Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04204/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/06/2010
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PRESCRIÇÃO
ISENÇÕES
Sumário:1. Perante a alternativa de proceder à contagem do pertinente prazo de prescrição a partir do final do ano em que se verificou o facto tributário ou do momento da declaração de revogação de uma eventual isenção de imposto, o incontornável respeito pela legalidade estrita obriga-nos, sem hesitações, a seguir o primeiro critério em alternância.
2. Deste modo, tem de rechaçar-se a proposta da recorrente, no sentido de que a contagem do prazo de prescrição, em causa nestes autos (contribuição autárquica de 2000), se deveria iniciar no dia 19.9.2008, por corresponder à data em foram revogados benefícios (fiscais) concedidos à recorrida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., L.DA, contribuinte n.º ...e com os demais sinais dos autos, apresentou, nos termos do art. 276.º CPPT, reclamação de decisão do órgão da execução fiscal.
No Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida sentença, julgando a reclamação procedente e condenando “a Fazenda Pública no pedido de reconhecimento de prescrição da dívida exequenda”.
Não convencida, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação sintetiza nas seguintes conclusões: «
I. O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, que julgou procedente a reclamação interposta por ‘A..., Lda’, e condenou a Fazenda Pública no pedido de reconhecimento de prescrição da dívida exequenda.
II. A questão controvertida nos autos consiste em saber o que deve ser considerado como relevante para o início da contagem do prazo de prescrição: o termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos termos previstos n°. l do art. 48° da LGT, ou a data em foram revogados os benefícios concedidos à reclamante, no âmbito da citada Resolução do Conselho de Ministros (n°. 36/2000);
III. Do art. 49° da LGT - norma que prevê causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição - não consta qualquer alusão às situações de revogação de benefícios;
IV. Será que, pelo facto de o legislador não ter previsto tal situação, a mesma deverá ter um tratamento idêntico às restantes situações de prescrição, todavia substancialmente diferentes? A resposta não pode deixar de ser negativa;
V. De acordo com o o n°. l do art. 11° da LGT, na “determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, presumindo o intérprete, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9, n°. 3 do CC);
VI. Por sua vez, resulta do disposto no n°. 2 daquela norma legal, que sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, “devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”
VII. O elemento essencial do instituto da prescrição é, nos termos do disposto no art. 306° do CC, a possibilidade legal da exigência da prestação em dívida pelo credor;
VIII. Na verdade, o fundamento da existência de prazos de prescrição, que consiste no desinteresse do credor na cobrança da dívida, impõe que os mesmos não corram nos casos legais em que a dívida seja legalmente inexigível e em que, obviamente, aquele desinteresse se não pode manifestar;
IX. A orientação, de acordo com a qual o prazo de prescrição não corre quando o direito à cobrança da dívida não puder ser exercido, tratando-se de benefícios fiscais de natureza contratual ou condicionada e ainda não tenha terminado o prazo de ocorrência da condição resolutiva ou do cumprimento da condição, foi adoptada pelo ofício-circulado n°. 20.023, de 2000/05/23, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais;
X. Tendo sido confirmada pelos doutos Acórdãos proferidos pelo STA, em 2001/11/21, no proc. n°. 026389 e pelo TCAN, em 2009/05/21, no âmbito do proc. n°. 1596/08.4PRT (disponíveis em www.dgsi.pt);
XI. Também os doutos Acórdãos do STA, de 2010/05/26 e de 2009/03/25, proferidos nos proc. n°s. 0211/10 e 0918/08, respectivamente, pronunciam-se acerca da prescrição, quando estão em causa incentivos fiscais:
Com a devida vénia, passamos a transcrever o sumário (Acórdão do STA, de 2010/05/26):
I - A concessão de incentivos fiscais (ao abrigo do Decreto-Lei n. ° 194/80 de 19/6) tem como contrapartida, caso se constate o não cumprimento dos objectivos ou condições a que está subordinada a concessão, a obrigação de pagamento das importâncias fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano, obrigação esta que não se confunde nem coincide com as obrigações tributárias que lhe estão subjacentes.
