Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 172/11.9BESNT |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 06/18/2025 |
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Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
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Descritores: | MONITOR DE NATAÇÃO CONTRATO DE TRABALHO VERSUS CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS |
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Sumário: | Inexistindo subordinação jurídica, o contrato celebrado entre as partes não poderá ser qualificado como contrato de trabalho. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I M...... intentou, em 16.2.2011, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ação administrativa comum contra o INSTITUTO DO DESPORTO DE PORTUGAL, I.P., pedindo que seja «reconhecida a ilicitude da cessação contratual declarada pelo R. ao A. e aquele condenado a pagar à A. a quantia total de € 26.701,01, acrescida de juros calculados à taxa legal de 4% ao ano, e contados desde a citação do R. e até integral pagamento, custas, selos e procuradoria condigna». * Por sentença de 10.10.2012 o tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente. * Inconformado, o Autor interpôs recurso da sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. O A. intentou a presente acção contra o R. invocando que, tendo embora sido admitido ao serviço do CAAD ( que veio a ser integrado no ora R.) ao abrigo de contratos formalmente denominados de “prestação de serviços" ou de “avença”, mas que na realidade eram no entender do A. nulos mas determinando a sua cessação a obrigação de indemnizar pela R. por ser nula a cessação do contrato declarada pela R. em 31 de Outubro de 2008 e sendo devidos subsídios de Natal não pagos nos anos de 2001 a 2007 e de férias dos anos de 2001 a 2008, e as retribuições vencidas desde a 1 de Novembro de 2008 e até 30 de Abril de 2009, data em que o contrato vigente entre as partes caducaria; 2. Estabelece o art 28° dos Estatutos do R. aprovados pelo Dec. - Lei 96/2003, que o regime jurídico do pessoal ao serviço do R., incluindo o do seu recrutamento e selecção é o regime da lei geral para a função pública, prevendo-se no seu n° 3 que podia ser admitidos trabalhadores ao abrigo de contratos individuais de trabalho, desde que a admissão se desse para o exercício de funções técnicas específicas e conexas com o desenvolvimento do desporto; 3. E, nos termos do art. 10° da Lei Orgânica aprovada pelo Dec. - Lei 169/2007, o regime regra aplicável ao pessoal do R. era o da função pública, só podendo ser celebrados contratos individuais de trabalho para o exercício de funções de consultoria ou médicas, técnicas e auxiliares no âmbito da Medicina Desportiva e junto do Laboratório de Análises de Dopagem; 4. E, a partir da data de entrada em vigor do art 35°, n°s 5 e 6, da Lei 12-A/2008, na redacção vigente antes da alteração introduzida pela Lei 3-B/2010, ou seja desde 1 de Março de 2008, os contratos de prestação de serviços só podiam ser celebrados sob a forma de contratos de tarefa ou de avença, com as seguintes destrinças: a) Tarefa - para a execução de trabalhos específicos, de natureza excepcional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido; b) Avença - para prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem a obrigação de indemnizar; 5. Pareceria deste modo que os contratos de prestação de serviços poderiam ter sido celebrados como contratos de avença por obedecer àquela figura contratual, mas não é no entanto assim, pois o citado art. 35°, na alínea b) do n°2, estabelecia que os contratos de prestação de serviços para o desempenho de funções públicas apenas podiam ser celebrados, em regra, com pessoas colectivas, o que não era, visivelmente, o caso do A.; 6. Poder-se-ia argumentar que sendo um regime regra, ele podia comportar excepções, mas não se conhece nenhum normativo que contemple uma excepção para os Monitores de Natação e, ainda que assim não fosse - o que não se concede sempre continuaria a existir o impedimento à celebração daquele contrato por força da alínea a) do n° 2 do citado art 35°, que só permitia a celebração de contratos de prestação de serviços desde que se destinassem a execução de trabalho não subordinado; 7. E, para que não existam dúvidas sobre o conceito de “trabalho não subordinado”, o n° 