Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:317/25.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA/ÓNUS PROBATÓRIO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO-EFEITO SUSPENSIVO
AUDIÇÃO PRÉVIA FALTA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I)No âmbito da tributação das manifestações de fortuna o legislador estabeleceu duas tipologias de situação, concretamente, as constantes no artigo 87.º, nº1, alínea d) da LGT, e as contempladas na alínea f) da mesma disposição legal.

II)Existe, assim, uma dualidade de situações: a da existência de manifestações de fortuna, em sentido estrito, às quais correspondem determinados rendimentos padrão (artigo 87.º, nº 1, alínea d) da LGT), e a da existência de incrementos patrimoniais não justificados (artigo 87.º, nº 1, alínea f) da LGT).

III)Para efeitos de cumprimento do ónus probatório, o contribuinte deve apresentar os respetivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artigo 89-A, nº 3, da LGT.

IV)O que importava justificar , portanto, era a fonte e a concreta natureza dos rendimentos depositados na sua conta, ou seja, demonstrar de forma inequívoca que o cheque depositado na sua conta mais não representava que o reembolso de suprimentos que havia sido previamente disponibilizado à sociedade.

V)O n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT confere efeito suspensivo ao recurso ali previsto, implicando que, legalmente, a AT esteja impedida de liquidar o tributo até ao trânsito em julgado da decisão, com os consequentes efeitos em termos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação [art.º 46.º, n.º 2, al. a), da LGT].

VI)A AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, bastando que justifique quais as razões atinentes ao efeito.

VII) A decisão antagónica à pretensão da Recorrente, no sentido de que os depoimentos não são relevantes não traduz preterição de formalidade essencial, porquanto pronunciou-se sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões que estavam na génese do seu juízo de entendimento.

VIII)A AT respeitou os pilares base do princípio da imparcialidade, mormente, neutralidade decisória, equidistância entre as partes, transparência, dentro da limitação e justificação da sua margem de apreciação no caso concreto à luz das circunstâncias particulares da questão em contenda.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO







ANTÓNIO …………………………, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, através da qual julgou improcedente a decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, na qual foi fixado um rendimento de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), para o ano de 2020, no montante de €297.878,00, ao abrigo da alínea f), do nº 1, do artigo 87.º e do nº 3 e nº 5 do artigo 89.º A da LGT.


O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“a) Considera o Tribunal a quo que “Nos termos e com os fundamentos supra expostos, julga-se o presente recurso apenas parcialmente procedente e, em consequência, anulam-se as correções respeitantes às entregas de valores n.º …………240 (25.200,00€) e …………..658 (2.500,00€).”.

b) Mas não considera que “O depósito de cheques ……………… a 02-12-2020 na conta bancária com o nº ………, da Caixa de …………, titulada pelo Recorrente, no valor de 25.000,00€ corresponde a levantamento de suprimentos na sociedade C…….., ……….& B………., Lda., da qual o Recorrente é sócio, tendo esta emitido cheque nº ………. para o efeito”;

c) E ainda, não considera que “Não há violação do princípio da imparcialidade, pois não resulta demonstrado que a decisão tenha sido tomada por motivo alheio à prossecução do interesse público ou com intuito de prejudicar o Recorrente, sendo que o Recorrente sempre teria oportunidade de juntar esses elementos posteriormente, nomeadamente no exercício do seu direito de audição, o que fez”.

d) Bem como não considera a alegada caducidade da liquidação do tributo.

e) Salvo o devido respeito que é muito, mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, quanto a estas questões.

f) Com relevância para a decisão da causa, o tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos; 1. No ponto 2. dos factos dados como não provados; O depósito de cheques ……….., a 02-12-2020 na conta bancária com o nº ……………., da Caixa de …………, titulada pelo Recorrente, no valor de 25.000,00€ corresponde a levantamento de suprimentos na sociedade C………., …… & ……, Lda., da qual o Recorrente é sócio, tendo esta emitido cheque nº …………. para o efeito

g) Da prova produzida designadamente através da testemunha Ana ……………., Técnica de Contabilidade no escritório que presta serviços para o Recorrente, prestou depoimento na sessão de 10.07.2025, cujo depoimento foi registado em suporte digital áudio (00:02:15 a 00:16:54 / SITAF), ficou demonstrado documentalmente, com a junção do documento em audiência de discussão e julgamento e através do depoimento da testemunha Ana ………….que o depósito de cheque ……….., corresponde a levantamento de suprimentos na sociedade C………., .……. & ……..., L.da, da qual o recorrente é sócio, tendo esta emitido cheque nº ..………. para o efeito, que, aliás, se encontra reflectido na sua contabilidade, conforme resulta do seu lançamento consubstanciado no documento que foi junto em audiência de inquirição de testemunha comprovativo do alegado.

h) Razão pela qual devia o Tribunal a quo considerar como provado o facto supra melhor identificado, devendo o recurso apresentado proceder também quanto a essa matéria, e anular-se a correcção respeitante ao cheque nº ………, a 02-12-2020 na conta bancária com o nº …………, da Caixa de ……………, titulada pelo Recorrente, no valor de 25.000,00€.

i) No âmbito do processo inspectivo referente a IRS do exercício de 2020, foi elaborado o respectivo relatório, tendo sido apurado IRS em falta por aplicação de metidos indirectos nos termos do disposto nos artigos 87º nº1 al. f) e 89º - A da Lei Geral Tributária (LGT), por remissão do artigo 39º do Codigo do IRS, o valor de 175.789,20€. (Cfr. Relatório de Inspecção junto em sede de Requerimento Inicial).

j) Em sede de direito de audição o recorrente justifica com empréstimos, descontos de cheques, levantamento de suprimentos e falta de confiança no sistema bancário, individualizando em concreto, quais as situações e, que tais factos aconteceram.

k) Os factos alegados admitem prova testemunhal, suscetível de o recorrente cumprir com o ónus da prova que sobre ele impende.

l) Como é sabido, em caso de determinação de matéria tributável por métodos indirectos, a Autoridade Tributária tem o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação e o sujeito passivo, o ónus da prova do excesso da respectiva quantificação.

m) Não pode a administração tributária derrogar um direito consubstanciado em prova legalmente admissível.

n) Verificar-se o princípio errado de que a recorrida tudo pode e o recorrente nada pode.

o) O princípio da imparcialidade assume particular importância, na medida em que se impõe enquanto elemento norteador da atuação da recorrida na indagação das situações sujeitas a inspeção, actuação que a lei pretende adstrita a critérios de isenção, com consagração expressa na LGT, no seu artigo 55.º

p) A violação dos deveres impostos pelo princípio da imparcialidade não está dependente da prova de concretas atuações parciais, verificando-se sempre que um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade.

q) A recorrida não atuou, no caso concreto aqui em causa, de acordo com os princípios a que se encontra adstrita nos termos da lei, tendo violado, em particular, o seu dever de imparcialidade, simplesmente porque estavam em causa factos contrários aos seus próprios interesses patrimoniais (diminuição da receita tributária, reembolso de imposto – no caso IRS – a seu favor).

r) No âmbito do direito de audição previsto no artigo 60.° n.º 1 alínea e) da LGT, tendo sido a impugnante notificada do projecto de relatório da Inspecção Tributária, e com ele não se conformando, apresentou a sua defesa, (Cfr. Relatório de Inspecção que se juntou).

s) Na sua defesa, foi apresentada pela impugnante, para a efeito, as suas alegações assim como requerida a respectiva prova.

t) Nomeadamente foi apresentada prova testemunhal que idoneamente pode atestar o alegado pelo recorrente na sua defesa.

u) Facto é que, a recorrida procedeu à elaboração do relatório final, notificando o ao recorrente, sem realizar as diligências probatórias apresentadas pelo mesmo.