II - Assim, o prazo de prescrição da dívida em causa conta-se, nos termos do n.°3 do artigo 43. ° do Decreto-Lei n. ° 194/80, de 19 de Junho, do prazo de 30 dias após a notificação do despacho que determinou a caducidade dos incentivos, pois que o facto gerador do dever de os restituir é a constatação do não cumprimento das condições que motivaram a sua concessão e, os termos do n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.” (negrito nosso)
XII. As normas de isenção configuram excepções aos efeitos normais decorrentes da realização do facto tributário;
XIII. Como ensina o Prof. Saldanha Sanches, in ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 419, as isenções têm a natureza de uma excepção a uma determinada regra previamente formulada através de expressa previsão legal, pelo que, “a isenção cria um espaço ou subconjunto que é excluído da tributação através de uma expressa constituição tipológica e funciona como uma norma de direito contrário, uma contra-norma”.
XIV. Ou seja, pese embora a verificação da ocorrência do facto tributário, a norma de isenção evita que nasça a obrigação tributária relativamente aos sujeitos e nos casos que a norma define;
XV. A corroborar este entendimento, atente-se ao disposto nos n°s. l e 2 do art. 14° do EBF (na redacção decorrente da republicação efectuada pelo Decreto-Lei n.° 108/2008, de 26/06):
“Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário” (n°. 2, da citada norma);
Determinando o n°. l da referida disposição legal, que a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra;
XVI. A contrario, dir-se-á que no período em que vigorarem os benefícios fiscais, não existe tributação, não podendo, consequentemente, correr o respectivo prazo de prescrição;
XVII. É manifesto que a obrigação tributária do pagamento da contribuição autárquica relativa ao ano de 2000 nasceu somente com o acto de revogação do benefício, pois só nesse momento é que o facto tributário originou o nascimento da obrigação;
XVIII. Pelo que, a dívida exequenda não se encontra prescrita, tendo aquele prazo sido interrompido com a citação da reclamante, em 2009/11/12, nos termos do disposto no n°. 1 do art. 49° da LGT.
XIX. Ao decidir como fez, a douta sentença proferida pela Mma. Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação dos arts. 48°, 49°, 11°, n°s. 1 e 2, todos da LGT, 9° e 306°, n°s. 1 e 2, ambos do CC e 14°, n°s. 1 e 2 do EBF (na redacção decorrente da republicação efectuada pelo Decreto-Lei n.° 108/2008, de 26/06), que assim foram violados.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! ».
*
Pela Recorrida/Rda, foram ajuizadas contra-alegações, onde conclui: «
A. O Recurso interposto pela Fazenda Pública tem como objecto a douta Sentença a quo que reconheceu a prescrição de CA de 2000 exigida no processo de execução fiscal nº 1481200901023136, como sufragado pela ora Recorrida, acompanhada por Parecer favorável do Ministério Público.
B. Concluiu a Sentença que “o prazo de prescrição começa a contar a partir de 01/01/2001, e não se verificando qualquer das causas de interrupção ou suspensão da prescrição previstas no art.º 49.º da LGT, o prazo de prescrição completou-se em 01/01/2009” (cf. último parágrafo da pág. 3 da Sentença, realce nosso), porquanto “[...] nos termos do disposto no art.e48.eda LGT o prazo de prescrição conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e nessa medida esta é a regra a ter em conta para a contagem do início do prazo de prescrição (cf. 2º parágrafo da pág. 4 da Sentença, realce nosso).