3 do mesmo normativo esclarece que se considera “trabalho não subordinado” o que, sendo prestado com autonomia, não se encontra sujeito à disciplina e direcção do órgão ou serviço contratante nem impõe o cumprimento de horário de trabalho; 8. E. embora o R. qualificasse a relação de trabalho vigente com o A. como sendo a emergente de um contrato de prestação de serviços, sempre o A. desempenhou as suas funções recebendo directivas e instruções do R., provenientes dos superiores hierárquicos designados pelo R., cumprindo o horário de trabalho fixado e controlado pelo R., dando aulas de natação a alunos admitidos pelo R, nas instalações por este designadas e utilizando o equipamento por este fornecido; 9. Decorrendo dos factos dados por provados a evidente existência da subordinação do A. ao R. na execução das suas funções, e de outro modo não podia deixar de ser; 10. O A. foi admitido para dar aulas de natação a alunos admitidos pelo R., definindo este as condições de admissão desses alunos e as regras a que os mesmos teriam de se subordinar para frequência das aulas, incluindo o montante das mensalidades a pagar ao R.; 11. Para poder cumprir com os compromissos que assumira para com os alunos admitidos tinha o R. que ter uma organização do trabalho capaz de assegurar que o ensino a que se obrigara o R. era levado a cabo, organização que pressupunha necessariamente uma subordinação dos Monitores de Natação a regras estabelecidas superiormente e a existência de uma hierarquia que emitisse essas regras e fiscalizasse o respectivo cumprimento; 12. Essas regras estabelecidas aos Monitores de Natação pelo R. incluíam a existência de um horário de trabalho a cumprir e cujo cumprimento era fiscalizado pelo R., não estando na disponibilidade do A. modificar por sua livre iniciativa aquele horário, os procedimentos a ter em casos de ausência ou atraso, tudo como melhor consta dos factos dados por provados, o R. controlava pois o cumprimento do horário e exigia a justificação das faltas dadas, estando o A. integrado numa hierarquia estabelecida pelo R., dependendo de um Coordenador; 13. Nos termos e para os efeitos dos n°s 2, a) e 3 do art. 35° da Lei 12-A/2008, é manifesto que o contrato celebrado com o A não assumia as características de um contrato de prestação de serviços que pudesse ser celebrado pelo R. porquanto o trabalho prestado pelo A. não era um “trabalho não subordinado", pois o A. estava sujeito na prestação do seu trabalho à direcção do R. e estava obrigado ao cumprimento de um horário de trabalho fixado e controlado pelo R.; 14. E no caso dos autos o contrato vigente com o A. em 2009 era um contrato que resultava da continuidade da relação jurídica estabelecida desde a sua admissão ao serviço do R., a despeito das estipulações de não renovação constantes dos contratos celebrados; 15. Nos termos do art 94° da Lei 12-A/2008, os contratos de prestação de serviços tinham que ser reapreciados à luz das regras estabelecidas no citado art. 35° da mesma Lei, reapreciação que no caso não foi feita a despeito da evidente nulidade de que o contrato padecia; 16. Nestas circunstâncias e, por existir dupla violação do art. 35 n° 2, a), da Lei 12-A/2008, o R. incorre na obrigação de indemnizar o A. quer por ter com o mesmo celebrado um contrato nulo - art 36 n°s 1 e 2 da Lei 12-A/2008 - quer por ter permitido a sua continuidade sem ter reapreciado a sua conformidade com a lei à altura da renovação — art. 94% n°2, da Lei 12-A/2008; 17. Tendo o contrato que se ter por celebrado como um contrato de trabalho subordinado por força do previsto no art 28 n° 3, dos Estatutos do R.; 18. Contrato de trabalho esse também ferido de nulidade em razão da inobservância do art 7 da Lei 23/2004, como tem sido entendido pela Jurisprudência do Tribunal Constitucional; 19. Nos termos do art. 83 n° 1, da Lei 59/2008, os contratos nulos produzem os seus efeitos como se fossem válidos durante o tempo em que estiveram em execução; 20. E o R. na declaração de denúncia contratual que efectuou não invocou a nulidade do contrato; 21. Nos termos do art. 84°, n° 1, da Lei 59/2008, aos factos extintivos ocorridos antes da declaração da nulidade ou anulação do contrato aplicam-se as normas sobre cessação do contrato; 22. E a denúncia do contrato efectuada pelo R. é pois ilícita, nos termos das disposições conjugadas dos arts 246°, 248° e 271 a), da Lei 59/2008; 23. Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 36°, n°s 1 e 2 e 94°, n° 2, da Lei 12-A/2008 e 84°, n° 1, 271a), 275° e 278, da Lei 59/2008, tem o A. direito a ser indemnizado pelo R. nos termos do art. 278° da Lei 59/2008, em montante a liquidar em sede de sentença definitiva que julgue ilícita a cessação do contrato, por força do previsto no n° 2 do normativo citado; 24. Sucede que o contrato de prestação de serviços celebrado com o A. foi celebrado pelo prazo de 12 meses e teve o seu início em 1 de Maio de 1999 renovando-se por automaticamente por iguais períodos — Ver cláusula 6ª do Doc. 1 já oferecido - e, assim sendo, em 30 de Abril de 2008, terminou uma das renovações, e, em 1 de Maio de 2008, já o contrato não podia ser renovado automaticamente enquanto “contrato de avença”, por força das disposições atrás citadas; 25. Desconhece a A. se o R. requereu a possibilidade excepcional de manutenção do contrato de prestação de serviços ao Ministro das Finanças, mas essa autorização excepcional não podia ser concedida já que, por força do Despacho 16066/2008, de 12 de Junho, daquele Ministro, foram definidos os casos excepcionais em que tal podia suceder e em nenhum deles se configura a situação contratual existente com o A.; 26. Ainda pois que se pudesse configurar a existência de um contrato de prestação de serviços — o que não se concede ele era também nulo desde 1 de Maio de 2008; 27. Estamos pois perante um contrato de trabalho subordinado que era nulo quanto à estipulação do termo e que era também nulo a partir de 1 de Maio de 2007, com a entrada em vigor do Dec. - Lei 169/2007 que não permitia a celebração de contratos individuais de trabalho a não ser nas situações nele taxativamente previstas e que não contemplavam a situação contratual do A.; 28. Nulidade essa que não afecta os pagamentos retributivos devidos enquanto vigorou por força do art 115 n° 1, do Código do Trabalho de 2003, que é o aplicável à data da cessação declarada pelo R.; 29. Desde o ano de 1999 ao serviço do R. as retribuições médias mensais do A. foram as seguintes ( alínea W dos factos assentes ): a) 1999- €581,68 b) 2000- €457,42 c) 2001-€390,00 d) 2002 -€320,57 e) 2003 -€178,00 f) 2004-€1.477,90 g) 2005 -€1.669,55 h) 2006 -€1.230,82 i) 2007 -€1.018,92 j) 2008 -€1.018,92 30. Não tendo pago o R. ao A. os subsídios de Natal, devidos nos termos do Dec. - Lei 88/96 e do art. 254° do Código do Trabalho de 2003, dos anos de 1999 ( 8/12 ) e de 2000 a 2007, nem tendo pago ao A. os subsídios de férias, devidos nos termos do art. 6 do Dec. — Lei 874/76 e do art. 255 do Código do Trabalho de 2003, dos anos de 1999 a 2008; 31. Deste modo: a) A título dos subsídios de Natal devidos deve o R. ao A. o montante de € 7.140,04; b) Quanto aos subsídios de férias deve o R. ao A. o montante de € 7.8.352,85; c) Perfazendo a divida relativa àqueles subsídios ao montante de € 15.492,89: 32. Viu-se já atrás que o contrato celebrado com o A. era nulo a partir de 1 de Maio de 2007, com a entrada em vigor do Dec. — Lei 169/2007, que não permitia a celebração de contratos individuais de trabalho a não ser nas situações nele taxativamente previstas e que não contemplavam a situação contratual do A.; 33. Aquela nulidade contratual não foi no entanto invocada pelo R. que na carta de comunicação da cessação do contrato apenas se limita a comunicar a cessação de efeitos do mesmo; 34. Porém, como se alcança do contrato celebrado com a A. em 1 de Maio de 1999 e sucessivas adendas, o A. foi contratado por um período de 12 meses com início em 1 de Maio de 1999, sendo o contrato automaticamente renovado por sucessivos e iguais períodos ( Ver cláusula 6 do Doc. 1 já oferecido); 35. Razão porque o contrato renovado que estava em vigor só teria o seu termo no dia 30 de Abril de 2009; 36. Tratando-se de uma rescisão unilateral do R., nos termos do art. 116°, n° 1, do Código do Trabalho de 2003 aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato, razão pela qual a cessação do referido contrato, antes de ocorrido o seu termo e sem a precedência de qualquer processo disciplinar onde fosse apurada qualquer justa causa de despedimento, terá de se haver por ilícita, com as consequências previstas no art. 440 n° 2, a), do Código do Trabalho de 2003, ou seja no pagamento das retribuições que se venceriam até 30 de Abril de 2009 - Ver no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Abril de 2008 (P° 209/2002); 37. No cálculo dessa indemnização haverá que atender, para além das retribuições mensais, também às férias e subsídios de férias e de Natal que se vencessem desde o despedimento e até à data do termo do contrato, incluindo as que se venceram em consequência desse termo; 38. Tem por isso o A, o direito a receber do R. a título de indemnização as seguintes quantias; a) Retribuições de Novembro de 2008 a Abril de 2009...........................