Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:583/12.2BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:MILITARES DO EXÉRCITO
TRANSIÇÃO
DL 296/2009
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário:I - A falta de motivação da convicção do tribunal determina a nulidade prevista no artigo 615.º/1/b) do Código de Processo Civil.
II - De acordo com o disposto no artigo 31.º/4 do Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro, «[p]ara efeitos de mudança de posição remuneratória releva todo o tempo de serviço contado no escalão remuneratório em que o militar se encontra na data de entrada em vigor do presente decreto-lei, bem como para efeitos de aplicação do previsto no número anterior».
III - A norma contida no referido n.º 4 não pretendeu alterar as regras gerais de contagem do tempo de serviço, mas sim resolver um único problema, qual seja o de saber o que sucedia ao tempo de serviço – para efeitos de progressão remuneratória – detido pelo militar até 1.1.2010.
IV - O Despacho n.º 218/CEME/2009, de 15 de dezembro, do Chefe do Estado-Maior do Exército, que contém a metodologia de transição e as instruções técnicas relativas à aplicação do Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro, desenvolve, genericamente, as soluções resultantes do invocado diploma.
V - Nele não encontramos uma decisão a que corresponda um ato administrativo, ou seja, e na terminologia do artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, uma decisão que ao abrigo de normas de direito público vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
V........, J........, M........ e F........ intentaram, em 6.7.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, ação administrativa especial contra o EXÉRCITO, peticionando:

a) A anulação do Despacho n.º 10/CEME/2012, de 18 de janeiro, que determinou a regressão remuneratória dos AA. e o processamento de vencimentos dos AA. respeitantes ao mês de fevereiro de 2012 com efeitos a 1 de janeiro do mesmo ano;
b) A anulação de todos os atos de processamento subsequentes efetuados nos mesmos termos;
c) O reconhecimento do direito dos AA. a auferir a remuneração pela 2.ª posição remuneratória – Nível 43, da Tabela Remuneratória aprovada pelo Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro;
d) A condenação do R. a restituir os montantes respeitantes à diferença remuneratória existente entre a remuneração efetivamente paga e as remunerações a que os AA. tinham direito nos meses de fevereiro a junho de 2012 e todas as diferenças remuneratórias cujo não pagamento venha a ocorrer no decurso da presente ação;
e) A condenação do R. a pagar juros de moratórios à taxa legal incidentes sobre as diferenças remuneratórias suprarreferidas não pagas, vencidas e vincendas até efetivo e integral pagamento.

*

Por sentença proferida em 7.1.2016 o tribunal a quo julgou a ação improcedente.
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Inconformados, os Autores interpuseram recurso daquela sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

