Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 309/09.8BELRS |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 10/10/2024 |
![]() | ![]() |
Relator: | RUI A.S.FERREIRA |
![]() | ![]() |
Descritores: | IMT PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL VENDA DE BENS ALHEIOS |
![]() | ![]() |
Sumário: | I– Através do contrato de compra e venda o comprador adquire o direito real de propriedade, que é um direito real de gozo máximo e absoluto, que confere ao seu titular o poder direto, imediato e permanente de gozar, de modo pleno e exclusivo, os direitos de uso, fruição e disposição dos concretos bens de que é proprietário, nos limites e restrições impostas por lei (artigo 1.....5º do CC). II– O poder de disposição acima referido engloba o direito de transformar a coisa fisicamente, o direito de facultar a outros o uso, a fruição e a disposição da coisa, e o direito de alienar (p. ex., vender) ou onerar (p. ex., constituir uma hipoteca) o próprio direito de propriedade III- Tendo a proprietária de um imóvel nomeado um procurador, “a quem concede poderes para vender, permutar ou alienar por qualquer forma, preço, condições e a quem bem entender, o seguinte prédio de que é dona e legítima possuidora…”, ela continua a ser titular do poder direto, imediato e permanente de gozar, de modo pleno e exclusivo, os direitos de uso, fruição, embora ter partilhado com o procurador parte do direito de disposição, apenas na vertente do poder de alienar, nas condições que entender, o próprio direito de propriedade. IV– Se, usando a procuração irrevogável, o procurador obtiver o registo provisório por natureza da aquisição, antes da obtenção do título aquisitivo, mas a proprietária vender o mesmo imóvel a outro adquirente antes de o procurador celebrar o negócio consigo mesmo ou com terceiro, não podem as partes opor à Administração Tributária que este último negócio é nulo por venda de coisa alheia. V– Tendo esse negócio, celebrado pela legitima proprietária, produzido todos os seus efeitos jurídicos, económicos e fiscais a que tendia, em consequência do próprio contrato, verifica-se a existência do facto tributário previsto na norma de incidência do CIMT. VI- Os efeitos da ineficácia dos negócios jurídicos, nomeadamente os decorrentes da declaração de nulidade, não são os mesmos em direito civil e em direito tributário, existindo no direito tributário um regime próprio e específico a este respeito, consagrado no n.º 1 do artigo 38.º da LGT, que estabelece que «a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes». |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | UNANIMIDADE |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tibutária Comum |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul
* Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes«4. Conclusões 4.1. Visa o presente recurso reagir contra a Douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pelo ora recorrido contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ..........................., que teve por objecto a liquidação adicional de IMT n.º .................., de 03-12-2007, no montante de € 2.397,50. 4.2. Como fundamentos da impugnação invocou o impugnante a ilegalidade da liquidação em questão, alegando para tanto, e em suma: A venda do imóvel efectuada por MM.............. em 23.11.2004 é uma venda de bens alheios, dado que o proprietário e possuidor do imóvel, à data era D.............. (a quem foi conferida procuração irrevogável para venda do imóvel e que fez negócio consigo mesmo); O imóvel nunca lhe foi efectivamente transmitido; A venda de bens alheios é nula, nos termos do artigo 892º do Código Civil, cujos efeitos operam automaticamente, sem necessidade de declaração judicial. Conclui peticionando a procedência da impugnação, por provada, com a consequente anulação da liquidação em crise, bem como a devolução do montante entretanto pago. 4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, anulando a liquidação de IMT em questão, mais condenado a Administração Tributária na restituição ao impugnante do montante por este pago, bem como nas custas no pagamentos das custas do processo. 4.4. Para tanto, entendeu o Ilustre Tribunal recorrido, na fundamentação da de direito da decisão ora em crise, da concatenação da matéria factual tida por provada, constante da fundamentação de facto da sentença ora em crise, que “… a propriedade do imóvel não chegou a ser transferida para o Impugnante. Com efeito, se foi D................ a vender, em 2006, o imóvel, a uma entidade terceira, e se entre 2004 e 2006, não existiu qualquer negócio celebrado entre este e o Impugnante, conclui-se que a propriedade do imóvel se transmitiu de MM.............. para D................”, 4.5. mais considerando que “Ainda que não exista prova cabal da inexistência do facto tributário (o que se conseguiria através de sentença de declaração de nulidade do negócio, ou ainda acordo entre os contraentes onde reconhecessem a nulidade do negócio, acompanhado pela prova de restituição do preço, por exemplo), a verdade é que o conjunto de elementos elencados supra são relevantes e são de molde a, no mínimo, criar a dúvida fundada a que se refere o nº 1 do artigo 100º do CPPT, nos termo do qual: “1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”. Ora, 4.6. entende a Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que com as supra transcritas conclusões colhida pelo Ilustre Tribunal recorrido, incorreu este em erro, tanto no julgamento da matéria de facto como na aplicação do direito. Isto porque, 4.7. de acordo com os factos tidos por provados, em 23-11-2004 foi celebrado entre MM.............. e o impugnante contrato de compra e venda, por escritura pública, do imóvel identificado na alínea A) dos factos provados – Cfr. a alínea D) dos factos provados. 4.8. Ora, o principal efeito jurídico decorrente do contrato de compra e venda é, nos termos do disposto no artigo 874.º do Código Civil, a transmissão do direito de propriedade da coisa vendida, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 875.º do mesmo código, com a redacção à data vigente, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública – o que, no caso, se verificou. 