v) Por conseguinte, prevendo o n.º 7 do artigo 60.° da LGT que, “ os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão".

w) Estaremos, também por esta via, perante decisão inquinada pelo vício de violação de lei por ofensa ao supracitado artigo, atendendo que a mesma foi proferida sem que fosse tida em consideração os novos elementos suscitados pelo ora recorrente.

x) De facto, foi proferida e notificada ao recorrente a decisão final sem que a recorrida procedesse as diligências de prova indicada por aquela.

y) Tal decisão está ferida do vício de lei por preterição de formalidades legais a que estava obrigada pela disposição legal supra referenciada.

z) A preterição de formalidade essencial consubstanciada na violação do artigo 60º da LGT, ao caso aplicável, constitui uma ilegalidade, levando à revogação do acto.

aa) Com especial relevância para o que aqui se discute, transcreve o segmento de decisão da CAAD – Arbitragem Tributária, no processo n.º: 514/2023-T, que supra se transcreve.

bb) Salvo o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente que ocorreu caducidade da liquidação do tributo. De facto,

cc) Nos termos do disposto no artigo 45º da LGT “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”

dd) O recorrido foi notificado do início do procedimento externo por carta-aviso de 26.06.2024, os actos de inspecção iniciados em 17.09.2024 e concluídos em 06.03.2025, ou seja, a inspecção externa prolongou-se por mais de seis meses.

ee) O IRS trata-se de um imposto anual cujo facto gerador do imposto ocorre em 31 de Dezembro de cada ano.

ff) No vertente caso, o facto gerador do imposto ocorreu em 31 de Dezembro de 2020.

gg) O período de inspecção prolongou-se por mais de seis meses, portanto, não se verifica a suspensão do prazo de caducidade.

hh) Pelo que, deve operar a caducidade da liquidação adicional do tributo, no caso IRS respeitante ao exercício de 2020.

ii) Também nesta sede, mal andou o Tribunal a quo em não considerar a alegada violação de formalidades legais e bem ainda a caducidade da liquidação, devendo o recurso apresentado proceder também quanto a essa matéria.

NESTES TERMOS E COM O MUITO QUE DOUTAMENTE SERÁ SUPRIDO, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COMO É DE JUSTIÇA!.”


***


A Recorrida devidamente notificada, apresentou contra-alegações tendo concluído como segue:


a) A Recorrida entende que a sentença sob recurso fez uma correcta aplicação do direito aos factos não incorrendo em qualquer dos erros de julgamento que lhe são apontados. Erro de julgamento quanto à matéria de facto – depósito da importância de € 25.000,00.

b) Quanto ao alegado erro de julgamento quanto à matéria de facto no que respeita ao depósito da importância de € 25.000,00, através do cheque de 02/12/202 na conta da Caixa …………….., a sentença sob recurso entendeu que muito embora não ofereça dúvidas que aquela importância tem a sua origem na sociedade C…….. .……. E .……, LDA, ainda assim fica por determinar a que título a mesma foi creditada na conta do Recorrente, concluindo-se, em consequência, que o Recorrente não fez quanto àquela quantia a prova de que a mesma corresponde à devolução de suprimentos e, consequentemente, quanto à sua origem ou natureza de molde a afastar a presunção contida no nº 3 do art. 89º - A da LGT, i.e., que não se trata de rendimentos que estariam sujeitos a tributação em IRS no ano de 2020.

c) O ónus de impugnação da decisão ora recorrida quanto à matéria de facto não se basta com a mera discordância do Recorrente relativamente a essa decisão, sendo necessário que o Recorrente demonstre quais os meios de prova cuja análise crítica determinaria uma decisão diferente da impugnada, identificando concretamente o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal especificando a contradição, a incoerência, a insuficiência ou o raciocínio ilógico praticado, o que o Recorrente não fez.

d) Ao abrigo do ónus de impugnação que sobre ele impende, o Recorrente não transcreve o depoimento da testemunha na parte em que o mesmo imporia apreciação diferente da alcançada pelo Tribunal “a quo”, e embora refira que o documento junto se encontra reflectido na sua contabilidade, na verdade, trata-se de um extracto, elaborado pela empresa de contabilidade e referente ao Recorrente e ao ano de 2020, que contém o registo do cheque emitido a seu favor pela sociedade C………. .….. E …….., LDA., o que nada acrescenta à prova documental já existente nos autos e que a sentença faz referência, não permitindo, em consequência, concluir que o depósito do aludido cheque no montante de € 25.000,00 corresponde à devolução de suprimentos efectuada pelo Recorrente à sociedade da qual é socio.

e) Ora, tal como concluiu a sentença sob recurso, “há prova nos autos de que tal valor saiu da conta bancária da sociedade para a conta bancária do Recorrente, mas não de que tal valor, em data anterior, saiu da conta bancária do Recorrente para a da sociedade a título de suprimentos, não tendo a testemunha referido, sequer, em que data tal terá acontecido.”

f) Tanto basta para concluir que deve o vício em causa deve ser julgado improcedente. Preterição de formalidade essencial

g) No que respeita à alegada preterição de formalidade essencial decorrente do facto de a inspecção tributária não ter diligenciado pela inquirição das testemunhas arroladas no exercício do direito de audição prévia, a Recorrida entende, com o devido respeito por opinião contrária, que não assiste razão ao Recorrente.

h) A sentença sob recurso, quanto a esta matéria, entendeu o seguinte, conforme se transcreve: É que a adequação e a utilidade da prova testemunhal requerida hão de presumir-se, cabendo à AT fundamentar, no procedimento, a respetiva rejeição, o que, no caso concreto, fez, conforme resulta provado (cfr. facto 11). Assim, no caso dos presentes autos, a AT ponderou e justificou o indeferimento do pedido de diligências complementares, por parte do Recorrente, pelo que se conclui que não estamos, no caso dos autos, perante uma mera aparência de realização do direito de audição.

i) Em suma, a justificação apresentada pela inspecção tributária para a não realização da audição de testemunhas encontra-se devidamente justificada por razões que o Tribunal “a quo” entendeu ponderosas, inclusive à luz da jurisprudência sobre esta matéria.

j) Mais entende a Recorrida que embora sejam admitidos na acção inspectiva todos os meios de prova admitidos em direito, o certo é que a inspecção tributária está vinculada ao estrito cumprimento da lei no exercício de uma função meramente administrativa, devendo as suas decisões, de natureza meramente administrativa, estarem fundamentadas em factos objectivamente demonstrados, sob pena de violação do princípio da legalidade e também do princípio da imparcialidade que o Recorrente invoca na sua petição de recurso.

k) A prova testemunhal em sede inspectiva apenas se afiguraria admissível se prestada em complemento de prova documental e não em total substituição desta, como pretendia o Recorrente.

l) No caso, porém, perante a manifesta insuficiência da prova documental apresentada era forçoso concluir que a prova testemunhal não podia ter qualquer efeito útil pois está vedada à IT a aplicação da lei a factos assentes apenas na sua livre convicção formada a partir do depoimento de testemunhas e sem qualquer suporte documental, sob pena de incorrer em usurpação de poderes, no caso do poder jurisdicional.

m) Por outro lado, em face dos esclarecimentos prestados e dos documentos apresentados pelo Recorrente no decurso da acção inspectiva, resulta evidente que as testemunhas a arrolar apenas podiam reiterar o que a Recorrente já havia dito, nada de novo podendo acrescentar por não estar em causa matéria de facto que não fosse do conhecimento do Recorrente ou que, pela sua especial complexidade, justificasse a obtenção de esclarecimentos mais detalhados junto de terceiros, a ouvir como testemunhas.

