorrente” (p. 89/100).
XV) Significa, assim, que a inversão do sentido já firmado no douto acórdão no tocante aos acréscimos previsionais dos custos, por parte do Tribunal a quo, vício já reapreciado definitivamente pelo TCA Sul constitui evidente violação do caso julgado que o próprio Tribunal a quo entendeu não poder reexaminar, e, que configura evidente erro de julgamento suscetível de anulação da decisão recorrida, o que se requer.
XVI) Perante a fundamentação do RIT reproduzida nos § 51º e 52º das presentes motivações não se alcança a dificuldade manifestada pelo Tribunal a quo em compreender a fundamentação da correção neste particular, e, perante tudo quanto foi afirmado por este Venerando TCA Sul, que a logrou compreender. Inexiste qualquer tipo de vício que impeça quem seja de compreender o fundamento da correção.
XVII) Em termos contabilísticos, à Impugnante cabia reunir a documentação necessária e adequada (documentos emitidos por terceiros) a comprovar o aumento dos custos estimados para 2003.
XVIII) Quando se afirma que “Os elementos apresentados pelo sujeito passivo (…) faxes e correspondência trocada entre a S... e a S... , com a Câmara Municipal de Gondomar e o Instituto de Estradas de Portugal, acta de reunião com a CMG, comentários à Acta, etc…) indicam que forma efectuadas algumas alterações aos trabalhos inicialmente contratados desconhecendo-se quais os montantes envolvidos - a AT está a fundamentar a correção não só com base na ausência de elementos que suportassem as obrigações geradoras dos acréscimos aos custos estimados, mas na quantificação desse próprio custo acrescido que a Impugnante declara ter incorrido.
XIX) Em face de tudo quanto expusemos referente à incorreta fixação do probatório; à incorreta valoração da prova e à insuficiência probatória dos elementos apresentados pela Impugnante, sejam eles testemunhais ou documentais, e, verificando-se que da invocação perante a Câmara Municipal de Gondomar às obras impostas com referência à drenagem das águas pluviais não previstas no projeto objeto de eventual orçamentação prévia, não se extrai senão a mera presunção não quantificada desses sobrecustos – inexistindo elementos que nos permitam apurar se a viabilidade da pretensão era nula ou não.
XX) A “Fundada Dúvida” tal como decorre do art. 100º, do CPPT só funciona quando é a AT quem alega e procura demonstrar os factos tributários que suportam a sua correção enquanto expressão dos seus direitos tributários – o que não sucedeu nos autos. E tal como decorre da jurisprudência citada.
XXI) É o próprio Tribunal (já antes o havia decidido este Tribunal Superior) quem o reconhece. Foi a Impugnante quem declarou os valores referentes aos acréscimos de custos. A fundamentação da AT neste particular foi no sentido de não conseguir validar esses mesmos valores, pelo menos, integralmente – por falta de elementos que cabia à Impugnante apresentar.
XXII) Improcede, por manifestamente inaplicável ao caso concreto o regime da “fundada dúvida”.
XXIII) Pelo exposto, não poderá a sentença recorrida deixar de ser revogada julgando-se improcedente a anulação da correção reconhecendo-se os seguintes erros de julgamento:
- Por contradição insanável entre os factos que são dados por provados e a conclusão que retira no que
à distribuição do ónus da prova diz respeito;
- Por violação da figura do caso julgado, apreciando uma questão já dirimida pelo Tribunal Superior (acréscimos de custos estimados) no seio do qual a referida repartição da prova já se consolidou;
- Por violação do princípio do dispositivo e do caso julgado imputando à correção um vício de falta de fundamentação não invocado pela Impugnante, gerador de nulidade, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do C.P.C; desmentido ou contrariado no acórdão deste Venerando TCA Sul, e, que, de todo o modo, simplesmente não se verifica.
- Por incorreta apreciação e valoração da prova da prova, tendo valorado prova testemunhal, sobre a qual também este Tribunal Superior já se pronunciou – afastando-a, perante a insuficiência probatória que dela resulta.
- Incorreta subsunção jurídica, por evidente inaplicabilidade do regime da “fundada dúvida”, às situações em que é ao contribuinte quem cabe o ónus de provar os factos que alega e que deveriam suportar a sua contabilidade.
XXIV) Mostra-se violado o disposto nos arts. 18º, 19º e 20º do CIRC; art. 74º e 77, ambos da LGT, 396º, do CC; art. 100º do CPPT; art. 5º; 580º, nº 1; 581º; 607º, nº 5, 615º, nº 1, al. e), do C.P.C, todos do CPC, aplicável ex vi do art. 2º do CPPT.
Termos em que, deverá ser considerado procedente o recurso ora apresentado, revogando-se a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à 1ª Instância para conhecimento dos remanescentes vícios invocados pela Impugnante.”
*
E contra-alegando conclui, por sua vez, a Recorrida:
1.º A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2008 8310032833, datada de 28.04.2008, na liquidação de juros compensatórios n.º 2008 00000065993 e na nota de compensação n.º 2008 00000193322, datada de 02.05.2008, respeitante ao exercício de 2003, no montante de € 1.965.870,31;
2.º A sentença recorrida concretiza a segunda decisão do Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito dos presentes autos;
3.º Atendendo a que, pese embora a administração tributária tenha alegado que ficaram provadas as exigências por parte das entidades públicas de obras além das que estavam inicialmente previstas, por forma a justificar o acréscimo dos custos estimados em 2003, esta aceitou parte do custos – tendo aceitado como válida a estimativa de custos registada pela Recorrida por referência ao exercício de 2004 – considerou o Tribunal a quo que isso significa que a administração tributária encontrou fundamento, com base na documentação apresentada pelo contribuinte, para aceitar parte (11.041.414,00 EUR) do acréscimo de estimativa de custos de 17.476.517,00 EUR relativo ao exercício de 2003.” (cf. p. 13 da sentença recorrida);
4.º No entanto, e como o coloca à evidência aquele Tribunal, “(…) não é possível identificar o fundamento em que a administração se baseou para corrigir a parte restante dos acréscimos de custos. A administração deveria ou desconsiderar totalmente a estimativa de acréscimo de custos, ou aceitar a alteração de custos realizada pela Impugnante.” (cf. p. 13 da sentença recorrida);
5.º Mobilizando o regime legal previsto nos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 100.º, n.º 1, do CPPT, e não deixando de evidenciar que, em caso de subsistência de dúvida, a administração tributária se deve abster de praticar o ato em cumprimento do princípio in dubio contra fiscum, explica o Tribunal a quo que, perante a correção meramente aritmética em causa, era à administração tributária que competia demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação a que se arroga, cabendo, de seguida, à Recorrida fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos (cf. pp. 12 a 14 da sentença recorrida);
6.º Esclarecendo que “(…) não cabe à Impugnante demonstrar o excesso na quantificação, mas apenas suscitar a dúvida sobre os factos que a Inspeção Tributária deveria provar, ou seja, as correções dos custos estimados em 2003”, concluiu o Tribunal recorrido que a então Impugnante logrou, efetivamente, suscitar tal dúvida;
7.º Asseverando que “Cabia à AT justificar tecnicamente a sua correção, especialmente indicando qual critério foi utilizado para determinar o quantitativo dos custos estimados incorridos em 2003, por forma a tornar percetível a razão de se corrigir parte de um determinado custo e de não se corrigir a outra.” e colocando à evidência que “(…) a Autora foi diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT.”, concluiu o Tribunal recorrido que, ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, deveria o ato tributário sub judice ser anulado (cf. pp. 14 e 15 da sentença recorrida);
8.º Em face do decidido e nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, resultou prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas pela ora Recorrida na sua petição inicial (cf. p. 15 da sentença recorrida);
9.º Aduz a Fazenda Pública que a sentença recorrida aponta para uma alegada falta de fundamentação da correção, questão que – segundo entende – não foi abordada pelas partes, não integrando, por isso, o objeto dos autos, mais referindo que “(…) se trata de questão, sublinhe-se, que o próprio TCA Sul entendeu não existir, em face da fundamentação do acórdão proferido (…).” (cf. artigo 9.º, p. 10 das alegações de recurso);
10.º Neste sentido, peticiona o Ilustre Representante da Fazenda Pública a declaração de nulidade da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, por entender que o Tribunal a quo procedeu a imputar à correção nos autos em crise um vício não invocado pela ora Recorrida, relacionado com a falta de fundamentação daquela correção (cf. artigo 73.º, p. 26 das alegações de recurso);
11.º Do que invoca a Fazenda Pública, depreende a Recorrida que é sua intenção a de imputar à sentença recorrida um excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, determinante da sua nulidade, estando em crer, todavia, que a base legal que alberga a sua pretensão não corresponde à alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas antes à alínea d) daquele n.º 1;
12.º Não obstante, independentemente da concreta denominação ou base legal, não se verifica no caso concreto qualquer causa determinante da nulidade da sentença recorrida, uma vez que, contrariamente ao que entende a Fazenda Pública, a Recorrida colocou à evidência do Tribunal a quo, no âmbito da sua petição inicial, que a correção promovida pelos serviços da administração tributária padecia de falta de fundamentação, não se conseguindo alcançar de forma plena o iter cognoscitivo que terá desembocado na sua realização (cf. artigos 206.º a 208.º, pp. 49 e 50 da petição inicial);
13.º Verificando-se que o Tribunal a quo não extravasou aqueles que são os seus poderes de cognição, tendo-se limitado à apreciação das questões que foram levadas ao seu conhecimento pelas partes, mormente pela Recorrida, não se torna possível apontar à sentença proferida qualquer causa determinante da sua nulidade, razão pela qual esta se deverá manter;
14.º No recurso que agora interpõe, alega a Fazenda Pública que o probatório da sentença recorrida se encontra incorretamente fixado, tendo o Tribunal a quo promovido por uma incorreta apreciação da prova produzida nos autos, seja na sua valoração, seja na interpretação da distribuição do ónus da prova, tendo ademais desrespeitado a apreciação que o Tribunal Central Administrativo Sul efetuou da prova testemunhal (cf. artigo 4.º, p. 9 das alegações de recurso);
15.º A Fazenda Pública peticiona o suprimento dos factos constantes dos pontos 14., 15., 17. e 24. do probatório da sentença recorrida;
16.º A Recorrida entende que, salvo melhor entendimento, a intenção impugnatória manifestada pela Recorrente se encontra inviabilizada;
17.º A análise – promovida conjuntamente – do probatório da sentença inicialmente proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, do acórdão proferido pelo Tribunal ad quem e do probatório da sentença de que ora a Fazenda Pública recorre, permite verificar que o Tribunal a quo atendeu à apreciação que o Tribunal Central Administrativo Sul promoveu da matéria de facto em causa, tendo, ademais, reproduzido o juízo valorativo empreendido por este Tribunal na sentença que agora proferiu;
18.º No recurso que interpôs da primeira sentença nos autos proferida, procedeu a Fazenda Pública a impugnar os factos constantes dos pontos 9., 10., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 26., 27., 28., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 36., 37. e 38. do probatório daquela sentença;
19.º Conhecendo da impugnação da matéria de facto então promovida pela Fazenda Pública, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul que deveriam ser suprimidos do probatórios todos aqueles factos, com exceção do facto identificado no ponto 17. do probatório, impondo, não obstante, a alteração da formulação desse facto (cf. pp. 59 a 82 do acórdão proferido nos autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul);
20.º Compulsado o probatório da sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo dele expurgou todos os factos que, tendo sido impugnados pela Fazenda Pública, foram suprimidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul e que aí foram igualmente repercutidas as alterações determinadas ao facto 17. do probatório da primeira sentença proferida;
21.º Do probatório da sentença recorrida, consta apenas um facto sem idêntico respaldo na primeira sentença proferida, tratando-se este do facto 25., sendo que o mesmo concretiza o resultado da única diligência probatória adicional promovida pelo Tribunal a quo destinada a aferir se a administração tributária houvera, ou não, promovido por aquela correção simétrica (cf. p. 9 da sentença recorrida);
22.º Tendo em consideração os factos ora impugnados pela Fazenda Pública constavam já do probatório da sentença inicialmente proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa – tendo a Fazenda Pública tido oportunidade para os impugnar – e que, por ocasião da segunda pronúncia a proferir pelo Tribunal a quo, não foram promovidas diligências probatórias adicionais por referência à factualidade em causa, a Recorrida entende que a Fazenda Pública se encontra, salvo melhor entendimento, precludida de impugnar aqueles;
23.º Ainda que se entenda que à Recorrente não se encontra vedada a possibilidade de impugnar os factos constantes dos pontos 14., 15., 17. e 24. do probatório da sentença recorrida, o que apenas por cautela de patrocínio se pondera, sem conceder, sempre deveria a matéria de facto vertida naquela sentença ter-se por assente;
24.º Atendendo a que nas suas alegações de recurso a Fazenda Pública se limita a pugnar pela desconsideração, sem mais, da prova testemunhal produzida, para tanto alegando apenas que os depoimentos em causa se vislumbram insuficientes e limitados, não demonstrando os termos em que essa insuficiência e limitação se verificam, não pode considerar-se cumprido o ónus de alegação e especificação que, nos termos do artigo artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, sobre si impendia;
25.º Ao invés de promover – como se lhe impunha – pela análise crítica dos factos em causa por referência à prova que nos autos foi produzida, indicando em concreto as passagens dos depoimentos que no seu entender evidenciariam a impossibilidade de julgar provados aqueles factos, procede a Recorrente, tão somente, a tecer considerações genéricas sobre a prova testemunhal e a discorrer – sem nunca o fundamentar devidamente – sobre a sua discordância em relação à valoração que sobre aqueles factos o Tribunal a quo efetuou;
26.º Por este motivo, e considerando que o fundamento para a impugnação da matéria de facto não pode reconduzir-se à mera discordância em relação à valoração que, sobre os elementos de prova, foi efetuada pelo Tribunal recorrido, deve ainda notar-se que a pretensão aduzida pela Fazenda Pública carece de fundamento atendível;
27.º O dispositivo da sentença recorrida resulta da apreciação crítica dos distintos meios de prova e elementos juntos aos autos e da valoração que, objetiva e fundamentadamente, o Tribunal a quo deles fez, afigurando-se a conclusão lograda por aquele Tribunal lógica e razoável;
28.º Ao contrário do que pretende fazer crer a Fazenda Pública, o Tribunal Central Administrativo Sul, aquando do julgamento do recurso interposto da primeira sentença proferida nos autos, não procedeu a uma apreciação global da prova produzida, mormente da prova testemunhal, tendo-se limitado – como se lhe impõem as normas processuais aplicáveis – a apreciar os concretos factos impugnados pela Recorrente, razão pela qual não se afigura possível extrair do acórdão proferido naquela sede qualquer conclusão atinente aos factos constantes dos pontos 14., 15., 17. e 24. do probatório da sentença recorrida;
29.º Os factos elencados nos pontos 14., 17., e 24. do probatório da sentença recorrida não se reconduzem a meros juízos conclusivos, mas efetivamente à factualidade que subjaz à atividade da Recorrida, à relação estabelecida com as sociedades clientes e com as entidades públicas responsáveis pelo projeto e respetivo licenciamento e à construção de que a Recorrida estava encarregue de levar a cabo, traduzindo-se em verdadeiros factos;