4.9. Foi exactamente o que sucedeu in casu: por escritura pública celebrada entre MM.............. e o impugnante, e pela qual aquela declarou vender a este o imóvel em questão, mediante um preço, transmitindo-lhe, assim, a propriedade de tal imóvel, não se tendo conhecimento da existência de qualquer impugnação dessa mesma escritura. Por outro lado, 4.10. e no que à aquisição da propriedade do imóvel em questão por parte de D................ diz respeito, nenhum facto jurídico ou negócio jurídico translativo da propriedade de tal imóvel em favor deste resultou demonstrado. O que resulta provado, na alínea c) dos factos provados, é que “Através da Apresent. ..... de 27.10.2004, na Conservatória de Registo Predial, foi registado provisoriamente por natureza a aquisição do imóvel identificado em A) a favor de D................”. E, conforme é consabido, o registo predial não produz efeitos constitutivos de direitos. 4.11. Em todo o caso, recalque-se que não resultou provado nos autos que o D.............. tivesse algum título aquisitivo da propriedade do imóvel em questão, sendo certo que também ficou demonstrado nos autos que o impugnante, ora recorrido, gozava de tal título, conforme o constante na citada alínea D) dos factos tidos por provados na sentença ora em apreciação. 4.12. Assim, dúvidas não podem restar que se verificou o facto tributário gerador do IMT apesar de, na altura, isento quanto à obrigação de pagamento do mesmo, com a celebração de escritura de compra e venda do imóvel em questão entre a MMM............ e o impugnante, ora recorrido. 4.13. Ao assim não o entender, o Ilustre Tribunal recorrido, no modesto entendimento da Fazenda Pública e s.m.e., incorreu em erro de julgamento quanto à aplicação do direito aos factos provados. 4.14. Pelo que prejudicada fica a conclusão tecida pelo Ilustre Tribunal a quo quando considerou, no decisório ora em crise, que “…o conjunto de elementos elencados supra são relevantes e são de molde a, no mínimo, criar a dúvida fundada a que se refere o nº 1 do artigo 100º do CPPT,…”, e julgando a causa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, incorrendo, assim, também aqui, em erro de julgamento na aplicação do direito factos provados. Assim, 4.15. o Ilustre Tribunal recorrido, ao decidir-se pela anulação da liquidação impugnada, no modesto entendimento da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro de direito no julgamento da matéria de facto, no respeitante à apreciação e valoração da prova, violando, assim, o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, bem como incorreu em erro de julgamento considerar haver uma fundada dúvida acerca da existência do facto tributário em questão, e ao aplicar ao caso o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT. Razão pela qual, 4.16. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA! » * O Recorrido apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:«A. Em causa nos presentes autos está a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a impugnação judicial apresentada, condenando a AT no pedido de anulação da liquidação de IMT em causa nos referidos autos, bem como no direito a juros indemnizatórios. B. A AT interpôs recurso da douta sentença do Tribunal a quo, por entender que a mesma incorreu em erro de direito no julgamento da matéria de facto, no respeitante à apreciação e valoração da prova, violando, assim, o disposto no n.º 4 do artigo 607.° do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.° do CPPT, bem como incorreu em erro de julgamento ao considerar haver uma fundada dúvida acerca da existência do facto tributário em questão, e ao aplicar ao caso o n.º 1 do artigo 100.° do CPPT. C. Refere, ainda, a AT que "em todo o caso, recalque-se que não resultou provado nos autos que o D.............. tivesse algum título aquisitivo da propriedade do imóvel em questão, sendo certo que também ficou demonstrado nos autos que o impugnante, ora recorrido, gozava de tal título, conforme o constante na citada alínea D) dos factos tidos por provados na sentença ora em apreciação". D. Concluindo, assim que, "pelo exposto, dúvidas não podem restar que se verificou o facto tributário gerador do IMT apesar de, na altura, isento quanto à obrigação de pagamento do mesmo, com a celebração da escritura de compra e venda do imóvel em questão entre a MMM............ e o impugnante, ora recorrido". E. Contudo, e pelas razões acima melhor explicitadas, bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a impugnação judicial apresentada pelo ora Recorrido, não padecendo a sentença sub judice de qualquer vício, não assistindo razão à AT. F. No entanto, e em fase prévia à apreciação dos argumentos invocados pela AT, deve, desde logo o Recurso não ser apreciado pois o mesmo é intempestivo. Com efeito, a Sentença foi notificada a 17.02.2021, terminando assim o prazo de Recurso dia 19.03.2021, e com três dias de multa no dia 24.03.2021. G. Pelo que, a sua apresentação pela AT no dia 06.04.2021 é intempestiva. Com efeito, por via da Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foi estabelecido um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, o qual apenas terminou em 05.04.2021. H. Neste sentido, a maioria dos prazos processuais encontravam-se suspensos desde o dia 22 de janeiro de 2021 até 5 de abril de 2021. I. No entanto, no caso sub judice, o prazo de recurso não se encontrava suspenso, dado que o artigo 6.°-B/5, c) da referida Lei 4-B/2021 estabelece que os prazos de interposição de recurso não se suspendem sempre que exista proferimento de decisão final, o que sucedeu na situação em análise. Assim sendo, deve o Recurso interposto pela AT ser considerado intempestivo com base nos argumentos legais invocados, e nessa sequência não deverá ser analisado e a Sentença proferida deverá ser mantida. J. Caso o argumento da intempestividade não proceda, o que apenas por mera hipótese se admite, sempre se dirá que dos factos dados como provados, facilmente se percebe que o Tribunal a quo decidiu de forma correta e legal e que os argumentos da AT são destituídos de aderência à factualidade dada como provada. K. Com efeito, não existiu nenhuma aquisição a favor do Recorrido e como tal a liquidação de IMT objeto do presente processo é ilegal. L. A venda do imóvel efetuada por MM.............. em 23.11.2004 é uma venda de bens alheios, dado que o proprietário e possuidor do imóvel, à data era D.............. (a quem foi conferida procuração irrevogável para venda do imóvel e que fez negócio consigo mesmo), como resulta dos factos devidamente elencados e dados como provados. M. Pelo exposto, o Recorrido considera que o ato de liquidação de IMT deve ser anulado pois não se encontravam preenchidos os requisitos de incidência do referido imposto na operação em questão, N. motivo pelo qual a decisão ora recorrida deverá ser integralmente mantida, com todas as consequências legais.» * O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.* Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser conceder provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.* São as seguintes as questões a decidir: a. Verifica-se caducidade do direito de recorrer, por intempestividade do pedido? Subsidiariamente: b) Há erro de julgamento, por erro de direito no julgamento da matéria de facto, no respeitante à apreciação e valoração da prova, violando, assim, o disposto no n.º 4 do artigo 607.° do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.° do CPPT? c) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que a sentença recorrida considerou haver uma fundada dúvida acerca da existência do facto tributário em questão e ao aplicar ao caso o n.º 1 do artigo 100.° do CPPT? * 2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.A.- De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «A) Por escritura pública datada de 13.05.2003, MM.............. adquiriu o prédio urbano sito no Bairro da Encarnação, Rua.........., nº 13, freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº ......... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .............º (“Imóvel”) (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);
* 3. De DireitoA) – Da caducidade do direito de recorrer, por intempestividade do pedido Antes do mais, importa apreciar a questão relativa à intempestividade do recurso, suscitada pelo Recorrido, dado que a mesma é prejudicial relativamente ao conhecimento das demais. Para isso, realça-se que o prazo legalmente fixado para a apresentação do recurso jurisdicional visa "regular a distância entre os actos do processo" e configura-se como "o período de tempo fixado para se produzir determinado efeito processual" (trânsito em julgado da decisão judicial), o que é meramente processual e nada tem a ver com a determinação do período "dentro do qual se pode exercer o direito concreto de acção, o direito de acção no seu aspecto de direito material" (cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra, 1944, pág. 57). E logra impressivo apoio jurisprudencial (cfr., inter alia, o acórdão da Relação de Lisboa, de 3 de Junho de 1993, in Coletânea de Jurisprudência, ano XVIII, t. III, pág. 119, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro e de 13 de março de 1991, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nº s. 404, pág. 381 e segs., e 405, págs. 385 e segs., respetivamente). Sendo assim, o prazo de interposição de recurso em processos tributários não urgentes é de ..... dias a contar da notificação da decisão recorrida (artigo 282º, nº 1, do CPPT), tem natureza processual, é contínuo, contando-se nos termos consagrados no artigo 138º do CPC, e é perentório, implicando que o seu esgotamento determina a extinção do direito de praticar o ato, nos termos do estatuído nos nº 1 e 3 do artigo 139º do CPC. Ou seja; sendo ónus das partes praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório antes do termo do mesmo, a omissão do ato, sequer praticado nos três dias úteis subsequentes mediante pagamento da respetiva multa, nos termos consagrados nos nº 5 e seg. do art.º 139º, do CPC, determina a preclusão do direito de o praticar e os atos praticados para além desse prazo padecem de caducidade do inerente direito. A caducidade do direito de recorrer traduz-se, portanto, numa exceção perentória, extintiva do direito de recorrer da decisão e determina a absolvição total ou parcial do pedido (artigos 576º, nº 3, do CPC e 89º, nº 3, do CPTA). Essa exceção verifica-se quando o ato (interposição do recurso) não seja praticado no prazo legal, contado a partir da notificação (da sentença). No caso das notificações enviadas pela secretaria do tribunal para a parte que constituiu mandatário judicial, devem as mesmas ser sempre remetidas por via eletrónica (artigos 247º e 248º do CPC). Ora, as notificações remetidas por via eletrónica presumem-se validamente efetuadas no 3º dia posterior ao seu envio ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (artigo 248º, nº 1, do CPC). Assim, para estes efeitos é imprescindível julgar provada a seguinte matéria de facto: a. A notificação da sentença recorrida foi remetida eletronicamente em 17/2/2021 – pág. 114 e 115 do SITAF; b. O requerimento e alegações do recurso foram apresentados eletronicamente em 24/3/2021 – pág.126 do SITAF; Além disso, é um facto público e notório, não carecido de prova, que nessa altura se encontrava em curso uma epidemia do coronavírus Sars-Cov-2, responsável pela doença Covid19. No contexto da extensa legislação de exceção, destinada a regulamentar diversos aspetos da vida em situação de pandemia, foi publicada a Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, aditando os artigos 5º-A, 6º-B e 6º-C da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, nos quais , estabeleceram um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19 a partir de 22/1/21, inclusive. Posteriormente, a Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril, revogou os artigos 6º-B e 6º-C da Lei nº 1-A/2020 na sua redação atual determinou a cessão da suspensão dos prazos em causa, com efeitos a partir de 6/4/2021, inclusive. De acordo com o artigo 6º-B da referida Lei nº 4-B/2021: «Artigo 6.º-B 1 – São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais (…) que devam ser praticados no âmbito dos processos (…) que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.Prazos e diligências […] 5 – O disposto no n.