n) Concluindo, muito embora o Recorrente tenha o direito de requerer no seu exercício do direito de audição prévia a realização de diligências complementares de prova, a pretendida inquirição resultava inútil pois não teria, em face do que supra se expôs, a virtualidade de poder influenciar a decisão final objecto do presente recurso, e em face da inutilidade jurídica da mesma resulta forçoso concluir que o Recorrente em nada ficou prejudicado na sua esfera jurídica com a recusa em apreço.

o) Por fim, sem conceder, importa ainda atender ao facto de que o Recorrente não se pronunciou no seu direito de audição prévia relativamente a parte dos fluxos financeiros que originaram as correcções promovidas pela IT, mais concretamente relativamente às correcções referidas no ponto VII.1.1. do Relatório Final, o que manteve na 1ª instância jurisdicional.

p) Sendo a inquirição de testemunhas em apreço uma diligência complementar, requerida no direito de audição com vista, precisamente, a demonstrar os esclarecimentos prestados nesse direito de audição, resulta forçoso concluir que aquelas testemunhas não poderiam ser ouvidas relativamente a fluxos financeiros que o Recorrente omitiu no seu direito de audição.

q) Em suma, hipótese que se concebe sem conceder, caso a preterição de formalidade essencial seja considerada procedente,

r) A Recorrida entende que esse vício de forma não tem a virtualidade de invalidar todas as correcções promovidas pela inspecção tributária uma vez que no seu direito de audição prévia o Recorrente não prestou quaisquer esclarecimentos relativamente a parte das correcções promovidas, não podendo, em consequência, as correcções promovidas no montante de € 136.578,0, relativamente às quais o ora Recorrente tão-pouco se pronunciou em sede de audição prévia, serem anuladas por preterição de formalidade essencial. Caducidade do direito à liquidação

s) No que respeita à caducidade do direito à liquidação em virtude de a inspecção tributária ter tido uma duração superior a 6 meses e o prazo de caducidade terminar a 31/12/2024,

t) A sentença sob recurso entendeu o seguinte, que se transcreve de fls. 25 e seguintes: “Interpretando e aplicando tal regime, o Tribunal considera que a situação dos autos é abrangida pelo regime excecional de suspensão do prazo de caducidade, decretado pelo artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, (cuja contagem se iniciou em 9 de março de 2020 e vigorou até 03 de junho de 2020), posteriormente continuado, ao ser reintroduzido pelo n.º 1 do artigo 6.º B aditado à Lei n.º 1A/2020, pela Lei n.º 4-B/2021, de 10 de fevereiro, com produção de efeitos a 22 de janeiro de 2021, vigorou até à sua revogação pela Lei n.º 13-B/2021, que entrou em vigor em 6 de abril de 2021, num total de 74 dias. Ou seja, o prazo de caducidade para as liquidações dos impostos periódicos, nos quais se inclui o IRS, relativos ao ano de 2020, esteve suspenso durante 74 dias, os quais devem ser acrescidos ao prazo que durante eles esteve suspenso para se completarem os 4 anos impostos pelo n.º 1 do artigo 45.º da LGT.

Assim, sem mais, o prazo de caducidade, no caso sub judice, terminaria em 15 de março de 2025. (…) Sendo assim, segundo a factualidade provada, os atos de inspeção foram iniciados em 17/09/2024, com a assinatura da correspondente Ordem de Serviço pelo Recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º do RCPITA e foram concluídos em 06/03/2025, com a notificação da respetiva Nota de Diligência, nos termos do n.º 1 do artigo 61.º do RCPITA. Portanto, entre 17/09/2024 e 06/03/2025 decorreram 4 meses e 19 dias.

Assim, nos termos do artigo 46º, n.º 1 da LGT operou a suspensão de 6 meses, pelo que ao fim do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS de 2020 anteriormente calculado - 15-03-2025 -, devem ser acrescentados 6 meses. Significa, isto, que o prazo terminaria, agora, a 15-09-2025.

Sucede, por outro lado, que o n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT confere efeito suspensivo ao recurso aqui interposto, implicando que, legalmente, a AT esteja impedida de liquidar o tributo até ao trânsito em julgado da decisão, com os consequentes efeitos em termos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação [art.º 46.º, n.º 2, al. a) da LGT].

Pelo exposto, conclui-se que o prazo de caducidade ainda não decorreu, estando suspenso desde o dia 20-03-2025 – data de interposição deste recurso e apenas retomando o seu curso com o trânsito em julgado da presente decisão.”

u) Em suma, o prazo para a liquidação do imposto referente a IRS de 2020 ainda tão findou, estando, na presente data, suspenso.

v) Nesta parte, uma vez mais, não assiste razão ao Recorrente.

w) Nos termos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente. Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, com as devidas e legais consequências.”


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Foram os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP), nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

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III– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão da presente causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 20/06/2023, a Direção de Serviços de Investigação da Fraude e Ações Especiais (DSIFAE), remeteu informação à Direção de Finanças de Santarém, dando conhecimento de operações financeiras reportadas pela Unidade de Informação Financeira (UIF) respeitantes à conta bancária com o nº …………., da Caixa de ………….., titulada pelo Recorrente (cfr. fls. 8 do PA);

2. A 28/09/2023 foi emitida a Ordem de Serviço N.º OI202300620, titulando procedimento de inspeção externo ao Recorrente, de âmbito parcial, em sede de IRS, ao exercício de 2020 (cfr. fls. 1 do PA);

3. A 26/06/2024 a Direção de Finanças de Santarém remeteu ao Recorrente o ofício n.º 895 sob o assunto “Carta Aviso”, com o seguinte teor:

« Texto no original»

(cfr. fls. 4 do PA);

4. A 17/09/2024, a Ordem de Serviço N.º OI202300620 foi assinada pelo Recorrente (fls. 1 do PA);

5. A 11/11/2024 a Direção de Finanças de Santarém, no âmbito do procedimento inspetivo, remeteu ao Recorrente o ofício n.º 1438 sob o assunto “Decisão sobre a derrogação do dever do sigilo bancário por parte da Administração Tributária e Aduaneira”, entre o mais, com o seguinte teor:


(cfr. fls. 6 e ss. do PA);

6. A 14/01/2025 a Direção de Finanças de Santarém, no âmbito do procedimento inspetivo, remeteu ao Recorrente o ofício n.º 55 sob o assunto “Pedido de elementos e/ou prestação de esclarecimentos”, com o seguinte teor: “(…)


« Texto no original»

(…)” (cfr. fls. 17 e ss. do PA);


7. A 04/02/2025, a Direção de Finanças de Santarém remeteu ao Recorrente, por correio registado, o Ofício nº 139, sob o assunto “Pedido de Prorrogação do Prazo concedido para resposta a pedido de esclarecimentos (OI202300620)”, notificando-o do indeferimento do seu pedido efetuado via e-mail no dia 31/01/2025 (cfr. fls. 19 e ss. do PA);

8. A 07/02/2025, a Direção de Finanças de Santarém remeteu ao Recorrente, por correio registado com aviso de receção (entregue a 17/02/2025), o Ofício nº 178, sob o assunto “Notificação do projeto de relatório de inspeção”, notificando-o do teor do Projeto de Relatório elaborado no procedimento de inspeção e para, querendo, exercer o seu direito de audição (cfr. fls. 24 e ss. do PA);

9. A 28/02/2025 o Recorrente apresentou o seu direito de audição nos seguintes termos: “(…)

« Texto no original»

(…)” (cfr. fls. 52 e ss. do PA);

10. A 06/03/2025, a Direção de Finanças de Santarém remeteu ao Recorrente, por correio registado, o Ofício nº 323, sob o assunto “Notificação da Nota de Diligência ao abrigo da OI202300620”, informando da conclusão dos atos de inspeção a 06/03/2025 (cfr. fls. 2 e 3 do PA);

11. A 12/03/2025 o Recorrente foi notificado pessoalmente do Relatório de Inspeção Tributária elaborado a 07/03/2025 e do qual consta, entre o mais, o seguinte teor (cfr. fls. 33 e ss. do PA): “(…)