30.º Ao defender a impreterível necessidade de comprovação dos factos necessários à justa decisão da causa somente mediante prova documental, a Fazenda Pública o que parece pretender, na prática, é pugnar pela inviabilidade de produção de prova testemunhal como meio de prova admissível, com o que não se pode a Recorrida conformar uma vez que tal entendimento é manifestamente atentatório do direito à prova, garantido pelos princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigo 20.º da CRP);
31.º Não se pode olvidar que uma mais completa análise da prova documental oferecida pela aqui Recorrida implica a cabal compreensão das circunstâncias que moldam a factualidade relevante revelando-se este meio de prova essencial no caso concreto, na medida em que a mera análise da documentação recolhida pelos serviços de inspeção, bem como a documentação apresentada pela Recorrida, carece de ser contextualizada e concretizada – tendo-o sido efetivamente por testemunhas credíveis cujo depoimento se viu corretamente valorado pelo Tribunal a quo;
32.º No caso em apreço verifica-se que o Tribunal a quo enuncia na sentença recorrida as razões pelas quais os testemunhos mereceram credibilidade e a devida valoração, conjuntamente com os demais meios de prova, o que significa que o Tribunal a quo não se limitou, sem mais, a relevar os depoimentos, justificando quais os aspetos que valorou na apreciação da prova testemunhal produzida, designadamente a forma coerente, espontânea e clara com que as testemunhas depuseram (cf. p. 9 da sentença recorrida);
33.º Alega, no mais, a Fazenda Pública que a conclusão lograda pelo Tribunal a quo no que respeita à distribuição do ónus da prova, não se coaduna – antes entrando em contradição – com os factos por aquele Tribunal julgados provados e com aquela que foi a apreciação levada a cabo pelo Tribunal Central Administrativo Sul, constituindo, por isso, violação de caso julgado;
34.º Importa salientar que a questão agora conhecida pelo Tribunal a quo não se reconduz nem tão pouco se confunde com a questão relacionada com a efetiva comprovação dos sobrecustos que ocasionaram a alteração da estimativa de custos totais, outrora apreciada pelo Tribunal ad quem;
35.º A par da caducidade do direito à liquidação do tributo, o Tribunal Central Administrativo Sul limitou-se à apreciação do invocado erro sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação, tendo a este respeito e no que ora releva considerado que “A sustentação essencial da AT, no que respeita à sua correção, foi justamente a da ausência de prova da estimativa dos ditos sobrecustos e essa ausência de prova não foi suprimida em sede impugnatória, por parte de quem tinha o ónus da prova de o fazer, ou seja, a Impugnante e no âmbito da obra em causa.”, e referido que “Esta ausência de prova conduz a que se entenda que não foram cabalmente demonstradas as circunstâncias fácticas inerentes ao aumento de custos previsíveis em 2003, reduzidos em 2004, o que implica que não foi demonstrada por quem tinha o ónus da prova a ilegalidade da correção.” (cf. p. 89 do acórdão proferido nos autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul).
36.º Decorre do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por um lado, que é sobre a Recorrida que impende o ónus da prova quantos aos factos extintivos da correção promovida pelos serviços da administração tributária – traduzindo-se estes, no caso concreto, nos sobrecustos que justificaram a alteração da estimativa de custos totais – e, por outro lado, que, tal como alegaram os serviços de inspeção no seu relatório, não foi possível comprovar o circunstancialismo fáctico que motivou o acréscimo daqueles custos;
37.º O raciocínio explanado pelo Tribunal a quo não contraria em momento algum o que logrou concluir o Tribunal ad quem;
38.º Contrariamente ao que parece entender a Fazenda Pública, não procedeu o Tribunal a quo a considerar que o ónus da prova relativamente à verificação do aumento dos sobrecustos impendia sobre a administração tributária, nem tão pouco a indicar que aquele aumento se deveria considerar demonstrado;
39.º O que procedeu aquele Tribunal a evidenciar foi que, pese embora tenham considerado que não resultaram provadas as exigências por parte de entidades públicas de obras além das que inicialmente estavam previstas no contrato inicial e no protocolo celebrado, os serviços aceitaram uma parte do acréscimo de custos verificado, não tendo, para o efeito, sequer indicado qual o racional que lhes permitiu concluir que não deveria ser desconsiderada a totalidade dos custos adicionais, impondo-se outrossim a aceitação como válida da estimativa de custos registada no exercício de 2004;
40.º Isto é, atribuiu o Tribunal a quo relevância à incoerência que, sem qualquer justificação ou fundamentação oferecida pelos serviços, torna a que sobre a quantificação da correção tal como promovida pela administração tributária se faça recair uma fundada dúvida, sendo que esta relevância não foi atribuída pelo Tribunal ad quem pelo facto de não ter este Tribunal procedido à apreciação da ilegalidade da correção decorrente da verificação de fundada dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário;
41.º Não pode a Recorrida conformar-se com a alegação aduzida pela Fazenda Pública, nos termos da qual o Tribunal a quo menosprezou o que houvera sido decidido pelo Tribunal ad quem, incorrendo a sentença proferida em violação do caso julgado, justamente porque a decisão do Tribunal recorrido assenta, desde logo, nas premissas daquele acórdão;
42.º Importa, pois, denotar que a aplicação do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, pressupõe que, estando incumbida de os comprovar, a Recorrida não logrou demonstrar com efetividade os acréscimos de custos, restando apenas por averiguar se, todavia, dos vários elementos constantes dos autos, decorre a verificação de uma fundada dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário subjacente ao ato de liquidação em crise, tendo sido, neste âmbito que o Tribunal a quo concluiu pela verificação daquela dúvida;
43.º A interpretação desta forma promovida pelo Tribunal a quo não apenas se enquadra nas linhas definidas pelo Tribunal ad quem, como corresponde àquela que, no entender da jurisprudência e da doutrina, se traduz na correta aplicação das normas legais atinentes ao ónus da prova (cf., a título exemplificativo, o acórdão de 20.01.2022 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 00053/10.3BEBRG);
44.º Efetivamente, não pode passar despercebido, antes merecendo a devida consideração e relevância, o facto de a administração tributária ter concluído pela não comprovação de qualquer exigência que, imposta pelas entidades públicas intervenientes nas fases de projeto e licenciamento, tivesse ocasionado um aumento dos custos a suportar por ocasião da realização da obra em causa, mas ter, sem o explicar, aceite uma parte daqueles custos, desconsiderando apenas o remanescente do acréscimo registado pela Recorrida;
45.º Tal como evidenciado pela Recorrida na sua petição inicial, não consta do relatório de inspeção qualquer fundamento para a quantificação da correção à estimativa de custos no exercício de 2003 por forma a tornar percetível a razão de se corrigir parte de um determinado custo e de não se corrigir a outra, sendo certo que incumbia à administração tributária fundar a sua correção técnica, designadamente, indicando qual o critério usado para a determinação do quantitativo de custos estimados incorrer, em 2003;
46.º Alega, neste âmbito, a Fazenda Pública que “A administração tributária como válida para o exercício de 2003 os € 80.480.572,00, em virtude da análise que a Impugnante lhe fez chegar. Reprovar a atuação da AT, entendendo que a correção deveria ser na lógica do tudo ou nada independentemente do que se observasse… é, no mínimo, temerário.”, de seguida questionando “A AT deveria fechar os olhos aos elementos que, uma vez observados, justificam alguns dos acréscimos aos custos estimados pela Impugnante? Isto faz ao algum sentido, Senhores? Não estariam os SIT a violar o princípio da legalidade (art. 8º da LGT) nas situações em que a AT, à luz da legislação aplicável, tem o dever de proceder à correção da matéria tributável, ainda que a favor do contribuinte?” (cf. artigos 62.º e 63.º, p. 24 das alegações de recurso);
47.º Por um lado, a narrativa exposta pela Recorrente nos artigos 62.º e 63.º das suas alegações de recurso, surge em contradição com o que indica, por sua vez, no artigo 56.º daquelas alegações, em que reitera, uma vez mais, que não resultou demonstrada qualquer exigência imposta à Recorrida pelas entidades públicas;
48.º Por outro lado, importa notar que o fundamento do ato tributário nos autos em crise deveria, em qualquer caso, constar do relatório de inspeção, não podendo ser valoradas quaisquer considerações que, tecidas com o intuito de justificar a realização da correção e respetiva quantificação, sejam proferidas posteriormente, nomeadamente, em sede de impugnação judicial;
49.º Sendo certo que a administração tributária considerou que não resultavam demonstradas as exigências que, impostas à Recorrida, determinaram o aumento dos custos que ocasionou a alteração da estimativa de custos totais registada no exercício de 2003, e, ainda assim, procedeu a aceitar uma parte desse aumento – isto é, a estimativa de custos registada para o exercício de 2004 – não tendo, para o efeito, oferecido qualquer justificação ou critério, outra conclusão não se vislumbra possível se não a de, quanto à quantificação da correção nos autos em crise, a Recorrida logrou, efetivamente, suscitar uma fundada dúvida;
50.º Por fim, alega a Fazenda Pública não ser aplicável aos autos o disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, uma vez que a fundada dúvida apenas funciona quando é a administração tributária quem alega e procura demonstrar os factos que suportam a sua correção enquanto expressão dos seus direitos tributários, o que, no seu entender, não é o caso da situação sub judice (cf. artigos 65.º a 67.º, p. 25 da sentença recorrida);
51.º Por forma a sustentar a posição que sufraga, traz a Fazenda Pública à colação o acórdão de 30.11.2023, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 992/07.9BELRS, indicando que “(…) não sendo coincidente no caso, tem em comum a circunstância de ser o contribuinte (cumprido o ónus por parte da AT) quem está onerado com a prova dos factos que alega (…)” (cf. artigo 71.º, p. 26 das alegações de recurso);
52.º Importa, desde logo, esclarecer que o direito tributário em causa nos presentes autos se trata do direito ao imposto, a que se arroga a administração tributária, pelo que, como decorre do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, era à administração tributária que incumbia a prova dos factos constitutivos da liquidação, cabendo, por outro lado, ao sujeito passivo – a aqui Recorrida – a prova dos respetivos factos impeditivos, extintivos e modificativos – tratando-se o acréscimo de custos, precisamente, de um facto extintivo da liquidação adicional sub judice;
53.º Se sobre os factos constitutivos da liquidação a Recorrida suscitou uma fundada dúvida, a solução a encerrar os presentes autos não poderá ser outra se não a da anulação do ato tributário sub judice por aplicação do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT;
54.º Por outro lado, cumpre notar que o acórdão que a Fazenda Pública traz à colação para sustentar a sua convicção em torno da não aplicação no caso concreto do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, não é suscetível de ser transposto para o caso dos autos, uma vez que aquele processo, por aplicação do disposto no artigo 75.º da LGT, cessou a presunção de veracidade das declarações, contabilidade e escrita do sujeito passivo, tendo-se ocasionado a inversão do ónus da prova, a qual determinou, por conseguinte, a inviabilidade da aplicação do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT;
55.º Sucede que, no âmbito do presente caso, não foi imputado qualquer desvalor à contabilidade da Recorrida, suscetível de fazer cessar a presunção de veracidade, razão pela qual se mantém aplicável a regra geral elencada no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, não havendo lugar à inversão do ónus da prova;
56.º Mantendo-se a cargo da administração tributária a prova dos factos constitutivos do direito à liquidação, a fundada dúvida que, demonstrada pela Recorrida, se fez recair sobre a existência/quantificação do facto tributário deverá, efetivamente, ser valorada a seu favor por aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT;
57.º Ainda que se conclua pela procedência do recurso apresentado, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, sem conceder, desde já se requer, atento o disposto no n.º 1 do artigo 636.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, a ampliação do objeto do recurso tendo em vista a apreciação pelo Tribunal ad quem dos demais fundamentos invocados pela Recorrida quanto à ilegalidade dos atos de liquidação sub judice – a saber (i) a violação do princípio da especialização dos exercícios e (ii) a necessidade de correção simétrica no exercício de 2004;
58.º A correção nos autos em crise enferma do vício de ilegalidade por violação do princípio da especialização de exercícios, uma vez que a administração tributária procedeu a corrigir uma estimativa realizada num determinado exercício com base em circunstâncias não atinentes ao exercício em questão, mas ao exercício subsequente, atuando, assim, em clara violação pelo disposto nos artigos 18.º e 19.º do Código do IRC;
59.º É ilegal, por violação do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC, a correção à matéria coletável feita com base num juízo de prognose póstuma, apenas sendo legítimo aferir da correção de uma determinada estimativa face aos dados existentes à data em que a mesma é realizada;
60.º Por outro lado, a ausência de correção simétrica de sinal contrário e inerente violação dos princípios da tributação pelo lucro real e da justiça, por ocasião do apuramento pela liquidação adicional ora impugnada de imposto a pagar adicionalmente superior ao que efetivamente sempre seria devido, determina ainda a anulação do ato sub judice;
61.º Se em face de uma situação concreta a administração tributária entende que determinado proveito não respeita fiscalmente ao exercício em que foi relevado pelo sujeito passivo, mas a outro, a correção a efetuar compreenderá, por um lado, a desconsideração fiscal do proveito no exercício da sua incorreta relevação e, por outro lado, a sua consideração no exercício a que efetivamente respeita;
62.º Não o fazendo, incorre a administração tributária na violação dos artigos 104.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP, do artigo 4.º, n.º 1, da LGT e dos artigos 5.º e 6.º do RCPIT. Razão pela qual deve, também com este fundamento, ser anulada a liquidação impugnada;
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.
Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-os os pressupostos, seja a Recorrida dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.”
*
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do Recurso, por subscrever “a argumentação utilizada pela Recorrente”.
*
As questões a decidir são, então, as de saber se a sentença:
- É nula, por excesso de pronúncia;
- Errou na decisão da matéria de facto;
- Violou o efeito de caso julgado quanto aos acréscimos previsionais dos custos;
- Em caso de resposta negativa a esta questão da violação do caso julgado, se errou na determinação das regras do ónus da prova;
- Padece de contradição entre os factos que foram dados como provados e a conclusão relativa à distribuição do ónus da prova;
- Errou ao considerar que não se compreendem os fundamentos da aceitação das correções.
E, no caso de procedência do Recurso, decidir os vícios assacados à liquidação cujo conhecimento foi dado por prejudicado na sentença recorrida, a saber:
- Erro nos pressupostos, por violação do princípio da especialização dos exercícios, alegado nos artigos 187.º a 195.º da Petição Inicial;
- Erro nos pressupostos, por violação do princípio da justiça, alegado nos artigos 211.º a 233.º da Petição Inicial.
*
Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
1.
A Impugnante é uma sociedade anónima que desenvolve a atividade de construção engenharia civil, inscrita com o CAE 45212, estando enquadrada em sede de IVA no regime normal com periodicidade mensal, e em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável.