€ 6.113,52 b) Subsídio de Natal de 2008 devido nos termos das disposições conjugadas dos arts. 254°e 440 n°2, a), do Código do Trabalho de 2003 ......................€1.018,92 c) Férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2009 e devidas nos termos das disposições conjugadas dos arts. 221 n°s 1 e 2, 255° e 440 n° 2, a), do Código do Trabalho de 2003 ...........................................................................€2,037,84 d) Férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo devido da duração do contrato em 2009, devidos nos termos das disposições conjugadas dos arts. 221°, n°2, 254º 255° e 440°, n°2, a), do Código do Trabalho de 2003..........€1.018,92. Total .............................................................€11.208,12 39. Em suma, deve o R. ser condenado a pagar ao A. a quantia total de € 26.701,01, acrescida de juros calculados à taxa legal de 4% ao ano e contados desde a citação do R. e até efectivo pagamento; 40. A douta sentença recorrida ao considerar a acção improcedente por entre as partes vigorar um contrato de prestação de serviços fez incorrecta aplicação do direito tendo-se guiado por orientação jurisprudencial entretanto ultrapassada pelo direito legislado e violou os arts. 28 dos Estatutos do R., aprovados pelo Dec. - Lei 96/2003, 10° da Lei Orgânica aprovada pelo Dec. — Lei 169/2007, 35º n°s 2, 3, 5 e 6, 36º n°s 1 e 2 e 94° da Lei 12-A/2008, na redacção vigente antes da alteração introduzida pela Lei 3-B/2010, 7º da Lei 23/2004, 83º n° 1, 246º 248° e 271º a), 275° e 278, da Lei 59/2008, 115º n° 1,116° n°l, 221º, n°2, 254°, 255°, e 440º n° 2, 6° do Dec. — Lei 874/6 e o Dec. — Lei 88/96. 41. Nestes termos, Deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo anulada a sentença recorrida e dando-se procedência à acção nos termos peticionados, como é de direito e é de inteira JUSTIÇA * O Instituto do Desporto de Portugal, I.P., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem: 1 - No âmbito do presente processo, o Autor veio reclamar o pagamento da quantia de € 26.701,01 (vinte e seis mil setecentos e um euros e um cêntimo), conquanto entendia que tinha celebrado com o Réu um contrato de trabalho e que, face à sua cessação, tinha direito a receber a referida quantia; 2- O Réu apresentou contestação, na qual defendeu que entre Autor e Réu foi celebrado um contrato de prestação de serviços, o qual foi denunciado, pelo que nada tem a pagar ao Autor; 3 - Foi realizado o julgamento, tendo sido fixada a matéria de facto, relativamente à qual não foi apresentada qualquer reclamação; 4 - Por outro lado, considerou o Tribunal que não se provou: 1 - "Que os coordenadores comunicassem as ausências (faltas) dadas pelos professores de natação ao diretor da piscina ou a qualquer responsável do R., mas sim preenchendo o doc. ‘Troca de Serviço’.” 2 - “O Documento orientador das escolas de natação do Complexo Desportivo do Jamor” fosse um documento disponibilizado pelo R. para que os professores de natação seguissem as orientações nele contidas 3 — Por fim, não se provou que o A. “desempenhou as suas funções recebendo diretivas e instruções do R., provenientes dos superiores hierárquicos designados pelo R.” 5 - Face à matéria assente e à matéria não provada, conclui-se que o Réu não exercia qualquer autoridade sobre o Autor; 6 - Assim, o Tribunal a quo absolveu, e bem, diga-se, o Réu do pedido. 7 - São dois os elementos essenciais que caracterizam o contrato individual de trabalho: A subordinação económica e a subordinação jurídica; 8 - Ora, a matéria de facto que o Tribunal considerou como provada e como não provada, só vem confirmar a posição do Réu, que vai no sentido que entre Autor e Réu não existia qualquer relação de subordinação jurídica; 9 - A relação entre Autor e Réu não pode ser configurada como uma relação de natureza laboral, ou seja, como uma relação entre entidade patronal e trabalhador, mas sim como de prestação de serviços; 10 - Dispõe o art. 12° da Lei n°. 