Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:16142/25.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:ILDA CÔCO
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – Relatório

AA intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, processo cautelar contra o Ministério da Administração Interna, pedido a suspensão de eficácia do despacho da Ministra da Administração Interna, de 18/12/2024, que lhe aplicou a pena disciplinar de separação de serviço.


Por despacho proferido em 10/07/2025, o Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa decidiu antecipar o juízo sobre a causa principal, tendo, na mesma data, proferido sentença que julgou a acção administrativa principal improcedente.


Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que considerou improcedente o pedido de anulação do ato administrativo consubstanciado no despacho da Senhora Ministra da Administração Interna, proferido em 18 de dezembro de 2024, que determinou a aplicação ao Recorrente da pena disciplinar de separação do serviço.

2. O Recorrente é ... da Guarda Nacional Republicana, sendo que, à data dos factos que sustentam o processo disciplinar, integrava uma equipa de investigação criada na Direção de Investigação Criminal para investigar crimes relacionados com o furto e recetação de cobre e derivados.

3. O Recorrente, no exercício das suas funções, nunca recebeu dinheiro, nem outros bens, como condição de não elaborar os respetivos autos de contraordenação, nem dar início às respetivas investigações e proceder ao fecho das instalações dos identificados que se encontrariam em situação ilegal.

4. Foi proposta a aplicação ao Recorrente da pena de reforma compulsiva, conforme Relatório Final datado de 27 de junho de 2024, no entanto, sem qualquer fundamento legal, veio a ser aplicada ao Recorrente a pena de separação do serviço, por despacho n.º ... da Senhora Ministra da Administração Interna, de 18 de dezembro de 2024.

5. A decisão foi fundamentada no Relatório Final do instrutor, de 27 de junho de 2024, no Parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR e na Proposta do Exmo. Comandante-Geral, exarada na Informação n.º ... de 19 de agosto de 2024, da Direção de Justiça.

6. No despacho n.º ... consta a seguinte deliberação: “Determino, sob proposta do

Comandante-Geral da GNR, ouvido o ... e à luz do estabelecido no artigo 43.º do ..., a aplicação da pena disciplinar de separação do serviço a AA, ...

n.º ..., da Guarda Nacional Republicana”.

7. Numa primeira tomada de decisão, o Senhor Comandante-Geral concordou com a proposta de aplicação da pena de reforma compulsiva apresentada pelo Senhor Diretor de Justiça e Disciplina, conforme despacho de 29 de agosto de 2024, a fls. 882 dos autos, não tendo trazido ao processo qualquer outro facto que pudesse fundamentar a alteração da sua posição.

8. A disparidade entre a pena proposta no Relatório Final, de 27 de junho de 2024, a saber, a reforma compulsiva, e a pena aplicada pela Senhora Ministra da Administração Interna, a saber, a separação do serviço, enferma, em si própria, de total ausência de fundamentação.

9. O parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR é obrigatório, por força do artigo 43.º do Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, pelo que a falta de fundamentação da deliberação tomada torna a mesma ilegal.

10. Esta ilegalidade transmite-se ao ato impugnado, por falta do requisito de forma que é a existência de um parecer válido emitido pelo Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR.

11. Como bem refere o Tribunal a quo “a fundamentação visa dar a conhecer ao destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo que permitiu a tomada daquela decisão em concreto”, pelo que a votação por escrutínio secreto não pode afastar a obrigação de fundamentação escrita e expressa da decisão condenatória.

12. A votação por escrutínio secreto com vista à escolha entre sanções punitivas diversas deverá ser antecedida da fundamentação expressa para qualquer uma das penas a aplicar em alternativa. O que não foi feito.

13. Foi colocada à votação a aplicação da pena de reforma compulsiva, apresentando-se a devida fundamentação constante do Relatório Final. Para que se pudesse colocar à consideração a votação da pena de separação de serviço deveria ter sido promovida fundamentação diversa daquela que fundamentava a aplicação da pena de reforma compulsiva, isto porque, apesar de ambas as sanções terem uma natureza expulsiva, tem efeitos substancialmente diferentes, sendo a última bastante mais gravosa.

14. A aplicação de uma pena disciplinar não pode ficar dependente da vontade e do estado de espírito daquele que vai decidir, pelo que não podemos aceitar que se altere uma proposta punitiva através de votação, por escrutínio secreto, por “natureza infundamentada” como reconhece o Tribunal a quo.

15. Tal permissão fará tábua rasa do direito do arguido, ora Recorrente, de conhecer os fundamentos da sua condenação e, consequentemente, de formular a sua defesa de forma cabal.

16. Se os factos imputados ao Recorrente e aos restantes arguidos foram os mesmos, se no processo-crime nenhum dos arguidos sofreu sanção penal inferior à que foi aplicada ao Recorrente, a aplicação a este da pena disciplinar de separação de serviço viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.

17. Não existe qualquer facto provado no processo disciplinar que possa ser considerado como agravante da conduta do Recorrente em relação aos restantes arguidos.

18. O princípio da proporcionalidade obriga à adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, exigindo que a sanção a aplicar seja aquela que, sendo idónea ao fim a atingir, se apresente menos gravosa para o arguido.

19. Este princípio encontra-se consagrado nos artigos 2.º, 18.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa, encontrando-se diretamente relacionado com o princípio da justiça. Estes princípios encontram-se densificados, também, nos artigos 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo.

20. O douto Acórdão do STA, de 10 de julho de 2012, prolatado no âmbito do processo n.º

0803/11, sustenta que “em sede das penas disciplinares, o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, podendo a este propósito, falar-se do princípio da intervenção mínima, necessariamente ligada ao princípio do «favor libertatis», que deve levar a Administração a escolher de entre as medidas que satisfaçam igualmente o interesse público a que se configura como menos lesiva”.

21. É, assim, completamente desadequada a aplicação ao Recorrente a pena de separação do serviço, sendo flagrante a violação do princípio da proporcionalidade.

22. O Recorrente inicialmente foi acusado pela violação dos deveres de obediência, zelo, isenção e correção, no entanto, foi punido somente pela violação dos deveres de zelo, isenção e correção. O que, desde logo, é sintomático da falta de fundamentação para o agravamento da pena a aplicada ao Recorrente.

23. O Recorrente sempre acatou de forma pronta e leal as ordens e determinações dos seus superiores hierárquicos, dadas em matéria de serviço.

24. Ao não se fazer referência à violação do dever de obediência, teremos de considerar provado que o Recorrente cumpriu sempre as ordens que lhe foram dirigidas pelos seus superiores hierárquicos no âmbito da investigação.

25. O Recorrente sempre cumpriu as disposições legais e regulamentares, desempenhando de forma correta o serviço, pelo que não violou o dever de zelo.

26. O Recorrente nunca retirou quaisquer vantagens ilegítimas das funções exercidas, tendo uma conduta pautada por uma atuação independente em relação a interesses ou a pressões de qualquer índole, pelo que não violou o dever de isenção.

27. O Recorrente não violou o dever de correção, nomeadamente, nunca se apoderou de objetos ou valores que não lhe pertençam, como injustamente foi acusado.

28. Não se encontra provada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, pressuposto essencial para aplicação da pena da reforma compulsiva ou da pena separação do serviço.

29. O Recorrente foi sempre mantido em funções de investigação criminal, não tendo sido suscitada a necessidade de o afastar de tais funções.

30. Se, sem prescindir, para efeitos de elaboração de raciocínio lógico, aceitarmos a veracidade dos factos imputados ao Recorrente, mesmo neste cenário hipotético é forçoso concluir pela inexistência de fundamento para que tais factos conduzam à inviabilidade da manutenção da relação funcional.

31. O Recorrente sempre pautou a sua conduta pelos mais exigentes padrões éticos e deontológicos. Sempre obteve os maiores elogios dos seus superiores hierárquicos e sempre viu reconhecido o seu exemplar zelo e dedicação no cumprimento das missões atribuídas.