« Texto e quando no original»

12. A entrega de valores ………02658, a 02-01-2020, na conta bancária com o nº ……….., da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, titulada pelo Recorrente, no valor de 2.500,00€, corresponde ao valor do cheque nº ……………, emitido a favor de Carlos …………., a quem o Recorrente entregou o correspondente valor em numerário (cfr. doc. nº 2 da PI e depoimento da testemunha Carlos …………);

13. A entrega de valores …………240, a 03-01-2020, na conta bancária com o nº ………., da Caixa de ………., titulada pelo Recorrente, no valor de 25.200,00€ corresponde à devolução de um empréstimo efetuado a Pedro …………. através do cheque nº …….…….. emitido pelo Recorrente, tendo este, por sua vez, emitido cheque nº ………… para seu pagamento (cfr. doc. nº 3 da PI; doc. de fls. 352-354 do SITAF e depoimento da testemunha Pedro …………);

14. A 01-02-2014, o Recorrente era titular de valores mobiliários no montante de 200.000,00€ junto do Banco …………., S.A. (cfr. doc. nº 6 da PI).


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A decisão recorrida consigna como Factos não provados o seguinte:

“1. A entrega de valores ………….350, a 03-11-2020, na conta bancária com o nº ………, da Caixa de ……….., titulada pelo Recorrente, no valor de 15.000,00€, corresponde à devolução de um empréstimo efetuado à sociedade Ideias c/ R…………. – Invest. ……….., Lda., tendo esta emitido cheque nº …….. para seu pagamento;

2. O depósito de cheques ………….546, a 02-12-2020 na conta bancária com o nº ……….., da Caixa de ………., titulada pelo Recorrente, no valor de 25.000,00€ corresponde a levantamento de suprimentos na sociedade C……, ……… & ………., Lda., da qual o Recorrente é sócio, tendo esta emitido cheque nº .………… para o efeito;

3. Em Agosto de 2014, com a resolução do antigo B……, S.A., para o Novo ……….., S.A. , o Recorrente perdeu todo o montante que tinha aplicado;

4. Os depósitos em numerário na conta bancária com o nº …………, da Caixa de ………….. resultam de algum valor em numerário que o Recorrente retirou de algumas poupanças no ano de 2014, angariadas ao longo dos anos, decorrente da perda de confiança do sistema bancário em resultado da resolução do B………, S.A. e que gradualmente foi depositando mais recentemente uma vez que passou a considerar o sistema bancário mais fiável.


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida, designadamente dos documentos constantes dos autos, conforme remissão feita em cada um dos pontos do probatório, assim como da prova testemunhal produzida.

Foram ouvidas as seguintes testemunhas:

1. Ana ………….., Técnica de Contabilidade no escritório de contabilidade de que o Recorrente é cliente, prestou depoimento quanto aos factos constantes nos artigos 37º a 40º da PI;

2. Carlos ……………., amigo do Recorrente, prestou depoimento quanto a facto alegado no artigo 34º da P.I.;

3. Pedro ………………, parceiros de negócios do Recorrente há mais de 10 anos, prestou depoimento quanto ao facto alegado no artigo 35º da P.I.. Todas as testemunhas prestaram o seu depoimento de forma isenta, coerente e credível, sem que o Tribunal tenha detetado quaisquer contradições.

Assim, os seus depoimentos foram particularmente relevantes para prova de algum dos factos alegados, conforme remissão feita em cada um dos pontos do probatório.

Os factos não provados resultaram da seguinte apreciação:

1. “A entrega de valores ………….., a 03-11-2020, na conta bancária com o nº …….. da Caixa de Crédito …………, titulada pelo Recorrente, no valor de 15.000,00€, corresponde à devolução de um empréstimo efetuado à sociedade Ideias c/ R…………. – Invest. ……….., Lda., tendo esta emitido cheque nº ……….. para seu pagamento” – apesar do Recorrente ter juntado o cheque que titula a entrada de valor na sua conta - doc. nº 4 da PI – não provou o referido empréstimo documentalmente (nomeadamente, através de um contrato de mútuo ou, pelo menos, de comprovativo de entrega de tal valor, em data anterior, à sociedade Ideias c/ Relevo – I……….. I……………., Lda.) e prescindiu do depoimento da testemunha que havia arrolado para prestar depoimento acerca deste facto, pelo que não logrou provar a razão da emissão daquele cheque e posterior depósito do valor no mesmo na sua conta bancária;

2. “O depósito de cheques ……………546, a 02-12-2020 na conta bancária com o nº …………, da Caixa de ……………., titulada pelo Recorrente, no valor de 25.000,00 € corresponde a levantamento de suprimentos na sociedade C………., .………. & .…….., Lda., da qual o Recorrente é sócio, tendo esta emitido cheque nº …………. para o efeito” - apesar do Recorrente ter juntado o cheque que titula a entrada de valor na sua conta - doc. nº 5 da PI – e a saída de tal cheque da conta bancária da sociedade C………., .………. & .…….., Lda. doc. de fls. 378 do SITAF – não julgamos o depoimento de Ana …………….. suficiente para confirmar a existência destes suprimentos, uma vez que não foi junto qualquer documento contabilístico, mormente, espelhando a entrada de tal valor na sociedade a título de suprimentos. Ou seja, há prova nos autos de que tal valor saiu da conta bancária da sociedade para a conta bancária do Recorrente, mas não de que tal valor, em data anterior, saiu da conta bancária do Recorrente para a da sociedade a título de suprimentos, não tendo a testemunha referido, sequer, em que data tal terá acontecido;

3. “Em Agosto de 2014, com a resolução do antigo B………, S.A., para o Novo ………., S.A. , o Recorrente perdeu todo o montante que tinha aplicado” – não foi junta prova documental deste facto e a testemunha que o Recorrente arrolou para prestar depoimento acerca deste facto - Ana …….. - não se referiu a este tema;

4. “Os depósitos em numerário na conta bancária com o nº ……….., da Caixa de …………… resultam de algum valor em numerário que o Recorrente retirou de algumas poupanças no ano de 2014, angariadas ao longo dos anos, decorrente da perda de confiança do sistema bancário em resultado da resolução do B……, S.A. e que gradualmente foi depositando mais recentemente uma vez que passou a considerar o sistema bancário mais fiável” – não foi junta prova documental deste facto (nomeadamente comprovativos de levantamentos) e a testemunha que o Recorrente arrolou para prestar depoimento acerca deste facto - Ana ………….. - não se referiu a este tema. Note-se que, por despacho de fls. 337 do SITAF, o Recorrente foi notificado para juntar prova documental adicional do alegado nos artigos 34º a 40º da Petição Inicial, nomeadamente, redução a escrito dos mútuos ali referidos, comprovativos dos levantamentos efetuados, entre outros que pudesse ter em seu poder, apenas tendo junto o doc. de fls. 378 do SITAF, que acima foi referido.”


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

***

“A motivação da matéria de facto constante na decisão recorrida é a seguinte:

***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou parcialmente procedente o recurso apresentado contra a decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos proferida pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, que fixou ao Recorrente a matéria tributável referente a IRS de 2020, com recurso a métodos indiretos, no montante de € 297.878,00.

Ab initio, e em termos de delimitação da lide recursiva cumpre referir que apenas o Impugnante, ora Recorrente, interpôs recurso quanto à sentenciada improcedência, logo tendo sido anuladas as correções respeitantes às entregas de valores n.º …………..240 (25.200,00€) e …………..658 (2.500,00€), e não tendo sido objeto de recurso jurisdicional pelo DRFP, as mesmas encontram-se consolidadas na ordem jurídica.

Feita esta delimitação, há, então, que proceder à concreta enumeração das questões decidendas.