2.
A Impugnante celebrou em 2001 três contratos com as sociedades G.... , S.A., C.... , S.A. e com a G... , S.A., para a construção, respetivamente, do C... .... , do Hipermercado a instalar naquele C... e do C.... .

3.
A Impugnante, para determinação dos respetivos resultados, utilizou o critério do grau de acabamento, o qual tem como premissa o valor dos custos totais estimados com a obra.

4.
O preço contratado em cada um dos referidos contratos era global e insuscetível de revisão.

5.
Tratavam-se estas de obras “chave na mão”, em que a construtora assume a responsabilidade por todo o projeto, da construção à entrega do centro comercial, devidamente equipado, e com os contratos celebrados com os lojistas.

6.
Ficou estipulado nos referidos contratos que, tendo em consideração as alterações introduzidas no projecto de construção após a emissão da licença de construção, a C.... , S.A. apresentaria, em representação das três entidades contratantes, o dossiê preparado pela Impugnante com vista à obtenção da licença de construção alterada de modo a permitir a construção do projecto tal como este se encontrava definido na memória descritiva e nos projetos juntos aos contratos.

7.
Entre as obrigações estipuladas nos mencionados contratos, constituía obrigação da Impugnante proceder à construção das vias de acesso àquele Centro Comercial.

8.
Em concreto, constituía obrigação da Impugnante a construção, suportando todos os encargos inerentes, das vias envolventes ao empreendimento, das vias de ligação à rede rodoviárias local e nacional, da via entre a rotunda norte do empreendimento e a projetada via nordeste, do nó de Rebordões, bem como a beneficiação das vias existentes.

9.
Ficou igualmente a constar daquele Protocolo que a C.... , S.A. e a Impugnante se obrigavam a submeter à Câmara Municipal de Gondomar o projeto de ligação à Via Nordeste até 30 de abril de 2002 de acordo com o traçado aprovado pela Câmara Municipal de Gondomar, bem como que esta procederia à cedência dos terrenos para a construção do Nó de Rebordões até 15 de junho de 2002.

10.
O IEP realizou, a 14.04.2003, reunião de trabalho com a C.... , SA, relativa ao processo atinente ao Nó de Rebordãos.

11.
Na sequência da reunião mencionada no ponto anterior, a C.... , SA, remeteu à Câmara Municipal de Gondomar (CMG) o faseamento retificado da circulação durante os trabalhos, para transmissão oficial do IEP.

12.
A CMG remeteu ofícios, dirigidos ao IEP, datados de 06.05.2003 e 15.05.2003, solicitando a emissão de parecer do faseamento retificado da circulação, aditamento da sinalização temporária e memória descritiva.

13.
O IEP remeteu ofício, datado de 26.05.2003, dirigido à CMG, no sentido de o projeto de sinalização temporária reunir as condições necessárias de sinalização e segurança, pedindo a apresentação prévia de plano de segurança e saúde, referindo que os sinais deverão ter cor de fundo amarelo e que o sinal D4 deverá ser repetido do lado esquerdo e direito, quando existam duas vias.

14.
Embora a Impugnante tivesse invocado perante a Câmara Municipal de Gondomar, pelo menos no que toca às obras impostas com referência à drenagem das águas pluviais, que não se encontravam previstas no projeto e teriam de ser objeto de orçamentação prévia a viabilidade de uma tal pretensão era nula.

15.
Assistia, ainda, à Impugnante a obrigação contratual de promoção da comercialização dos correspondentes espaços comerciais, ou seja, deveria angariar contraentes para a celebração de contratos de arrendamento das lojas localizadas no C... em construção.

16.
A Impugnante estava obrigada a fazer a primeira e segundas comercializações dos espaços comerciais em questão.

17.
As referidas alterações aos projetos traduziram-se numa economia de custos.

18.
Em 25.11.2005 foi emitida a ordem de serviço n.º OI200508352, sendo desencadeado pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa um procedimento inspetivo externo geral à Impugnante, o qual teve por objecto o exercício de 2003.

19.
Em 04.10.2006, foi notificado o procedimento externo de inspeção por carta-aviso à Impugnante ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200508352.

20.
A consequente diligência de inspeção teve efetivo início em 22.10.2007- data em que a Impugnante foi notificada pessoalmente - e conclusão em 19.03.2008.

21.
Do Relatório Final da mencionada inspeção, notificado à Impugnante a 21.04.2008 consta, designadamente o seguinte:
(…)
Os elementos apresentados pelo sujeito passivo com o objetivo de justificar os ajustamentos efetuados aos custos estimados (Anexos 3 e 4: faxes e correspondência trocada entre representantes da S... e da SLFC, com a Câmara Municipal de Gondomar e o Instituto de Estradas de Portugal, ata de reunião com a CMG, comentários á ata, etc...), indicam que foram efetuadas algumas alterações aos trabalhos inicialmente contratados desconhecendo-se quais os montantes envolvidos.
Neste tipo de atividade é razoável e normal que sejam efetuados alguns ajustamentos aos custos inicialmente previstos, no entanto, necessitam de justificação.
Quanto à anulação, em 2004, dos custos estimados no exercício anterior (2003), para as Obras Exteriores, a justificação apresentada é a de que, após negociações com os clientes os mesmos aceitaram assumir os referidos custos. Quanto à redução de Outros Custos (Honorários) estimados no montante de 1 968 535,00 E não foi dada qualquer justificação.
Em 2002, foram realizados contratos com os clientes onde foi acordada a entrega do centro comercial, do hipermercado e de uma área comercial à Gondobrico, num total de 72 691 043,00 E.
Para além da construção destas áreas, a S... tinha ainda de construir os acessos (que constam do orçamento elaborado em 2002), fazendo tudo parte do projeto inicial.
Antes de iniciar as obras foram orçamentados os custos num total de 69 439 158,00 E onde foram estimados custos para a construção, para os acessos e para outros (honorários), de acordo com o projeto elaborado.
Estes custos foram estimados com base nos trabalhos que era necessário realizar para satisfazer os contratos assinados com os clientes. Como se trata de um projeto imobiliário com acessos rodoviários foi necessária a aprovação da Câmara Municipal de Gondomar bem como do Instituto de Estradas de Portugal, ficando assim, previstos e definidos no projeto, os trabalhos a realizar.
Se à posterior a CMG e o IEP vieram fazer novas exigências que não estavam previstas nos contratos iniciais, então, estamos perante a figura de "Trabalhos a Mais ou Trabalhos Adicionais" muito comum nas obras de carácter plurianual, que deveriam ser faturados aos clientes já que, quando foram estabelecidos os valores dos contratos não estava previsto realizar aquelas obras.
Estamos aqui perante alterações às obras que não constavam do projeto inicial, o que consubstancia, para todos os efeitos, obras acessórias, que, a acontecerem, teriam de ser reguladas por um contrato adicional.
A Circular 5/90, de 17 janeiro de 1990, ponto 3°, relativamente aos "trabalhos adicionais" refere que "As obras acessórias reguladas por contrato adicional ficarão sujeitas às regras para a determinação dos resultados aplicáveis à obra principal". O grau de acabamento é aferido pelo cálculo da percentagem dos custos incorporados na obra até certa data sobre a totalidade dos custos estimados. Ao revelar-se o resultado no período em que em princípio é produzido, obtém-se uma distribuição da carga fiscal ao longo do tempo da duração da obra, como decorrência natural do princípio da especialização dos exercícios.
Assim, a aceitar-se o acréscimo de custos estimados, também deveriam ter sido estimados os proveitos correspondentes que posteriormente viriam a ser faturados aos seus clientes ou à CMG, o que coincide com o que está descrito na Ata de reunião de 12/08/2004 entre os representantes da S... e os representantes da CMG e os comentários à referida Ata, que a seguir se transcreve:
Ata de 12 de agosto de 2004
...«Pelo representante da empresa S... foi dito que:
2- A drenagem das águas pluviais, referida no ponto 1 pela Câmara Municipal, em principio, só aceita executá-la se, após orçamento a elaborar, a Câmara Municipal suportar o valor excedente ao previsto no projeto apresentado para a condução dessas águas (canal a céu aberto)» ...
Comentários à Ata de Reunião de 12/08/2004
«Relativamente ao pronunciado pela Câmara Municipal de Gondomar»
- Item 1 da Ata - ...« durante o decorrer da obra Rebordãos 2' Fase, consistindo na ligação de elevado caudal de águas pluviais situadas fora da zona de intervenção da obra, ao coletor previsto em projeto, relembramos que foi sistematicamente transmitido à CMG que este trabalho não estava previsto no projeto e que estava fora do âmbito de intervenção da S... , a cargo do adjudicatário»...;
- Item 2 da Ata - ...« Relativamente ao alargamento da via, a S... apresentará orçamento deste trabalho à CMG, uma vez que não estava contemplado no projeto entregue, nem no acordo de 2002 existente entre a CMG e a S... .»...
Confirma-se assim que em caso de realização de trabalhos não previstos no projeto inicial, a S... procede à elaboração de orçamentos com vista à imputação dos custos a terceiros, o que contraria o comportamento da empresa ao aumentar os custos previstos relacionados com os contratos inicialmente acordados com os seus clientes. O que se verifica é que uma parte dos custos estimados em 2003 nada têm a ver com o projeto inicial pelo que não estão relacionados com os proveitos estimados no montante de €72.691.043,00 contratados com os clientes.
Estimar custos para as obras não previstas implicaria estimar os correspondentes proveitos que nada têm a ver com os contratos inicialmente acordados.
Face ao que ficou descrito conclui-se que, o sujeito passivo procedeu incorretamente quando apurou o grau de acabamento da obra de 85,53%, tomando em consideração como custos estimados o valor de €86.915.675,00, que incluem os acréscimos de custos de obras não previstas no projeto inicial.
Pela documentação apresentada, concluímos que efetivamente houve alteração de alguns custos / referentes ao projeto inicial que foram estimados em 2003 e que se mantiveram nos custos estimados considerados no exercício de 2004 (€80.480.572,00), pelo que se considera razoável aceitar aquele acréscimo de custos no exercício de 2003. Então, para efeitos de cálculo do grau de acabamento da obra será de aceitar como custos estimados em 2003 o montante de €80.480.572,00.
Apresenta-se no quadro seguinte o cálculo da faturação a diferir em função do grau de acabamento da obra apurado com base naqueles custos estimados (£80.480.572,00), ou seja, o valor a transferir da conta 722 — Trabalhos de Subempreiteiros para a conta 274- Proveitos a Diferir, pois nos termos do artigo 18° n°1 do CIRC, os proveitos e os custos são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios
(…)
VIII.2 – Apreciação das Alegações Apresentados pelo Sujeito Passivo
(…)
Revisão de Preços
(…)
Conforme já foi referido na página 12 deste relatório, na transcrição da Ata de 12 de agosto de 2004 e respetivos comentários, verifica-se que em caso de exigência de trabalhos não previsos no projeto inicial e no protocolo, a S... procede à elaboração de orçamentos com vista à imputação dos custos a quem os exige, o que contraria a conduta da empresa ao proceder à revisão dos custos estimados para o projeto .... .
Por outro lado, os representantes da empresa referem e argumentam que estabeleceram negociações com os clientes, os fornecedores de serviços, a REFER e a CMG no sentido de estes assumirem em parte ou na tolidade, os custos resultantes das obras exigidas pela CMG e IEP não previstas no projeto inicial e Protocolo.
Verifica-se assim que nunca houve intenção por parte da S... de suportar custos para além dos inicialmente previstos, daí que não se justifica a revisão dos custos emitidos relacionados com aquela obra. Caso a S... viesse a suportar alguns destes custos deveriam ser contabilizados como tal no exercício em que fossem incorridos. Podemos assim concluir que a empresa abusou do princípio da prudência tendo estimado custos em excesso (…)».