32. Qualquer conclusão que aponte no sentido da inviabilidade da manutenção da relação funcional será desajustada à realidade. Pelo que a consequente aplicação de pena expulsiva, de reforma compulsiva ou de separação do serviço, será sempre desnecessária, inadequada e desproporcional.

33. O douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25 de maio de 2023, prolatado no âmbito do Processo n.º 2792/14.0..., entretanto confirmado por douto acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Administrativo, considera que “é pacificamente entendido que o juízo de inviabilização da relação funcional não resulta ipso facto do disposto de qualquer das disposições legais do Estatuto Disciplinar aplicável aos agentes e funcionários públicos, … mas que resulta antes do conjunto normativo em que tal preceito se insere, alicerçado no conjunto de factos e de circunstâncias concretas conducentes à conclusão de que não é mais possível manter o vínculo jurídico funcional existente.”

34. Neste contexto jurisprudencial, a aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de reforma compulsiva ou de separação do serviço - só pode ter lugar quando a conduta do infrator atinja de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte que a sua não aplicação só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.

35. Segundo o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado em 1 de março de 1991, no âmbito do Processo n.º 028339, “a inviabilização da manutenção da relação funcional não é o facto que possa ser objeto de prova, mas uma cláusula geral a preencher por juízos de prognose efetuados com certa margem de liberdade administrativa”.

36. Existe uma variedade de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo onde se esclarece que o conceito de inviabilidade da manutenção da relação funcional se concretiza através de juízos de prognose acerca da gravidade das infrações praticadas, gravidade projetada na continuação ou quebra da relação funcional.

37. No caso do Recorrente, está demonstrado que a alegada prática da infração que lhe é imputada não inviabilizou, até à data, a manutenção da relação funcional.

38. O Recorrente, mesmo depois da data em que os factos ocorreram, esteve sempre plenamente integrado pessoal e funcionalmente na Guarda Nacional Republicana, pelo que, de qualquer forma, sempre se deveriam ter tido em conta todas as circunstâncias atenuantes e, ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Regulamento de Disciplina da GNR, aplicar-se pena de escalão inferior e de caráter não expulsivo.

39. De todo o exposto, conclui-se que o ato que determinou a aplicação da pena de separação do serviço do Recorrente é ilegal, por padecer do vício de violação de lei, nos termos conjugados do artigo 43.º do Regulamento de Disciplina da GNR, dos artigos 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem assim, dos artigos 2.º, 13.º, 18.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.


O Ministério da Administração Interna apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

I. O Recorrente, nas suas alegações de recurso, não demonstra, nem fundamenta nenhum vício que possa ser imputado à Douta Sentença, não logrando pôr em causa os seus fundamentos, encontrando-se a mesma devidamente fundamentada de facto e de direito;

II. Compulsados os autos, analisando-se da legalidade que estes comportam, é inequívoco

que o ato administrativo punitivo ora sob escrutínio respeita a lei e o direito;

III. O procedimento disciplinar decorreu de forma regular, tendo sido concedidas ao ora Recorrente todas as garantias de audiência e defesa, não se verificando vícios suscetíveis de constituírem nulidades insanáveis, nos termos dos artigos 81.° e 98.° a 101.° do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (...), aprovado pela Lei n.° 145/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.° 66/2014, de 28 de agosto, mais se verificando que o despacho em crise é totalmente conforme a lei e não enferma de qualquer vício;

IV. Assim, e contrariamente ao defendido pelo Recorrente, o despacho, de 18 de dezembro de 2024, de Sua Excelência a Ministra da Administração Interna, que lhe aplicou a pena disciplinar de Separação de Serviço, foi praticado em plena conformidade à lei e não enferma de qualquer vício;

V. O Recorrente invoca o vício de violação de lei — não praticou os factos pelo quais foi punido, contudo não tem razão;

VI. Alega o ora Recorrente que não praticou os factos pelos quais foi condenado penalmente (cinco crimes de corrupção passiva no âmbito do processo-crime com o

NUIPC ....0... PFCSC), tendo sido vítima de uma condenação criminal injusta e infundada;

VII. No que tange a esta alegação, apenas há a referir que os factos pelos quais o Recorrente foi condenado penalmente, por decisão transitada em julgado, implicam a prova desses mesmos factos em sede disciplinar, cabendo apenas à administração proceder à sua valoração jurídico-disciplinar, estando-lhe vedada qualquer descaracterização desses mesmos factos no sentido de os dar como não provados, sob pena de violar o princípio da unidade superior do Estado’'. Assim, à administração apenas cabe proceder à sua valoração jurídico- disciplinar, desiderato que concretizou;

VIII. Este princípio — já muito trabalhado pela jurisprudência administrativa —, na relativamente recente revisão efetuada ao Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, foi positivado pelo legislador no artº 6.º, n.º 5, do mencionado Estatuto Disciplinar;

IX. Invoca o vício de forma por falta de fundamentação - é-lhe aplicada a pena de «separação serviço» em vez da pena proposta pelo instrutor, sem fundamentação da divergência;

X. Alega o ora Recorrente que no relatório final do instrutor é proposta a aplicação de pena de «reforma compulsiva» e que num primeiro momento o Exmo. Comandante-Geral concordou e mandou submeter ao ... a proposta (fls. 882 do PA) e que o ... não concordou com a proposta e emitiu parecer no sentido da aplicação da pena de «separação de serviço», parecer este que padece do vício da falta de fundamentação, ou seja, não indica os motivos pelos quais discordou da proposta de aplicação da pena de «reforma compulsiva» e optou pela pena de «separação de serviço»;

XI. Alega por fim que a fundamentação utilizada — no ato administrativo ministerial sub examine — para aplicar a pena de «separação de serviço» é a mesma que foi utilizada pelo instrutor para propor a pena de «reforma compulsiva»;

XII. A primeira alegação corresponde à verdade, contudo, tal é absolutamente normal, pois os instrutores propõem aquilo que entendem e consideram adequado, podendo as entidades decisoras concordar ou discordar, decidindo coisa diversa — desde que os arguidos se tenham podido defender/pronunciar sobre o decidido, ou seja, não podem os arguidos ser surpreendidos, o que não foi o caso do ora Recorrente uma vez que este

foi acusado e da acusação consta a possibilidade de lhe ser aplicada quer a pena de «reforma compulsiva» quer a pena de «separação de serviço» (fls. 722 a 726v do PA);

XIII. A segunda alegação, de falta de fundamentação do parecer do ..., é improcedente, uma vez que o referido órgão colegial delibera por votação efetuada por escrutínio secreto, apenas se podendo apurar um determinado número de votos num ou noutro sentido;

XIV. Seja como for, acresce que a deliberação ... não constitui um parecer vinculativo, pelo que, mesmo que existisse - que não existe - alguma invalidade no mesmo, tal não seria suscetível de contaminar, só por si, de invalidade o ato administrativo sub examine;

XV. A última alegação, de que a fundamentação utilizada — no ato administrativo ministerial sub examine — para aplicar a pena de «separação de serviço» é a mesma que foi utilizada pelo instrutor para propor a pena de «reforma compulsiva», também é manifestamente improcedente incorrendo num claro equívoco;

XVI. Equívoco porque, uma coisa é a fundamentação per se, outra coisa é a consequência jurídica que pode resultar dessa fundamentação;

XVII. O que o ... exige previamente à aplicação de uma pena expulsiva (seja a «reforma compulsiva» seja a «separação de serviço») é a justificação ou fundamentação relativamente à inviabilização da manutenção da relação funcional (art.º 21.º do referido regulamento), e esta,

XVIII. Claramente consta do despacho punitivo (ponto 6. da informação n.º ..., de 19 de agosto de 2024, da ..., a fls. 882 do PA, parte integrante do despacho punitivo);