Neste concreto particular, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se:

Ø O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto na medida em que considerou factualidade não provada que deveria, em concreto, constar como factualidade provada, atenta a prova testemunhal e documental carreada aos autos;

Ø A decisão recorrida interpretou incorretamente a alínea f), do nº1, do artigo 87.º da LGT, porquanto desconsiderou a justificação atinente à fonte dos rendimentos respeitantes a depósitos de cheques no valor de €25.000,00 provenientes da sociedade C………., .………. & .…….., Lda;

Ø A sentença sob escrutínio errou ao julgar improcedente:

o A caducidade do direito à liquidação;

o A preterição de formalidade essencial no exercício do direito de audição prévia;

o A violação do princípio da imparcialidade.

Apreciando.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1).

Sendo, ainda, de enunciar que conforme enuncia o STJ, no seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido no processo nº 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, de 17.10.2023:Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”

Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feitos estes considerandos iniciais, ajuíza-se mediante uma concatenação das alegações de recurso com as competentes conclusões, que foram cumpridos os aludidos requisitos na medida em que são evidenciados os factos cuja supressão e ulterior aditamento se pretende, mediante concreta convocação dos competentes meios probatórios e inerente densificação da sua relevância para a presente lide.

Aqui chegados, assumido o preenchimento dos competentes requisitos legais, há, então, que aferir da sua valia, pertinência e concreta supressão e ulterior aditamento.

O Recorrente advoga que deve ser eliminado o facto não provado elencado no seu nº2, atenta a prova testemunhal produzida -que particulariza nos trechos áudio- e a prova documental junta em audiência, e ser aditado facto provado com esse teor.

Densifica, para o efeito, que da prova produzida designadamente através do depoimento da testemunha Ana …………, e do documento que juntou em audiência de julgamento que o depósito de cheque ….., corresponde a levantamento de suprimentos na sociedade C………., …….. & ……., Lda, da qual o Recorrente é sócio, tendo esta emitido cheque nº………. para o efeito. Adensando, ainda, que tal resulta do respetivo lançamento contabilístico.

Vejamos, então.

Comecemos por ter presente o teor do facto em contenda:

2) O depósito de cheques ………….., a 02-12-2020 na conta bancária com o nº ……….., da Caixa de ……, titulada pelo Recorrente, no valor de 25.000,00€ corresponde a levantamento de suprimentos na sociedade C……, ……… & …….., Lda., da qual o Recorrente é sócio, tendo esta emitido cheque nº …………… para o efeito.

De evidenciar ab initio, que este Tribunal procedeu à audição integral do depoimento da testemunha visada, e não se retira a asserção que vem propugnada pelo Recorrente, na medida em que o seu depoimento carece da devida particularização, com a devida substanciação das operações subjacentes, mormente, da data em que ocorreram os suprimentos.

Note-se que a própria referiu, por diversas vezes, que pretendia apenas demonstrar que o documento estava lançado na contabilidade. É certo que fala em suprimentos e que os mesmos, alegadamente, terão sido lançados enquanto tal, mas fá-lo, de forma absolutamente conclusiva, nada concretizando, nesse e para esse efeito, ou seja, nada corporiza em termos espácio-temporais, quanto à origem do movimento, da sua data, não sendo, de todo, objeto de qualquer junção aos autos de documento que permita atestar, de forma fidedigna, a realidade que alega, donde, que o mesmo não tem a natureza de um incremento patrimonial não declarado.

Por outro lado, o documento a que faz alusão, mais não representa que um extrato da conta de depósitos à ordem que reflete a saída, da quantia de €25.000,00, da conta da sociedade de advogados, com expressa identificação do cheque nº ……………... Mas, a verdade é que, nada permite inferir a que título esse montante foi objeto de pagamento ao Recorrente, sendo que essa é, justamente, a realidade que importava, em concreto, demonstrar.

Com efeito, há uma entrada do fluxo financeiro na conta bancária do Recorrente no montante de €25.000,00, e o documento visado apenas permite discernir a proveniência desse valor, ou seja, que advém da sociedade de advogados da qual é sócio, mas não que o mesmo tem a natureza de devolução de suprimentos -conforme alegado- não consubstanciando, portanto, qualquer acréscimo patrimonial objeto de tributação e não declarado.

Note-se que, o Tribunal a quo, inversamente ao propugnado pelo Recorrente, ponderou esse documento, e valorou-o para efeitos da concreta prova visada, apenas não lhe conferiu, e sem que mereça qualquer censura, o relevo probatório que o Impugnante, ora Recorrente, almejava.

Tal como expressamente evidenciado na motivação da matéria de facto, a prova carreada aos autos, nesse concreto particular, é manifestamente insuficiente, faltando-lhe, desde logo, o fluxo financeiro de entrada na sociedade, o emitente do mesmo, e a respetiva natureza da entrega.

Secunda-se, assim, o expendido na decisão recorrida no sentido de que “[a]pesar do Recorrente ter juntado o cheque que titula a entrada de valor na sua conta - doc. nº 5 da PI – e a saída de tal cheque da conta bancária da sociedade C………, .………& .….., Lda. doc. de fls. 378 do SITAF – não julgamos o depoimento de Ana …………… suficiente para confirmar a existência destes suprimentos, uma vez que não foi junto qualquer documento contabilístico, mormente, espelhando a entrada de tal valor na sociedade a título de suprimentos. Ou seja, há prova nos autos de que tal valor saiu da conta bancária da sociedade para a conta bancária do Recorrente, mas não de que tal valor, em data anterior, saiu da conta bancária do Recorrente para a da sociedade a título de suprimentos, não tendo a testemunha referido, sequer, em que data tal terá acontecido.”

Face ao exposto, improcede a aludida supressão e aditamento na justa medida.

Prosseguindo.

O Recorrente, advoga, outrossim, que incorreu em errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto em ordem ao plasmado no respetivo regime normativo, concretamente do artigo 87.º, nº1, alínea f), e 89.º A, ambos da LGT, resulta demonstrada a origem dos rendimentos, concretamente, a entrada do fluxo financeiro de €25.000,00, respeitante ao cheque nº ………………., devendo, nessa medida, ser anulada a correção realizada.

Dissente a Recorrida, advogando, para o efeito, que inversamente ao propugnado pelo Recorrente a prova dos autos não permite atestar que o valor de €25.000,00 tem, efetivamente, a natureza de devolução de suprimentos.

Apreciando.

Comecemos, então, por convocar o regime jurídico aplicável ao caso vertente.

Conforme resulta do disposto nos artigos 81.º, n.º 1, e 85.º, n.º 1, ambos da LGT, a fixação do rendimento tributável com recurso a avaliação indireta assume natureza subsidiária.

Naturalmente, esta opção do legislador é o reflexo do respeito pelo princípio da capacidade contributiva, como é consabido, princípio basilar do nosso ordenamento jurídico-tributário e com assento na CRP, mormente, no artigo 104.º da citada Lei fundamental.

A tributação por avaliação indireta, por via das manifestações de fortuna, surge como mecanismo justificado tanto por necessidades de efetivação do princípio da capacidade contributiva, como por objetivos de luta contra a fraude e à evasão fiscal, tem sido objeto de profundas reflexões, desde a sua introdução no nosso ordenamento, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro.

Como doutrina João Sérgio Ribeiro “a tributação dos rendimentos inferidos das manifestações de fortuna tem como fundamento o dever fundamental de pagar impostos e a necessidade, daí decorrente, de combater a evasão fiscal [que] visa evitar que certo tipo de rendimentos, actuais ou passados, que tenham escapado ao controlo legal, deixem de ser tributados (2)

Com efeito, parte-se do consumo ou de aumentos de património evidenciados pelo sujeito passivo e de que a AT tem conhecimento para a presunção de rendimentos que os sustentem.