99/2003, de 27 de Agosto, na redação que lhe foi conferida pela Lei n°. 9/2006, de 20 de Março que se presume que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição; 11 - Não se encontram reunidos os pressupostos contemplados na referida norma jurídica; 12- O Autor não se encontrava na dependência do Réu. 13 - Não se encontrava inserido na estrutura organizativa do Réu, sendo este facto evidenciado pela admissibilidade da substituição do Autor nos termos amplos em que o fazia, bem como na obrigação de permanência na piscina no tempo estritamente necessário para dar as suas aulas; 14 - Não realizava a sua prestação de trabalho sob as ordens, direção e fiscalização do Réu; 15 - Pelo que, não se encontram reunidos os pressupostos legais da celebração de um contrato de trabalho. 16 - Mais, a faculdade do Autor se fazer substituir na execução da prestação só pode significar que as partes contrataram a produção de um determinado resultado (ministrar aulas de natação aos utentes da piscina do Réu) e não a atividade do Autor, sendo certo que, tal possibilidade é manifestamente incompatível com a existência e cumprimento de um contrato de trabalho, atento o carácter intuito personae deste contrato e a natureza infungível da prestação laboral. 17 - Face ao vertido, deve ser mantida a sentença proferida em primeira instância. Nestes termos, e nos demais de direito, deve ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo Justiça. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se a sentença errou ao considerar que o vínculo contratual não decorre de um contrato de trabalho. III A matéria de facto constante da sentença recorrida – e não impugnada - é a seguinte: A) O R. dispõe de uma escola de natação no Complexo de Piscinas do Jamor; B) Em 1 de Maio de 1999, o CAAD celebrou um contrato de prestação de serviços de ensino de natação com o A.; C) O contrato referido em B) supra contém, além de outras, as seguintes cláusulas: “(…) 2.º A prestação os serviços a que se refere a cláusula anterior será realizada pelo SEGUNDO OUTORGANTE, com a diligência, empenho e tecnicidade que os mesmos exigem e desenvolvida até ao máximo de 20 horas semanais, geridas de acordo com as necessidades do Serviço e conveniência de ambas as partes e, entre Segunda e Sexta-feira, se outro regime não for acordado por escrito, em aditamento ao presente contrato. (Obrigações do Segundo Outorgante) 3.º Cabe ao PRIMEIRO OUTORGANTE dar indicações ao SEGUNDO OUTORGANTE sobre os serviços a desenvolver e disponibilizar os elementos e meios por forma a garantir o melhor desempenho de funções. (Obrigações do C.A.A.D.) 4.º A prestação de serviços pelo SEGUNDO OUTORGANTE terá lugar no âmbito do Complexo de Piscinas do Jamor. (Local) 5.º Pela presente prestação de serviços, o PRIMEIRO OUTORGANTE paga ao SEGUNDO OUTORGANTE a quantia por aula de 1.700$00 (mil e setecentos escudos) de 2.º a 6.ª feira e 2.550$00 (dois mil e quinhentos escudos) aos sábados, com o limite de 153.000$00 (cento e cinquenta e três mil escudos) mensais, com retenção na fonte de IRS e mais IVA à taxa legal, se tal se mostrar legalmente exigível. (Pagamento) 6.º Este contrato entra em vigor no dia 1 de Maio de 1999 e durará por um período de 12 meses, renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos. (Início e prazo) (…) 8.º O Presente Contrato é celebrado nos termos e ao abrigo do disposto no art. 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3/2, na actual redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 299/85, de 29/07, e não confere ao SEGUNDO OUTORGANTE a qualidade de agente. (Enquadramento) (….)” ; D) Em 02.12.2003, foi realizada uma alteração ao preâmbulo e às cláusulas 2.ª e 5.ª do contrato referido em D) supra, passando a redacção destas cláusulas a ser a seguinte: 2.º A prestação os serviços a que se refere a cláusula anterior será realizada pelo segundo outorgante, com a diligência, empenho e tecnicidade que os mesmos exigem. (Obrigações do Segundo Outorgante) 5.