XIX. Aliás, os factos praticados pelo Recorrente, dados por provados em sede judicial, por decisão transitada em julgado, e que culminaram como sua condenação pela prática de cinco crimes de corrupção passiva, são autoexplicativos, dispensando grandes fundamentações quanto à inviabilização da manutenção da relação funcional;

XX. Fundamentada que está a inviabilização da manutenção da relação funcional, feito o devido enquadramento à luz do ..., nomeadamente quanto à qualificação da infração como muito grave, resta saber qual a sanção, quais as consequências que o Direito prevê para a correspondente factualidade;

XXI. E o Direito, neste caso a anterior versão do ..., prevê unicamente duas consequências possíveis, a aplicação da pena de «reforma compulsiva» ou da pena de

«separação» de serviço»;

XXII. No presente caso, pese embora o instrutor tenha optado por propor a pena de «reforma compulsiva», tal instituto não foi acolhido nem pelo ..., nem pelo Exmo. Comandante-Geral, nem mesmo por Sua Excelência a Ministra da Administração Interna, aplicando esta a pena de «separação» de serviço», o que fez no uso do seu poder discricionário, quanto à escolha de uma das duas penas passíveis de aplicação, seguindo o que foi o sentido da deliberação do ..., deliberação esta (seu sentido) que não deixa de constituir uma fundamentação per se do despacho a jusante;

XXIII. Mesmo que, por hipótese, se admitisse que existe algum défice de fundamentação do despacho punitivo, tal é apenas aparente, pois os factos praticados pelo Recorrente A. (que culminam com a prática de cinco crimes de corrupção passiva) são imediata e obrigatoriamente fundamentadores da pena de «separação de serviço», sem necessidade de qualquer explicação adicional, pois é facto notório, imediatamente compreensível por todos, que um cidadão corrupto — um cidadão que cometeu por 5 vezes o crime de corrupção — não pode pertencer à GNR;

XXIV. O ora Recorrente alegou o vício de violação de lei — violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade;

XXV. Alegou o Recorrente que no processo-crime pelo qual foi condenado houve mais arguidos (nenhum destes tendo sofrido pena inferior à sua) desconhecendo quais “as penas concretas aplicadas a cada um deles, mas tem ideia de que em relação a, pelo menos, dois, não foi aplicada pena tão severa, sendo que em relação a um deles nem sequer foi deduzida acusação no âmbito disciplinar”, o que viola o princípio da igualdade;

XXVI. O cidadão relativamente ao qual o Recorrente se refere e que nem sequer sofreu acusação disciplinar, muito provavelmente (não existe outra hipótese, pois o grupo era composto justamente por 4, o Recorrente e outros 3), foi o que se “demitiu” voluntariamente da GNR, não sendo, por isso, obviamente necessário expulsá-lo, aliás seria impossível de o fazer, pois não se pode expulsar alguém de uma Instituição a que já não pertence (aparece identificado na decisão penal constante dos autos como BB);

XXVII. Ao outro elemento do grupo foi-lhe aplicada a pena de «separação de serviço», tal como ao Recorrente (aparece identificado da decisão penal constante dos autos como CC

Costa) e o quarto elemento do grupo foi punido com 240 dias de suspensão agravada (pena máxima não expulsiva), contudo,

XXVIII. Tal decisão não passou pela apreciação do Senhor Comandante-Geral da GNR nem pelos serviços jurídicos próprios do MAI (.../...), uma vez que foi tomada pelo Exmo. Tenente-General Comandante do Comando Operacional da GNR no âmbito da sua competência disciplinar própria;

XXIX. Mais, todos os militares, desde há vários anos, que praticam crimes de corrupção, tirando casos excecionalíssimos, são sempre punidos com a pena de «separação serviço», inclusive assim foi com um dos camaradas do Recorrente;

XXX. Logo, inexiste qualquer violação do princípio da igualdade, pois a comparação deve ser feita com o geral e não com o excecional;

XXXI. Dito de outra forma, não se pode exigir tratamento igual por reporte a uma decisão errada, desequilibrada, ou até ilegal, pois isso levaria à replicação de sucessivas decisões erradas ou ilegais;

XXXII. No acórdão do STA, de 14MAR06, processo n.° 0509/05, escreveu-se o seguinte: “não pode haver igualdade na ilegalidade, isto é, o administrado não tem o direito de reclamar para si tratamento idêntico ao que a Administração teve para com outro particular, se sabe que esse procedimento é ilegal. Isso levaria à intolerável reedição de ilegalidades, supostamente a coberto do principio da igualdade”;

XXXIII. Alega também o A. a violação do princípio da proporcionalidade, contudo, conclusivamente, limitando-se à transcrição de elementos doutrinais e jurisprudenciais; XXXIV. Seja como for, é manifesto que a aplicação da pena de «separação de serviço» ao Recorrente — que praticou 5 crimes de corrupção — não viola o princípio da proporcionalidade, pois se assim fosse, tal seria a consagração da ideia de aceitação estatal do polícia corrupto como algo tolerável, o que seria, pensa-se, socialmente inaceitável;

XXXV. Argumenta o Recorrente com o vício de violação de lei — erro nos pressupostos de factos e de direito, pois nunca violou nenhum dever;

XXXVI. Alega o Recorrente que não violou nenhum dever uma vez que nenhum facto praticou que se possa reconduzir a tal violação;

XXXVII. Ora, toda a alegação do Recorrente se resume à negação da violação dos deveres e ao enaltecimento da sua conduta, todavia, os factos provados demonstram exatamente o contrário, que os deveres indicados como violados o foram de forma intensa e com alto grau de censurabilidade;

XXXVIII. O Recorrente alega ainda que a prova de que a manutenção da relação funcional é viável resulta da circunstância de os factos que lhe são imputados remontarem a 2013 e até à data o Estado Português (tribunais e administração) não terem sentido necessidade de o afastar da GNR, sendo por isso,

XXXIX. E ainda também, a pena de «separação de serviço» aplicada totalmente

desproporcional;

XL. A alegação do Recorrente é, naturalmente, uma falácia, pois se o Estado Português não o afastou desde logo foi unicamente devido aos tempos próprios da justiça, quer judicial quer administrativa, nada mais do que isso, situação aliás, que é a normal para este tipo de processos (entre a prática de factos criminosos e a expulsão de um militar, entre o processo-crime transitado e o processo disciplinar administrativo decidido, em Portugal, é frequente passarem-se 10 ou mais anos);

XLI. Obviamente que a alegação, também de desproporcionalidade relativamente a este ponto, é improcedente, pois se procedente fosse, isso significaria que muitas penas de «separações de serviço» deixariam de se aplicar, pois o tempo decorrido a isso obrigaria, o que não é o caso, pois, como vimos, para casos de corrupção, 10 anos, em média, tem sido frequente;

XLII. Recorde-se que estamos a falar de um caso de corrupção policial, cujas exigências de prevenção geral são elevadíssimas, não sendo compreensível para os demais polícias (não corruptos) a manutenção de um corrupto na Instituição, que a acontecer daria um nefasto sinal aos seus pares e à sociedade civil;

XLIII. Nesta sede não é demais assinalar, acompanhando o douto entendimento vertido na Sentença, que “De resto, a jurisprudência nacional tem referido a especial gravidade do crime de corrupção passiva, sendo unanimemente aceite como causa legitimadora para a aplicação de uma pena expulsiva de militares da GNR e de elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP), como resulta, designadamente, dos acórdãos do STA de 25- 02-2010 (proc. n.° 01035/08) e do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-10-


2024 (proc. n.° 978/12.1...), 12- 12-2024 (proc. n.° 2219/11 .OBELSB-A) e 28-01-

2016 (processos n.°s 12675/15 e 12838/15).;

XLIV. É, pois, inequívoco que os fundamentos constantes da Douta Sentença demonstram cabalmente a improcedência de toda a argumentação aduzida pelo Recorrente;

XLV. Nesta conformidade, entende o Ministério que a douta sentença recorrida revelou profundo conhecimento dos factos constantes do processo disciplinar, procedeu a uma cuidada aplicação do direito, não enfermando de qualquer vício devendo, por isso, ser mantida na ordem jurídica pelo Tribunal Central.