Sendo que, no âmbito da tributação das manifestações de fortuna o legislador estabeleceu duas tipologias de situação, concretamente, as constantes no artigo 87.º, nº1, alínea d) da LGT, e as contempladas na alínea f) da mesma disposição legal.

Existe, assim, uma dualidade de situações: a da existência de manifestações de fortuna, em sentido estrito, às quais correspondem determinados rendimentos padrão (artigo 87.º, nº 1, alínea d) da LGT), e a da existência de incrementos patrimoniais não justificados (artigo 87.º, nº 1, alínea f) da LGT).

Mais importa ter presente que, nessas situações, cessa a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, consagrada no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, considerando que as manifestações de fortuna refletem níveis de rendimento desproporcionados face aos rendimentos declarados.

Diz-nos, ainda, o artigo 89.º A da LGT, sob a epígrafe de “manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados” na parte que, ora, releva, o seguinte:

“(…) 3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada. (…)
5 - Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º:
a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.”

In casu, a situação visada nos presentes autos subsumiu-se, normativamente, no artigo 87.º, nº 1, alínea f), da LGT -realidade não controvertida e devidamente aquiescida- o qual abrange uma realidade enquadrável num conceito amplo de manifestações de fortuna e designada por acréscimo ou incremento patrimonial não justificado, definido, em concreto, por comparação com o rendimento declarado, competindo, assim, ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas (3).

Logo, para efeitos de cumprimento do aludido ónus probatório, o contribuinte deve apresentar os respetivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artigo 89-A, nº 3, da LGT aplicável ao caso vertente.

Dir-se-á, portanto, que a partir do momento em que a AT prova a verificação dos pressupostos legais do recurso a métodos indiretos para a determinação da matéria tributável que suporta o ato de liquidação, passa a recair na esfera jurídica do sujeito passivo, o ónus da prova da inexistência dos factos tributários ou de erro ou excesso na quantificação da matéria tributável efetuada.

Com efeito, e como referem Diogo Leite Campos (4):

“(…)De harmonia com o n.º 3 deste art. 89.º-A, quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos previstos no n.º 4 ou uma situação enquadrável na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de impostos sobre o rendimento.

Para afastar a utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável o contribuinte tem de demonstrar que detinha proventos que não tinham de ser declarados para efeitos de imposto sobre o rendimento, suficientes para assegurar a manifestação de fortuna que estiver na base de tal utilização, só sendo esta afastada se esses proventos chegarem para assegurar a totalidade da manifestação de fortuna em causa.

Porém, se o sujeito passivo conseguiu demonstrar que parte dos proventos que asseguraram a manifestação de fortuna não tinham de ser declarados, não será afastada a utilização de métodos indirectos, mas ao rendimento presumido nos termos deste art. 89.º-A, que é a base da tributação, será de abater a parte dos proventos que se tiver provado que não tinham de ser declarados.

Para tal demonstração, não basta que se demonstre que o sujeito passivo possuía, no período de tempo em causa, bens suficientes que lhe permitiriam assegurar a manifestação de fortuna, sendo necessário que se demonstre que ela foi efectivamente assegurada com esses bens. (…)”.

In fine, importa relevar que os evidenciados acréscimos patrimoniais não justificados consagrados no artigo 87.º, nº 1, al. f), da LGT, são passíveis de enquadramento no artigo 9.º, nºs.1, alínea d), e 3, do CIRS, em sede de categoria G de IRS.

Aqui chegados, feita a enunciação do regime normativo que é aplicável ao caso dos autos, e tendo presente o probatório resulta inequívoco que a pretensão do Recorrente está votada ao insucesso.

De relevar, neste conspecto, que no domínio do erro sobre os pressupostos de facto e de direito o Recorrente apenas sindicou erro de julgamento quanto aos rendimentos respeitantes a depósitos de cheques no valor de €25.000,00 provenientes da sociedade C………, ………& ……., Lda, nada arguindo quanto ao movimento a crédito designado “Entrega Valores …………350” concernente à entrada nº ………….350 no valor de € 15.000,00, nada contraditando quanto à sentenciada falta de demonstração e prova de que o mesmo respeita a uma devolução de um empréstimo, tal como alegado. Razão pela qual, encontra-se vedada qualquer pronúncia por parte deste Tribunal, neste e para este efeito.

Face ao supra expendido, o que importa, então, apurar é se o Tribunal a quo incorreu, efetivamente, em erro sobre os pressupostos de facto e de direito porquanto resultou inteiramente demonstrada a proveniência e fonte dos rendimentos, daí se extraindo que os mesmos não devem ser acrescidos à matéria tributável porquanto não representam incrementos patrimoniais passíveis de tributação na categoria G, e que careciam de ser declarados.

Neste conspecto, ajuizou a decisão recorrida que “[o] Tribunal não considerou provada a existência destes suprimentos (cfr. facto não provado n.º 2 e respetiva motivação), pelo que o Tribunal conclui que não merece censura esta correção. Cabia ao Recorrente o ónus de provar o motivo das entradas de valores na sua conta bancária, por forma a evitar a tributação das mesmas como incrementos patrimoniais, desiderato que, neste concreto segmento, não logrou alcançar.”

E a verdade que o assim sentenciado não merece qualquer censura, porquanto, tal como já antecipámos, a factualidade não provada reclama essa concreta improcedência, sendo que quanto à concreta motivação que esteou a sua asserção a mesma encontra-se, devidamente explanada no item atinente à impugnação da matéria de facto, razão pela qual nos eximimos de expender quaisquer considerandos adicionais, remetendo para o que foi expendido nessa sede, evitando, assim, uma interação sem qualquer valia adicional.

Dir-se-á, portanto, que o que importava justificar era, efetivamente, a fonte e concreta natureza dos rendimentos depositados na sua conta, concretamente, do cheque no valor de €25.000,00, ou seja, demonstrar de forma inequívoca que o mesmo mais não representava que o reembolso de suprimentos que havia sido previamente disponibilizado à aludida sociedade de advogados C……….., ……… & ……….., Lda.

Sendo que essa prova, tal como foi, devidamente explanado, não foi, de todo, realizada, ou seja, a prova carreada aos autos, quer a testemunhal, quer a documental, não permitiu justificar a fonte dos rendimentos tal como alegada pelo Recorrente, o que implica per se a manutenção da sua classificação enquanto incrementos patrimoniais, tal como corrigido pela AT e secundado na decisão recorrida.

Face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, improcede o aludido erro de julgamento.

Prosseguindo, ora, com a caducidade do direito à liquidação.

Advoga o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto, o Recorrido foi notificado do início do procedimento externo por carta-aviso de 26 de junho de 2024, tendo os atos de inspeção sido iniciados em 17 de setembro de 2024, e concluídos em 06 de março de 2025, prolongando-se, portanto, por mais de seis meses.

Defende, assim, que tendo presente que o IRS é um imposto anual cujo facto gerador do imposto ocorre em 31 de dezembro de cada ano, e não sendo, in casu, causa suspensiva a cotejar, a ação de inspeção externa porquanto ultrapassou o prazo legal de seis meses, ter-se-á de concluir que se encontra caducado o direito à liquidação.