º 1 – Os serviços prestados nos termos previstos nas cláusulas anteriores serão objecto de remuneração mensal no valor de Euros 1 420.84 (mil quatrocentos e vinte euros e oitenta e quatro cêntimos), sem inclusão de IVA, sendo aquela importância acrescida do valor de IVA, à taxa legal em vigor. (Pagamento) 2 – O valor da remuneração mensal será anualmente actualizado em consonância com a percentagem de aumento que se verificar para o funcionalismo Público, nos termos e de acordo com o aumento do índice 100 das carreiras de regime geral da Função Pública.; E) Em 29.12.2004, foi realizada uma outra alteração à cláusula 5.ª do contrato indicado em B) supra, em que, além do mais, se refere que esta cláusula passa a ter a seguinte redacção: 5.º 1 - O Primeiro Outorgante compromete-se a pagar mensalmente ao Segundo Outorgante, pelos serviços objecto do presente contrato, o valor mensal de 1.645,42 euros (mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos).; (Pagamento) F) Em 02.05.2006, foi realizada uma nova alteração à cláusula 5.ª do contrato indicado em B) supra, em que, além do mais, se refere que esta cláusula passa a ter a seguinte redacção: 5.º 1 - O Primeiro Outorgante compromete-se a pagar mensalmente ao Segundo Outorgante, pelos serviços objecto do presente contrato, o valor mensal de 1.018,92 € (mil e dezoito euros e noventa e dois cêntimos).; (Pagamento) G) O R. remeteu ao A. carta datada de 16.10.2008, em que, além do mais, informa que “(…) a partir do dia 31 de Outubro de 2008, o contrato de avença existente com o Instituto do Desporto de Portugal, I.P., cessa os seus efeitos (…)” ; H) O R. definia o horário em que as aulas de natação iriam ser realizadas em função das pessoas inscritas e da classe em que cada uma iria ser integrada; I) Depois de fixados os horários pelo R., cabia aos professores de natação acordarem entre si quais os horários que lhes caberiam, de acordo com as suas preferências; J) Competia ao coordenador assegurar e controlar o cumprimento do horário estabelecido para as aulas de natação; K) O A. não podia introduzir alterações ao horário das aulas de natação; L) Em caso de impossibilidade de um professor dar uma aula de natação, devia comunicar essa circunstância ao seu coordenador e conseguir um substituto para essa aula; M) No caso de um professor faltar a uma aula, cabia a este pagar ao professor que o iria substituir a dar a aula; N) Caso não fosse possível conseguir um professor substituto, poderia um professor de natação a desenvolver a sua actividade na escola de natação do R. ministrar duas aulas em simultâneo; O) De fls. 37 a fls. 81 dos presentes autos consta um documento denominado por “Documento orientador das escolas de natação do complexo desportivo do Jamor”, assinado por L…; P) O documento referido em O) foi actualizado; Q) Os professores de natação tinham em conta o teor do documento referido em O) supra no exercício da sua actividade; R) O A. teve sempre um coordenador ao longo dos anos em que desenvolveu a sua actividade em benefício do R.; S) As funções do coordenador eram, no essencial, as de assegurar uma uniformização de práticas e de procedimentos, bem como de garantir que as aulas decorriam da forma planeada; T) Cabia ao coordenador definir os objectivos de cada nível; U) O coordenador não dava instruções concretas quanto aos exercícios a ser realizados pelos alunos em cada aula, estando esta matéria no âmbito da discricionariedade técnica do professor de natação; V) Os coordenadores não recebiam instruções dos directores da piscina; W) As retribuições médias mensais do A. foram as seguintes: 1999 - € 581,68 2000 - € 457,42 2001 - € 390,00 2002 - € 320,57 2003 - € 178 2004 - € 1.477,90 2005 - € 1.669,55 2006 - € 1.230,82 2007 - € 1.018,92 2008 - € 1.018,92. IV 1. Nas suas alegações de recurso o Recorrente começa por afirmar que «[o] A. intentou a presente acção contra o R. invocando que, tendo embora sido admitido ao serviço do CAAD (que veio a ser integrado no ora R.) ao abrigo de contratos formalmente denominados de “prestação de serviços” ou de “avença” mas que na realidade eram no entender do A. nulos mas determinando a sua cessação a obrigação de indemnizar pela R. por ser nula a cessação do contrato declarada pela R. em 31 de Outubro de 2008 e sendo devidos subsídios de Natal não pagos nos anos de 2001 a 2007 e de férias dos anos de 2001 a 2008, e as retribuições vencidas desde 1 de Novembro de 2008 e até 30 de Abril de 2009, data em que o contrato vigente entre as partes caducaria». Algumas linhas depois reitera que «[n]a presente acção vem o A,. impugnar a validade dos contratos denominados de prestação de serviços celebrados e da sua denúncia e pretende obter a condenação do R. no pagamento de quantias retributivas devidas e não pagas em consequência daquela nulidade contratual e bem assim no pagamento ao A. de uma indemnização até ao termo do contrato. Entende na verdade o A. que o R. não podia celebrar aqueles contratos de prestação de serviços, sendo por essa razão os mesmos nulos e nula também a sua denúncia». 