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O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à conferência para julgamento.

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II – Questões a apreciar e decidir

Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, em virtude de o despacho impugnado padecer de vício de violação de lei, por o ora recorrente não ter violado os seus deveres profissionais, não se encontrar demonstrada a inviabilidade da manutenção da relação funcional e terem sido violados os princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como de vício forma, por falta de fundamentação.

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III – Fundamentação

3.1 – De Facto

Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos:

A. O Autor é militar da GNR, encontrando-se na situação de reserva fora de efetividade. (Acordo)

B. O Autor foi incorporado na Guarda Nacional Republicana em 18-01-1988, ocupando o posto de .... (Cfr. fls. 15 do processo administrativo -pa- disciplinar)

C. Está na primeira classe de comportamento desde 1-01-2000. (Cfr. fls. 17 do pa)

D. Da sua folha de matrícula constam duas condecorações, três louvores e uma referência elogiosa. (Cfr. fls. 17 do pa)

E. Da sua folha de matrícula nada consta relativamente a registo disciplinar e criminal. (Cfr. fls. 17 do pa)

F. Por despacho do Comandante do Comando Operacional de 7-02-2014 foi instaurado o processo disciplinar n.° ... ao cabo (...) AA, a prestar serviço na Direção de Investigação Criminal, por factos investigados em inquérito criminal “relativo a ações de fiscalização em locais de recetação de metais não preciosos”. (Cfr. fls. 1-11 do pa)

G. Por despacho de 20-06-2014, o Comandante do Comando Operacional determinou a suspensão do processo disciplinar até que o processo-crime a correr pelos mesmos factos (NUIPC ....0...) transitasse em julgado. (Cfr. fls. 49 do pa)

H. Em 23-01-2020, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Proc. n.º ....0..., com o seguinte dispositivo:

«(...)

b. Concedem provimento ao recurso do acórdão absolutório e revogam o mesmo, julgando provados os factos constantes da pronúncia, nos termos acima descritos, e em consequência, condenam os arguidos pela prática, em co-autoria material de 4 (quatro) crimes de corrupção p. e p. pelo art.º 373° n° 1 e 386.° n.° al. d) ambos do Código Penal, quanto aos factos relativos aos ofendidos DD, EE, FF, e GG, nas seguintes penas:

Factos respeitantes a DD

BB — 2 anos e 6 meses de prisão; HH— 2 anos de prisão; JJ 2 anos de prisão; KK - 2 anos de prisão.

Factos respeitantes a EE

BB - 2 anos de prisão; HH - 1 ano e 9 meses de prisão; II

Carneiro Teixeira -1 ano e 9 meses de prisão; KK -1 ano e 9 meses de prisão;

Factos respeitantes a FF

BB — 2 anos de prisão; HH - 1 ano e 9 meses de prisão; António

Carneiro Teixeira -1 ano e 9 meses de prisão; KK -1 ano e 9 meses de prisão;

Factos respeitantes a GG

BB - 2 unos de prisão; HH - 1 ano e 9 meses de prisão; JJ - 1 ano e 9 meses de prisão; KK -1 ano e 9 meses de prisão; c. E em cúmulo jurídico condenam os arguidos:

BB — 4 anos de prisão; HH - 3 anos de prisão; JJ 3 anos de prisão; KK — 3 anos de prisão.

d. Suspendendo a execução das penas respectivas por 5 (cinco) anos aos arguidos».

(Cfr. fls. 234-353 do pa, que se têm por integralmente reproduzidas)

I. Por acórdão de 29-06-2023, proferido pelo Juízo Central Criminal de Cascais - Juiz 3, no proc.

n.º ....0...-G, transitado em julgado em 14-09-2023, o Autor foi condenado, em cúmulo jurídico, numa pena de três anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por cinco anos, pela prática de cinco crimes de corrupção passiva. (Cfr. fls. 671-698 do pa)

J. Em 1-02-2024, foi deduzida acusação no processo disciplinar n.º ..., de fls. 722 a 726 do pa, que se tem por integralmente reproduzida, que conclui pela aplicação das penas de reforma compulsiva ou separação de serviço.

K. Em 22-03-2024, o Autor apresentou defesa no processo disciplinar, concluindo pelo seu arquivamento «ou, em alternativa, ser aplicada pena não expulsiva, tendo em conta as atenuantes provadas». (Cfr. fls. 750-762 do pa, que se têm por integralmente reproduzidas)

L. Em 27-06-2024, a Instrutora do processo disciplinar elaborou o relatório final, o qual conclui o seguinte:

«IX. Parecer

Às infrações muito graves, nos termos do art.° 41.°, n.° 2, al. c), do ..., na redação original dada pela Lei n.° 144/99 de 1 de setembro, são aplicáveis as penas de reforma compulsiva e a pena separação de serviço.

Nessa medida, poderá cessar a relação funcional com a GNR, ou o seu afastamento definitivo da Guarda e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma.

Nos termos do art.° 42.°, n.° 3, do ..., quando um militar da Guarda tiver praticado várias infrações disciplinares, a sanção única a aplicar tem como limite mínimo a sanção prevista para a infração mais grave.

Não existe qualquer circunstância que diminua substancialmente a culpa do arguido e, nessa medida, possibilite a aplicação de pena de escalão inferior.

Consequentemente, pela violação das infrações individualizadas, ao arguido são aplicáveis a título de pena disciplinar principal, as penas de reforma compulsiva e a pena separação de serviço.

A pena de reforma compulsiva consiste na passagem forçada à situação de reformado, com cessação da relação funcional, cf. art.° 32.°, n.° 1 do ... na redação original.

A pena de separação de serviço consiste no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vínculo funcional à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma, cf. art.° 33.°, n.° 1 do ... na redação original.

Refere o art.° 41.°, n.° 1, do ..., que, na aplicação das penas disciplinares, atende-se à natureza do serviço, à categoria, posto e condições pessoais do infrator, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência e, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes.

Em face do exposto, atentas as necessidades de prevenção geral e especial, os critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacente à aplicação dosimétrica das penas, o grau culpa, bem como as circunstâncias agravantes e atenuantes, e demais critérios presentes no artigo 41.°, n.° 1, do ..., o espaço temporal que decorreu entre os factos e a sentença criminal, atendendo a que o militar se encontra na situação de ..., sou de parecer que o arguido deve ser punido com a pena reforma compulsiva» (Cfr. fls. 870-877 do pa, que se têm por integralmente reproduzidas).

M) Em 25-07-2024, o Comandante do Comando Operacional da GNR proferiu o seguinte despacho:

«1. Vistos os autos e o relatório final a fls. 870 a 877, do presente Processo Disciplinar n.° ..., acolho a matéria de facto apurada assim como a proposta do oficial Instrutor, que aqui se dá como integralmente reproduzida.

2. Dos autos extrai-se a seguinte informação pertinente:

O Processo Disciplinar in casu teve origem nos factos constantes no Despacho emanado pela Mma Juíza de Instrução Criminal da Comarca de Cascais, no âmbito do Processo de Inquérito n.° ..., cujo arguido é o Cabo NM ... - AA, à data dos factos a exercer funções na ..., presentemente na situação de reserva fora da efetividade de serviço e adstrito ao ...;

Em síntese, o LL integrava uma equipa de investigação, criada pela Direção de Investigação Criminal, para investigar crimes relacionados com furtos e recetação de cobre e derivados, cuja competência abrangia todo o território nacional, tendo, em conluio com outros militares, aceitado quantias monetárias dos indivíduos que estavam a ser alvo da própria investigação;

Mais, de forma a garantir o recebimento de dinheiro, intimavam os suspeitos da possibilidade de encerrar as oficinas, caso estes não cumprissem com a entrega de um determinado valor monetário, retirando assim, vantagens pecuniárias da situação;

Ora, em face do exposto, foi o militar arguido condenado na prática de um crime de corrupção passiva, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução, por cinco anos, tendo a decisão transitado em julgado em 14 de setembro de 2023;

3. O militar agiu de forma deliberada, livre e consciente, com noção que a sua conduta era reprovada, punida por lei, e violadora dos deveres a que se encontrava obrigado como militar da GNR.