C. A Sentença a quo rejeitou assim (apoiada pelo Acórdão do STA de 24.02.2010, processo nº 0873/09) o entendimento da Fazenda Pública de que o prazo prescricional apenas se começaria a contar com o despacho de revogação de benefícios contratuais (despacho do SEAF nº 1025/2008, datado de 19.09.2008 - cf. artigo 29º das Alegações)
D. A questão fulcral consiste portanto “em saber o que deve ser considerado como relevante para o início da contagem do prazo de prescrição: o termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos termos previstos no nº. 1 do art. 48º da LGT, ou a data em que foram revogados os benefícios concedidos à reclamante, no âmbito da citada Resolução do Conselho de Ministros (nº 36/200)” (artigo 5º das Alegações, realce nosso).
E. A segunda questão (cuja apreciação dependerá da resposta dada à anterior, nos termos do artigo 660º, nº 2 do CPC) prende-se com a não concessão de isenção de CA ao abrigo do Contrato de Investimento.
F. Quanto à matéria da prescrição da dívida de CA do ano de 2000, cumpre referir que o dies a quo do prazo de prescrição coincide com o termo do ano em que se verificou o facto tributário, pois nos termos artigo 48º, nº 1 da LGT “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário [...]”
G. Sendo certo que a (i) CA é um imposto periódico, (ii) o facto tributário é a propriedade do imóvel aferida em 31.12.2000 (artigos 1º e 8º, nº 1 do Código da CA), (iii) o termo do ano em que se verificou o facto tributário é 31.12.2000 e (iv) 8 anos contados a partir de 01.01.2001 terminam em 01.01.2009, então terá de concluir-se que (v) a prescrição da dívida ocorreu em 01.01.2009.
H. Todavia, depois de admitir no artigo 10º que o prazo de prescrição das obrigações tributárias está sujeito ao princípio da legalidade nos termos do artigo 8º, nº 2, alínea a) da LGT e que todos os pressupostos da prescrição, incluindo os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária (cf. parte final do artigo 10º das Alegações), conclui a Fazenda Pública que “repugna ao intérprete tratar de forma igual situações desiguais”.
I. Ora, tal argumentação é desprovida de sentido, pois é a própria Fazenda Pública que pretende tratar de forma igual figuras totalmente distintas, i.e., caducidade e prescrição, ao aplicar ao segundo instituto os efeitos do regime legal pensado apenas para o primeiro, constante do artigo 46º, nº 2, alíneas b) e c) da LGT (restrito aos casos de caducidade) - cf. Acórdão do STA de 26.11.2003, processo nº 1113/03, na senda do sufragado pelos Acórdãos do mesmo Tribunal datados de 28.5.2003, processos nº 424/03, nº 425/03 e nº 426/03: “[...] ao contrário do que acontece no que concerne ao prazo de caducidade do direito à liquidação, que se suspende por forca da concessão de benefícios fiscais susceptíveis de caducar, ao mesmo facto não confere a lei relevância quanto ao decurso do prazo de prescrição - vd. os artigos 46º nº 2 alíneas b) e c) e 49º nºs 1 e 3 da LGT
J. Haverá pois que atentar, para efeitos de prescrição, a todo o tempo decorrido desde o termo do ano em que o facto tributário ocorreu, não se verificando qualquer suspensão do prazo prescricional em razão da concessão de benefícios fiscais contratuais, até porque se o legislador pretendesse suspender os prazos de prescrição durante a vigência dos contratos, tê-lo-ia previsto expressamente (não o tendo feito, não pode a Fazenda Pública proceder a uma interpretação correctiva da lei, proibida pelo artigo 8º, nº 2 do Código Civil).
K. E se é verdade que a Fazenda Pública acertou quanto à aplicabilidade do artigo 9º, nº 3 do Código Civil (ex vi artigo 11º, nº 1 da LGT - cf. artigos 11º e 12º das Alegações), não é menos verdade que errou quanto aos corolários a retirar da regra que invocou, pois o legislador sabia bem o que fazia ao enunciar taxativamente no artigo 49º da LGT as causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição (vide Acórdão do STA de 07.05.2008, processo nº 057/08).