2. Ou seja, o Recorrente pretende fazer crer que veio a juízo pedir determinadas quantias que lhe seriam devidas em consequência de uma alegada nulidade dos contratos de prestação de serviços. 3. Tal não corresponde ao que encontramos nos autos. 4. Na verdade, o Recorrente, enquanto Autor, veio pedir a condenação do ora Recorrido no pagamento da quantia global de € 26.701,01, e que corresponde, nas suas próprias palavras, a: a) [R]etribuições devidas pelo R, enquanto o contrato de trabalho esteve em vigor», a título de subsídios de férias e de Natal, no valor de € 15.492,89: b) [R]etribuições que se venceriam até 30 de Abril de 2009», no valor de € 11.208,12 (retribuições devidas desde 31.10.2008, data em que o Recorrido fez cessar o contrato). 5. A causa de pedir é de enunciação simples: · Não obstante a qualificação dada pelas partes, o contrato que celebraram foi um contrato de trabalho, que se renovaria até 30.4.2009. Sendo a sua cessação ilícita, pois ocorreu «sem a precedência de qualquer processo disciplinar onde fosse apurada qualquer justa causa de despedimento», haverá lugar aos pagamentos peticionados. 6. E como não poderia deixar de ser, foi à luz do objeto da ação, definido em resultado de tais pedidos e causa de pedir, que a sentença recorrida se moveu, apurando a natureza do vínculo contratual entre as partes. Mais precisamente, determinando se o vínculo contratual decorria de um contrato de trabalho. E concluiu que «os indícios apurados, conjuntamente avaliados, não revelam a existência de qualquer autoridade do R. sobre a A na execução do seu serviço, como resultou dos factos não provados (vide decisão da matéria de facto) sendo, por isso de concluir que o contrato que vincula as partes não é um contrato de trabalho porque não há a necessária subordinação jurídica», ficando, «assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas concernente com a validade do contrato e quantias peticionadas». 7. Portanto, e ao contrário do que vem alegar o Recorrente, mostra-se relevante a jurisprudência na qual se apoiou a sentença recorrida. Precisamente porque o que estava em causa era a aferição sobre a existência, ou não, de subordinação jurídica, traço essencial para a identificação de um contrato de trabalho, condição sine qua non para a procedência da ação. 8. Ora, i) se não há contrato de trabalho, não se coloca a questão de saber se o mesmo seria nulo, e ii) se a causa de pedir assenta na existência de uma cessação ilícita de um contrato de trabalho, também de nada interessa determinar se o contrato de prestação de serviços padecia de nulidade. 9. Ou seja, o sucesso do presente recurso depende da demonstração de que – e ao contrário do entendimento da sentença recorrida – o vínculo estabelecido entre as partes deveria ser qualificado como emergente de um contrato de trabalho. E é apenas isso que aqui importa apreciar, motivo pelo qual parte significativa das alegações do Recorrente vão para além do objeto do recurso, delimitado, obviamente, pela própria sentença recorrida. 10. E quanto ao que efetivamente releva diz o Recorrente que «[decorre] dos factos dados por provados a evidente existência da subordinação do A. ao R. na execução das suas funções». 11. Por um lado, afirma o Recorrente que «[p]ara poder cumprir com os compromissos que assumira para com os alunos admitidos tinha o R. que ter uma organização do trabalho capaz de assegurar que o ensino a que se obrigara o R. era levado a cabo», «[o]rganização que pressupunha necessariamente uma subordinação dos Monitores de Natação a regras estabelecidas superiormente e a existência de uma hierarquia que emitisse essas regras e fiscalizasse o respectivo cumprimento. Essas regras estabelecidas aos Monitores de Natação pelo R. incluíam a existência de um horário de trabalho a cumprir e cujo cumprimento era fiscalizado pelo R., não estando na disponibilidade do A. modificar por sua livre iniciativa aquele horário, os procedimentos a ter em casos de ausência ou atraso, tudo como melhor consta dos factos dados por provados. O R. controlava pois o cumprimento do horário e exigia a justificação das faltas dadas. Estando o A. integrado numa hierarquia estabelecida pelo R., dependendo de um Coordenador». 