4. Considerando a matéria provada nos autos, as diligências efetuadas pelo Instrutor permitiram recolher prova bastante da prática de infrações disciplinares, por parte do LL. Os factos foram praticados pelo arguido de forma dolosa e com elevado grau de culpa, consubstanciando, os deveres violados, infrações muito graves à disciplina. Sendo ainda colocada em causa a imagem, o prestígio e o bom nome da Guarda Nacional Republicana.

5. Nestes pressupostos, atendendo ao Regulamento de Disciplina aplicável à datas dos factos, sou de parecer que deve ser aplicada a pena de Reforma Compulsiva, prevista no art.° 32.°, n.° 1, conjugado com o art.° 41.°, n.° 1, ambos do Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado pela Lei n.° 145/99, de 01 de setembro, ao Cabo NM ... - AA, à data dos factos a exercer funções na ..., presentemente na situação de reserva fora da efetividade de serviço e adstrito ao ....

6. Neste contexto, face à competência disciplinar que impende sobre o militar arguido, na reserva fora da efetividade de serviço, e à proposta nos termos do n.° 2 do art.° 102.° do ..., determino o envio do presente Processo à Direção de Justiça e Disciplina da GNR, para apreciação e douta decisão». (Cfr. fls. 879 do pa)

N. Em 19-08-2024, a Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana emitiu a informação n.° ..., com o seguinte teor:

«(...)

II. DA ANÁLISE

1. Os factos praticados pelo arguido e integrantes dos crimes pelos quais foi condenado, coincidentes com a matéria disciplinar pela qual foi acusado, no essencial, podem sumariase da seguinte forma:

1. O arguido, juntamente com outros militares, fazia parte de uma equipa de investigação criminal, criada no seio da Direção de Investigação Criminal, com o propósito de proceder a investigações, em todo o território nacional, relacionadas com o furto e recetação de cobre e derivados.

2. Entre 2012 e 2013, o arguido, juntamente com outros militares da equipa, resolveram abordar alguns dos proprietários de sucateiras que já haviam identificado e, após ali realizarem uma fiscalização, referiam a existência de violações a normas legais e, a fim de que as infrações não fossem autuadas, exigiam a entrega de quantias monetárias.

2. Considerando os factos provados judicialmente, a instrutora, no relatório final, considerou que o arguido cometeu uma infração disciplinar muito grave, nos termos do art.° 21.°, n.° 1, do ..., por violação do dever de zelo, previsto no art.° 12.°, do ..., do dever de isenção, previsto no art.° 13.°, do ..., e do dever de correção, previsto no art.° 14.° do ....

3. Em face do que antecede, do ponto de vista procedimental, não se vislumbram quaisquer nulidades ou vícios que possam inquinar o processado, tendo sido asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido, cumprindo-se com todas as formalidades previstas no ....

4. Contudo, a instrutora no relatório final aquando da subsunção ao dever de isenção, faz referência às alíneas j) e 1) do n.° 2, art.° 13.°, do ..., referências estas que devem terse por não escritas pois são desnecessárias e, s.m.o., inaplicáveis. O mesmo se diga relativamente à alínea l) do n.° 2, art.° 14. do ... (dever de correção).

5. Noutra latitude, os factos trazidos ao relatório final, embora tenham a montante servido de suporte à condenação por 5 crimes (idênticos), de uma perspetiva disciplinar, salvo melhor e douta opinião, revestem a natureza de infração habitual, pelo que, nesta ótica, a agravante acumulação de infrações - referida no relatório final, não se verifica, devendo terse por não escrita.

6. Com efeito, as duas precisões que se efetuaram, maxime a referente à agravante, não são suscetíveis, de modo algum, de interferir com o acerto quanto à pena proposta (reforma compulsiva), pois os factos praticados pelo arguido preenchem claramente os pressupostos do art.° 21,° do ... (quer à luz da lei nova, quer à luz da lei antiga), uma vez que a natureza de tais factos — em síntese: um agente policial a solicitar dinheiro para não levantar auto — é absolutamente danosa para o serviço, provocando avultados danos neste na medida em que mina completamente a confiança que os cidadãos têm na instituição policial pondo gravemente em causa o prestígio e o bom nome da GNR, o que inviabiliza a manutenção da relação funcional do arguido.

7. Embora (à luz da lei antiga, mais favorável nesta parte), se admita, considerando as atenuantes que o arguido beneficia, bem como os credíveis depoimentos prestados pelas testemunhas abonatórias, que o arguido possa continuar a ser militar da Guarda (ainda que de forma "honorífica"), já não se pode admitir, de modo algum pois as exigências de prevenção geral não o permitem que possa continuar a manter uma relação funcional com a Guarda, daí ser absolutamente adequada, necessária a proporcional a aplicação ao arguido da pena de reforma compulsiva (art.° 32.° do ... — lei antiga).

III. DA PROPOSTA

Termos em que, caso o Exmo. Comandante-Geral se digne concordar com a proposta do instrutor, poderá:

- Determinar o envio do presente processo disciplinar ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, para emissão de parecer prévio, nos termos do art.° 43,° do ..., conjugado com o art.° 29.º, n.° 3, al. a), da LOGNR, sobre a aplicação de pena de reforma compulsiva ao arguido.

À consideração superior». (Cfr. fls. 882-883 do pa)

O. Em 29-08-2024, o Comandante-Geral da ÇNR exarou despacho de concordância na informação referida na alínea anterior. (Cfr. fls. 882 do pa)

P. Em 8-10-2024, por escrutínio secreto, o ... deliberou, numa primeira votação, pela aplicação de uma pena expulsiva ao Autor (por unanimidade), e, numa segunda votação, pela aplicação de pena de «separação de serviço» (11 (onze) votos a favor da aplicação da pena de «reforma compulsiva» e 16 (dezasseis) votos a favor da aplicação da pena de «separação de serviço». (Cfr. fls. 885-889 do pa)

Q. Em 10-10-2024, o Comandante-Geral da GNR proferiu o despacho n.º .../24, com o seguinte teor:

«1. Em 29AG024, foi determinado o envio do processo disciplinar n.° PjD073/14CG ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina ((TDD) da Guarda, para efeitos do disposto no art.° 43.° do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (...), aprovado pela Lei n.° 145/99, de 1 de setembro, alterado e republicado pela Lei n.° 66/2014, de 28 de agosto, com vista à emissão de parecer sobre a aplicação de uma pena expulsiva ao ... na reserva fora da efetividade do serviço (...) AA.

2. O CEED, na reunião de 08OUT24, considerando que à data dos factos em crise ainda vigorava o ..., aprovado pela Lei n.° 145/99, de 1 de setembro, na sua versão original, votou primariamente sobre a aplicação de uma pena expulsiva tendo deliberado pela aplicação de uma pena expulsiva, por 27 (vinte e sete) votos a favor e 0 (zero) contra.

3. Posteriormente, o ..., na mesma reunião de 08OUT24, em virtude de, in casu, existir a possibilidade legal de se aplicar ao militar quer a pena de «reforma compulsiva», quer a pena de «separação de serviço», procedeu a uma segunda votação, tendo deliberado pela aplicação da pena de «separação de serviço», que recolheu 16 (dezasseis) votos a favor contra 11 (onze) votos para a aplicação da pena de «reforma compulsiva».