22.
Em resultado da referida correção à matéria coletável do exercício de 2003 foi a Impugnante notificada, em 16.05.2008, do ato tributário ora impugnado no qual se apura um total de imposto a pagar de 1.965.870,31 EUR.

23.
Em 24.07.2007 foi apresentada a presente impugnação judicial.

24.
As referidas obras a mais, decorrentes de exigências técnicas e funcionais, não possuem autonomia em relação à empreitada global de construção dos acessos exteriores ao empreendimento e todas as vias exteriores, com excepção da rotunda L... , estava ab initio previstas no Protocolo celebrado com a Câmara Municipal de Gondomar.

25.
Não existiu correção simétrica no exercício de 2004.

3.2. Motivação da decisão quanto à matéria de facto
A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos resultou da análise crítica de toda a prova produzida de forma conjugada ou concertada entre si, bem como, nos depoimentos das testemunhas arroladas.
Em concreto, o Tribunal ponderou o depoimento de Eric Limas que à data dos factos exercia funções de Diretor Imobiliário, sendo responsável pelo desenvolvimento e orientação das operações imobiliárias e o qual depôs de forma coerente, escorreita e espontânea, apresentando a testemunha uma postura serena. A convicção do Tribunal assentou também no depoimento de ... , à data dos factos era o Diretor Financeiro e TOC, o qual depôs de forma clara e sincera.
Vamos agora iniciar o percurso de explicação da decisão:
O facto 1.º foi provado a partir das informações relativas à caracterização feita pela AT no Relatório constante a fls. 185 dos Autos.
Os factos 2.º e 3.º foram provados a partir da alegação da Impugnante conjugada com a confirmação efetuada pela AT no Relatório da Inspeção a fls. 187.
Os factos 4.º e 5.º resultam da análise do Contrato de Construção para o desenvolvimento de um hipermercado, constante a fls. 63 e seguintes dos Autos, nomeadamente, através da cláusula 15ª, conjugada com a cláusulas 10ª dos contratos celebrados com a Galeria .... ... , S.A. e com a G... , S.A. As cláusulas 2ª a 4ª dos citados contratos também foram relevantes para provar o facto 5.º. Para além disso, relevou o depoimento da testemunha ... .
Os factos 6.º e 7.º foram provados a partir da análise do Contrato de Construção para o desenvolvimento de um hipermercado, constante a fls. 63 e seguintes, nomeadamente o considerando 2 e 3.º e último parágrafo do considerando 4 dos contratos celebrados com a Galeria .... ... , S.A.;
Os factos 8.º e 9.º foram provados a partir da análise do protocolo assinado entre a Câmara Municipal de Gondomar e pela C.... , SA e pela Impugnante, constante a fls. 133 e seguintes dos Autos, nomeadamente, o considerando “k”, e cláusula segunda.
Os factos 10.º a 13.º foram provados a partir da análise dos vários documentos juntos com a p.i. como “Documento 6” a fls. 158 e ss., tais como o ofício remetido pela C.... SA para o Presidente da Câmara Municipal de Gondomar.
Os factos 14.º a 17.º e 24.º foram provados a partir do depoimento das testemunhas arroladas.
Os factos 18.º a 22.º resultam das informações constantes no relatório da inspeção constante a fls. 182 e seguintes e da Nota de Demonstração de Acerto de Contas constante a fls. 239 dos Autos.
O facto 23.º resulta do carimbo de entrada na p.i.
Finalmente, o facto 25.º foi provado a partir da resposta da RFP constante de fls. 1171 dos Autos (numeração do SITAF).”