º 1 não obsta: a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais; b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais; c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão. (…)» Daqui resulta, que no caso dos presentes autos, não houve suspensão do prazo de ..... dias para o recurso. Pelo que, tendo a sentença sido proferida em 15/9/2020, já na vigência da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, e notificada por transmissão eletrónica de 17/2/2021, já na vigência da redação dada pela Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, verifica-se que não ocorreu a suspensão do prazo de recurso, por força da exclusão prevista no artigo 6º-B, nº 5, al. d), da primeira lei acima referida na redação dada pela segunda lei, conforme transcrição que antecede. Portanto, tendo a notificação da sentença sido remetida em 17/2/2021 (quarta-feira), considera-se validamente efetuada no 3º dia seguinte ou no 1º dia útil seguinte a esse, se o não for, ou seja, em 22/2/2021 (segunda-feira). Pelo que o prazo de recurso terminou em 24/3/2021. Logo, tendo o presente recurso sido apresentado em 24/3/2021, tem de se concluir necessariamente que o mesmo foi tempestivamente apresentado, não se verificando a referida caducidade do direito de recorrer. * B) – Do erro de julgamento quanto à matéria de factoA Recorrente alega que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação e valoração da prova, violando, assim, o disposto no n.º 4 do artigo 607.° do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.° do CPPT, «isto porque, de acordo com os factos tidos por provados, em 23-11-2004 foi celebrado entre MM.............. e o impugnante contrato de compra e venda, por escritura pública, do imóvel identificado na alínea A) dos factos provados – Cfr. a alínea D) dos factos provados» Em defesa dessa tese, a Recorrente (FP) defende que o Recorrido celebrou contrato de compra e venda com MM.............., por escritura pública de 23/11/2004, relativo ao imóvel identificado na alínea A) dos factos provados, na qual esta declarou vender àquele o imóvel em questão e transmitir-lhe, assim, o respetivo direito de propriedade, nos termos dos artigos 874º e 875º do Código Civil, não se tendo conhecimento da existência de qualquer impugnação dessa mesma escritura. Pelo que a sentença que assim não entendeu deve ser revogada. O Recorrido defende a tese contrária, alegando que a venda do imóvel efetuada por MM.............. em 23/11/2004 é uma venda de bens alheios, dado que o proprietário e possuidor do imóvel, à data, era D.............., a quem anteriormente fora conferida procuração irrevogável para venda do imóvel e que já fizera o negócio consigo mesmo e registara a seu favor a compra do mesmo imóvel, como resulta dos factos devidamente elencados e dados como provados. Pelo que, por simples efeito da lei, o negócio em causa nos autos é nulo (artigo 892º do Código Civil) e o ato de liquidação de IMT que incidiu sobre essa operação carece de objeto por inexistência de facto tributário, devendo manter-se a sentença que assim entendeu. No seu parecer, o DM Ministério Público entendeu que, «na senda do que doutamente e á exaustão se encontra plasmado nas alegações da recorrente, a douta sentença em recurso ao julgar a impugnação judicial procedente, incorreu em erro de direito no julgamento da matéria de facto, no respeitante à apreciação e valoração da prova, violando, assim, o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, bem como incorreu em erro de julgamento considerar haver uma fundada dúvida acerca da existência do facto tributário em questão, e ao aplicar ao caso o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT», pelo que emitiu parecer no sentido de «que o recurso deve proceder, devendo a douta sentença sob recurso ser revogada, na senda do pretendido pela recorrente». Decidindo: O invocado artigo 607, nº 4, do CPC dispõe que: «4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.». Em face desta norma e do teor das alegações da Recorrente retira-se a conclusão de que a mesma não pretende impugnar a matéria de facto, tal como ela se encontra fixada e fundamentada no probatório, mas apenas as conclusões retiradas desses factos. Aliás, a Recorrente não identifica qualquer facto omitido ou incorretamente julgado provado. Ou seja, a Recorrente pretendeu imputar à sentença o vicio de simples erro de julgamento quanto às consequências jurídicas retiradas dos factos julgados provados. Assim, importa apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado que inexiste facto tributário subjacente à liquidação de IMT sob impugnação e, portanto, se a venda do imóvel a favor do agora Recorrido está sujeita a tributação por não existir a invocada nulidade negocial de “venda de bens alheios” ou por esse negócio estar sujeito a tributação apesar de tal nulidade. Vejamos: Não há qualquer litígio quanto aos factos subjacentes. Portanto, as partes concordam que: - o imóvel em causa nos autos pertencia a MM..............; - em 9/7/2003 esta concedeu uma procuração irrevogável a D.............., com poderes para negociar consigo mesmo ou com quem ele quisesse; - em 17/3/2004 o procurador pagou o IMT devido pela aquisição do referido imóvel e em 27/10/2004 efetuou o registo provisório, por natureza, a seu favor; - em 23/11/2004 o agora Recorrido celebrou negócio de compra/venda com a referida MM.............. e em 24/11/2004 efetuou o registo provisório por dúvidas, a seu favor; - em 6/1/2005 o procurador celebrou escritura de compra e venda consigo mesmo e - em 19/1/2005 foi convertido em definitivo o registo efetuado em 27/10/2004 a favor do procurador; - em 24/8/2005 foi registada a caducidade do registo provisório do impugnante. A Recorrente (FP) alega que o negócio com o impugnante é válido para efeitos tributários porque a validade da escritura não foi impugnada. O Recorrido contrapõe que o negócio é nulo por força da lei, não precisando de impugnar formalmente o negócio para este se tornar inválido. O DM Ministério Público apoia a Recorrente, isto é, também considera que o negócio entre a antiga proprietária e o Recorrido está sujeito a tributação em IMT, cuja liquidação não deve ser anulada. No caso