4. Face ao exposto, concorda-se com a deliberação formulada pelo ..., pelo que determino o envio do processo disciplinar, acompanhado da respetiva ata, na parte respetiva, a Sua Excelência a Ministra da Administração Interna, para apreciação e douta decisão». (Cfr. fls. 892 do pa)

R. Em 5-12-2024, a Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (.../...) emitiu o parecer n.º 661-PM/2024, que conclui o seguinte:

«48. Face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

I. O processo disciplinar em que é arguido o ... n.° .... AA, na situação de reserva fora da efetividade de serviço, não padece de qualquer nulidade, tendo sido garantido na plenitude o seu direito de audiência e defesa;

II. As infrações disciplinares elencadas na Relatório Final encontram-se provadas no processo disciplinar;

III. É adequada e proporcional à conduta do arguido, inequivocamente inviabilizadora da manutenção da relação funcional, a pena disciplinar de separação de serviço.

ASSIM:

Caso Vossa Excelência se digne concordar com o exposto e com a pronúncia da Guarda Nacional Republicana, nomeadamente com a informação n° ..., de 19 de agosto de 2024, da Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana, com o Parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da Guarda Nacional Republicana, de 8 de outubro de 2024 e com o Despacho n.°.../24, de 10 de outubro de 2024, do Senhor Comandante- Geral da Guarda Nacional Republicana, poderá, nos termos da competência que lhe é conferida pelo artigo 430 do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.° 145/99, de 1 de Setembro, alterada pela Lei n° 66/2014, de 28 de agosto, aplicar ao arguido, ... n° ..., AA, a pena disciplinar de SEPARAÇÃO DE SERVIÇO, determinando ao Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana que proceda à notificação do arguido».(Cfr. fls. 895 a 902 do pa, que se têm por integralmente reproduzidas).

S. Em 18-12-2024, a Ministra da Administração Interna proferiu o despacho n.º ..., com o seguinte teor:

«1. Na sequência de despacho de 07.02.2014, do Sr. Comandante do Comando Operacional da Guarda Nacional republicana (GNR), foi instaurado o processo disciplinar n.° ... ao cabo (...) AA.

2. Os autos foram suspensos a 20.06.2014 até que o processo crime que se encontrava a correr termos pelos mesmos factos (NUIPC ....0...) transitasse em julgado (fls. 49 dos autos), sendo que o ora arguido foi naqueles autos condenado a 29.06.2023, por acórdão transitado em julgado a 14.09.2023, numa pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, pela prática de cinco crimes de corrupção passiva (cf. fls. 671-verso a 698 dos autos), retomando nessa altura os presentes autos a sua tramitação.

3. Tendo sido deduzida acusação (cf. fls. 722 a 726-v. dos autos) e apresentada defesa (cf. fls. 732 e 750 a 762-v.), foi a 27.06.2024 elaborado relatório final, propondo a aplicação ao arguido da pena de reforma compulsiva (cf. fls. 870 a 877 dos autos).

4. Apurou-se nos autos que:

a. O ora arguido, juntamente com outros militares, fazia parte de uma equipa de investigação criminal, criada no seio da Direção de Investigação Criminal, com o propósito de proceder a investigações, em todo o território nacional, relacionadas com o furto e recetação de cobre e derivados;

b. Entre 2012 e 2013, o arguido (juntamente com outros militares da equipa) abordou alguns dos proprietários de sucateiras que já haviam identificado e, após ali realizar(em) uma fiscalização e aludir(em) à existência de violações de normas legais, exigiu a entrega de quantias monetárias para que as referidas infrações não fossem autuadas;

c. Com esta conduta, o arguido violou os deveres de zelo, isenção e correção, previstos respetivamente nos artigos 12.°, 13.º e 14.º, todos do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.° 145/99, de 1 de setembro, na sua redação atual (...), cometendo uma infração disciplinar muito grave, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 2l.° do mesmo diploma.

5. Na sequência da remessa à Direção de Justiça e Disciplina (...) da GNR, ordenada por despacho de 25.07.2024 do Sr. Comandante do Comando Operacional (cf. fls. 879), foi proposta a audição do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina (...), previamente à aplicação da pena disciplinar de «reforma compulsiva» (cf. fls. 882 a 883-v. dos autos).

6. Assim, nos termos e com os fundamentos, que expressamente se acolhem para todos os efeitos legais:

a. Do Relatório Final do ... (cf. fls. 870 a 877 dos autos);

b. Da Informação n.° ..., de 19.08.2024, da ... da GNR (cf.fls. 882 a 883-v. dos autos);

c. Da proposta do Sr. Diretor de Justiça e Disciplina da GNR, de 26.08.2024, sobre a mesma informação aposta (idem);

d. Do despacho do Exmo. Sr. Comandante-geral da GNR exarado a 29.08.2024 sobre a referida Informação n.° ... (idem);

e. Da deliberação proferida em reunião datada de 08.10.2024 do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina (...) da GNR, nos termos e para os efeitos previstos no artigo

29.°, n.° 3, alínea a), da Lei Orgânica da GNR (LOGNR), aprovada pela Lei n.° 63/2007, de 6 de novembro, conjugado com o artigo 43.º do ..., na qual se deliberou (por maioria de 16 votos a favor e 11 contra) no sentido da aplicação ao visado da pena de separação de serviço (cf.fls. 885 a 891 dos autos)

f. Do Despacho n.° .../24 do Senhor Comandante-Geral da GNR, exarado a 10.10.2024 sobre a mesma (fls. 892 dos autos);

9) Do Parecer n.° ..., de 05.12.2024, da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa (DSAJCPL) da Secretaria- Geral do Ministério da Administração Interna (...),

Determino, sob proposta do Comandante-Geral da GNR, ouvido o ... e à luz do estabelecido no artigo 43.º do ..., a aplicação da pena disciplinar de separação do serviço a AA, ... n.° ..., da Guarda Nacional Republicana.

Comunique-se o presente despacho, para os devidos efeitos, ao Comando Geral da Guarda

Nacional Republicana». (Cfr. fls. 903-904 do pa, que se têm por integralmente reproduzidas)

T. Em 27-01-2025, o despacho referido na alínea anterior foi publicado no Diário da República

n.º 18/2025, 2.ª série. (Cfr. fls. 906-908).

U. Em 11-02-2025, o Autor foi notificado do despacho n.º ... da Ministra da Administração Interna. (Cfr. fls. 914 do pa)

V. Em 12-02-2025, o Autor foi abatido aos quadros da GNR. (Cfr. fls. 915 e 916)

W. A providência cautelar n.º ...foi instaurada em 17-03-2025. (Cfr. SITAF)

X. A ação administrativa n.º ......4... foi intentada em 2-05-2025. (Cfr. SITAF)

Y. Em 25-07-2017, junta médica do Ministério da Saúde emitiu Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, segundo a qual o Autor é portador de deficiência com grau de incapacidade de 75%. (Cfr. documento n.º 4 do RI)

Z. Por junta médica da Direção de Saúde e Assistência na Doença do Ministério da Administração Interna de 10-10-2024, o Autor foi declarado «INCAPAZ PARA TODO E QUALQUER SERVIÇO DA GNR, NOS TERMOS DA LEI 90/2009, À CONSIDERAÇÃO DA JUNTA MÉDICA DA CGA», sendo referida situação de «patologia do colon com prognóstico reservado». (Cfr. documento n.º 2 do RI)

AA. Pelo despacho n.º 570/.../23 do Comandante Geral da GNR, de 21-12-2023, foi declarada a extinção do processo disciplinar n.º ... ao 1.º sargento MM, também arguido no processo crime a que se refere a al. H), por ter, entretanto, cessado a sua relação jurídico-funcional com a GNR. (Cfr. fls. 2222 do SITAF)