L. E como bem reconhece a Fazenda Pública (cf. artigo 7º das Alegações), do artigo 49º não consta qualquer alusão às situações de revogação dos benefícios.
M. Acresce que, fazendo apelo ao artigo 11º, nº 1 da LGT, a Fazenda Pública socorre-se do artigo 306º do Código Civil (cf. artigo 13º das Alegações) para efeitos do início de contagem do prazo prescricional.
N. Contudo, aquele artigo 11º, nº 1 da LGT remete apenas para as regras de interpretação e aplicação das leis, o que é distinto da aplicabilidade tout court de outros institutos legais, como será o caso da prescrição (até porque esta figura da prescrição tem tratamento autónomo na legislação tributária).
O. E contrariamente ao que defende a Fazenda Pública nos artigos 13º e 14º das suas Alegações, o refúgio no artigo 306º do Código Civil traduz uma integração analógica, expressamente proibida pelo artigo 11º, nº 4 da LGT.
P. Na verdade, integrando-se a prescrição no elemento essencial dos impostos designado por garantias dos contribuintes a que alude o artigo 103º, nº 2 da CRP e o artigo 8º, nºs 1 e 2, alínea a) da LGT, a mesma está sujeita ao princípio da legalidade tributária (como reconhecido aliás pela própria Fazenda Pública no seu artigo 10º), valendo também nesta matéria o princípio da tipicidade fiscal e de reserva da lei formal - cf. António Lima Guerreiro, ob. cit., págs. 87 a 88 e José Casalta Nabais, ob. cit., pág. 220.
Q. Deste modo, os pressupostos constitutivos da prescrição (designadamente no que concerne à fixação do seu prazo e definição do dies a quo para o seu início) têm de constar da lei fiscal emitida nos sobreditos termos, sendo certo que o artigo 48º da LGT fixa como momento relevante para o termo inicial do prazo de prescrição o termo do ano em que ocorreu o facto tributário e não a data em que alegadamente a obrigação tributária se constituiu, após revogação de isenção.
R. Se quisesse dar relevância a eventuais revogações de isenções, o legislador fiscal teria criado para a prescrição um regime similar ao que criou para a caducidade no artigo 46º, nº 2, alíneas b) e c) da LGT.
S. É pois lei expressa que o dies a quo do prazo de prescrição coincide com o termo do ano em que se verificou o facto tributário, in casu, em 31.12.2000, o que resulta da mera leitura do artigo 48º da LGT e o facto tributário é a propriedade do imóvel aferida em 31.12.2000 (artigos 1º e 8º, nº 1 do Código da CA).
T. Ou seja, a obrigação tributária ficou neutralizada pelos efeitos jurídicos decorrentes da isenção que se reporta ao facto tributário (cf. artigos 22º e 25º das Alegações) ergo, a propriedade do imóvel (elemento constitutivo da incidência que permite a cobrança do imposto) mas esta isenção em nada obstou ao decurso do prazo prescricional que teve sempre como termo a quo o último dia do ano em que se verificou o facto tributário, i.e., 31.12.2000, não se iniciando portanto o prazo prescricional com a revogação da isenção.
U. Interpretação normativa do artigo 48º, nº 1 da LGT no sentido de não considerar como termo inicial do prazo prescricional o termo do ano do facto tributário será inconstitucional por violação do Princípio da Legalidade Fiscal das garantias dos contribuintes plasmado no artigo 103º, n.º 2 da Lei Fundamental e no artigo 8º, nº 1 e nº 2 alínea a) da LGT e por violação do Princípio da Certeza e Segurança Jurídicas, Imparcialidade, Justiça e Boa-Fé a que alude o artigo 266º, nº 2 daquela Lei.
V. Adicionalmente, é descabida a afirmação da Fazenda Pública de que a Administração Tributária “tem entendido a propósito de situações congéneres, que as normas dos actuais arts. 48º e 49º da LGT, não prejudicam a aplicação ao prazo de prescrição do princípio geral elencado no art. 306, nº. 1 do CC, nos termos do qual, o prazo de prescrição apenas começa a correr quando o direito puder ser legalmente exercido” (cf. artigo 16º), pois Recorrente e Recorrida estão apenas limitadas à norma legal e à interpretação conforme àquela.