concreto, está em causa um negócio de compra e venda de um prédio celebrado no ano 2004. Como se sabe, o Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) entrou em vigor em 1/1/2004 (artigo 32º, nº 3, do decreto-lei nº 287/2003, de 12 de novembro), e incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional (artigos 1º e 2º do CIMT) e é devido para quem se transmite o direito sobre o bem imóvel (artigo 4º do CIMT). A compra/venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artigo 874º do Código Civil) e a transferência desse direito real sobre a coisa transmitida dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei (artigo 408º e 879º do CC). Portanto, através do contrato de compra e venda o comprador adquire o direito real de propriedade, que é um direito real de gozo máximo e absoluto, que confere ao seu titular o poder direto, imediato e permanente de gozar, de modo pleno e exclusivo, os direitos de uso, fruição e disposição dos concretos bens de que é proprietário, nos limites e restrições impostas por lei (artigo 1.....5º do CC). O direito de usar corresponde ao aproveitamento direto da coisa, na sua configuração mais simples. O direito de fruir é o direito de aproveitar e de se apropriar dos frutos da coisa, sejam os seus frutos naturais (p. ex., os frutos de uma árvore ou os ovos de uma galinha), sejam os frutos civis (p. ex., a rendas de um prédio). O direito de dispor inclui o direito de transformar a coisa fisicamente, o direito de facultar a outros o uso, a fruição e a disposição da coisa, e o direito de alienar (p. ex., vender) ou onerar (p. ex., constituir uma hipoteca) o próprio direito de propriedade. É inegável que o direito de alienar o próprio direito de propriedade pertence exclusivamente ao verdadeiro titular desse direito de propriedade. Ou seja: ninguém tem legitimidade para alienar uma coisa alheia, isto é, cujo direito de propriedade não é seu. Por isso, o artigo 892º do CC dispõe que “é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar”. Sendo nula a venda de bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa- fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço e uma indemnização pelos danos (artigos 894º, nº 1, 899º e 900º do CC), podendo haver convalidação do contrato se o vendedor vier a adquirir a propriedade da mesma coisa (artigos 895º a 897º do CC). É considerado de boa-fé o adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vicio do negócio nulo ou anulável (artigo 291º, nº 3, do CC). A nulidade do negócio é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigo 286º do CC). A declaração de nulidade tem efeito retroativo (artigo 289º do CC). Daqui resulta, sem margem para dúvida, que a venda de bens alheios é nula e sem qualquer efeito sobre o direito de propriedade do terceiro de boa-fé que seja o legitimo dono da coisa objeto da venda nula. Isso significa que a venda nula de bens alheios não corresponde a qualquer transmissão do direito de propriedade ou algum direito parcelar dele sobre o bem alheio. O conceito de transmissão de bens para efeitos fiscais, quando exista contrato de compra e venda, coincide exatamente com o conceito de transmissão para efeitos civis, não havendo lugar a qualquer ficção. Designadamente, não pode defender-se que a venda de coisa alheia, que não constitui verdadeira transmissão civil por ser uma venda nula, pode ser ficcionada como uma transmissão fiscal válida. No caso concreto, verifica-se que a concessão da procuração irrevogável ocorreu (em 9/7/2003) antes da entrada em vigor do Código do IMT (em 1/1/2004), pelo que essa procuração não constituiu um facto tributável deste imposto, não equivaleu a uma transmissão ficcionada para efeitos fiscais. Através desse instrumento, a proprietária concedeu ao procurador os poderes de “vender, permutar ou alienar por qualquer forma, preço, condições e a quem bem entender”. Embora a procuração irrevogável continuasse válida, ainda não tinha sido usada e, portanto, ainda não produzira qualquer efeito. Assim, no momento da entrada em vigor do IMI, 1/1/2004, o direito de propriedade sobre o imóvel pertencia, exclusivamente e para todos os efeitos, a MM............... Em 17/3/2004 o procurador pagou o IMT devido pela aquisição, que iria fazer, do referido imóvel. O pagamento do IMT, que deve ser efetuado previamente à transmissão sujeita a esse imposto, não constitui título de transmissão do direito de propriedade. De facto, o artigo 875º do CCC dispõe que “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado”. A lei pressupõe que o contrato de compra e venda há de afirmar necessariamente que o vendedor transmite o seu direito (de propriedade ou outro) sobre o imóvel ao comprador, que este aceita a transmissão, e ambos indicam o preço acordado. Elementos que não constam na declaração modelo 1 do CIMI nem na guia de pagamento desse tributo. Seguidamente, em 27/10/2004, o referido procurador efetuou o registo provisório, por natureza, a seu favor. A causa dessa provisoriedade era a prevista no artigo 92º, nº 1, al. g) do C.Reg.Predial, relativa a “aquisição, antes de titulado o contrato”. O nº 4 do mesmo preceito acrescenta que “4 - A inscrição referida na alínea g) do n.º 1, quando baseada em contrato-promessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes.”