BB. Pelo despacho n.º ..... da Ministra da Administração Interna, de 10-02-2025, proferido no processo disciplinar n.º ..., foi aplicado ao cabo-chefe HH, também arguido no processo crime a que se refere a al. H) e condenado em cúmulo jurídico na pena de três anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por cinco anos, pela prática de quatro crimes de corrupção passiva, a pena disciplinar de separação de serviço. (Cfr. fls. 2223-2250 do SITAF)

CC. Pelo despacho do Comandante do Comandante Operacional da GNR, de 25-07-2024, proferido no processo disciplinar n.º ..., foi aplicado ao guarda-principal de Infantaria NN, arguido no processo crime a que se refere a al. H) e condenado na pena de três anos e oito meses de prisão pela prática de um crime de corrupção passiva, suspensa na sua execução por cinco anos, a pena disciplinar de 240 dias de suspensão agravada. (Cfr. fls. 2291-2306 do SITAF)

*

3.2 – De Direito

Na sentença recorrida, o Tribunal a quo, antecipando o juízo sobre a causa principal, ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPTA, julgou improcedente a acção administrativa de impugnação do despacho da Ministra da Administração Interna, de 18/12/2024, que aplicou ao ora recorrente, militar da Guarda Nacional Republicana, a pena de separação de serviço, por, com a sua conduta, ter violado os deveres de zelo, isenção e correcção, previstos, respectivamente, nos artigos 12.º, 13.º e 14.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º145/99, de 2 de Setembro [doravante, ...].


Conhecendo os fundamentos do recurso pela ordem da sua precedência lógica, a primeira questão que se coloca é a de saber se, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o recorrente não violou os mencionados deveres de zelo, isenção e correcção.

Vejamos.

Na sentença recorrida, relativamente à violação dos deveres de zelo, isenção e correcção, consta, designadamente, o seguinte: “Resulta da factualidade provada que o Autor atuou, conjuntamente com outros militares, no sentido de obter quantias monetárias, para utilizar em proveito próprio, que sabia não poder solicitar, em troca da suposta “proteção que ofereciam. Foi esta a factualidade que motivou, aliás, a condenação do Autor em processo penal, pela prática de cinco crimes de corrupção passiva. O que constitui violação do dever de zelo, uma vez que o Autor não cumpriu nem fez cumprir os preceitos legais aplicáveis na situação em apreço.


Nos termos do art.º 13.º do ..., o dever de isenção consiste em «não retirar vantagens diretas ou


indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiros, das funções exercidas, atuando com independência em relação a interesses ou a pressões de qualquer índole». O que constitui, precisamente, a definição do crime de corrupção pelo qual o Autor foi condenado, tendo procurado obter (e obtido) vantagem pecuniária para si, através do exercício das suas funções de autoridade. Pelo que também este dever foi violado.


Por fim, o art.º 14.º do RDPSP prevê que o dever de correção consiste «no trato respeitoso com o público


em geral e entre militares, independentemente da sua graduação, tendo sempre presente que as relações a manter se devem pautar por regras de cortesia, justiça, igualdade, imparcialidade e integridade». Em especial, cabe ao militar, em cumprimento deste dever, não adotar condutas lesivas ao prestígio da instituição (n.º 2, al. a)), não perturbar a ordem nem transgredir os preceitos que vigorem no lugar em que se encontre (n.º 2, al. h)), não se apoderar de objetos ou valores que não lhe pertençam (n.º 2, al. k)).


Ora, a prática de cinco crimes de corrupção passiva e as condutas descritas na acusação são lesivas do


prestígio da instituição e consubstanciam inequivocamente a violação do dever de correcção”.


Ora, no presente recurso, o recorrente nada alega que seja susceptível de infirmar o assim decidido, uma vez que se limita a alegar que sempre pautou a sua conduta com escrupuloso cumprimento do dever de zelo e que o seu percurso profissional é claro quanto ao cumprimento do dever de isenção, que nunca foi por si violado, bem como que não violou o dever de correcção, nomeadamente, nunca se apoderou de objectos ou valores que não lhe pertenciam, como injustamente foi acusado.


O assim alegado pelo recorrente é infirmado pela factualidade considerada provada no processo disciplinar, sendo que é à luz daquela factualidade, e não de quaisquer outros factos que não resultaram demonstrados nos autos, que o Tribunal deve apreciar se conduta de que o recorrente foi acusado e punido naquele processo consubstancia infracção disciplinar, ou seja, e tendo presente o disposto no artigo 4.º, n.º1, do RDNGR, viola os deveres previstos na legislação aplicável aos militares da GNR, concretamente, os deveres cuja violação determinou a aplicação da pena disciplinar, quais sejam, os deveres de zelo, isenção e correcção, previstos nos artigos 12.º, 13.º e 14.º daquele Regulamento.


Importa referir que os factos pelos quais o recorrente foi punido disciplinarmente foram considerados provados no processo-crime, sendo que o Ministério da Administração Interna, ora recorrido, se encontrava vinculado aos factos considerados provados na decisão penal condenatória, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares [neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2018, proferido no Processo n.º1794/11.8... e Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 28/06/2018, proferido no Processo n.º28/18.4...].


A alegada injustiça da condenação penal do recorrente pela prática de cinco crimes de corrupção passiva apenas poderia ser corrigida no âmbito do processo-crime, sendo que, transitada em julgado a sentença penal condenatória, opera a mencionada vinculação da Administração, a quem não compete fazer qualquer juízo sobre a justiça da condenação.


Assim, atendendo a que, tal como considerou o Tribunal a quo, os factos considerados provados no processo disciplinar se subsumem à violação dos deveres de zelo, isenção e correcção, improcede a alegação do recorrente no sentido de que não violou estes deveres.


Alega, ainda, o recorrente que não se encontra provada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, pressuposto essencial para a aplicação da pena de reforma compulsiva ou de separação de serviço.

Vejamos.

Atento o disposto no artigo 41.º, n.º2, alínea c), do ..., na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º66/2014, de 28 de Agosto, que estabelece as regras a observar na determinação da pena, as penas disciplinares de reforma compulsiva e de separação de serviço são aplicáveis às infracções muito graves.


Por sua vez, o artigo 21.º, nºs 1 e 2, alíneas c) e g), do mesmo Regulamento, “1. São infrações disciplinares muito graves os comportamentos dos militares da Guarda, violadores dos deveres a que se encontram adstritos, cometidos com dolo, de que resultem avultados danos ou prejuízos para o serviço ou para terceiros e que ponham gravemente em causa o prestígio e o bom nome da instituição, inviabilizando, dessa forma, a manutenção da relação funcional. 2. São susceptíveis de inviabilizar a manutenção da relação funcional: c) Atentar gravemente contra a ordem, a disciplina, a imagem e o prestígio da instituição; g) Solicitar ou aceitar, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais indevidas, com o fim de praticar ou omitir acto inerente às suas funções ou resultante do cargo ou posto que ocupa”.


A questão da inviabilização da manutenção da relação funcional coloca-se, assim, no quadro do ..., e de modo diferente do que sucede na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [cfr. artigo 187.º], ao nível da qualificação da infracção disciplinar, ou seja, a infracção disciplinar é muito grave quando, entre o mais, inviabilize a manutenção da relação funcional.


Como resulta da factualidade provada, o recorrente foi condenado, no processo-crime, pela prática de cinco crimes de corrupção passiva [alínea I) da factualidade provada], cujo tipo legal se encontra previsto no artigo 373.º, n.º1, do Código Penal, nos seguintes termos: “O funcionário que, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.


Os factos em causa no processo disciplinar são os mesmos pelos quais o recorrente foi condenado, no processo-crime, pela prática de cinco crimes de corrupção passiva [alínea G) da factualidade provada], consistindo, em suma, na aceitação pelo recorrente, em conluio com outros militares, de quantias monetárias dos indivíduos que estavam a ser alvo de uma investigação relativa a furtos e receptação de cobres e derivados [alínea M) da factualidade provada].