i. A douta é sentença é nula nos termos do disposto no artigo 615°, n° 1, alínea a), do CPC porquanto não deu como provado qualquer facto no sentido de que o tenente-coronel que motivou o segundo «arrastamento» foi posicionado na PR1;
ii. se assim não se entender, e sem conceder, sempre a douta sentença incorre em erro de julgamento ao concluir tendo em conta um facto não provado, sendo que o ónus de tal prova pertencia ao Recorrido;
iii. Os atos impugnados são ilegais, por violação do artigo 31º, n°s 2 a 5, do Decreto- Lei n° 269/2009, de 14 de outubro, dado que os Recorrentes, por terem completado o módulo de 2 anos, previsto no artigo 13°, n° 2, do Decreto-Lei n° 328/99, de 18 de agosto, adquiriram o direito a ser reposicionados na 2ª Posição Remuneratória - Nível 37 da Tabela Remuneratória publicada em anexo ao referido Decreto-Lei;
iv. O argumento de que, a partir do momento em que os Recorrentes passaram à situação de reserva, cessou a contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão não procede porquanto o n° 4 do artigo 31° não distinguiu a situação de reserva para efeitos de exceção da contagem de tempo de serviço, sendo que o n° 5 do mesmo artigo prevê expressamente que "[o] regime de transição previsto nos números anteriores aplica-se também aos militares na situação de reserva e aos deficientes das Forças Armadas ";
v. A entender-se tal argumento não proceder, hipótese que apenas se coloca para efeitos meramente argumentativos e sem proceder, sempre se dirá que, um eventual duplo arrastamento a que os Recorrentes tenham sido sujeitos, na sequência da promoção ao posto de Tenente-Coronel de um Major, colocado na 1ª Posição Remuneratória, e de um outro Tenente-Coronel, de menor antiguidade, ter completado o módulo de dois anos, e por isso colocado na 2ª Posição Remuneratória, deverá ser admissível por ser essa a interpretação conforme do artigo 31°, n° 3, do Decreto-Lei n° 296/2009, de 14 de outubro, com o artigo 59°, n° 1, alínea c), da CRP, sob pena de inconstitucionalidade da interpretação, contaminando os atos impugnados de ilegalidade;
vi. Desconsidera a douta sentença que o Recorrido, por força do despacho n° 218/CEME/2009, referido no facto M, determinou a aplicação da regra dos arrastamentos;
vii. Embora se fale amiúde na existência de um duplo arrastamento, no caso dos Recorrentes apenas existiu um ato de arrastamento (assim, como resulta dos factos N, O e P, no dia 1 de janeiro de 2010 os Recorrentes foram colocados no NRAC e no mês seguinte passaram a auferir pela 2ª PR), isto é, verificou-se que, no mês de janeiro, dois militares mais novos passaram a ganhar mais que os Recorrentes, um pela 1ª PR e outro pela 2ª PR;
viii. Determinando o n° 4 do artigo 31º do Decreto-Lei n° 296/2009 de 14 de outubro, que “releva todo o tempo de serviço contado no escalão remuneratório em que o militar se encontra na data de entrada em vigor do presente decreto-lei, para efeitos de aplicação do número anterior", tal preceito, porque posterior, nos termos do disposto no artigo 7°, n° 2, do CC, afasta o artigo 13° do Decreto-Lei n° 328/99, de 18 de agosto, e as sucessivas leis de "congelamento" das progressões estabelecidas para toda a Administração Pública;
ix. Tendo os atos que determinaram as regressões remuneratórias dos Recorrentes revogado os atos que, por sua vez, os posicionaram na 2ª Posição Remuneratória - Nível 43, da Tabela anexa ao Decreto-Lei n° 296/2009, de 18 de outubro, violaram, de forma clara, em nosso entendimento, o artigo 141° do CPA, porquanto sendo os processamentos remuneratórios atos constitutivos de direitos (conforme jurisprudência do STA absolutamente firmada), apenas poderiam ser revogados com fundamento na sua ilegalidade no prazo de um ano a contar da sua prática;
x. Ora, no caso em apreço, os atos de posicionamento foram praticados em março de 2010, com efeitos a janeiro do mesmo ano e os atos de revogação praticados em 18.01.2013, tendo, como resulta evidente, decorrido mais de um ano entre uns e outros;
xi. Não corresponde à verdade que não tenha sido praticado qualquer ato pelo Chefe de Estado-Maior do Exército que tivesse definido a situação jurídica dos Recorrentes, no que concerne ao seu posicionamento na nova estrutura remuneratória, porquanto (como refere o Recorrido no artigo 3° da contestação), “[a] transição dos militares para a nova tabela remuneratória única deveria ser efetuada nos termos previstos no artigo 31° desse diploma legal e, com vista à execução desse regime transitório, foi aprovada a metodologia e as instruções técnicas constantes do anexo ao Despacho n° 218/CEME/2009, de 15 de Dezembro, do Chefe do Estado-Maior do Exército" (o sublinhado é nosso);
xii. E foi, como continua o Recorrido, no artigo 4º da contestação, “[s]eguindo essas instruções técnicas" que “os serviços passaram a abonar mensalmente aos Autores;
xiii. O facto de não ter sido exigida qualquer reposição dos montantes recebidos pelos Recorrentes não se deveu ao facto de não se entender que não se estava a proceder a uma verdadeira revogação do ato, mas única e simplesmente porque se entendeu que “existem razões de equidade e de interesse público de excepcional relevo para que sejam mantidos intactos os efeitos financeiros já procedidos pelos procedimentos de transição e arrastamento adoptados, não havendo lugar, nesta esteira a reposição de valores pecuniários pagos na decorrência de tais procedimentos", cf. Despacho conjunto n° 12713/2011, mencionado nos factos R. e S. da douta sentença recorrida;
xiv. Limitando-se os ofícios de resposta ao pedido de fundamentação de facto e de direito do reposicionamento remuneratório dos Recorrentes a remeter para o conteúdo dos Despachos Conjuntos n°s 12713/2011 e 2602/2012 dos Ministros de Estado e das Finanças e da Defesa Nacional, ficaram os Recorrentes sem perceber o iter cognoscitivo que levou o Recorrido a determinar essas posições remuneratórias, padecendo os atos de falta de fundamentação, o que determina a sua anulabilidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135° do CPA;
xv. Não afasta esta falta de fundamentação a informação disponibilizada na Intranet do Exército (à qual os Recorrentes não tinham acesso) e a disponibilização de número de telefone para esclarecimento de dúvidas, até porque não constituem meios legalmente previstos de fundamentação dos atos administrativos nos termos do disposto nos artigos 120° e ss. do CPA;
xvi. Os atos impugnados padecem do vício de falta de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 100° do CPA, não sendo tal vício afastado pelo despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças e da Defesa Nacional de 30 de dezembro de 2011, porquanto o despacho que determinou as regressões remuneratórias dos Recorrentes não o refere e aquele despacho conjunto ainda não se encontrava publicado à data;
xvii. Não se encontravam, ainda, verificados os pressupostos previstos no artigo 103° do CPA, para dispensa de audiência prévia, desde logo por falta de indicações justificativas de urgência da decisão - não sendo a mera invocação de necessidade de contenção de despesa pública fundamento suficiente, por ser demasiado genérica e convicção meramente subjetiva - e por falta de indicação de fundamentações da convicção que o cumprimento da formalidade comprometeria a execução ou utilidade da decisão - sendo que por se tratarem de atos de reposição remuneratória, os Recorrentes não teriam como os impedir, mas apenas deles reagir, recorrendo, para o efeito, aos meios graciosos e judiciais legalmente disponíveis.
Termos em que ao presente recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias., Senhores Desembargadores, farão
Justiça!
*