. Portanto, o promitente comprador pode registar a aquisição a seu favor, antes do contrato prometido, ficando esse registo provisório por natureza. Isso explica-se porque existe uma elevada expetativa de a transmissão para o promitente-comprador se vir a efetivar a curto prazo, nas condições prometidas. No caso concreto, tendo sido exibida a procuração irrevogável e com os poderes necessários para o procurador negociar consigo mesmo, este obteve o registo provisório da aquisição definitiva que iria fazer, até porque nessa altura já tinha pagado o imposto devido por esse facto tributário. Isso também se explica pelo facto de o procurado ter poderes para negociar com quem quiser, incluindo consigo próprio, nas condições que entender, sem que tal poder possa ser-lhe retirado. Na prática, tal procuração irrevogável era frequentemente utilizada como se de um título de transmissão se tratasse e que não era sujeito a tributação até à entrada em vigor do CIMT, que passou a ficcioná-la como se fosse uma transmissão, apenas para efeitos fiscais [artigos 2º, nº 3, al. c), e 4º, al. f), do CIMT]. Como reconhece o quarto parágrafo do preâmbulo do CIMT que “outra forma frequente de contornar a tributação é a utilização de procurações, vulgarmente designadas por procurações irrevogáveis, conferindo ao representante um resultado económico equivalente ao do exercício do direito de propriedade”. De qualquer maneira, toda a materialidade exposta apenas demonstra que no caso concreto ainda não havia transmissão civil nem ficcionada para efeitos fiscais, pois como acima se disse, a outorga da procuração irrevogável ocorreu antes da entrada em vigor do CIMT, não era sujeita a tributação na legislação anterior e não pode ser retroativamente tributada. Nessas circunstâncias, em 23/11/2004 o agora Recorrido celebrou negócio de compra/venda com a referida MM............... A questão que aqui se coloca é a de saber se a outorgante vendedora ainda tinha legitimidade para vender o imóvel. Como acima se viu, o direito de propriedade engloba vários poderes de gozo, pleno e exclusivo: de uso, fruição e disposição e que este último engloba o direito de transformar a coisa fisicamente, o direito de facultar a outros o uso, a fruição e a disposição da coisa, e o direito de alienar (p. ex., vender) ou onerar (p. ex., constituir uma hipoteca) o próprio direito de propriedade. Na verdade, para efeitos práticos, a titular do direito de propriedade, MM.............., continuava a deter todos esses direitos. A procuração não refere nem permite concluir que por, esse ato, ocorreu qualquer transmissão do direito de propriedade. Embora tivesse outorgado uma procuração, na qual nomeou o referido procurador, D................, como seu representante e lhe concedeu o poder de alienar o direito de propriedade sobre o imóvel, não consta em lado algum que ela própria prescindiu do mesmo poder. Ou seja: ao outorgar a procuração irrevogável, a proprietária nomeou o procurador para ele exercer as funções de seu representante na venda do direito de propriedade e prescindiu do direito de revogar essa representação. Assim, enquanto o procurador não outorgar o negócio consigo mesmo ou com terceiro, nada impede a proprietária de negociar com quem quiser e nas condições que entender e de outorgar o respetivo contrato de compra e venda, sem que isso viole a procuração irrevogável, que é apenas um instrumento atributivo de poderes de representação para negociar e formalizar o negócio em nome da representada. Ora, apesar de o procurador já ter obtido registo da aquisição a seu favor, ela era provisória por natureza. Esse registo gerava a presunção (iuris tantum) da existência do direito registado, pelo que se tornaria definitivo se o título de aquisição subjacente fosse obtido e exibido antes da caducidade do registo provisório e antes do registo definitivo de outro adquirente titulado. Nesse contexto, em 6/1/2005 o procurador celebrou escritura de compra e venda consigo mesmo e em 19/1/2005 obteve a conversão em definitivo do registo. Em face do exposto, é fácil verificar que o negócio de 23/11/2004, entre a impugnante e a anterior proprietária, não é uma compra/venda de coisa alheia, pelo que não padece da nulidade que lhe vem imputada. Na verdade, o negócio em causa produziu todos os efeitos económicos a que tendia, sem prejuízo da eventual dificuldade causada pelo registo provisório por natureza obtido pelo procurador, na qualidade de “adquirente não titulado”, ou seja, antes de ser proprietário. O facto de o impugnante ter requerido o registo da sua aquisição e este ter sido efetuado “provisório por dúvidas”, tendo caducado por força do registo definitivo a favor do procurador, não releva para a presente questão. De facto, como lapidarmente refere o acórdão do STA de 27/10/2021, proferido no processo nº 0640/13.8BEBRG, disponível em http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea 931/ea3f2a7e6573bc4d8025877c005ec09e?OpenDocument&ExpandSection=1, « cumpre ter presente que não se confundem a relação jurídico-privada que se estabelece entre os contratantes no âmbito de um contrato de direito privado (no caso, entre o comprador e o vendedor na compra e venda cuja nulidade veio a ser judicialmente declarada) e a relação jurídico-pública que se estabelece entre um deles e o Estado, na sua vertente de Administração tributária, ainda que com referência a esse contrato (no caso, entre a AT e o comprador, em sede de sisa – imposto que visava a tributação da riqueza revelada no momento da aquisição a título oneroso de imóveis –, e constituindo o facto tributário a transmissão onerosa do imóvel). Permitimo-nos relembrar aqui a autonomia de natureza e de estrutura do direito fiscal relativamente ao direito privado, característica que, como alertava V.............., «logo nos previne, por um modo decisivo, contra a eventual tendência para aplicarmos ao direito fiscal as estruturas jurídicas a que estamos habituados na contemplação do direito privado» (A FORMA JURÍDICA DOS FACTOS TRIBUTÁRIOS, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, pág. ......). Assim, a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de um bem imóvel em causa nos autos – que tem efeito retroactivo (ex tunc) e impõe às partes a obrigação recíproca de restituição do que tiver sido prestado, como resulta do disposto nos arts. 289.º, n.º 1, e 290.º, do CC (Ou seja, declarada a nulidade de um contrato de compra e venda de imóvel, deve, em simultâneo, o comprador restituí-lo ao vendedor e este entregar àquele o respectivo preço (arts. 290.º, 874.º e 879.º do CC).) – não significa, necessariamente, que não haja lugar à tributação dos efeitos económicos desse negócio jurídico, designadamente, à liquidação da sisa e, muito menos, acarreta, como consequência, a nulidade desse acto de liquidação. Vejamos: Com a celebração do contrato de compra e venda – que tem como efeito a transmissão da propriedade da coisa, nos termos da alínea a) do art. 879.º do CC – verificou-se o facto tributário previsto, à data, no art. 2.