W. O mesmo serve para o argumento aduzido no artigo 18º das Alegações, a propósito do Ofício-Circulado 20023, de 23.05.2000. da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, ao qual a Recorrida não está vinculada, visto os ofícios administrativos serem meros regulamentos internos que têm como destinatário apenas os órgãos hierarquicamente subordinados ao órgão que os emana, não sendo vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais - cf. José Casalta Nabais (ob. cit., págs. 203 e 204), bem como Acórdão do STA de 16.01.2008, processo nº 0381/07.
X. Não obstante, sempre se dirá que o mencionado Ofício-Circulado refere-se apenas à contagem dos prazos de caducidade e não aos prazos de prescrição (cf. os pontos 4 e 8), constando a única referência ao instituto da prescrição do ponto 3, e apenas para recordar que “a prescrição, é regulada pelos artigos 48º e 49º da LGT, sendo, regra geral, de 8 anos.”, o que em nada prejudica a posição da Recorrida.
Y. Finalmente há que frisar que os Acórdãos invocados pela Fazenda Pública nos seus artigos 19º e 20º não têm aplicabilidade ao caso em apreço e em nada abonam a favor da Fazenda Pública, respeitando a matéria de caducidade e a jurisprudência revogada ou sem qualquer identidade de facto ou de direito.
Z. Com efeito, a matéria sobre a qual se debruça o Acórdão do STA de 21.11.2001 (processo nº 026389), não é a prescrição, mas outrossim a caducidade do direito à liquidação do imposto e, como se viu, caducidade e prescrição são institutos distintos - cf. Acórdão do STA de 20.12.2000, processo nº 025616: “[...] o prazo de caducidade se suspende por força da concessão de benefícios fiscais susceptíveis de caducar, mas o mesmo facto é irrelevante quanto ao decurso do prazo de prescrição - vd. Os artigo 34º nº 3 do CPT e 4º nº 2, 11º, 12º nº 3 e 50º nº 6 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e, hoje, o artigo 46º nº 2 alíneas b) e c) da LGT.”
AA. No que toca ao Acórdão do TCA Norte de 21.05.2009. processo nº 1596/08.4BEPRT, será de recordar que o mesmo foi revogado pelo Acórdão do STA de 24.02.2010, processo nº 0873/09, que perfilha entendimento idêntico ao da Recorrida:
“ I - Nos termos do disposto no artº 8º, nº 2, al. a) da LGT, a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade estão sujeitos ao princípio da legalidade
II - Deste modo, o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPCI (artº 27º) ou do CPT (artº 34º) ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT e não a partir da data da declaração da revogação da isenção dos impostos.”
BB. O Acórdão do TCA Norte revogado era aliás jurisprudência isolada, tendo sido objecto de recurso precisamente porque estava em contradição com a jurisprudência que vinha sendo adoptada neste douto Tribunal, designadamente com o Acórdão de 14.05.2002, processo nº 5526/01, mantido integralmente pelo STA, onde se lê:
“ I - A prescrição refere-se à obrigação tributária e o inicio do seu prazo está reportado exclusivamente ao facto tributário.
III - Não pode, pois, pretender-se que o prazo de prescrição se inicia apenas com o despacho que declarou a caducidade e, muito menos, com a sua notificação ao contribuinte, pois tais ocorrências não se confundem com o facto tributário.”