O Recorrido não apresentou contra-alegações.
*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar:

a) Se a sentença recorrida é nula;
b) Se existe erro julgamento na apreciação das seguintes questões:

i) Violação do disposto no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro;
ii) Violação do disposto no artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991;
iii) Violação do dever de fundamentação;
iv) Falta de audiência dos interessados.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:


A - O Autor V........, foi promovido ao posto de tenente-coronel conforme consta da Portaria n.° 363/2008, de 3 de janeiro de 2008, publicada em Diário da República, 2ª Série, de 3 de abril do mesmo ano.
B - Na Portaria n° 363/2008, referente a V........, consta que:
“Este oficial conta a antiguidade do novo posto, desde 1 de Outubro de 2007, data a partir da qual lhe são devidos os respectivos vencimentos, ficando integrado no escalão 1 da estrutura remuneratória do novo posto".
C - O Autor J........ foi promovido ao posto de tenente-coronel conforme consta da Portaria n.° 1501/2006, de 25 de julho de 2006, publicada em Diário da República, 2ª Série, de 29 de setembro do mesmo ano.
D - Na Portaria n° 1501/2006, referente a J........, consta que:
“Este oficial conta a antiguidade do novo posto, desde 17 de Julho de 2006, data a partir da qual lhe são devidos os respectivos vencimentos, ficando integrado no escalão 1 da estrutura remuneratória do novo posto (…).
E - O Autor M........, foi promovido ao posto de tenente- coronel conforme consta da Portaria n.° 362/2008, de 3 de janeiro de 2008, publicada em Diário da República, 2a Série, de 3 de abril do mesmo ano.
F - Na Portaria n° 362/2008, referente a M........, consta que:
“Este oficial conta a antiguidade do novo posto, desde 28 de Setembro de 2007, data a partir da qual lhe são devidos os respectivos vencimentos, ficando integrado no escalão 1 da estrutura remuneratória do novo posto”.
G - O Autor F........ foi promovido ao posto de tenente-coronel conforme consta da Portaria n.° 366/2008, de 3 de janeiro de 2008, publicada em Diário da República, 2ª Série, de 3 de abril do mesmo ano.
H - Na Portaria n.° 366/2008, referente a F........, consta que:
“Este oficial conta a antiguidade do novo posto, desde 3 de Outubro de 2007, data a partir da qual lhe são devidos os respectivos vencimentos, ficando integrado no escalão 1 da estrutura remuneratória do novo posto”.
I - O Autor V........ passou à reserva, com efeitos reportados a 2 de outubro de 2007, por Despacho n° 13959/2008, de 14 de abril de 2008, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 20 de maio do mesmo ano.
J - O Autor J........ passou à reserva, com efeitos reportados a 31 de outubro de 2008, por Despacho n° 8560/2009, de 13 de janeiro de 2009, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 26 de março do mesmo ano.
K - O Autor M........, passou à reserva, com efeitos reportados a 2 de outubro de 2007, por Despacho n° 17816/2008, de 12 de maio de 2008, publicado em Diário da República, 2a Série, de 2 de julho do mesmo ano.
L - O Autor F........, passou à reserva, com efeitos reportados a 9 de outubro de 2007 por Despacho n° 14716/2009, de 19 de maio de 2009, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 1 de julho do mesmo ano;
M - A metodologia de transição e as instruções técnicas relativas à aplicação do Decreto-Lei n° 296/2009 constam do anexo ao Despacho n° 218/CEME/2009, de 15 de dezembro do Chefe do Estado-Maior do Exército.
N - Desde 1 de janeiro de 2010, os serviços passaram a abonar aos AA. o montante da remuneração de reserva correspondente ao 1° escalão (índice 410) do posto de tenente-coronel, da estrutura remuneratória aprovada pelo Decreto-Lei n° 328/99, de 18 de agosto.
O - Em 4 de janeiro de 2010 foi promovido um major ao posto de tenente-coronel com menor antiguidade que os Autores e foi colocado na respetiva 1 a posição remuneratória, tendo os Autores passado a receber pela 1ª posição remuneratória.
P - Em janeiro de 2010 foi promovido ao posto de tenente-coronel um outro major com menor antiguidade que os Autores e os serviços passaram a abonar os AA. pela 2ª posição remuneratória do posto de tenente-coronel.