º do CIMSISD: a transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade sobre um imóvel. Ora, verificado o facto tributário, preenchida a hipótese legal da norma de incidência objectiva, há lugar à tributação. A declaração de nulidade do negócio jurídico – o contrato de compra e venda – apenas produz efeitos entre as partes e, dentro de determinado condicionalismo, relativamente a terceiros. Recorde-se, por um lado, que a declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa-fé – desconhecedor do vício sem culpa no momento da aquisição – no caso de o registo da aquisição ser anterior ao registo da acção (art. 291.º, n.ºs 1 e 3, do CC); e, por outro, em quadro de limitação daquela excepção, os direitos de terceiro não são reconhecidos se a acção for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2, do CC). Ou seja, mesmo relativamente a terceiros, particulares, a declaração de nulidade do negócio jurídico, em dadas circunstâncias, tem os seus efeitos restringidos, para assegurar quer a confiança dos adquirentes nos dados constantes do registo quer a estabilidade dos negócios jurídicos. Ora, no que respeita aos actos de direito privado, o Estado é, em regra, um terceiro, embora interessado na produção de certos efeitos, quando a incidência dos impostos (ou até a sua garantia) tenha esses efeitos como base ou como objecto. Assim, relativamente à AT, a declaração de nulidade do negócio jurídico não tem – nem se justificaria que tivesse, por óbvias razões de segurança (Não podemos perder de vista que os impostos visam a obtenção de receitas para financiamento do Estado e, em tese, a angariação de meios financeiros destinados a satisfazer necessidades públicas. Assim, dificilmente se conceberia a possibilidade de, a todo o tempo, a AT poder ser obrigada a restituir o que houvesse legalmente recebido a título de imposto quando o negócio jurídico que esteve na origem da liquidação se revelasse nulo.) – a virtualidade de impor à AT a devolução do montante de imposto que foi regularmente liquidado e cobrado. É o que resulta do art. 38.º, n.º 1, da LGT, que, consagrando um regime especial e diverso do regime do direito civil, afirma, textualmente, que «[a] ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes». Na interpretação do que seja a ineficácia dos negócios jurídicos, temos de nos socorrer dos conceitos do Direito civil, atento o disposto no n.º 2 do art. 11.º da LGT («Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».) e porque a lei tributária não define directamente o conceito (Note-se que, apesar de a Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que autorizou o Governo a publicar uma lei geral tributária, no seu art. 2.º, 9), lhe ter concedido expressamente a autorização para «Definir a ineficácia em matéria tributária dos actos ou negócios que pretendam alterar os elementos constitutivos da obrigação tributária», no âmbito dessa autorização o Governo não entendeu definir a ineficácia em termos diversos daqueles em que a doutrina civil define a ineficácia, designadamente restringindo-os à denominada ineficácia em sentido estrito.). Assim, de acordo com a doutrina civilística, temos que a nulidade do negócio jurídico é uma invalidade que constitui uma modalidade da ineficácia, em sentido lato, dos negócios jurídicos (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição actualizada, pág. 591, que afirma que «[a] ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que negócio não produz, por impedimento, decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações respectivas» e que «[a] invalidade é uma espécie do género ineficácia». No mesmo sentido, MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral Da Relação Jurídica, Livraria Almedina, volume II, 1974, pág. 411, e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Livraria Almedina, 2.ª edição, tomo I, pág. 639 e ss.). Ou seja, o que o n.º 1 do art. 38.º dispõe é que, ainda que o negócio jurídico que deu origem à tributação seja declarado nulo (como, no caso, o foi o contrato de compra e venda que esteve na origem da liquidação de sisa ora impugnada), essa nulidade – invalidade que constitui uma modalidade da ineficácia, em sentido lato, dos negócios jurídicos e, como deixámos já dito, tem efeitos ex tunc à luz da lei civil – não obsta, necessariamente, à tributação; ponto é que «se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes» e estes sejam subsumíveis à previsão de uma norma de incidência tributária. Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, no n.º 1 do art. 38.º da LGT «dispõe-se sobre a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar da ineficácia do negócio. // Tal tributação só ocorrerá se, e na medida em que, tais efeitos existam e recaiam na previsão de um tipo legal de imposto» e, após salientarem que o preceito se insere «numa certa vertente do chamado “realismo” do Direito fiscal. Determina-se a tributação dos efeitos económicos dos actos e negócios jurídicos, independentemente da eficácia ou validade dos negócios jurídicos que os visarem», insistem que «[t]êm os efeitos económicos que se tenham produzido e subsistirem, para ser tributados, de caber na previsão de uma norma tributária. Há que ter em atenção, nomeadamente, se essa norma tributa a realidade económica, ou a realidade jurídica» (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 1 ao art. 38.º, págs. .....0/.....1.). Por seu turno, LIMA GUERREIRO refere que o art. 38.º da LGT «consagra, no seu número 1, a eficácia perante a Administração Tributária dos negócios jurídicos ineficazes no âmbito do direito comum, nos casos em que já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, de que resulta o direito, em tais circunstâncias, à tributação do negócio jurídico ineficaz» (Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 183.). Em resumo, tal como a doutrina tem salientado, devem ser tributados os efeitos económicos de um negócio jurídico que se tenham efectivamente produzido, ainda que aquele venha a ser considerado nulo, conquanto essa tributação exija que esses efeitos sejam subsumíveis à previsão de uma norma de incidência. (…) É certo que, por força do efeito retroactivo que a lei confere à nulidade do contrato, há lugar à devolução do prédio e do preço (cf. art. 289.º, n.