CC. Quanto aos Acórdãos do STA de 26.05.2010. processo nº 0211/10 e de 25.03.2009. processo nº 0918/08, estes não têm qualquer identidade com o caso dos presentes autos, pois nestes arestos a base legal aplicável consta do regime especial definido pelo Decreto-Lei nº 194/80, de 19 de Junho, designadamente pelo seu artigo 43º, nº 3 e não pelo regime geral da prescrição previsto nos artigos 48º e 49º da LGT, aqui em análise, pelo que não merecem tratamento análogo - cf. artigo 8º, nº 3 do Código Civil (tanto assim é que o prazo de prescrição mencionado nos Acórdãos invocados pela Fazenda Pública é de 20 anos e não de 8 anos).
DD. Contrariamente, perante uma situação idêntica à dos presentes autos (em que a Recorrida também era parte, estando em discussão a prescrição de Imposto Municipal de Sisa de 2000), foi proferida Sentença concedendo razão à Recorrida, com Parecer favorável do Ministério Público (cf. processo de Reclamação nº 968/09.1BELRS, que correu termos na 2a Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa), sendo certo que o subsequente Recurso da Fazenda Pública para o STA (onde o Ministério Público se pronunciou uma vez mais pela verificação da prescrição) também não colheu provimento, tendo-se conformado a Fazenda Pública com o mesmo (cf. Acórdão prolatado em 12.11.2009 pela 2a Secção Tributária no âmbito do processo nº 842/09).
EE. Tais decisões jurisprudenciais que contraditam o entendimento sufragado pela Fazenda Pública deveriam ser tomadas em consideração, de harmonia com o artigo 8º, nº 3 do Código Civil, nos termos do qual importa obter uma interpretação e aplicação uniformes do Direito.
FF. Subsidiariamente, sem conceder (na eventualidade de decair quanto à matéria da prescrição), alega ainda a Recorrida a não concessão de benefícios fiscais ao abrigo do Contrato de Investimento (até porque não consta nos autos qualquer prova desse facto, o que deve ser valorado contra a Fazenda Pública nos termos do artigo 74º da LGT e artigo 342º do Código Civil).
GG. Limitou-se pois a Fazenda Pública a afirmar que a Recorrida usufruiu benefícios fiscais concedidos ao abrigo desse Contrato, não logrando todavia, como lhe competia, fazer prova do alegado (cf. artigo 74º da LGT e artigo 342º do Código Civil).
HH. Sem conceder, adianta-se que a isenção deste imposto estava condicionada ao reconhecimento do interesse municipal do projecto por deliberação da competente Assembleia Municipal, a qual nunca existiu, como a Administração confessa expressamente e em letra de forma na Informação nº 63 IT1-8 da Direcção de Serviços da Inspecção Tributária:
“Segundo o estipulado no contrato de investimento, a concessão de isenção em sede de Contribuição Autárquica (CA), actualmente Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), estava condicionada ao reconhecimento do interesse municipal do projecto por deliberação da Assembleia Municipal da Câmara Municipal da Azambuja. que segundo informações prestadas pela A.... Lda. nunca chegou a ser solicitada.” (cf. página 50, parágrafo 5 do cit. Doc.1).
II. De facto, a isenção de CA do ano de 2000 não foi concedida ao abrigo do Contrato de Investimento por falta de verificação dos respectivos pressupostos de aplicação, tratando-se antes de um benefício indevidamente concedido à contribuinte, como a Administração Tributária acaba, afinal, por reconhecer (“No entanto como se pode ver no quadro supra houve efectivo benefício de isenção parcial de CA/IMI”- cf. cit. Doc.1).
JJ. Acresce que esse Contrato previa (cláusulas 8. e 9. do Anexo II) uma taxa de Juros Compensatórios agravada face à taxa legal normal, mas perscrutando a dívida exequenda verifica-se que a mesma não inclui quaisquer Juros Compensatórios, pelo que não inclui os referidos Juros Compensatórios contratuais.
KK. E face à proibição legal da moratória (artigo 36º, nº 3 da LGT) e aos requisitos legais e contratuais dos Juros Compensatórios (culpa imputável ao contribuinte no retardamento da liquidação), a única conclusão admissível é que a Administração Tributária não imputa à Recorrida culpa no retardamento da liquidação, ao contrário do que sucederia se a liquidação se devesse, efectivamente, a um benefício atribuído ao abrigo de um contrato de investimento incumprido.