Q - Por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças (MEF) e da Defesa Nacional (MDN), datado de 2011-02-10, foi determinada à Inspeção-Geral das Finanças (IGF) a realização de auditorias financeiras de controlo e avaliação da gestão de recursos humanos e de realização de despesa, incidindo as mesmas sobre as remunerações dos militares dos três ramos das Forças Armadas.
R - No preâmbulo do despacho n° 12713/2011, consta ainda:
“Nos seus relatórios intercalares n.0s 523/2011, 525/2011 e 364/2011, todos de Abril de 2011 (...), a Inspeção-Geral de Finanças identificou, no âmbito das auditorias realizadas: (...)
Progressões remuneratórias de militares que, na transição a que alude o (...) artigo 310, ficaram posicionados em níveis remuneratórios automaticamente criados inferiores à 1.a posição remuneratória da nova tabela, tendo transitado directamente para a 2.ª posição remuneratória sem que tenham ocupado previamente a 1.ª posição remuneratória;
«Arrastamentos» de militares directamente decorrentes destas progressões irregulares;
Arrastamentos por integração de listas entre os três ramos das Forças Armadas;
Aplicação de mais de um arrastamento ao mesmo militar.
(...)
Considerando ainda que a IGF, nos seus relatórios finais n0s 947/2011, 877/2011 e 948/2011, todos de Julho de 2011 (...) complementares dos relatórios intercalares acima referidos, identificou a prática de actos que consubstanciam valorizações remuneratórias desconformes ao estabelecido no artigo 24° da Lei no 55- A/2011, de 31 de Dezembro: (...)".
S - Do mesmo Despacho conjunto do MEF e do MDN n.° 12713/2011, de 9 de Setembro, publicado no Diário da República, 2ª série, n° 184, de 23 de setembro de 2011, consta como se transcreve:
“Determina-se que:
1 - Os três ramos das Forças Armadas procedam, até 31 de Outubro de 2011, à reconstituição casuística das situações supra-identificadas conformando as actuais situações jurídicas dos militares das Forças Armadas resultantes dessas situações, tendo por referência a situação dos militares a 31 de Dezembro de 2009.
2 - Os três ramos das Forças Armadas conformem as actuais situações jurídicas dos militares das Forças Armadas às existentes em 31 de Dezembro de 2010, de forma a efectivar o cumprimento do disposto no n.° 16 do artigo 24.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, impedindo a realização de quaisquer valorizações remuneratórias que não caibam no âmbito das excepções consagradas no referido normativo.
3 - (...).”.
T - Do Despacho conjunto do MEF e do MDN n.° 2602/2012, de 30 de dezembro de 2011, publicado no Diário da República, 2a série, de 2012-02-22, consta, como se transcreve:
“…
Atentas a fundamentação, as conclusões e as propostas constantes do referido Memorando, com as quais se concorda na generalidade, determina-se que:
1 - Cada um dos ramos das Forças Armadas elabore uma lista com a identificação individualizada dos militares que se encontram nas situações de inversão remuneratória relativamente aos quais é consolidado o posicionamento remuneratório actual, por forma a salvaguardar o princípio da antiguidade no posto.
2 - Seja concluído o processo de reconstituição e subsequente processamento remuneratório, nos termos propostos no presente Memorando, para os restantes militares que, nos termos do n.° 1 do despacho n.° 12713/2011, deverão ser objecto de reposicionamento remuneratório.
3 - (...).
4 - Atentas as dificuldades técnicas verificadas na execução das determinações constantes no n.° 1 do despacho n.° 12713/2011 (...), a reconstituição casuística das situações identificadas nesse número é reportada a 1 de janeiro de 2012.
5 - Não deverá haver lugar à audiência prévia nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 103.° do CPA, com fundamento no facto de estar em causa a necessidade de contenção da despesa pública, podendo a mesma comprometer a execução e utilidade do presente despacho.
6- (...).".
U - Em 2012-01-18, o Chefe do Estado-Maior do Exército proferiu o Despacho n.° 10/CEME/12, cujo teor é o seguinte: “…
V - No Anexo A (Lista nominal referida a 31 de dezembro de 2009) ao Despacho n.° 10/CEME/12, consta, em relação aos Autores:
“…

“(texto integral no original; imagem)”
W - No Anexo B (Lista nominal referida a 1 de janeiro de 2010) ao Despacho n.° 10/CEME/12, consta, em relação aos Autores: “…
“(texto integral no original; imagem)”

X - No Anexo C (Lista nominal referida a 31 de dezembro de 2010) ao Despacho n.° 10/CEME/12, consta, em relação aos Autores: “...
“(texto integral no original; imagem)”