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QUANTO À NULIDADE DA SENTENÇA:
Na Conclusão XXIII do Recurso, alega a Recorrente que a sentença não pode deixar de ser revogada por, no ponto, violar “o princípio do dispositivo e do caso julgado imputando à correção um vício de falta de fundamentação não invocado pela Impugnante, gerador de nulidade, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do C.P.C”.
Por sua vez, a Recorrida advoga nas conclusões 11.º a 13.º das suas Contra-Alegações que “Do que invoca a Fazenda Pública, depreende a Recorrida que é sua intenção a de imputar à sentença recorrida um excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, determinante da sua nulidade, estando em crer, todavia, que a base legal que alberga a sua pretensão não corresponde à alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas antes à alínea d) daquele n.º 1”. “Não obstante, independentemente da concreta denominação ou base legal, não se verifica no caso concreto qualquer causa determinante da nulidade da sentença recorrida, uma vez que, contrariamente ao que entende a Fazenda Pública, a Recorrida colocou à evidência do Tribunal a quo, no âmbito da sua petição inicial, que a correção promovida pelos serviços da administração tributária padecia de falta de fundamentação, não se conseguindo alcançar de forma plena o iter cognoscitivo que terá desembocado na sua realização (cf. artigos 206.º a 208.º, pp. 49 e 50 da petição inicial)”.
O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa entendeu que não foram “suscitadas quaisquer nulidades no requerimento de recurso, nem realizado qualquer pedido de reforma da sentença”, e, consequentemente, manteve a decisão recorrida.
Ora, efetivamente, a arguição do conhecimento, na sentença, de uma questão que o Tribunal não podia conhecer configura a alegação de uma nulidade por excesso de pronúncia, que não com fundamento em condenação “em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido” que é o previsto na predita alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, de que a Recorrente lançou mão.
Pelo que não estando o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação da regras de direito – cfr. o artigo 5.º, n.º 3, do CPC – a questão será apreciada à luz das normas que regem a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
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Nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário constitui causa de nulidade da sentença a pronúncia sobre questões de que o Juiz não deva conhecer.
Este vício resulta do incumprimento da parte final da norma do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil que estatui que o Juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nos artigos 196.º a 210.º da Petição Inicial, no capítulo «ii.e.) dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário», a Impugnante alega que “a administração tributária considerou existir fundamento, com base na documentação apresentada pelo contribuinte, para a aceitação de uma parte (€ 11.041.414,00) do acréscimo de estimativa de custos de € 17.476.517,00 respeitante ao exercício de 2003” (artigo 200.º), não sendo, porém, “possível descortinar qual o fundamento em que a administração se baseia para corrigir a restante parte dos acréscimos de custos” (artigo 202.º). Advoga que se afigura, “assim, incoerente e reveladora de arbitrariedade a correção ao acréscimo de custos que se apresenta apenas parcial, não sendo apresentada qualquer justificação válida para a mesma” (artigo 204.º) que pudesse “tornar perceptível a razão de se corrigir parte de um determinado custo e de não se corrigir a outra, sendo certo que incumbia à administração tributária fundar a sua correcção técnica, designadamente, indicando qual o critério usado para a determinação do quantitativo de custos estimados incorrer, em 2003” (artigo 206.º). Conclui, “pois, que a determinação da matéria colectável foi efectuada infundadamente e com margem para dúvidas” (artigo 208.º).
Pretendeu, assim, a Impugnante imputar ao ato de liquidação o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, por entender existir «dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário», uma vez que a Inspeção aceitou apenas parte do acréscimo de estimativa de custos, não sendo possível compreender o motivo pelo qual não o fez integralmente.
Ora, a sentença enumerou, nas questões a decidir, a “dúvida quanto à existência ou quantificação do facto tributário”, tendo apreciado esta questão no sentido de não ser “possível identificar o fundamento em que a administração se baseou para corrigir a parte restante dos acréscimos de custos”. E sustentando que “A administração deveria ou desconsiderar totalmente a estimativa de acréscimo de custos, ou aceitar a alteração
de custos realizada pela Impugnante”, concluiu que, “nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, sempre que da (contra)prova produzida pelo contribuinte resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.
Pelo que é manifesto que a sentença não incorreu em excesso de pronúncia, pois que o Tribunal se ocupou de questão suscitada pela Impugnante na sua Petição Inicial.
Assim sendo, quando muito, a decisão poderá padecer de erro de julgamento, mas nunca de nulidade por excesso de pronúncia, pelo que a razão não está, aqui, com a Recorrente.
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QUANTO À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Sustenta a Recorrente que os pontos 14, 17 e 24 do probatório não são factos, mas juízos conclusivos – conclusão II – “que se impunha tivessem sido densificados em sede de fundamentação, mediante conjugação dos elementos dos autos, e exigiam, por outro lado, melhor prova que a testemunhal” – conclusão III -, tanto mais que “em termos de motivação de facto não basta ao tribunal a quo afirmar laconicamente «Os factos 14.º a 17.º e 24.º foram provados a partir do depoimento das testemunhas arroladas” – conclusão IX -, pugnando, então, pela sua supressão – conclusão VI.
Por outro lado, quanto aos pontos 15 e 16 do probatório, defende a Recorrente que não podiam ser dados como provados com base em “depoimentos reconhecidamente ausentes de características que suportassem a sua credibilidade”, devendo, antes, assentar “em prova documental externa, nomeadamente, a partir dos contratos celebrados” – conclusões VII e VIII.
Já a Recorrida “entende que, salvo melhor entendimento, a intenção impugnatória manifestada pela Recorrente se encontra inviabilizada” – conclusão 16.º -, uma vez que no recurso que interpôs da primeira sentença proferida nos autos, a Recorrente impugnou a matéria de facto – conclusão 18.º -, tendo o Tribunal Central Administrativo Sul decidido suprimir os factos então impugnados – conclusão 19.º.
Advoga que “Compulsado o probatório da sentença recorrida, [se verifica] que o Tribunal a quo dele expurgou todos os factos que, tendo sido impugnados pela Fazenda Pública, foram suprimidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul” – conclusão 20.º -, sendo que do “probatório da sentença recorrida consta apenas um facto sem idêntico respaldo na primeira sentença proferida”, o facto 25 que “concretiza o resultado da única diligência probatória adicional promovida pelo Tribunal a quo” – conclusão 21.º.
Pelo que tendo em consideração que “os factos ora impugnados pela Fazenda Pública constavam já do probatório da sentença inicialmente proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa – tendo a Fazenda Pública tido oportunidade para os impugnar – e que, por ocasião da segunda pronúncia a proferir pelo Tribunal a quo, não foram promovidas diligências probatórias adicionais por referência à factualidade em causa, a Recorrida entende que a Fazenda Pública se encontra, salvo melhor entendimento, precludida de impugnar aqueles” – conclusão 22.º.
Vejamos, então.
Relativamente aos factos 14, 15, 16 e 24 do probatório:
Nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por regra, das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, sendo, pois, este o meio processual adequado para impugnar a sentença – cfr. o artigo 627.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Todavia, “Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida”, sendo que “A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer” – artigo 632.º, n.os 2 e 3, do CPC.
Assim, além da omissão da prática de um ato processual no prazo devido (preclusão temporal), é possível reconduzir a preclusão a outras causas. “Por exemplo: pode dizer-se que a aceitação, tácita ou expressa, da decisão (cf. art. 632.º, n.º 2 e 3) preclude a interposição do recurso. Certo é que não vale a pena aprofundar esta questão, dado que toda a preclusão tem, qualquer que seja a respectiva causa, a mesma consequência: a inadmissibilidade da realização do acto precludido” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e Caso Julgado, «Lisbon Law Review - Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa», Vol. LVIII – 2017/1, pp. 149-150.
Quanto ao seu efeito, “A preclusão obsta a que, num processo pendente, um acto possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz: é a preclusão intraprocessual” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 153.
Assim, para impugnar uma sentença compete ao recorrente invocar todos os vícios que pudesse invocar, “como decorre do princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance”. “A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os invocar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado e com o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual)”. Não faria sentido que alguém, reagindo contra uma sentença, dispondo de fundamentos para a eliminar da ordem jurídica, não concentrasse nesse recurso “todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse: deveria, por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando com a resolução definitiva do litígio” – cfr., mutatis mutandis, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2016 – processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2.
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No caso dos autos, foi proferida uma primeira sentença em 31 de agosto de 2022 que julgou procedente a Impugnação Judicial e anulou a liquidação adicional de IRC e respetivos juros.
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs, então, recurso contra esta decisão alegando, além do mais, erro na decisão da matéria de facto, sem, todavia, colocar em xeque os factos dados como provados sob os números 23 a 25 e 47 do probatório, a saber:
23. Embora a ora impugnante tivesse invocado perante a Câmara Municipal de Gondomar, pelo menos no que toca às obras impostas com referência à drenagem das águas pluviais, que não se encontravam previstas no projeto e teriam de ser objeto de orçamentação prévia, a viabilidade de uma tal pretensão era nula (cfr. depoimento da testemunha E... e cfr. prova documental fls. 1 e seguintes dos autos em suporte informático);
24. Assistia, ainda, à Impugnante a obrigação contratual de promoção da comercialização dos correspondentes espaços comerciais, ou seja, deveria angariar contraentes para a celebração de contratos de arrendamento das lojas localizadas no C... em construção (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático);
25. A Impugnante estava obrigada a fazer a primeira e segunda comercializações dos espaços comerciais em questão (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático);
47. As referidas obras a mais, decorrentes de exigências técnicas e funcionais, não possuem autonomia em relação à empreitada global de construção dos acessos exteriores ao empreendimento e todas as vias exteriores, com excepção da rotunda L... , estava ab initio previstas no Protocolo celebrado com a Câmara Municipal de Gondomar (cfr. depoimentos das testemunhas E... e ... , confissão e prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático);
Em 30 de março de 2023, foi proferido acórdão neste Tribunal Central Administrativo Sul que, além do mais, decidiu “conceder provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, revogar a sentença na parte recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para eventual ampliação da matéria de facto, após a realização das pertinentes diligências de prova, e apreciação das questões cujo conhecimento resultou prejudicado”.
Consequentemente, no dia 24 de julho de 2024, foi proferida nova sentença, a segunda, no Tribunal Tributário de Lisboa, ora sob recurso, que manteve a sentença inicial na parte não revogada e ampliou a matéria de facto em cumprimento daquele acórdão. No ponto, os factos que na sentença inicial foram discriminados sob os números 23 a 25 e 47 do probatório foram renumerados, tendo agora sido dados como provados sob os números 14 a 16 e 24, respetivamente:
14 – Embora a ora impugnante tivesse invocado perante a Câmara Municipal de Gondomar, pelo menos no que toca às obras impostas com referência à drenagem das águas pluviais, que não se encontravam previstas no projeto e teriam de ser objeto de orçamentação prévia, a viabilidade de uma tal pretensão era nula.
15 – Assistia, ainda, à Impugnante a obrigação contratual de promoção da comercialização dos correspondentes espaços comerciais, ou seja, deveria angariar contraentes para a celebração de contratos de arrendamento das lojas localizadas no C... em construção.
16 – A Impugnante estava obrigada a fazer a primeira e segunda comercializações dos espaços comerciais em questão.
24 - As referidas obras a mais, decorrentes de exigências técnicas e funcionais, não possuem autonomia em relação à empreitada global de construção dos acessos exteriores ao empreendimento e todas as vias exteriores, com excepção da rotunda L... , estava ab initio previstas no Protocolo celebrado com a Câmara Municipal de Gondomar.
Ora, no presente recurso, interposto desta sentença, a Recorrente coloca em xeque estes factos, fixados inicialmente na primeira sentença e relativamente aos quais não se insurgiu no primeiro recurso.
A falta de impugnação destes quatro factos no recurso da primeira sentença demonstra que a Recorrente os aceitou, pelo que se mostra agora precludida a possibilidade da sua impugnação.
E não sendo admissível a impugnação desta matéria de facto, o Recurso não pode, no ponto, ser admitido.
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Relativamente ao facto 17 do probatório:
“Como é sabido, a decisão judicial transita em julgado quando já não é suscetível de reclamação nem de recurso ordinário, quer nenhuma impugnação tenha tido lugar nos prazos legais, quer se tenham esgotado os meios de impugnação admissíveis e efetivamente utilizados (art. 628.º do Código de Processo Civil).
Forma-se então o caso julgado, com efeitos circunscritos ao processo concreto em que a decisão é proferida, constituindo caso julgado meramente formal, quando ela seja de absolvição da instância (art. 279.º CPC), extinga a instância por causa diversa do julgamento (art. 277.º CPC) ou constitua despacho interlocutório que não seja de mero expediente (art. 152.º-4 CPC), e com efeitos dentro e fora do processo, constituindo caso julgado simultaneamente formal e material, quando tenha sido de mérito (art. 619.º-1 CPC).
Dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida. Fora do processo, produz-se um efeito preclusivo material: não só precludem todos os possíveis meios de defesa do réu vencido e todas as possíveis razões do autor que perde a ação, mas também, com maior amplitude, toda a indagação sobre a relação controvertida, delimitada pela pretensão substantivada (pedido fundado numa causa de pedir) deduzida em juízo.
O caso julgado material é, pois, primacialmente caracterizado por impor às partes uma norma de comportamento, baseada no prévio acertamento, com o referido efeito preclusivo, das respetivas situações jurídicas. Ao contrário das preclusões (processuais) do direito à prática dos vários atos processuais que precedem a sentença, esta preclusão manifesta-se assim no plano do direito substantivo. A inadmissibilidade de nova decisão em futuro processo entre as mesmas partes e com o mesmo objeto, seja repetindo-a (proibição de repetição), seja modificando-a (proibição de contradição), mais não é do que consequência processual desse efeito substantivo: uma vez conformadas, pela sentença, as situações jurídicas das partes, elas passam a ser indiscutíveis.
Esta indiscutabilidade manifesta-se de dois modos:
- Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado);
- Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação, mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado).
Cfr. Lebre de Freitas, Um Polvo Chamado Autoridade do Caso Julgado, Revista da Ordem dos Advogados, julho-dezembro 2019, pp. 691-693.
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Quanto ao facto 17 do probatório da decisão sob recurso, na primeira sentença proferida nos autos foi dado como provado que “39. As referidas alterações aos projetos traduziram-se numa economia de custos (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático e depoimento das duas testemunhas)”.
O facto 38 foi impugnado no primeiro recurso da Recorrente em que pediu a sua supressão, na síntese efetuada no acórdão do TCAS “quer por estar desprovido de contextualização, quer temporal, quer em termos de custos, quer por se sustentar na prova testemunhal”.
Ora, no ponto, este acórdão deferiu o requerido, “quer pelo caráter não circunstanciado, quer pela fragilidade da prova em que se sustenta”, tendo considerado que esta supressão implicava, “por consequência, a supressão do facto 39, que, além de conclusivo, deixa de ter sustentação, face à supressão dos factos que o precedem”.
Deste modo, aquele ponto 39 foi removido do probatório.
Todavia, a segunda sentença, ora sob recurso, deu como provado no ponto 17 do probatório que “As referidas alterações aos projetos traduziram-se numa economia de custos”.
Ou seja, a segunda sentença voltou a levar ao probatório um facto que havia sido suprimido por acórdão do TCAS transitado em julgado, tendo, pois, esta decisão tornado-se definitiva, o que impede que possa ser contraditada ou repetida, nos apontados termos.
E, assim sendo, por se mostrar violador do caso julgado formado com o trânsito do acórdão deste TCAS, a sentença deve, aqui, ser revogada, suprimindo-se o ponto 17 do probatório.
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AINDA QUANTO À VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO, RELATIVAMENTE AOS ACRÉSCIMOS PREVISIONAIS DOS CUSTOS:
Na conclusão XV do seu Recurso, a Recorrente alega que “a inversão do sentido já firmado no douto acórdão no tocante aos acréscimos previsionais dos custos, por parte do Tribunal a quo, vício já reapreciado definitivamente pelo TCA Sul constitui evidente violação do caso julgado que o próprio Tribunal a quo entendeu não poder reexaminar, e que configura evidente erro de julgamento suscetível de anulação da decisão recorrida”.
Por sua vez, a Recorrida sustenta que o “O raciocínio explanado pelo Tribunal a quo não contraria em momento algum o que logrou concluir o Tribunal ad quem” (conclusão 37.º), uma vez que aquele não considerou “que o ónus da prova relativamente à verificação do aumento dos sobrecustos impendia sobre a administração tributária, nem tão pouco [indicou] que aquele aumento se deveria considerar demonstrado” (conclusão 38.º), mas, antes, evidenciou “que, pese embora tenham considerado que não resultaram provadas as exigências por parte de entidades públicas de obras além das que inicialmente estavam previstas no contrato inicial e no protocolo celebrado, os serviços aceitaram uma parte do acréscimo de custos verificado, não tendo, para o efeito, sequer indicado qual o racional que lhes permitiu concluir que não deveria ser desconsiderada a totalidade dos custos adicionais, impondo-se outrossim a aceitação como válida da estimativa de custos registada no exercício de 2004 (conclusão 39.º). Advoga, assim, que não houve violação do caso julgado, desde logo por a sentença assentar nas premissas do acórdão, uma vez que atribuiu “relevância à incoerência que, sem qualquer justificação ou fundamentação oferecida pelos serviços, torna a que sobre a quantificação da correção tal como promovida pela administração tributária se faça recair uma fundada dúvida, sendo que esta relevância não foi atribuída pelo Tribunal ad quem pelo facto de não ter este Tribunal procedido à apreciação da ilegalidade da correção decorrente da verificação de fundada dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário” (conclusões 40.º e 41.º).