º 1, do CC), ou seja, visa-se o retorno das partes ao status quo ante, como se não tivesse havido contrato. Mas esse efeito retroactivo da nulidade do negócio, que se impõe entre as partes, no caso entre os contratantes, entre o comprador e o vendedor, já não é oponível à AT quando se tenham já produzido os efeitos económicos pretendidos e estes sejam subsumíveis à previsão de uma norma de incidência tributária, como resulta do n.º 1 do art. 38.º da LGT. Isto é, o efeito retroactivo da nulidade, de que resulta que os efeitos do negócio jurídico são desconsiderados no âmbito da relação jurídico-privada estabelecida entre os contratantes, não significa que, à luz das normas tributárias, se possam, automaticamente, desconsiderar os efeitos económicos que realmente se produziram com o negócio jurídico e que cumpram a condição de «caber na previsão de uma norma tributária» (Ver nota 6 supra.). Simpliciter, a nulidade do contrato, significando em termos de direito civil que tudo se passa como se o negócio não tivesse sido realizado, não significa, para efeitos do direito tributário, que a situação material, os efeitos económicos que se produziram com a transmissão (a disponibilidade do preço, para o vendedor, e a disponibilidade sobre o prédio, para o comprador), não hajam de ser considerados, desde que haja norma que os preveja como facto tributário. É a expressão do denominado realismo do direito tributário, ao qual «não é indiferente a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que na realidade se tenham produzido». (…) Como dizem F. PINTO FERNANDES e J. CARDOSO DOS SANTOS, «Conforme referimos no artigo 1.º, o conceito de transmissão, para efeitos de sisa é mais amplo que o que resulta da lei civil. // Em tese geral, e em face da inexistência de um conceito de transmissão entre as normas respeitantes à sisa, ao contrário do que acontece quanto ao imposto sobre as sucessões e doações no § 1.º do art. 3.º, teremos de caracterizá-la de harmonia com os princípios que afloram dos artigos 1.º, 2.º, 8.º e 152.º, em face dos quais a transmissão compreende não só a transmissão civil como também a transmissão económica, ou de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou ferida de nulidades ou anulabilidades não reconhecidas judicialmente, salientando-se a situação material resultante da simples mudança dos possuidores dos bens» (Idem, pág. 40.). Assim, pode existir liquidação do imposto mesmo antes da transmissão civil (como sucede relativamente às promessas de aquisição e de alienação, logo que verificada a tradição para o promitente adquirente, ou quando este esteja usufruindo os bens, excepto se se tratar de aquisição de habitação para residência própria e permanente do adquirente) ou mesmo que não haja lugar a esta, pois o que releva para a tributação em sisa é o efeito económico e não a celebração do contrato. Dito de outro modo, se é certo que sempre que se verifica transmissão civil, esta terá relevância fiscal, o inverso não é verdade: a lei considera em diversas circunstâncias que há transmissão fiscal sem que se tenha verificado a transferência do direito real de propriedade. Isto, porque atende muito mais aos efeitos económicos e à sua substância que à sua forma. O que releva é a colocação do bem à disposição do adquirente e essa, no caso sub judice, não há dúvida alguma, não só ocorreu como se manteve ao longo de oito anos. Ou seja, no caso, o facto tributário existe.» Este Tribunal considera que, apesar das diferenças notórias nos casos analisados (quanto aos sujeitos, ao período e ao tributo), o essencial da jurisprudência citada é perfeitamente transponível para os presentes autos. O Acórdão refere-se a um litígio no âmbito do imposto de sisa, já revogado e substituído pelo IMT, em causa nos autos, cujas regras e princípios são muito similares. Naquele caso, o prédio adquirido e sujeito a Sisa terá sido colocado à disposição do adquirente durante oito anos e no caso dos presentes autos não ocorreu a disponibilização da coisa transmitida durante tanto tempo. De qualquer maneira, este Tribunal considera que tal diferença não é relevante. De facto, deve atender-se à especificidade do direito tributário em relação ao direito civil que determina que existe facto tributário se tiver ocorrido um contrato de compra e venda que titula a transmissão do direito de propriedade, do anterior proprietário para o atual proprietário. No caso concreto, para além de não se verificar a invocada nulidade do negócio, como acima se viu, não havendo notícia da sua declaração judicial, dá-se como assente que a proprietária colocou o prédio vendido à disposição do comprador, agora impugnante, e que este pagou o respetivo preço. Por efeito desse contrato ocorreu a transmissão jurídica, civil e fiscal, do prédio. Pelo que se conclui que o adquirente só não terá exercido – se é que não exerceu, dado que nada foi provado quanto a isso - os correspondentes poderes porque nada fez para afastar as dúvidas quanto ao direito que pretendeu registar a seu favor e que esse facto não é oponível à Administração Tributária. Nesse sentido, tem de se concluir que se verifica o erro de julgamento que vem imputado à decisão recorrida na parte em que julgou ilegal a liquidação impugnada e determinou a respetiva anulação, julgando a impugnação completamente procedente. Assim, revertendo a decisão recorrida, cumpre conceder provimento ao recurso, revogando a sentença que não entendeu conforme acima exposto, julgando a impugnação improcedente e mantendo o ato tributário impugnado, conforme abaixo se decidirá. * C) – Do erro de julgamento A Recorrente alega, ainda, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na parte em que considerou verificada a existência de fundada dúvida acerca da existência do facto tributário em questão e procedeu à consequente aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 100.° do CPPT. Ora, o conhecimento desta questão fica prejudicada pela solução dada à questão precedente. * 4 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, com as demais consequências legais.. Custas pelo Recorrido. Registe e Notifique. Lisboa, em 10 de outubro de 2024 – Rui. A. S. Ferreira (Relator), Isabel Silva e Vital Lopes (Adjuntos) |