Y - No Anexo D (Lista nominal referida a 01 de janeiro de 2012) ao Despacho n.° 10/CEME/12, consta, em relação aos Autores: “…
“(texto integral no original; imagem)”
Z - Os Autores foram incluídos no Anexo F (Lista nominal referida a 01 de janeiro de 2012 dos militares que regridem) ao Despacho n.° 10/CEME/12.
AA - Em fevereiro de 2012, com efeitos a 1 de janeiro do mesmo ano, os AA. auferiram a sua remuneração pela 1 a Posição Remuneratória - nível 41 do posto de tenente-coronel;
AB - As conclusões e recomendações do Relatório n° 877/2011, de julho de 2011 constam de fls. 19 a 25 do PA.
AC - Em 27 de fevereiro, 8 de março e 13 de março de 2012 respetivamente, invocando o desconhecimento das razões de facto e de direito da sua colocação na nova posição remuneratória, os AA. solicitaram ao Réu que lhes fossem facultados os seguintes elementos: “cópia integral dos despachos que determinaram o novo posicionamento’’; “indicação dos factos que foram tidos em conta no novo reposicionamento”; “indicação dos critérios que foram usados para o novo reposicionamento” e “indicação das razões de facto e de direito que levaram a alterar o posicionamento anterior’;
AD - Os AA. intimaram o Réu para a prestação de informações e passagem de certidões, que correram termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa com os n°s 958/12.7BELSB, 918/12.8BELSB, 844/12.0BELSB e 845/12.9BELSB;
AE - Na sequência dos processos acima mencionados, os AA. receberam os ofícios do Réu n.°s 467 (de 02.05.2012), 444 (de 23.04.2012), 403 (de 10.04.2012) e 402 (de 10.04.2012) respetivamente;
AF - Nos ofícios mencionados em AE), o Réu informou que:
“…
“(texto integral no original; imagem)”


...".
AG - O ato impugnado foi publicitado na “Ordem do Exército” 2a série, n° 01/31 de janeiro de 2012, acompanhado da lista de transição, na qual constam os Autores.
AH - O Chefe do Estado-Maior do Exército não praticou ato que aprovasse a lista de transição dos militares no âmbito do Decreto-Lei n° 296/2009, de 14 de outubro e que fosse publicitado, antes do ato impugnado.


IV
Da alegada nulidade da sentença recorrida

1. Defendem os Recorrentes que a «sentença é nula porquanto considerou, as fls. 24 da motivação de direito que “através do despacho nº 10/CEME/2012, quer os Autores, quer o tenente-coronel que motivou o segundo “arrastamento” foram posicionados na posição remuneratória 1, a partir de fevereiro de 2012”, sem que, no entanto, tenha dado como provado o facto que consistiria o pressuposto de tal conclusão».

2. Ora, em rigor, esse é o facto que foi dado como provado, ou seja, o de que «através do despacho nº 10/CEME/2012, quer os Autores, quer o tenente-coronel que motivou o segundo “arrastamento” foram posicionados na posição remuneratória 1, a partir de fevereiro de 2012», ainda que o mesmo não tenha sido feito constar do elenco que, por razões de boa técnica na elaboração da sentença, individualizou a matéria assente. De resto, essa técnica acaba por ser imposta pelo artigo 94.º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (versão original), nos termos do qual a sentença deve «discriminar os factos provados» (atualmente, estabelece-se que a sentença deve «discriminar os factos que julga provados e não provados»).

3. No entanto, a verdade é que a prova desse facto não se mostra fundamentada em qualquer elemento de prova, ou seja, a prova do facto não é acompanhada de qualquer motivação da convicção do tribunal, o que conduz igualmente à nulidade prevista no artigo 615.º/1/b) do Código de Processo Civil (no sentido de que a falta de motivação da convicção do tribunal - como parte da fundamentação de facto que é -, total ou em termos tais que não permita a perceção das razões de facto da decisão, integra a referida nulidade da sentença, vd., entre outros, o acórdão de 26.9.2024 do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1139/22.7T8VFR.P1).

4. Deste modo, a sentença é nula na parte em que considerou que «através do despacho nº 10/CEME/2012 (…) o tenente-coronel que motivou o segundo “arrastamento” [foi] posicionado na posição remuneratória 1, a partir de fevereiro de 2012».


Da alegada violação do disposto no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 296/2009

5. A Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, determinou, no seu artigo 2.º/4, que as leis especiais de revisão dos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos militares das Forças Armadas obedeceriam aos princípios subjacentes às normas ali indicadas.