Neste concreto particular, ajuizou a decisão recorrida após convocar o respetivo quadro normativo e no que para os autos releva:

“[o] prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se, também, com a notificação ao contribuinte de início de ação inspetiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa, e o prazo conta-se do seu início, caso a inspeção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação. (…)

Segundo a factualidade provada, os atos de inspeção foram iniciados em 17/09/2024, com a assinatura da correspondente Ordem de Serviço pelo Recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º do RCPITA e foram concluídos em 06/03/2025, com a notificação da respetiva Nota de Diligência, nos termos do n.º 1 do artigo 61.º do RCPITA. Portanto, entre 17/09/2024 e 06/03/2025 decorreram 4 meses e 19 dias. Assim, nos termos do artigo 46º, n.º 1 da LGT operou a suspensão de 6 meses, pelo que ao fim do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS de 2020 (…) por outro lado, que o n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT confere efeito suspensivo ao recurso aqui interposto, implicando que, legalmente, a AT esteja impedida de liquidar o tributo até ao trânsito em julgado da decisão, com os consequentes efeitos em termos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação [art.º 46.º, n.º 2, al. a) da LGT]. Pelo exposto, conclui-se que o prazo de caducidade ainda não decorreu, estando suspenso desde o dia 20-03-2025 – data de interposição deste recurso e apenas retomando o seu curso com o trânsito em julgado da presente decisão. Improcede, por tal razão, o vício invocado. “

Atentemos, ora, no quadro normativo atinente à caducidade do direito à liquidação.


Preceituava, à data, o artigo 45.º da LGT sob a epígrafe de caducidade do direito à liquidação, e na parte que, ora, releva o seguinte:

“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (…)

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.”

Mais consignava o artigo 46.º, nº1, do mesmo diploma legal, relativamente à suspensão e interrupção do prazo de caducidade que:

“1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção”.

Sendo, outrossim, de chamar à colação o consignado no artigo 36.º do RCPITA relativamente ao “início e prazo do procedimento de inspeção”, segundo o qual:

“1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá, no caso de procedimento geral ou polivalente, ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspecionadas;

b) Quando, na ação de inspeção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;

c) (…)

4 - A prorrogação da ação de inspeção é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento. (…)”

No atinente à conclusão do procedimento de inspeção importa, ainda, ter presente o consignado no artigo 62.º do RCPITA, o qual estatuía, à data, que:

“1 - Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária.

2 - No prazo de 10 dias após a notificação da nota de diligência, o relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada, ou por transmissão eletrónica de dados, através do serviço público de notificações associado à morada digital única, da caixa postal eletrónica ou na respetiva área reservada do Portal das Finanças, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação do relatório (…)”.

Feito o devido enquadramento jurídico da questão em contenda, cumpre, então, transpor o mesmo para a realidade fática sub judice e aquilatar do invocado erro de julgamento na apreciação da caducidade do direito à liquidação.


In casu, estamos perante IRS do ano de 2020, cujo prazo de caducidade se conta a partir de 31 de dezembro de 2020. Assim, tal prazo, não ocorrendo quaisquer causas de suspensão, completar-se-ia quatro anos depois, ou seja, a 01 de janeiro de 2025.

No entanto, in casu, e inversamente ao advogado pelo Recorrente, a ação de inspeção externa não teve duração superior a seis meses, sendo que o dies a quo se inicia com a notificação da Ordem de Serviço e não com a notificação da Carta-Aviso.

Resulta, de relevante, provado que:

a) A ação inspetiva se iniciou a 17.09.2024 e terminou a 12.03.2025 com a notificação do Relatório de Inspeção Tributária.

b) A 20 de março de 2025, foi objeto de recurso a decisão que determinou a avaliação da matéria coletável por métodos indiretos;

c) Foi proferida sentença no mencionado processo a 13 de agosto de 2025;

d) A referida sentença foi objeto de interposição do presente recurso a 01 de setembro de 2025.

Ora, face ao supra aludido, resulta, desde logo, que como a ação de inspeção externa não ultrapassou os seis meses, concretamente, decorreram 5 meses e 23 dias, o prazo esteve suspenso desde essa data, o que significa que ao dies ad quem que computámos em 01 de janeiro de 2025, teriam, desde logo, e sem mais, de ser adicionados os competentes dias de suspensão.

Por outro lado, e como bem evidenciado na decisão recorrida há que relevar e ter presente que o n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT confere efeito suspensivo ao recurso em causa, implicando que, legalmente, a AT esteja impedida de liquidar o tributo até à resolução do pleito.

Com efeito, a alínea a), do n.º 2, do artigo 46.º da LGT prevê que o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende “[e]m caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão”.

Trata-se, pois, do caso dos autos, sendo que entre 20 de março de 2025 e até ao trânsito do presente Acórdão tal prazo encontra-se suspenso (5).

Logo, atento o supra expendido, a suspensão do prazo de caducidade mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão da presente decisão, improcedendo a pretensão do Recorrente.

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento atinente à preterição do direito de audição prévia, particularmente do artigo 60.º, nº 7 da LGT.

O Recorrente alega que no âmbito do direito de audição que exerceu, requereu a produção de prova testemunhal, porquanto a reputava de relevo para o efeito.

Logo, ao ter sido totalmente descurada, e elaborado o relatório final sem a materialização das diligências probatórias requeridas, a decisão padece de preterição de formalidade essencial tendo sido violado, inversamente ao sancionado na decisão recorrida, o consignado no artigo 60.º, nº7 da LGT.

Porém, mais uma vez, não entendemos que assista razão ao Recorrente, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e corretamente o regime jurídico à realidade fática em apreço, na medida em que concluiu, após discorrer sobre a regulamentação legal da seguinte forma: “[a] AT não está, com isto, vinculada a realizar todas as diligências requeridas pela parte, mas tem, natural e necessariamente, que justificar os motivos atinentes à sua conscienciosa opção. De tal, decorre que o órgão instrutor deverá abster-se de realizar tais diligências quando as considere desadequadas ou inúteis aos fins instrutórios do procedimento. E, como se viu do trecho transcrito, no caso dos autos, a AT não ignorou por completo as diligências complementares requeridas pelo Recorrente, tendo-se pronunciando sobre a sua inadequação ou sobre a respetiva inutilidade, no seu entender.”

Senão vejamos.

O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.

De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”

Importa, outrossim, ter presente o consignado no artigo 60.º do RCPITA, que sob a epígrafe de “audição prévia” dispõe que:

“1 - Caso os atos de inspeção possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.

2 - A notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões, devendo o prazo, no caso de incluir a aplicação da cláusula geral anti abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, ser de 30 dias.

3 - A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.

4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.”

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento de inspeção, que culminou nos atos de liquidação, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte ou quando a decisão lhe seja favorável.

Dimanando, outrossim, que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes têm de ser, obrigatoriamente, ponderados na fundamentação da decisão.

Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma, a sua fundamentação, com todos os elementos que nortearam o apuramento adicional de imposto, o prazo em que o mesmo pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (6).

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (7), podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Feitos estes considerandos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos.

In casu, dimana inequívoco que o Recorrente foi notificado para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no citado normativo, e contrariamente ao evidenciado pelo Recorrente, a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e ponderou a necessidade de realização das diligências probatórias requeridas. Aliás, basta para o efeito, atentar no Relatório Definitivo, no item direito de audição para se percecionar que o direito de audição não funcionou como um mero rito processual, tendo sido, devidamente, ponderado.

É certo que o Recorrente requereu a audição de testemunhas aquando do exercício de audição prévia ao projeto de Relatório de Inspeção Tributária.

E, de facto, não merece qualquer contestação a certeza de que, em sede de procedimento, nenhum interessado pode ser alvo de uma decisão administrativa que afete os seus interesses sem ter sido previamente informado pela Administração do sentido dessa decisão, impendendo sobre esta um dever de atuação no sentido da criação das condições fáticas para assegurar a audiência do administrado em momento prévio à decisão.

Sendo, também, inquestionável que o direito de participação não se reduz à mera formalidade de notificação do interessado para se pronunciar sobre o projeto de uma decisão administrativa desfavorável aos seus interesses.

Porém, a AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, conforme o atual artigo 125.º do CPA (anterior artigo 104.º, com a mesma redação), que refere que “Após a audiência, podem ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes.”.