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Como se viu já, o caso julgado tem como efeito vincular as partes e o Tribunal a uma decisão anterior. A “força obrigatória é a do enunciado em que o tribunal julga procedente ou não procedente o pedido ou, mais genericamente, impõe ou nega certo efeito jurídico a certo sujeito da ordem jurídica”. “É a parte dispositiva que vincula tanto os destinatários, como o tribunal. É ela que pode ser objeto de imposição forçada, por meio de execução da sentença (cf. artigo 703.º, n.º 1, al. a)” do Código de Processo Civil.
“Por seu lado, os fundamentos da parte dispositiva, tomados por si mesmos, não vinculam, seja os destinatários, seja o tribunal. Portanto, o caso julgado não tem por objeto os fundamentos, de facto e de direito, do despacho ou sentença”, fora do processo respetivo, a não ser que as partes o peçam nos termos do artigo 91.º, n.º 2, do CPC.
“Em conformidade, em sede de recurso ou de reclamação o que se impugna é a parte dispositiva da decisão – cf. os n.os 2 e 3 do artigo 635.º - porquanto é ela que, ao fazer caso julgado, é eficaz nas esferas jurídicas dos destinatários da decisão.
II – No entanto, a parte dispositiva constitui a conclusão decorrente de silogismos internos de uma decisão, nos quais os fundamentos de facto ou de direito são as premissas.
Por isso, e sem prejuízo do que se acaba de afirmar, tem-se entendido que a parte dispositiva vincula enquanto conclusão dos fundamentos respetivos. (…) Em suma: apenas à luz dos fundamentos de uma decisão se pode dar a qualificação jurídica à parte dispositiva. O título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário é, assim, a parte dispositiva nos termos dos fundamentos”.
Cfr. Rui Pinto, Exceção e Autoridade de Caso Julgado – Algumas Notas Provisórias, Julgar Online, novembro 2018, pp. 18-19.
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A primeira sentença proferida nos autos, de 31 de agosto de 2022, anulou a liquidação impugnada por considerar, quanto à «insuficiente comprovação dos custos», que “as correcções efectuadas padecem de erro nos pressupostos de facto na medida em que a empreitada em apreço era uma empreitada por preço global, sendo previamente fixado o montante da remuneração correspondente à realização de todos os trabalhos necessários para a execução da obra objecto do contrato. Sendo que as referidas obras a mais, decorrentes de exigências técnicas e funcionais, não possuem autonomia em relação à empreitada global de construção dos acessos exteriores ao empreendimento, sendo manifesto que os referidos trabalhos fazem parte daquela mesma obra em sentido económico, técnico e funcional. (…) Além de que não existia a possibilidade de facturar à Câmara Municipal de Gondomar quaisquer custos, nem se vislumbra que dos comentários à acta de reunião se pode concluir que esta poderia facturar qualquer montante à Câmara Municipal de Gondomar com referência aos aludidos sobrecustos designadamente porque o município não era o cliente e o protocolo assinado não previa o pagamento de qualquer contrapartida por parte daquele. Eram estes os factos que no final do ano de 2003 estiveram na base da actuação da Impugnante, sendo irrelevantes todos os acontecimentos ocorridos em 2004 que resultaram na diminuição dos custos, pois em 2003 a Impugnante não tinha conhecimento dos mesmos, nem os mesmos tinham ocorrido”.
O conhecimento dos restantes vícios imputados às liquidações foi dado por prejudicado.
A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou existir, ali, erro de julgamento e trouxe a questão a este Tribunal Central Administrativo Sul que por acórdão de 30 de março de 2023 concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença na parte recorrida e determinou a baixa dos autos ao Tribunal a quo para eventual ampliação da matéria de facto e apreciação das questões cujo conhecimento ficou prejudicado, entre os quais a “dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário (arts. 196 a 210)”.
Na fundamentação, o acórdão considerou que “a prova produzida, em torno das alegadas alterações para mais de custos previsionais em 2003 e que foram reduzidas em 2004, não foi suficiente”, sendo que “mesmo o alegado foi sempre de forma muito genérica e não computada. Estamos perante aumentos de concretos valores estimados em 2003, revertidos em 2004, mas inexiste uma concreta e específica explicação para esses aumentos, não obstante a alegação no sentido de que os mesmos respeitaram a exigências não previstas feitas por diversas entidades públicas. Não se consegue perceber, com o rigor e a exatidão exigíveis numa situação como a dos autos, que concretas situações conduziram ao aumento dos custos previstos em 2003 e à ulterior redução do mesmo valor em 2004. Não ficou provado que tenham sido feitas exigências adicionais ao perspetivado inicialmente e no âmbito da obra em causa (e qual o respetivo impacto em termos de custo) e que essas exigências tenham, depois, sido satisfeitas por terceiros, em termos de assunção do custo. Há uma ausência de alegação e demonstração de todos os factos que integrariam a linha cronológica traçada genericamente pela Impugnante e que condiciona a sua pretensão. A sustentação essencial da AT, no que respeita à sua correção, foi justamente a da ausência de prova do ajustamento da estimativa dos ditos sobrecustos e essa ausência de prova não foi suprida em sede impugnatória, por parte de quem tinha o ónus da prova de o fazer, ou seja, a Impugnante e no âmbito da obra em causa. Ora, em momento algum foram especificadas, demonstradas e computadas essas exigências, por forma a poder concluir-se tratar-se (i) de exigências não conjeturadas e/ou (ii) cujo custo seria, previsivelmente em 2003, a suportar pela Impugnante. Esta ausência de prova conduz a que se entenda que não foram cabalmente demonstradas as circunstâncias fáticas inerentes ao aumento de custos previsíveis em 2003, reduzidos em 2004, o que implica que não foi demonstrada por quem tinha o ónus da prova a ilegalidade da correção”.
Regressados os autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, em 24 de julho de 2024 foi proferida a segunda sentença no processo. Esta decisão voltou a julgar a Impugnação Judicial procedente e anulou a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 por considerar, quanto à «Dúvida quanto à existência ou quantificação do facto tributário», que “Cabia à AT justificar tecnicamente a sua correção, especialmente indicando qual critério foi utilizado para determinar o quantitativo dos custos estimados incorridos em 2003, por forma a tornar percetível a razão de se corrigir parte de um determinado custo e de não se corrigir a outra”, tendo “a Autora sido diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT”, sendo que “nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, sempre que da (contra)prova produzida pelo contribuinte resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado, o que se determinará na parte dispositiva da presente sentença, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos”.
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Assim, quanto à alegação efetuada nos artigos 174.º a 186.º da Petição Inicial sob o título «Insuficiente comprovação dos custos», em que a Impugnante sustentava resultar evidente o reconhecimento por parte da Administração de que se encontrava comprovada a exigência de trabalhos a mais:
- A primeira sentença de 31 de agosto de 2022 entendeu ter ficado demonstrada a existência de “obras a mais, decorrentes de exigências técnicas e funcionais”, cujos custos, em 2003, eram desconhecidos, e anulou a liquidação;
- O acórdão de 30 de março de 2023 revogou a sentença na parte recorrida e determinou a baixa dos autos ao Tribunal a quo para eventual ampliação da matéria de facto e apreciação das questões cujo conhecimento ficou prejudicado, entre os quais a “dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário (arts. 196 a 210)”, por considerar que a alegação relativa à comprovação dos custos das obras a mais foi “muito genérica e não computada” e que a prova produzida “não foi suficiente”, sendo da Impugnante o ónus da prova quanto à “demonstração de todos os factos que integrariam a linha cronológica traçada”, não sendo possível “concluir-se tratar-se (i) de exigências não conjeturadas e/ou (ii) cujo custo seria, previsivelmente em 2003, a suportar pela Impugnante”;
- Finalmente, a segunda sentença de 24 de julho de 2024 voltou a julgar a Impugnação procedente e anulou a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 por considerar, quanto à «Dúvida quanto à existência ou quantificação do facto tributário» alegada nos artigos 196.º a 211.º da Petição Inicial (e já não à «Insuficiente comprovação dos custos» alegada nos artigos 174.º a 186.º do mesmo articulado), que a Impugnante foi “diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT”.
Assim, esta sentença, ora em xeque, considerou que a Impugnante logrou cumprir o seu ónus de prova quanto à quantificação do facto tributário, por ter criado dúvida sobre o facto apurado pela Administração (no ponto, a desconsideração do aumento dos custos estimados para o exercício de 2003), depois do acórdão ter entendido que a alegação e prova da Impugnante era incapaz de justificar o aumento dos custos para 2003 que estimou.
Verifica-se, então, que o caso julgado formado com o trânsito em julgado do acórdão de 30 de março de 2023 vinculou as partes e o Tribunal quer quanto à revogação da sentença de 31 de agosto de 2022 na parte recorrida, quer quanto à baixa dos autos ao Tribunal a quo para eventual ampliação da matéria de facto e apreciação das questões cujo conhecimento ficou prejudicado, entre os quais a “dúvida quanto à existência/quantificação do facto tributário (arts. 196 a 210)”.
Contudo, sendo, como se viu supra, a parte dispositiva da decisão a conclusão do silogismo judiciário cuja premissa maior é constituída pelos fundamentos de direito e a premissa menor pelos fundamentos de facto, o âmbito da vinculação das partes e do Tribunal à decisão só pode ser apurado à luz dos fundamentos desta.
O que, no caso, significa que a premissa de que se partiu no acórdão de 30 de março de 2023 para justificar a revogação da sentença de 31 de agosto de 2022 – que a alegação e prova da Impugnante era incapaz de justificar o aumento dos custos para 2003 que estimou – se impõe às partes e ao Tribunal.
Consequentemente, a sentença ora sob recurso, por não ter acatado a decisão do acórdão transitado em julgado, deve ser revogada, não estando, quanto à «Dúvida quanto à existência ou quantificação do facto tributário» alegada nos artigos 196.º a 211.º da Petição Inicial, a razão com a Impugnante, uma vez que se impõe, por força do efeito de caso julgado, considerar que a alegação e prova feita pela Impugnante nos presentes autos não é suficiente para justificar o aumento dos custos que estimou para o ano de 2003.
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Mostra-se, assim, prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos do Recurso, uma vez que, independentemente da solução que lhes fosse dada, o Recurso sempre obteria provimento e a sentença teria de ser revogada.
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Na conclusão 57.º das suas contra-alegações, a Recorrida solicita que “ainda que se conclua pela procedência do recurso apresentado, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, sem conceder, desde já se requer, atento o disposto no n.º 1 do artigo 636.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, a ampliação do objeto do recurso tendo em vista a apreciação pelo Tribunal ad quem dos demais fundamentos invocados pela Recorrida quanto à ilegalidade dos atos de liquidação sub judice – a saber (i) a violação do princípio da especialização dos exercícios e (ii) a necessidade de correção simétrica no exercício de 2004”.
Ora, de acordo com o artigo 665.º, n.º 2, do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de 2.ª instância, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários, sendo que – n.º 3 – “O relator, antes de proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”.
No dia 23 de janeiro de 2025, a Juíza então titular do processo notificou as partes para este efeito, tendo a Recorrida vindo aos autos “comunicar que não se opõe ao julgamento em substituição”.
Pelo que nada obsta ao conhecimento, em substituição do Tribunal Tributário de Lisboa, das questões que a sentença considerou prejudicado.
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QUANTO AO PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS:
Nos artigos 187.º a 195.º da sua Petição Inicial, alega a Impugnante que “a correcção sub judice respeita somente à diferença entre a estimativa de custos realizada no ano de 2003 e realizada no ano de 2004”, pois “no caso vertente, a administração tributária aceita como correcta a estimativa de custos realizada no exercício de 2003 na parte e valor correspondente ao valor da estimativa de custos com que se encerrou o exercício de 2004, qual seja, € 80.480.572,00, corrigindo o montante de € 6.435.103,00 respeitante à diferença entre aquele valor e o total da estimativa de custos de 2003, de € 86.915.675,00”. Advoga que “o que releva é saber se a Impugnante estava contratualmente obrigada, no exercício de 2003, a tais encargos, pois assim como teve que suportar parte dos custos poderia ter tido que suportar a sua totalidade”, e que é “ilegal, por violação do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC, a correcção à matéria colectável feita com base num juízo de prognose póstuma, só sendo legítimo aferir da correcção de uma determinada estimativa face aos dados existentes à data em que a mesma é realizada”. Conclui que “Se fundamento existia, no exercício de 2003, para estimar determinados custos, o facto de a estimativa não vir a ter inteira concretização por alteração de circunstâncias no ano seguinte não significa qualquer erro na estimativa de 2003”, sendo “patente a violação do disposto nos artigos 18.º e 19.º do Código do IRC”.
Vejamos, então.
Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC, “Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios”, sendo que, para efeito de aplicação deste princípio, “Os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que devem ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução” – n.º 3, alínea b), do mesmo artigo 18.º.
Tratando-se de obras cujo tempo de construção seja superior a um ano, a determinação de resultados pode ser efetuada segundo o critério de encerramento da obra ou segundo o critério da percentagem de acabamento – artigo 19.º, n.º 1, do CIRC. Quanto a este último, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, o grau de acabamento de uma obra “é dado pela relação entre o total dos custos já incorporados na obra e a soma desses custos com os custos estimados para completar a execução da mesma”.
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No caso dos autos resulta provado que a Impugnante, ora recorrida, celebrou em 2001 três contratos para a construção de um centro comercial, de um hipermercado e de um centro de bricolage – cfr. ponto 2 do probatório.
Vem também dado como provado que a Impugnante, para determinação dos respetivos resultados, utilizou o critério do grau de acabamento – cfr. ponto 3 -, o qual tem como premissa o valor dos custos totais estimados com a obra.
No caso, tratavam-se de obras «chave na mão», em que a construtora assumiu a responsabilidade por todo o projeto, da construção à entrega do C... – cfr. ponto 4 -, incluindo a construção e beneficiação das vias envolventes – cfr. pontos 7 e 8.
A Impugnante alega que os artigos 18.º e 19.º do CIRC foram violados por considerar que “Se fundamento existia, no exercício de 2003, para estimar determinados custos, o facto de a estimativa não vir a ter inteira concretização por alteração de circunstâncias no ano seguinte não significa qualquer erro na estimativa de 2003”.
Todavia, como se viu já abundantemente, por força do efeito de caso julgado, impõe-se considerar que a alegação e prova feita pela Impugnante nos presentes autos não é suficiente para justificar o aumento integral dos custos que estimou para o ano de 2003.
Deste modo, não se pode acompanhar a premissa do raciocínio da Impugnante quanto à existência de fundamento para os custos estimados no exercício de 2003, nem, consequentemente, quanto à conclusão de que foi violado o princípio da especialização dos exercícios e o modo de determinação da matéria coletável das obras plurianuais.
Pelo que a Impugnação não pode, por aqui, proceder.
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QUANTO À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA:
Nos artigos 211.º a 233.º do seu articulado inicial, a Impugnante defende que “a determinação efectuada pela administração tributária do grau de acabamento de 92,37% originou uma correcção aos proveitos do exercício de 2003 no montante de € 5.156.449,70, o que deveria originar uma correcção de sinal contrário aos proveitos do exercício de 2004”. Defende que por força do princípio da tributação pelo lucro real, “quando a administração tributária efectua correcções ao resultado tributável com impacto em exercícios subsequentes, compete-lhe concretizar as correspondentes correcções nesses exercícios, por sua própria iniciativa”, o que não aconteceu, mostrando-se violados os artigos 104.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, e 5.º e 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.
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Nos termos do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República, “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. Pretendeu, assim, o legislador constituinte que a tributação das empresas não fosse estranha à sua real situação económica, de modo a que o facto tributário manifestasse a capacidade económica do sujeito passivo para suportar o tributo.
Ao nível infraconstitucional, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas incide sobre o lucro das sociedades comerciais – artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CIRC -, sendo que para o efeito – n.º 2 - “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as corecções estabelecidas neste Código”.
Pretendendo o legislador constituinte que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real, isto é, o lucro, “Num cenário ideal e muito simples, as empresas apenas seriam tributadas no final da sua vida, aquando da cessação da sua atividade. O lucro a pagar corresponderia, em tal eventualidade, ao lucro total acumulado pela empresa durante a sua inteira existência, compreendendo assim toda a atividade por si desenvolvida. Claro está que, neste cenário, apenas as empresas que, num dado ano, deixassem de subsistir pagariam IRC; a Fazenda Pública não arrecadaria receitas com a periodicidade necessária à satisfação das dívidas do Estado, ao passo que o próprio ónus tributário acumulado (ou latente) seria de difícil pagamento pela própria empresa (atentas as necessidades financeiras exigidas para a satisfação da dívida fiscal de uma vida completa de atividade social)” – cfr. Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2023, pp. 67-68.
Daí que, “Embora o rendimento das unidades económicas flua em continuidade e, por isso, exista sempre algo de convencional na sua segmentação temporal, há, geralmente, necessidade de proceder à divisão da vida das empresas em períodos e determinar em cada um deles um resultado que se toma para efeitos de tributação.
Considera-se que esses períodos devem ter, em princípio, a duração de um ano. (…)
A periodização do lucro é origem de outros complexos problemas, estando o principal relacionado com o facto de cada exercício ser independente dos restantes para efeito de tributação. Essa independência é, no entanto, atenuada mediante certas regras de determinação da matéria colectável, especialmente através do reporte de prejuízos. Consagra-se, assim, a solidariedade dos exercícios, o que se faz em moldes idênticos aos que vigoravam no sistema anterior, ou seja, na modalidade de reporte para diante até um máximo de cinco anos” – cfr. o ponto 7 do preâmbulo do CIRC.
Assim, quanto ao «Período de Tributação», dispõe o artigo 7.º, n.º 1, do CIRC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, que “O IRC, salvo o disposto no n.º 8, é devido por cada exercício económico, que coincidirá com o ano civil, sem prejuízo das excepções previstas neste artigo”.
Já quanto ao modo como deve ser imputado o lucro (cfr. o artigo 3.º) a cada período de tributação (cfr. o artigo 7.º), dispõe o artigo 18.º, n.º 1, do CIRC que “Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios”.
Ora, “para efeitos de aplicação do princípio da especialização dos exercícios”, determina a alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo 18.º que “os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que devem ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução”.