6. Veio, então, a ser publicado o Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro – entrado em vigor no dia 1.1.2010 -, que aprovou o regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes e em regime de contrato e de voluntariado dos três ramos das Forças Armadas, e em cujo preâmbulo se assumiu expressamente que «[e]m matéria de remunerações dos militares das Forças Armadas relevam os princípios subjacentes aos n.ºs 1 e 3 do artigo 66.º, artigo 67.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 68.º, n.º 1 do artigo 69.º, e artigos 70.º, 72.º, 73.º e 76.º a 79.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que se traduzem, designadamente, na definição das componentes da remuneração e respectivos conceitos, na existência de uma tabela remuneratória única que contém todos os níveis remuneratórios a ser utilizados para a fixação da remuneração base dos trabalhadores que exerçam funções ao abrigo de relações jurídicas de emprego público, na fixação das condições de atribuição de suplementos remuneratórios e na enumeração e definição dos respectivos descontos». Mais se afirmou que «[e]m obediência aos princípios anteriormente enunciados, e tendo igualmente presente a Lei n.º 11/89, de 1 de Junho, que estabelece as bases gerais do estatuto da condição militar, procurou-se assegurar a indispensável harmonização com os regimes de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, tendo em consideração as especificidades decorrentes da organização, competências e funcionamento das Forças Armadas».

7. Do invocado Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro, releva, com particular interesse para o presente recurso, o disposto no seu artigo 31.º, o qual, sob a epígrafe Regime de transição para as posições remuneratórias, dispôs o seguinte:

«1 - A transição para a nova tabela remuneratória única é efectuada nos seguintes termos:
a) O militar é reposicionado na posição a que, no respectivo posto, corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja igual ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que tem direito, incluindo adicionais e diferenciais de integração eventualmente devidos;
b) Na falta de identidade, o militar é reposicionado na posição remuneratória, automaticamente criada, cujo montante pecuniário seja igual ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente tem direito, incluindo adicionais e diferenciais de integração eventualmente devidos.
2 - Quando, na transição efectuada nos termos do número anterior, a remuneração base, incluindo adicionais e diferenciais de integração eventualmente devidos, seja inferior à primeira posição remuneratória prevista no anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, para o respectivo posto, o militar é transitoriamente posicionado no nível remuneratório, automaticamente criado, de montante pecuniário igual à remuneração a que tem direito à data de entrada em vigor do presente decreto-lei.
3 - Quando da aplicação conjugada das regras de reposicionamento, mencionadas nos números anteriores, com as regras de promoção e progressão estatutariamente previstas, resulte, pela primeira vez, uma situação em que um militar transite para posição remuneratória igual ou superior a militares do mesmo posto e maior antiguidade, estes, por despacho do respectivo Chefe de Estado-Maior, transitam para a mesma posição.
4 - Para efeitos de mudança de posição remuneratória releva todo o tempo de serviço contado no escalão remuneratório em que o militar se encontra na data de entrada em vigor do presente decreto-lei, bem como para efeitos de aplicação do previsto no número anterior.
5 - O regime de transição previsto nos números anteriores aplica-se também aos militares na situação de reserva e aos deficientes das Forças Armadas.
6 - A execução orçamental do disposto nos n.ºs 2 e 3 é assegurada por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da defesa nacional».

8. A transição dos Recorrentes foi efetuada nos termos da alínea b) do n.º 1, ou seja, foram posicionados na posição remuneratória, automaticamente criada, cujo montante pecuniário seria igual ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que tinham direito à data da transição, incluindo adicionais e diferenciais de integração eventualmente devidos. Essa transição foi efetuada com efeitos a 1.1.2010.

9. Tal como tinham defendido na petição inicial, os Recorrentes entendem que «[p]or força do disposto o artigo 31°, n°s 4 e 5, do Decreto-Lei nº 296/2009, de 14 de Outubro os AA., por terem completado o módulo de 2 anos, previsto no artigo 13º, n° 2, do Decreto-Lei nº 328/99, de 18 de Agosto, adquiriram o direito a ser reposicionados na 2ª Posição - Nível [43] da Tabela Remuneratória publicada em anexo ao referido Decreto-Lei».

10. Assim não entendeu o tribunal a quo, para quem, «ao contrário do alegado pelos Autores, os nºs 4 e 5 do artigo 31º Decreto-Lei n.º 296/2009 de 14 de outubro, não têm a virtualidade de afastar o regime da contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão previsto no artigo 13º do Decreto-Lei nº 328/99, de 18 de agosto, nem as sucessivas leis de “congelamento” das progressões estabelecidas para toda a Administração Pública, razão pela qual os Autores não haviam completado o módulo de 2 anos, previsto no artigo 13º nº 2 al. a) do Decreto-Lei nº 328/99, de 18 de agosto».

11. Julga-se que assim é.
Recorde-se, antes demais, o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 31.º:


«4 - Para efeitos de mudança de posição remuneratória releva todo o tempo de serviço contado no escalão remuneratório em que o militar se encontra na data de entrada em vigor do presente decreto-lei, bem como para efeitos de aplicação do previsto no número anterior.
5 - O regime de transição previsto nos números anteriores aplica-se também aos militares na situação de reserva e aos deficientes das Forças Armadas».