LL. Resulta daqui a confissão que a isenção não foi concedida ao abrigo do Contrato, porque se o fosse teria que cobrar esses Juros Compensatórios agravados (e a verdade é que nem Juros Compensatórios à taxa normal são cobrados).
MM. O benefício de CA não foi concedido ao abrigo do Contrato de Investimento, tendo errado neste particular a douta Sentença, pelo que se impugna a alínea C) da sua Fundamentação de Facto (cf. artigos 684º -A, nº 2 e 685º -B, nº 1 do CPC).
NN. Impugnado vai também o artigo 4º (2º ponto) e artigo 21º das Alegações da Fazenda Pública.
OO. Seja como for, não provando a Fazenda Pública o seu alegado direito (artigo 74º da LGT e artigo 342º do Código Civil), a questão deve ser resolvida a favor da Recorrida.
PP. Nesta conformidade, mesmo que vingue a tese da Fazenda Pública de que o prazo prescricional não corre durante a vigência dos contratos (no que não se concede), a conclusão no caso sub judice terá de ser a da verificação da prescrição em 01.01.2009, atenta a não concessão de isenção de CA ao abrigo do Contrato de Investimento.

Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso ser julgado totalmente improcedente, com as inerentes consequências legais, mormente o reconhecimento da prescrição de CA do ano de 2000, com o que se fará a devida e costumeira
JUSTIÇA! »
*
A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido do provimento do recurso, por a sentença recorrida ter feito incorrecta interpretação dos factos e das disposições legais em que se fundamenta.
*
Dispensados, em função da natureza urgente do processo – cfr. art. 707.º n.º 4 CPC, os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Dos Factos
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
A) Em 02/11/2009 foi instaurado à reclamante, o processo de execução fiscal n.º 1481200901023136 para a cobrança de contribuição autárquica do ano de 2000, cujo pagamento voluntário terminou a 30/09/2009.
B) A reclamante foi citada para os termos da execução fiscal em 09/11/2009.
C) Relativamente à dívida mencionada em A) a reclamante beneficiava de isenção de contribuição autárquica em razão de contrato de investimento celebrado com o Estado Português concedidos através da resolução de Conselho de Ministros n.º 36/2000.
D) Em 19/09/2008 foi proferido o despacho n.º 1025/2008-XVIII pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que determinou a liquidação da dívida mencionada em A) com fundamento na informação n.º 1292/08, tendo em vista o ressarcimento do Município da Azambuja.
E) Em 4/12/2009 a reclamante requer ao chefe do serviço de finanças o reconhecimento da prescrição da dívida mencionada na alínea anterior.
F) Sobre tal requerimento não recaiu despacho.
****
A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos dos autos e no processo de execução fiscal em apenso.
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão. »
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Neste recurso, a questão que, em primeira linha, se posta à nossa apreciação é a de aferir da correcção do julgamento produzido, na sentença criticada, quanto à afirmada prescrição da dívida exequenda, mais, concretamente, no que concerne ao aspecto do momento temporal correspondente ao do início da contagem do pertinente prazo prescricional.
A decisão aprecianda defendeu que, estando em causa contribuição autárquica, imposto periódico, o prazo de prescrição iniciou-se em 1.1.2001, pelo que, na ausência de qualquer das causas de interrupção ou suspensão previstas no art. 49.º LGT, se completou a 1.1.2009. Em síntese, contrapõe a Recorrente/Rte dever a contagem do visado prazo de prescrição ter início na “data em foram revogados os benefícios concedidos à reclamante, no âmbito da (…) Resolução do Conselho de Ministros (n°. 36/2000)”, ou seja, a partir de 19.9.2008.