No caso, embora seja inegável que as testemunhas arroladas não foram inquiridas em sede de audiência prévia, daí não pode afirmar-se, sem mais, como faz o Recorrente, que a defesa por si apresentada não foi ponderada antes da prolação dos atos finais questionados nestes autos.

Com efeito, tal valoração conceptual resulta, desde logo, da leitura do Relatório de Inspeção Tributária, plasmado no ponto 11) da factualidade assente, ressaltando, claramente, que os argumentos apresentados por si apresentados nesta sede foram objeto de análise e ponderação pela AT, encontrando-se, devidamente, fundamentados. É certo que, decidiu antagonicamente à pretensão do Recorrente, concluindo pela irrelevância dos mesmos para alterar as propostas de correções, mas a verdade é que se pronunciou sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões que estavam na génese do seu juízo de entendimento. [Neste sentido, vide, designadamente, Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 045897, de 01.03.2001, e Acórdãos proferidos por este TCAS, designadamente, no âmbito dos processos nº 357/09, de 05.06.025 e 1161/08, de 06.09.2021].

E por assim ser inexiste a advogada violação do artigo 60.º, nº7 da LGT, improcedendo, por conseguinte, o aludido erro de julgamento de direito assacado à decisão recorrida.

Aqui chegados, resta apenas analisar o erro de julgamento atinente à preterição do princípio da imparcialidade.


Neste âmbito advoga que, o Recorrente que em sede de direito de audição justifica com empréstimos, descontos de cheques, levantamento de suprimentos e falta de confiança no sistema bancário, individualizando, em concreto, quais as situações e, que tais factos aconteceram arrolando, para o efeito, as competentes testemunhas.


Sufraga, assim, que admitindo tais realidades de facto prova testemunhal, e sendo as mesmas suscetíveis de cumprir o ónus da prova que sobre si impende, não pode a AT derrogar um direito consubstanciado em prova legalmente admissível, sob pena de violação do princípio da imparcialidade.


Conclui que, in casu, e inversamente ao ajuizado verifica-se que a Recorrida tudo pode e o Recorrente nada pode, atuação que é contrária ao evidenciado princípio plasmado no artigo 55.º da LGT.


Neste âmbito, a decisão recorrida discorreu como segue:


“Não há violação do princípio da imparcialidade, pois não resulta demonstrado que a decisão tenha sido tomada por motivo alheio à prossecução do interesse público ou com intuito de prejudicar o Recorrente, sendo que o Recorrente sempre teria oportunidade de juntar esses elementos posteriormente, nomeadamente no exercício do seu direito de audição, o que fez. Por outro lado, não há qualquer violação do princípio da legalidade, porque a AT agiu no exercício de uma faculdade que não lhe está vedada por lei. E, por fim, não há violação dos princípios da colaboração e da cooperação, dado que o Recorrente foi notificado para apresentar os elementos, tendo-lhe sido dada oportunidade de o fazer no prazo concedido, e o indeferimento do prolongamento de tal prazo não equivale a recusa de cooperação, mas a gestão legítima dos prazos procedimentais. Assim, conclui-se que o facto descrito não é suscetível de configurar a violação dos princípios invocados pelo Recorrente, não sendo alegados quaisquer outros factos que possam consubstanciar a violação destes princípios.”


Vejamos, então.


De relevar, desde já, que no presente recurso as suas alegações coadunam-se apenas e só com a violação do princípio da imparcialidade, nada sendo expressamente arguido e convocado no atinente aos demais princípios que foram, expressamente, convocados e apreciados na decisão recorrida.


E por assim ser, a presente pronúncia cinge-se, naturalmente, ao aduzido princípio.


Comecemos, então, por estabelecer um enquadramento legal e os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente.


Primeiramente há que relevar que o princípio da imparcialidade está conexionado com o princípio da igualdade, exigindo, por conseguinte, aos titulares de poderes públicos, no caso AT, que assumam uma posição isenta e equidistante em relação a todos os particulares, assegurando a “igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público (8)”.


Nessa medida, ocorre a sua violação quando a atuação daqueles titulares não seja ditada pela prossecução daquele interesse, mas influenciada pela intenção de favorecer ou prejudicar interesses privados.


O ordenamento jurídico não se bastou com a consagração do princípio da imparcialidade administrativa no artigo 266.º, nº1 da CRP, cuidou de o consagrar positivamente também no domínio tributário no artigo 55.º da LGT. Com efeito, tal normativo consagra esse princípio a par dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da celeridade, como um dos grandes princípios orientadores do procedimento tributário.


Como doutrina Paulo Otero, “a imparcialidade administrativa tem um duplo sentido: 1 – Determinar uma postura de equidistância ou neutralidade face aos interesses privados que se relacionam ou cruzam com o interesse público que lhe cabe prosseguir, excluindo desvios de motivação derivados de simpatias ou antipatias apenas subjetivamente justificáveis (isto é, sem racionalidade ou objetividade de fundamentação), ante um postulado geral de isenção ou equidistância, gerador de confiança; 2 - A imparcialidade exige ainda tomar em consideração ponderativa e valorativa todos os interesses (públicos e privados) relevantes para produzir uma solução decisória equitativa que, procedendo a uma harmonização dos interesses pertinentes em presença, exclua de atendibilidade os interesses alheios (9)”.


O que significa, portanto, que o princípio da imparcialidade exige que as decisões administrativas sejam tomadas com total neutralidade, de modo a não deixar dúvidas aos interessados quanto à isenção do órgão interveniente.


Dir-se-á, portanto, que o aludido princípio, tem efetivamente, como desiderato primacial afastar a subjetividade da Administração, sendo que ao apartá-la contribui decisivamente para a efetivação dos demais princípios que regem a boa administração.


Ora, in casu, não se vislumbra, de todo, que a decisão adotada -no caso desnecessidade de audição de testemunhas arroladas em sede de audição- não tenha sido tomada tendo por base critérios objetivos, respeitando-se as devidas garantias de imparcialidade no âmbito da margem de livre apreciação do decisor.


Face ao já expendido anteriormente, no concreto particular da decisão que fundou a aludida desnecessidade de prova testemunhal, e devidamente espelhada no Relatório de Inspeção Tributária no item atinente ao efeito, conclui-se que a AT respeitou os pilares base desse princípio, mormente, neutralidade decisória, equidistância entre as partes, transparência, dentro da limitação e justificação da sua margem de apreciação no caso concreto à luz das circunstâncias particulares da questão em contenda.


Com efeito, visando o princípio da imparcialidade assegurar a objetividade, a isenção, a independência, a neutralidade e a transparência, e tendo presente a situação de facto em contenda, já devidamente retratada anteriormente e plasmada no probatório, conclui-se que não assiste razão ao Recorrente quando propugna pela sua violação.


E por assim ser, a decisão recorrida que assim o decidiu não merece qualquer censura.


Destarte, face a todo o expendido anteriormente, improcede in totum o presente recurso mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

***
IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e manter a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Registe. Notifique.

Lisboa, 30 de outubro de 2025
(Patrícia Manuel Pires)
(Vital Lopes)
(Maria da Luz Cardoso)
(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(2) Tributação Presuntiva do Rendimento, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indiretos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, 2010, pág. 273
(3) Cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.760 e seg. e 778 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg
(4) Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª edição, 2012, pág. 782-783
(5) Vide, neste sentido Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 817/17.7 BELRA datado de 13.07.2021.
(6) Cfr.Ac. STA, proferidos nos processos nº.21244; rec.684/03, datados de 25.1.00 e 2.7.03; Ac TCAS, processo nº 1510/06, de 17.09.2013 Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.
(7) cfr.artº.135, do CPA, então em vigor; Ac.TCAS processo nº 9810/16 e 5428/12, de 27.10.2016 e 9.03.2017.; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437.
(8) Neste sentido, vide J.Jj. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, de 3.ª edição, página 266.
(9) In Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I. 1º edição. Coimbra. editora Alme