12. Ora, a norma contida no n.º 4 tem a natureza de norma transitória. Daí, aliás, que se insira no capítulo (V) dedicado às «[d]isposições complementares, transitórias e finais». E tem como escopo resolver um único problema, qual seja o de saber o que sucedia ao tempo de serviço – para efeitos de progressão remuneratória – detido pelo militar até 1.1.2010. Ou seja, com a transição, colocar-se-ia a seguinte dúvida: a contagem do tempo para efeitos de mudança de posição remuneratória seria feita a partir da data da transição – 1.1.2010 – ou seria considerado todo o tempo de serviço contado no escalão remuneratório em que o militar se encontrava naquela data?

13. A resposta, como se vê, foi neste último sentido. Portanto, e como se disse, foi apenas aquele o problema que o legislador pretendeu resolver. De resto, seria estranho que, numa norma transitória que pretende acautelar a transição para as posições remuneratórias, o legislador alterasse as regras gerais da contagem do tempo de serviço.

14. E não o fez. Por isso disse que relevava o tempo de serviço contado no escalão remuneratório (…). Contado como? A resposta apenas poderá ser uma: nos termos gerais do então vigente artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 328/99, de 18 de agosto, segundo o qual a passagem dos Recorridos à situação de reserva determinou o termo da contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão (a menos que tivessem sido chamados à efetividade de serviço, como estabelecia o n.º 7 do referido artigo 13.º).

15. Portanto, e por aqui, os Recorrentes não dispõem de fundamento para afastar o decidido pela sentença recorrida.

16. No entanto, os Recorrentes apelam ainda ao regime constante do n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro, alegando o seguinte:

«2.2. Quanto à questão do duplo arrastamento, a entender-se não proceder a argumentação dos Recorrentes quanto à questão da contagem de tempo em situação de reserva, hipótese que apenas se coloca para efeitos meramente argumentativos e sem conceder, sempre se dirá o seguinte.
Como reconhece o Recorrido, no artigo 25º da sua contestação, em 4 de janeiro de 2010 foi promovido um major ao posto de Tenente Coronel (o mesmo dos Recorrentes), e, em consequência, colocado na 1ª Posição Remuneratória.
Por outro lado, “ainda no mês de Janeiro de 2010, um outro tenente-coronel, de menor antiguidade que os Autores, mas que se mantinha na situação de activo, completou o módulo de tempo de dois anos (…) e foi colocado na 2ª posição remuneratória”.
2.3. Defende o Recorrido que não se poderia ter procedido ao duplo arrastamento.
Sucede, porém, do que se trata não é de saber se é permitido apenas um ou dois arrastamentos, mas se a lei acautela ou que um militar com menor antiguidade venha a auferir remuneração superior à de militar com maior antiguidade, devendo o artigo 31º, mormente o seu nº 3, ser interpretado nesse sentido, conforme, aliás, com o artigo 59º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Neste sentido tem decidido a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional, que, no seu douto Acórdão nº 323/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt,
decidiu:
“Os referidos arestos vieram confirmar a jurisprudência consolidada do Tribunal, a propósito das normas do regime da função pública, no sentido da vinculação – constitucionalmente imposta – à observância de um princípio geral de coerência e equidade nos sistemas de carreira, que tem, como corolário, a proibição de inversão das posições das posições relativas de trabalhadores, por mero efeito da entrada em vigor de um regime de reestruturação de carreiras ou de alterações do sistema retributivo, ou seja, quando a inversão é determinada pela interferência de um “fator anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários confrontados”.
Neste sentido decidiu também o recentíssimo douto Acórdão nº 215/2013, igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
A não entender-se desta forma, os atos administrativos impugnados interpretam estes preceitos normativos de forma inconstitucional, cominando os mesmos de ilegalidade, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
3. A este propósito considerou a douta sentença que a “possibilidade de “arrastamento”, também prevista para a nova tabela remuneratória depende da apreciação casuística “por despacho do respectivo Chefe de Estado-Maior”, o que manifestamente não aconteceu no caso dos Autores, não prevendo a lei, para o momento de transição, sucessivos despachos nesse sentido”.
Ora, desconsidera a douta sentença que o Recorrido, por força do despacho nº 218/CEME/2009, referido no facto M, determinou a aplicação da regra dos arrastamentos.
Por outro lado, embora se fale amiúde na existência de um duplo arrastamento, no caso dos Recorrentes apenas existiu um ato de arrastamento (assim, como resulta dos factos N, O e P, no dia 1 de janeiro de 2010 os Recorrentes foram colocados no NRAC e no mês seguinte passaram a auferir pela 2ª PR. O que existiu foi a verificação, nesse mês de dois militares mais novos, que passaram a um a ganhar mais que os Recorrentes, um pela 1ª PR e outro pela 2ª PR.».