Deste modo, de acordo com a regra prevista na primeira parte desta norma, os proveitos e os custos relativos a prestações de serviços devem ser imputados ao exercício em que estas são terminadas, ainda que o preço não tenha sido recebido. Ou seja, o legislador privilegiou o critério económico ao critério financeiro.
O que se compreende ainda à luz do princípio da realização: “Concebido fundamentalmente para proteger os interesses dos credores, que podem avaliar de forma errada a situação de uma sociedade se a valoração optimista dos bens que esta possui não se confirmar, o princípio contabilístico da prudência implica geralmente o princípio da realização, segundo o qual um ganho só pode ser considerado como existente quando foi obtido através de uma transacção já concretizada, e o princípio da disparidade (…) que afirma que os elementos negativos do resultado devem ser considerados mesmo antes da sua verificação, ao contrário do que sucede com os positivos”, sendo que, no caso do princípio da realização, “trata-se de levar em conta quer a existência de uma transacção que vem consolidar e tornar definitivo o valor de um bem”, quer a existência “de uma situação contratual que, mesmo sem se ter consolidado inteiramente, oferece já um elevado grau de probabilidade de se consolidar, com um preço já fixado e que é um dos elementos do contrato”. O preço “está, em princípio, já definido, o que permite considerar como realizado o proveito” resultante da prestação do serviço – cfr. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, 2.ª Edição, Lex, 2000, pp. 216-217, e, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de dezembro de 2018 – processo n.º 909/09.6BESNT.
Já na segunda parte da norma daquela alínea b) do n.º 3 do citado artigo 18.º do CIRC, quanto a prestações de serviços continuadas ou sucessivas, o legislador determina que os proveitos e os correspondentes custos sejam imputados, proporcionalmente, aos exercícios em que a prestação vai sendo executada.
Esta regra de imputação dos proveitos e dos custos por percentagem, ao longo de diferentes exercícios, por referência à execução do contrato ao longo de diferentes anos, é uma das particularidades da regra geral do princípio da especialização do exercício que é mitigado, como se disse, pela solidariedade dos exercícios.
Outra encontra-se prevista no n.º 5 do mesmo artigo 18.º que dispõe que “Os proveitos e custos de actividades de carácter plurianual podem ser periodizados tendo em consideração o ciclo de produção ou o tempo de construção”: também aqui a periodização do lucro tributável permite que os proveitos e os custos de uma operação empresarial sejam imputados em mais de um período de tributação.
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Quanto às «Obras de Carácter Plurianual», admite o n.º 1 do artigo 19.º do CIRC que a determinação de resultados em relação a obras cujo ciclo de produção ou tempo de construção seja superior a um ano possa ser efetuada segundo o critério de encerramento da obra ou segundo o critério da percentagem de acabamento.
A Circular 5/90, de 17 de janeiro, da Direção de Serviços do IRC, veio estabelecer o regime técnico do regime de determinação dos resultados de obras de caráter plurianual estabelecido no artigo 19.º do CIRC.
No ponto, quanto às empreitadas por percentagem, determina a alínea a) do seu ponto 1 que “a determinação dos resultados será feita com base nos valores facturados, corrigidos nos termos do n.º 10, e nos custos dos trabalhos executados tomados em consideração aqueles valores”.
Este ponto 10 estatui que “Tratando-se de obras públicas ou privadas em regime de empreitada e para fazer face aos custos a suportar durante o período de garantia, poderá considerar-se como receita antecipada uma quantia correspondente a 5% dos valores considerados como proveitos relativamente àquelas obras”.
Assim, na aplicação do critério da percentagem de acabamento, a determinação dos resultados é efetuada à medida que a obra é construída, por referência ao grau de acabamento e à percentagem de faturação em que:
- O grau de acabamento de uma obra é dado – n.º 4 do mesmo artigo 19.º - “pela relação entre o total dos custos já incorporados na obra e a soma desses custos com os custos estimados para completar a execução da mesma”;
- A percentagem de faturação resulta da “relação entre os montantes facturados, com exclusão das revisões de preços, até final do período de tributação em causa e o preço estabelecido inicialmente para o total da obra, eventualmente corrigida nos termos do n.º 3” – cfr. o ponto 2 da Circular 5/90.
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No caso dos autos, atento o teor do “Quadro n.º 2: Cálculo dos Proveitos a Diferir” que se encontra na página 13 do Relatório de Inspeção referido no ponto 21 do probatório, resulta provado que:
- O preço global da empreitada foi acordado em € 72.691.043,00;
- Em 31 de dezembro de 2003, a Impugnante havia faturado € 70.847.210,91;
- Em 31 de dezembro de 2003, a Impugnante havia suportado custos no valor de € 74.341.440,77;
- A Inspeção, para efeitos do cálculo do grau de acabamento da obra aceitou como custos estimados em 2003 o montante de € 80.480.572,00, que não a totalidade dos custos estimados pelo sujeito passivo (€ 86.915.675,00).
Consequentemente, uma vez que, como se viu já, o grau de acabamento de uma obra “é dado pela relação entre o total dos custos já incorporados na obra e a soma desses custos com os custos estimados para completar a execução da mesma” - artigo 19.º, n.º 4, do CIRC -, o grau de acabamento da obra sofreu alterações.
Com efeito, o sujeito passivo havia declarado ter tido, no exercício de 2003, o custo real de € 74.341.440,77, pelo que o grau de acabamento da obra que havia considerado, resultado da divisão de € 74.341.440,77 por € 86.915.675,00 vezes 100, era de 85,53%.
Deste modo, os proveitos acumulados no final do exercício de 2003, de acordo com a declaração do sujeito passivo e as operações matemáticas constantes do Relatório de Inspeção (que não vêm questionadas), totalizavam € 62.174.709,77, resultado do produto do preço global da empreitada (€ 72.691.043,00) pelo grau de acabamento da obra (os preditos 85,53%).
Verificava-se, assim, que os proveitos acumulados, de € 62.174.709,77, eram inferiores aos valores faturados (€ 70.847.210,91), pelo que o sujeito passivo entendia poder diferir a diferença (8.672.501,14) acrescida de 5% deste montante (nos termos do predito ponto 10 da Circular 5/90), no valor global de € 12.214.861,69.
Todavia, fruto da predita correção aos custos estimados, o grau de acabamento da obra passou a ser o resultado da divisão de € 74.341.440,77 por € 80.480.572,00 vezes 100, isto é, de 92,37%.
E os proveitos acumulados no final do exercício de 2003, após a intervenção da Inspeção Tributária, também aqui de acordo com as operações matemáticas constantes do Relatório de Inspeção (que não vêm postas em crise), passaram a ser € 67.146.104,13, resultado do produto do preço global da empreitada (€ 72.691.043,00) pelo grau de acabamento da obra corrigido (92,37%).
Consequentemente, o valor dos proveitos a diferir passou a ser de € 3.701.106,78 (em vez dos € 8.672.501,14), acrescido de 5% daquele montante, nos termos do predito ponto 10 da Circular 5/90, totalizando € 7.058.411,99 (em vez de € 12.214.861,69).
Ora, esta diferença entre os proveitos que o sujeito passivo pretendia diferir para o exercício de 2004 (€ 12.214.861,69) e os proveitos que a Inspeção entendeu poder diferir (€ 7.058.411,99), no valor de € 5.156.449,70, é o montante da correção que a Administração imputou como proveitos do exercício de 2003 – cfr. o Relatório de Inspeção Tributária referido no ponto 21 do probatório.
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Pretendendo a Inspeção imputar estes € 5.156.449,70 ao exercício de 2003, o Sujeito Passivo solicitou, no âmbito do exercício do direito de audição prévia no procedimento de inspeção tributária, que os mesmos € 5.156.449,70 deixassem de ser imputados ao exercício de 2004, tal como havia declarado.
No ponto, o Relatório de Inspeção Tributária tem o seguinte teor: “Correção simétrica ao exercício de 2004 - Quanto a esta questão vão os serviços de inspecção, logo que possível, proceder à correcção de sinal contrário, no âmbito de acção inspectiva ao exercício de 2004.”
E, mais tarde, no âmbito da informação oficial prestada no âmbito da Impugnação Judicial cuja sentença deu origem ao presente Recurso, o Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa concordou com a informação de fls. 442 e seguintes do apenso na qual é referido, no ponto 257 e seguintes, quanto à “correcção simétrica no exercício de 2004”, que “afigura-se-nos dever tal ser promovido, sim, mas quando as correcções ora em análise e o acto tributário que as concretiza se acharem firmados na ordem jurídica”, uma vez que a liquidação (e a correção) podem “ser ainda anuladas em sede judicial, sendo que, a proceder-se já, como pretende a impugnante, às correcções de sinal contrário, em 2004, que decorrerão das correcções ao exercício de 2003, aqui em discussão, não poderão depois as mesmas, mercê da caducidade do direito à liquidação por parte da Administração Tributária, no caso concreto, relativo ao exercício de 2004, ser anuladas mais tarde, caso as correcções efectuadas ao exercício de 2003, como pretende a impugnante no presente processo, venham a ser judicialmente anuladas. Resultaria, neste caso, sim, uma total ausência de tributação dos proveitos diferidos, ora antecipados por via da correcção efectuada em sede inspectiva: os corrigidos/desconsiderados pela Administração Tributária em 2004, mercê da correcção simétrica à por si efectuada ao exercício de 2003, e os novamente excluídos/diferidos nesse exercício de 2003, resultante de posterior anulação judicial dessa mesma correcção efectuada em 2003, viesse a ocorrer. Afigura-se assim ser de aguardar pelo trânsito em julgado da presente impugnação judicial e ante a manutenção ou revogação dos actos inspectivos e respectiva liquidação sobrevinda aqui controvertidos, proceder, então, no exercício de 2004, à revisão oficiosa que se mostre devida, perante a decisão judicial que vier a ser proferida”.
Mas não é assim.
Desde logo não é possível garantir que a revisão oficiosa seja admissível a final, uma vez que nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária tal revisão só é possível, “a todo o tempo, se o tributo ainda não tiver sido pago”: se o tributo for pago, a revisão oficiosa não é possível a todo o tempo.
Resulta provado que a Administração não corrigiu os proveitos declarados pelo contribuinte para o exercício de 2004 – cfr. o último ponto do probatório -, não sendo agora possível ao sujeito passivo impugnar a liquidação deste exercício que os considerou na determinação da matéria coletável deste exercício.
Vejamos, então, se esta falta de atuação da Administração, que corrigiu proveitos imputados ao exercício de 2004 de modo a que fossem considerados no de 2003 sem os eliminar do exercício de 2004, é admissível.
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Nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, os órgãos administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, além do mais, com respeito pelo princípio da justiça.
De igual modo, prevê o artigo 55.º da Lei Geral Tributária, epigrafado «Princípios do Procedimento Tributário», que a Administração Tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo, além do mais, com os princípios da legalidade e da justiça.
Como se viu, no IRC “vale o princípio da especialização dos exercícios que determina, no que aqui interessa, que a cada ano fiscal da actividade da empresa devem ser imputados os proveitos e os custos que nela tenham sido gerados ou suportados [art. 18.º do CIRC].
Quando há divergência entre o critério do contribuinte e o da administração fiscal sobre a imputação de determinado ganho ou perda a determinado exercício, esta deve proceder à correcção da matéria colectável, fazendo acrescer o proveito ou custo ao ano a que entende que ele deve respeitar e, correspondentemente, deveria abater tal proveito ou custo à matéria colectável do ano a que o contribuinte a imputou.
Com este procedimento, não haverá qualquer situação de injustiça, pois ao acréscimo de imposto em determinado ano, corresponderá uma diminuição tendencialmente semelhante no outro, não havendo, assim, tributação de um mesmo proveito em dois exercícios ou não dedução em qualquer deles de um custo que deva ser considerado.
Porém, em certas situações em que (…) embora no momento em que a administração fiscal faz a alteração da matéria colectável fosse possível efectuar a correspondente correcção no ano a que se entende ser de imputar os custos [ou, como é o caso dos autos, os proveitos], ela não o faz e, com o decurso do tempo, se torna inviável fazê-lo.
Nestas condições, se a administração tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o devia ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir” – cfr. Jorge de Sousa e Outros, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, pp. 452-453.
Fazendo idêntico raciocínio para uma correção de proveitos diferidos, que não custos, vemos que em tal cenário - que é o dos presentes autos -, tendo a Administração razão na correção que efetuou, o Sujeito Passivo é prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria coletável, pois diferindo os proveitos para o ano seguinte àquele a que os devia ter imputado, vê a mesma matéria coletável ser imputada a dois exercícios diferentes e, paralelamente, a Administração não tem qualquer prejuízo, pelo contrário, pois vê tributada a mesma matéria coletável quer em 2003, quer em 2004.
“A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não tinha direito.
Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.
Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.
Entre estes dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.
Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar” - cfr. Jorge de Sousa e Outros, ob. cit., pp. 453-454.
Raciocínio que no caso dos autos, em que está em causa a duplicação de proveitos, que não a impossibilidade de fazer a correção simétrica de um custo, implica a falta de prossecução de interesse público por não estar em causa a obtenção de um imposto devido, mas apenas a sua obtenção num exercício diferente, e conduz à mesma conclusão: a de “considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo” - cfr. Jorge de Sousa e Outros, ob. cit., p. 454, bem como, mutatis mutandis, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de junho de 2008 – processo n.º 291/08, de 19 de novembro de 2008 – processo n.º 325/08 e de 19 de maio de 2010 - processo n.º 214/07.
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No caso dos autos, a correção efetuada no exercício de 2003 foi efetuada ao abrigo de um poder vinculado a que a Inspeção Tributária se encontrava adstrita.
Todavia, ao não proceder à correção simétrica no exercício de 2004, o sujeito passivo ficou prejudicado por ter diferido proveitos para este exercício: os mesmos proveitos passaram a ser duplamente tributados, quer em 2004, por declaração do sujeito passivo, quer em 2003, por força da correção da Inspeção.
Estamos perante uma situação em que o exercício de um poder vinculado (consideração dos € 5.156.449,70 como proveitos do exercício de 2003) conduz a uma situação flagrantemente injusta (por a Administração não ter exercido idêntico poder vinculado quanto ao exercício de 2004).
Ora, entre o dever de repor a verdade quanto à determinação da matéria coletável do exercício de 2003, e o dever de evitar que a sua atuação se traduza na criação de uma situação de injustiça, deve-se privilegiar a eliminação da situação injusta, fazendo depender o dever de correção da matéria coletável do exercício de 2003 da correção simétrica no exercício de 2004, com respaldo no princípio da justiça, no comando constitucional que dita que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real, da predita periodização artificial do lucro tributável em exercícios económicos (artigo 7.º do CIRC) e do modo como o lucro deve ser imputado a cada exercício (artigos 18.º e 19.º do CIRC), atenta a solidariedade destes.
Em suma: tendo o sujeito passivo diferido em 2003 proveitos para o exercício de 2004, não sendo tal diferimento totalmente aceite pela inspeção que imputou parte deles (€ 5.156.449,70) ao exercício 2003, impunha-se que, concomitantemente, a inspeção retirasse os mesmos € 5.156.449,70 dos proveitos do exercício de 2004, de forma a evitar que a mesma matéria coletável fosse tributada duas vezes, em 2003 e em 2004.
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QUANTO À INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA:
No artigo 250.º da sua Petição Inicial, a Impugnante sustenta que “Demonstrando-se que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, deverá a Impugnante ser indemnizada nos termos do artigo 53.º da LGT”.
Nos termos do artigo 53.º, n.º 1, da LGT, “O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida”.
No entanto, dispõe o seu n.º 2 que “O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
Deste modo, se se verificar na Impugnação Judicial que, por ter existido erro imputável aos serviços (ou seja, qualquer ilegalidade que não seja imputável ao contribuinte), a liquidação que deu origem à dívida garantida deve ser anulada, o direito à indemnização por prestação de garantia indevida nasce independentemente do período durante o qual a garantia se manteve, bastando requerer a indemnização no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda – artigo 171.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deste modo, é pressuposto da condenação no pagamento da indemnização o oferecimento de garantia bancária ou equivalente, pelo que tal facto essencial da causa de pedir deve ser levado à matéria de facto, e nela discriminado como provado ou não provado.
Todavia, o probatório da sentença é omisso quanto a esta factualidade que constitui uma das causas de pedir, pelo que é indispensável ampliá-lo.
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Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do Código de Processo Civil, o Tribunal de 2.ª Instância deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, considere indispensável a ampliação desta.
A contrario, pretendeu o legislador que o Tribunal de 2.º Instância, tendo no processo todos os elementos que permitam ampliar a matéria de facto, em vez de anular a sentença, alterasse a decisão proferida sobre a matéria de facto, ampliando-a.
O documento disponível em Processo (56237) Requerimento (004721269) Pág. 2 de 13/03/2009 15:22:20 é um requerimento dirigido pela Impugnante ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10 no qual, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255200801066790 oferece a garantia bancária n.º 980147004343 do BBVA, datada de 30 de julho de 2008, no valor de € 2.512.702,70, o qual tem aposto a seguinte menção manuscrita: “Recebi o original a 2008/8/01” seguido de uma assinatura.
Trata-se de um documento particular e, como tal, sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Por outro lado, consta da informação oficial prestada no âmbito da Impugnação Judicial que “263 – Findo o prazo para pagamento voluntário do montante apurado na liquidação adicional ora impugnada, foi instaurado processo de execução fiscal, no serviço de finanças – Lisboa 10, com o n.º 3255200801066790, o qual, actualmente, [está] suspenso por prestação de garantia bancária, cf. Anexo B do presente processo” – cfr. fls. 498 do processo instrutor apenso aos autos físicos, bem como fls. 520 onde se encontra este Anexo B do qual consta que o sistema informático da Administração indicava, em 11 de dezembro de 2008, que o processo de execução fiscal se encontrava na fase “F100 – Suspensão”.
Ora, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. Esta norma está em sintonia com a do artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com a qual “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.
Deste modo, os factos que forem atestados na Informação com base nas perceções do Inspetor Tributário ficam plenamente provados, desde que tais perceções se encontrem fundamentadas e se baseiem em critérios objetivos.
Se tal não acontecer, a Informação não é um meio de prova tarifado, e deve ser livremente apreciada pelo Juiz.
No caso, a informação atesta que o processo de execução fiscal foi suspenso por ter sido prestada garantia bancária, e encontra-se fundamentado com a junção de um print do sistema informático da Administração que o confirma.
Pelo que, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, se aditam os seguintes factos ao probatório:

26.
No dia 1 de agosto de 2008, S.... , SA, apresentou no processo de execução fiscal n.º 3255-2008/01066790 a garantia bancária n.º 980147004343 do …..

27.
O processo de execução fiscal n.º 3255-2008/01066790 foi suspenso por ter sido prestada garantia.

Ora, assim sendo, como é, verifica-se que a Impugnante ofereceu garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal, sendo que se viu já que a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2003 deve ser anulada por padecer de vício de violação de lei, sendo o erro – falta de correção simétrica - imputável aos serviços.
Pelo que, também aqui, a Impugnação deve proceder, devendo a Administração ser condenada no pagamento da indemnização peticionada.
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FINALMENTE, QUANTO ÀS CUSTAS:
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.
Pretendeu, assim, o legislador que quando se julgue a ação, seja através de sentença seja através de acórdão, se condene em custas, por regra, a parte que lhes deu causa. E, do mesmo modo, que quando se julgue um recurso, se proceda da mesma forma no acórdão.
Por sua vez, o artigo 665.º do CPC enuncia a «Regra da substituição ao tribunal recorrido» segundo a qual – n.º 2 – “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Neste caso, o acórdão que julga o recurso dando-lhe provimento não se limita, como é habitual, a revogar a sentença; substituindo-se ao tribunal a quo, o tribunal de 2.ª instância deve, ainda, conhecer as questões que não foram apreciadas e, a final, julgar a ação.
Verifica-se, em tal circunstancialismo, que uma mesma decisão julga o recurso, atuando a Relação, rectius o Tribunal Central Administrativo, como tribunal de segundo conhecimento da causa na apreciação dos vícios imputados à sentença, mas também julga a ação, em substituição do tribunal recorrido, como tribunal de primeiro conhecimento da causa quanto às questões cujo conhecimento foi dado por prejudicado pela 1.ª instância.
Pelo que, por força do predito artigo 527.º, n.º 1, do CPC, deve condenar quer nas custas devidas pelo julgamento do recurso, quer nas custas devidas pelo julgamento da ação.
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Nos termos do artigo 529.º, n.º 1, do CPC, “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”.
De acordo com o seu n.º 2 “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”, sendo devida, além do mais, pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, recorrente ou recorrido – artigo 530.º, n.º 1, do CPC.
Deste modo, na ação a taxa de justiça é devida pelo autor e pelo réu que conteste; no recurso, a taxa de justiça é devida pelo recorrente e pelo recorrido que contra-alegue.
“Temos, pois, que a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça devida em juízo independe do decaimento da causa ou, não o havendo, do proveito ou da vantagem decorrente do processo para alguma das partes.
Isso significa que o conceito de custas a que se reporta o artigo 527.º do Código de Processo Civil só é suscetível de abranger duas das vertentes do conceito de custas previstas no artigo 529.º daquele Código, ou seja, as atinentes aos encargos não efetivamente suportados pelas partes e às custas de parte.
Os encargos em geral constam, além do mais, do n.º 3 do artigo 529.º e do artigo 532.º, ambos do Código de Processo Civil. As custas de parte, por seu turno, estão previstas no n.º 4 do referido artigo 529.º e no artigo 533.º, ambos do mesmo Código.
Em conexão direta com o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, está o estabelecido no n.º 6 do artigo 607.º daquele Código, segundo o qual, no final da sentença, o juiz condena os responsáveis pelo pagamento das custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
[E o mesmo se diga quanto ao final do acórdão, uma vez que o n.º 2 do artigo 663.º do CPC, relativo à «Elaboração do acórdão», manda observar, “na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º”.]
Todavia, como é natural, só nas espécies processuais em que sejam devidas custas é que deve ser proferido o segmento decisório de condenação de alguma das partes no seu pagamento. Assim, por exemplo, se na fase de recurso não houve encargos, a decisão sobre as custas, como é natural, não os pode abranger, e dela devem ser expressamente excluídos. E o mesmo, mutatis mutandis, deve ocorrer quanto às custas de parte”.
Cfr. Salvador da Costa, Apontamento Breve Sobre a Condenação das Partes no Pagamento de Custas e a Liquidação das Custas de Parte, blog do Instituto Português de Processo Civil, entrada de 14 de janeiro de 2019.
Conclui, então, o Senhor Conselheiro que o conceito de custas previsto no artigo 607.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, por força do qual no final da sentença ou do acórdão, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, “é de sentido restrito, porque não abrange a taxa de justiça devida a juízo, mas apenas encargos não suportados pelas partes e as custas de parte”.
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No caso dos autos, como se viu, julgou-se o recurso e concluiu-se que este merece provimento, devendo a sentença ser revogada. Assim, por força do dito artigo 527.º, n.º 1, do CPC, deve ser condenada em custas (sentido estrito) a parte que lhes deu causa no recurso. Ou seja, a Recorrida deve ser condenada apenas no pagamento das custas de parte, uma vez que não houve encargos no recurso e a taxa de justiça, que se insere no conceito de custas em sentido amplo, é devida pelo impulso processual no recurso (apresentação de contra-alegações), que não pelo decaimento no recurso.
Por outro lado, ao abrigo do predito artigo 665.º, n.º 2, do CPC que manda conhecer das questões prejudicadas no mesmo acórdão em que se revoga a decisão recorrida, julgou-se também a ação em substituição do tribunal a quo e concluiu-se que esta é procedente, devendo o ato de liquidação ser anulado e a Administração ser condenada no pagamento da indemnização. Assim, uma vez mais por força do dito artigo 527.º, n.º 1, do CPC, deve ser condenada em custas (sentido estrito) a parte que lhes deu causa na ação. Ou seja, a Administração deve ser aqui condenada também apenas no pagamento das custas de parte, uma vez que não houve encargos na ação e a taxa de justiça, que se insere no conceito de custas em sentido amplo, é devida pelo impulso processual na ação (apresentação de contestação), que não pelo decaimento na ação.
Solução de condenação em custas, no recurso e na ação, que além de ter guarida nos critérios da «regra geral em matéria de custas» prevista no artigo 527.º do CPC, também encontra respaldo na «regra da substituição ao tribunal recorrido» prevista no artigo 665.º, e logo literalmente no seu n.º 2 que ao mandar conhecer das questões prejudicadas no mesmo acórdão em que se revoga a decisão recorrida, não admite que a sentença se mantenha, ainda que com diferente fundamentação: a revogação da sentença no julgamento do recurso é condição necessária para que o tribunal de 2.ª instância possa substituir o tribunal a quo no julgamento da ação (ainda que seja para, a final, determinar o mesmo efeito jurídico da sentença revogada, ainda que com diferente fundamentação).
Com efeito, só quando o tribunal de 2.ª instância não está a julgar a ação em substituição do tribunal recorrido, ou seja, só quando o Tribunal Central Administrativo julga apenas o recurso é que é possível não revogar a sentença, mas mantê-la com diferente fundamentação, não se concedendo, então, provimento ao recurso.
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A final, a Recorrida requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
A complexidade da causa está relacionada, designadamente, com a existência de conclusões do Recurso prolixas, de questões de elevada especialização jurídica ou técnica, de questões que imponham a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito distinto ou impliquem a realização de diligências de produção de prova neste TCA Sul. Por outro lado, o montante global da taxa de justiça devida deve ser proporcional ao serviço de Justiça prestado.
Considerando que as conclusões do recurso não são prolixas (34 conclusões), que as conclusões das contra-alegações não são demasiado extensas embora pudessem ser mais sintéticas (62 conclusões), que o recurso da matéria de facto não exigiu a produção de novos meios de prova, que a matéria de direito suscitada no recurso, não tendo uma complexidade inferior à comum, não requereu a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito distinto, encontram-se reunidas as condições para se considerar que o valor da taxa de justiça devido é excessivo, entendendo-se, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, ser adequado e proporcional, face às questões apreciadas, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte que exceda os € 300.000,00, tal como, aliás, se decidiu no primeiro acórdão deste TCAS proferido nestes autos.
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Termos em que se acorda:
- Rejeitar o recurso quanto à impugnação dos factos 14, 15, 16 e 24 do probatório da sentença;
- Conceder provimento ao presente recurso e revogar a sentença recorrida;
- Em substituição do tribunal a quo, julgar procedente a Impugnação Judicial, anular a liquidação adicional de IRC n.º 2008.8310032833, relativa ao exercício de 2003, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
São devidas custas, neste TCA Sul, pela Recorrida que contra-alegou, e na 1.ª instância pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos dois casos com dispensa do remanescente da taxa de justiça na parte em que exceda os € 300.000,00.
Lisboa, 15 de julho de 2010.
Tiago Brandão de Pinho (relator) – Cristina Coelho da Silva (com declaração de voto) – Ângela Cerdeira

Declaração de Voto da Exma. Senhora Juíza Adjunta Cristina Coelho da Silva:
Negaria provimento ao recurso e confirmaria a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação. As custas seriam, em ambas as instâncias, pela Recorrente.