Colocados perante a alternativa de proceder à contagem do pertinente prazo de prescrição (1) a partir do final do ano em que se verificou o facto tributário (2) ou do momento da declaração de revogação de uma eventual isenção de imposto, o incontornável respeito pela legalidade estrita obriga-nos, sem hesitações, a seguir o primeiro critério em alternância, sufragando-se, portanto, neste particular, o decidido no tribunal recorrido.
Efectivamente, na esteira do judiciado, por unanimidade, no Ac. STA (pleno) de 24.2.2010, rec. 0873/09, não subsistem dúvidas de que “as (…) leis tributárias sempre fixaram, como momento a atender para a contagem do início do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário e não ao [o] despacho que declarou a caducidade dos benefícios fiscais e muito menos a sua notificação ao contribuinte, salvo o disposto em lei especial. Por isso, por imposição do princípio da legalidade, a declaração da revogação da isenção dos impostos como o “dies a quo” a que se deve atender para início da contagem do prazo de prescrição só será admissível se existir norma que o autorize.
(…), ao contrário do que acontece no que concerne ao prazo de caducidade do direito à liquidação, que se suspende por força da concessão de benefícios fiscais susceptíveis de caducar, ao mesmo facto não confere a lei relevância quanto ao decurso do prazo de prescrição (…).
(…), referindo-se a prescrição à obrigação tributária, podemos concluir que o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPCI ou do CPT ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT.”. Resta mencionar que a solidez e autoridade deste entendimento, além do objectivo respeito pela letra da lei vigente, se nos apresenta radicada na consideração e valoração da circunstância de que, por efeito, entre o mais, do disposto no art. 8.º n.º 2 al. a) LGT, “…, todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica (cfr. artº 11º da LGT). Daí ressalta que vigora, nas relações jurídico-tributárias, o princípio de tipicidade fiscal, segundo o qual a tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto.”.
Deste modo, sem delongas, tem de rechaçar-se a proposta da Rte, no sentido de que a contagem do prazo de prescrição, em causa nestes autos, se deveria iniciar no dia 19.9.2008, por corresponder à data em foram revogados benefícios (fiscais) concedidos à Rda. Apenas importa acrescentar que, perscrutada toda a jurisprudência convocada em abono da sua tese, se conclui (3) estarem em discussão situações fáctico-jurídicas diversas da presente, especificamente, trata de disputas referentes a casos de concessão de incentivos financeiros/incentivos fiscais, a coberto de um regime especial, positivado no DL. 194/80 de 19.6., cujo art. 43.º n.º 3 manda contar os pertinentes prazos de prescrição e/ou caducidade tributárias com início 30 dias após a notificação do despacho que considere caducados os incentivos atribuídos.
Para finalizar, consubstanciando a quantia exequenda uma dívida referente a contribuição autárquica do ano de 2000, o prazo prescricional de 8 anos, previsto no art. 48.º n.º 1 LGT, conta-se, nos seus termos, a partir de 31.12.2000, pelo que, não se tendo registado causas de interrupção e/ou suspensão do mesmo até 9.11.2009 (4), data em que a executada foi citada no âmbito do processo de execução fiscal – cfr. ponto b) dos factos provados, a disputada prescrição se consumou em 31.12.2008; deste modo, ficando corrigida a contagem produzida na sentença recorrida, contudo, sem interferência na conclusão, que veiculou, de estar prescrita a dívida exequenda.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento a este recurso jurisdicional.
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Custas a cargo da recorrente (Fazenda Pública).

Aníbal Ferraz
Eugénio Sequeira
José Correia
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 6 de Outubro de 2010

1- Que não se discute ser, no caso, o de 8 anos, positivado no art. 48.º n.º 1 LGT.
2- Por estar em discussão um imposto do tipo periódico.
3-Para além de o Ac. TCAN de 21.5.2009, proc. 01596/08.4BEPRT, em que, directa e decisivamente, se apoia, haver sido contraditado pelo, acima, coligido Ac. STA (pleno) de 24.2.2010.
4- Factualidade não controvertida.