17. Ora, independentemente da solução a dar aos invocados duplos arrastamentos, é correto o pressuposto dos Recorrentes no sentido de que o que importa é apurar «se a lei acautela que um militar com menor antiguidade venha a auferir remuneração superior à de militar com maior antiguidade», tendo presente a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional nos termos da qual se impõe a «observância de um princípio geral de coerência e equidade nos sistemas de carreira, que tem, como corolário, a proibição de inversão das posições relativas de trabalhadores, por mero efeito da entrada em vigor de um regime de reestruturação de carreiras ou de alterações do sistema retributivo, ou seja, quando a inversão é determinada pela interferência de um fator anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários confrontados».

18. Assim é, naturalmente. Sucede que, e no caso dos autos, não se identifica a factualidade que possa, integralmente, fundamentar uma qualquer inversão das posições relativas de militares, por mero efeito da entrada em vigor do regime de transição estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro.


Da alegada violação do disposto no artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991

19. De acordo com os Recorrentes, os atos de posicionamento na 2.ª posição – nível 43, da tabela anexa ao Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro, foram praticados em março de 2010, com efeitos a janeiro do mesmo ano. Por sua vez, os alegados atos de revogação foram praticados em 18.1.2012, ou seja, em violação do prazo legal de um ano.

20. Tal entendimento não foi acolhido pela sentença recorrida. Por um lado, porque, antes do despacho n.º 10/CEME/2012, não foram aprovadas as listas a que se refere o artigo 32.º/1 do Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro, nos termos do qual «[p]elos competentes serviços dos respectivos ramos são publicadas listas de transição para as novas posições remuneratórias para conhecimento de todos os interessados», pelo que «não foi praticado qualquer ato pelo Chefe do Estado-Maior do Exército que tivesse definido a situação concreta dos Autores e que tenha sido revogado». Por outro lado, porque «cada um dos atos de processamento de vencimentos e outros abonos definem apenas a situação remuneratória para o período a que respeitam e esses, não foram afetados pelo Despacho nº 10/CEME/2012 que apenas produziu efeitos, a partir de fevereiro de 2012».

21. Os Recorrentes insurgem-se, desde logo, porque invocam o Despacho n.º 218/CEME/2009, de 15 de dezembro, do Chefe do Estado-Maior do Exército, que contém a metodologia de transição e as instruções técnicas relativas à aplicação do Decreto-Lei n.º 296/2009, de 14 de outubro [vd. facto M)]. Fazem-no, segundo se julga, sem razão. Na verdade, o referido despacho desenvolve, genericamente, as soluções resultantes do invocado diploma. Nada mais. Não encontramos nele uma decisão a que corresponda um ato administrativo, ou seja, e na terminologia do artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, uma decisão que ao abrigo de normas de direito público vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

22. Insurgem-se igualmente quanto ao entendimento do Recorrido relativamente à natureza dos atos de processamento de vencimentos. Inocuamente o fazem porque a sentença recorrida adotou pressuposto diverso, mais precisamente o de que os atos de processamento definiram as respetivas situações remuneratórias. O problema é outro, e foi igualmente afirmado na sentença: essa definição foi feita apenas para o período a que cada um deles respeitava. E esse pressuposto não foi colocado em causa pelos Recorrentes, pelo que, e em consequência, não pode ser afetada a conclusão da sentença recorrida nos termos da qual «os atos de processamento de vencimentos anteriores, ainda que inválidos, não foram revogados, dado que o despacho impugnado 10/CEME/2012, apenas produziu efeitos desde fevereiro de 2012, não tendo sido exigida qualquer reposição dos montantes recebidos pelos Autores por via dos anteriores atos de processamento de vencimentos».

23. De resto, no sentido da inexistência de qualquer revogação, à luz do mesmo quadro legal e regulamentar e de factualidade semelhante, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 19.3.2024, transitado em julgado, proferido no processo n.º 1702/12.4 BELSB. Esse entendimento foi secundado no acórdão do mesmo Tribunal de 10.4.2025, igualmente transitado em julgado (processo n.º 533/12.6BELRA).

24. Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento dos invocados erros de julgamento quanto à violação do dever de fundamentação e à preterição da audiência dos interessados. Como vimos, estamos no domínio dos atos vinculados. A Entidade Demandada/Recorrida atuou de acordo com o quadro legal a que estava vinculada. Por esse motivo sempre teria de se recusar a consequência invalidante de tais vícios, por aplicação do há muito reconhecido princípio do aproveitamento do ato administrativo (hoje plasmado no artigo 163.º/5 do Código do Procedimento Administrativo de 2015, ainda que em termos não totalmente coincidentes com o recorte que, até aí, lhe era dado pela doutrina e pela jurisprudência).

V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 9 de outubro de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Teresa Caiado
Rui Fernando Belfo Pereira