12. Desde logo, cabe referir que não tem suporte na matéria de facto a alegação de que «[o] R. controlava pois o cumprimento do horário e exigia a justificação das faltas dadas». Sabemos, sim, que em caso de impossibilidade de um monitor dar uma aula de natação, devia comunicar essa circunstância ao seu coordenador e conseguir um substituto para essa aula [facto L)]. E que nesse caso caberia ao próprio monitor pagar a quem o substituísse [facto M)]. 13. Este aspeto mereceu, aliás, o devido relevo na sentença recorrida. Por um lado, citou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tirado a propósito de caso semelhante ao dos autos, no qual se pode ler o seguinte: «Finalmente, cumpre observar que sendo a retribuição contrapartida da actividade objecto do contrato de trabalho (rigorosamente, da disponibilidade para prestar a actividade) e este um convénio celebrado intuitu personae, dificilmente se pode dar como verificado aquele pressuposto da presunção de laboralidade quando se prova que a atribuição patrimonial, devida no âmbito de uma relação como a dos autos, era paga a outra pessoa indicada pela Autora para a substituir, ou, numa fase mais avançada da vigência do contrato, que era a própria Autora que, após receber integramente o valor combinado, pagava à pessoa que a tinha substituído. Não merece, por conseguinte, censura o que, a respeito da não verificação do requisito da presunção constante da alínea c) do citado artigo 12.º, decidiu o acórdão impugnado». 14. Por outro lado, a sentença recorrida manifestou o entendimento – com o qual se concorda – de que «não podemos deixar de dar relevo qualificativo aos factos provados sob as al. L), M), N), P) e T), segundo os quais se o A. precisasse de faltar, fazia-se substituir por outro professor, pagando ao professor substituto o valor da respectiva aula. Ora, esta possibilidade do A. se fazer substituir, nos termos amplos em que o podia fazer, revela inequivocamente que o que interessava ao R. não era a actividade do trabalhador em si mesma, como é próprio do contrato de trabalho (art. 1152° do Código Civil), que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da actividade característica do contrato de prestação de serviços (art. 1154° do C.C.)». 15. Em suma, e neste campo, temos que, e como seria natural, era o Recorrido quem definia o horário em que as aulas de natação iriam ser realizadas em função das pessoas inscritas e da classe em que cada uma iria ser integrada [facto H)]. No entanto, depois de fixados esses horários, cabia aos monitores de natação acordarem entre si quais os horários que lhes caberiam, de acordo com as suas preferências [facto I)], tendo os mesmos – como já se viu – a liberdade de faltar, diligenciando pelo substituto, a quem o próprio pagaria. Note-se, ainda, que havia um coordenador, cujas funções eram, no essencial, as de assegurar uma uniformização de práticas e de procedimentos, bem como de garantir que as aulas decorriam da forma planeada [facto S)], que assegurava e controlava o cumprimento do horário estabelecido para as aulas de natação [facto J)], mas que não recebia instruções dos diretores da piscina [facto V)]. 16. Portanto, acompanha-se a sentença recorrida no entendimento de que, não obstante inserido na estrutura organizativa do Recorrido, o Recorrente não realizava a sua prestação sob as orientações daquele. As orientações do coordenador eram de natureza pedagógica geral, não configurando ordens do Recorrido. Tudo no sentido da conclusão – que se acompanha - de que «os indícios apurados, conjuntamente avaliados, não revelam a existência de qualquer autoridade do R. sobre [o] A na execução do seu serviço, como resultou dos factos não provados (vide decisão da matéria de facto) sendo, por isso de concluir que o contrato que vincula as partes não é um contrato de trabalho porque não há a necessária subordinação jurídica». V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 18 de junho de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Maria Helena Filipe Maria Julieta França |