A conduta do recorrente subsume-se, assim, ao disposto na alínea g), do n.º2, do artigo 21.º do ..., sendo, ainda, incompatível com o desempenho das funções de militar da GNR, colocando em causa o prestígio e o bom-nome da instituição e revelando que o mesmo é indigno da confiança necessária ao exercício da função [artigo 21.º, n.º2, alínea c), do ...].


Com efeito, a prática de cinco crimes de corrupção passiva por parte de um militar da GNR, que tem como atribuições, entre outras, prevenir a criminalidade, atenta gravemente contra a imagem e o prestígio da instituição, sendo que a confiança no cumprimento da missão confiada a esta força de segurança é incompatível com a permanência ao serviço de um militar que, no quadro do exercício das suas funções, praticou crimes de corrupção.


Ora, o comportamento profissional do recorrente, anterior e posterior à prática da infracção disciplinar, ainda que tenha sido exemplar e objecto de louvores, não permite desvalorizar o facto de o mesmo ter praticado cinco crimes de corrupção passiva, sendo que, como já referimos, a prática do crime de corrupção passiva por militares da GNR contende com o prestígio da instituição e com a confiança que os cidadãos devem poder depositar na mesma.


Por outro lado, a circunstância de os factos terem ocorrido em 2013 e o recorrente ter continuado a exercer as suas funções não demonstra a possibilidade de manutenção do vínculo profissional, atenta a gravidade do comportamento do recorrente e o seu efeito no prestígio e credibilidade da instituição.


Acresce, tendo presente o alegado pelo recorrente, que a atenuação extraordinária da pena disciplinar, prevista no artigo 39.º do ..., releva em sede de determinação da medida da pena, e não para efeitos de qualificação da infracção, sendo que, como já referimos, naquele Regulamento, a inviabilidade da manutenção da relação funcional coloca-se ao nível da qualificação da infracção disciplinar.


Não obstante, cumpre referir que, atenta a factualidade provada, não existem quaisquer circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do recorrente, o qual, sendo, à data dos factos em causa no processo disciplinar, militar da GNR há mais de 20 anos, certamente não desconhecia que a conduta por si adoptada consubstanciava a prática de um crime e violava os deveres a que se encontrava adstrito por força da sua condição militar.


Atento o exposto, concluímos que as infracções disciplinares imputadas ao recorrente no processo disciplinar inviabilizam a manutenção da relação funcional, constituindo, pois, infracções muito graves, a que, nos termos do artigo 41.º, n.º2, alínea c), do ..., na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º66/2014, de 28 de Agosto, são aplicáveis as penas de reforma compulsiva e de separação de serviço.


Alega, também, o recorrente que a aplicação da pena de separação de serviço viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Vejamos.

A aplicação do princípio da igualdade no âmbito da actividade administrativa postula a não discriminação, positiva ou negativa, dos interessados e, no âmbito da auto-vinculação da administração, exige a adopção da mesma conduta quanto a situações iguais, o que pressupõe a demonstração da igualdade de situações, ou seja, a identidade subjectiva, objectiva e normativa.


Quanto às penas disciplinares aplicadas aos três militares da GNR que foram co-arguidos no processo-crime no âmbito do qual o recorrente foi condenado pela prática dos crimes de corrupção passiva, resulta da factualidade provada o seguinte:

• o processo disciplinar instaurado contra o 1.º sargento MM foi extinto, por, entretanto, ter cessado a sua relação jurídico-funcional com a GNR [alínea AA) da factualidade provada];

• ao cabo-chefe HH, condenado em cúmulo jurídico na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por cinco anos, pela prática de 4 crimes de corrupção passiva, foi aplicada a pena disciplinar de separação de serviço [alínea BB) da factualidade provada];

• ao guarda-principal de Infantaria NN, condenado na pena de 3 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de corrupção passiva, suspensa na sua execução por cinco anos, foi aplicada a pena disciplinar de 240 dias de suspensão agravada [alínea CC) da factualidade provada].


Verifica-se, assim, que a um do co-arguidos no processo-crime, NN, foi aplicada uma pena não expulsiva, enquanto ao recorrente e ao cabo-chefe HH foi aplicada uma pena expulsiva, qual seja, a separação de serviço.


No entanto, e como refere o Tribunal a quo, “não se conhecendo as circunstâncias concretas do processo disciplinar de que resultou a condenação de NN, não é possível fazer um juízo comparativo com a situação do Autor e, consequentemente, não se pode decidir pela violação do princípio da igualdade”.


Com efeito, como resulta do disposto no artigo 41.º, n.º1, do ..., na aplicação das penas disciplinares atender-se-á à natureza do serviço, à categoria, posto e condições pessoais do infractor, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau de ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência e, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes, o que significa que a pena disciplinar não é determinada apenas pela natureza e gravidade da infracção disciplinar.


Nesta medida, o facto de todos os co-arguidos no processo-crime terem sido condenados pela prática do crime de corrupção passiva, e sendo certo que o número de crimes praticados pelo guardaprincipal de Infantaria NN é inferior ao número de crimes praticados pelo recorrente e pelo cabo-chefe HH, não implica necessariamente a aplicação da mesma pena disciplinar, uma vez que, desde logo, as circunstâncias atenuantes e agravantes aplicáveis a cada um deles podem ser diferentes e, assim, fundamentar a aplicação de uma pena disciplinar diferente.


Assim sendo, atenta a factualidade provada nos autos, não podemos concluir que aplicação da pena de separação de serviço ao recorrente viola o princípio da igualdade.


Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, importa ter presente que este princípio tem o seu âmbito de aplicação privilegiado no espaço de discricionariedade da Administração, constituindo um limite interno da discricionariedade administrativa, que implica que a Administração não esteja apenas obrigada a prosseguir o interesse público, a alcançar os fins visados pelo legislador, mas que deva fazê-lo pelo meio que represente um sacrifício menor para as posições jurídicas subjectivas dos particulares.


Ora, atenta a gravidade da conduta do recorrente, que consubstancia a prática do crime de corrupção passiva, a aplicação da pena disciplinar de separação de serviço mostra-se insusceptível de violar o princípio da proporcionalidade, sendo que, como já referimos, e agora se reitera, a prática de cinco crimes de corrupção passiva por parte de um militar da GNR, que tem como atribuições, entre outras, prevenir a criminalidade, atenta gravemente contra a imagem e o prestígio da instituição, sendo que a confiança no cumprimento da missão confiada a esta força de segurança é incompatível com a permanência ao serviço de um militar que, no quadro do exercício das suas funções, praticou crimes de corrupção.


Com efeito, a aplicação da pena de separação de serviço justifica-se por considerações de natureza retributiva e de prevenção geral, pelo que a mesma não surge como desproporcional relativamente aos fins visados, quando, como nos autos, está em causa a prática de crimes de corrupção passiva por um militar da GNR.


Por fim, cumpre decidir se, como alega o recorrente, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o despacho impugnado padece do vício de falta de fundamentação.


Relativamente ao vício de falta de fundamentação, consta da sentença recorrida,


designadamente, o seguinte: “No que respeita à motivação da pena aplicada, verifica-se que a pena expulsiva foi a proposta no relatório final da Instrutora, ainda que propendendo para a sanção de reforma compulsiva e não para a separação de serviço.


Não se pode perder de vista que, como resulta da al. d) do n.º 1 do art.º 102.º do ..., o instrutor dá um parecer sobre a pena que entender justa, mas o órgão decisor não está vinculado ao acolhimento dessa proposta, podendo selecionar uma outra sanção disciplinar que entenda ser mais justa. Nem poderia ser de outra forma, porquanto a decisão acerca da pena aplicada constitui um juízo discricionário próprio do órgão administrativo com poderes decisórios, numa escolha entre as medidas sancionatórias que ao caso sejam legalmente aplicáveis.


Assim, a decisão final, por remissão, contém a fundamentação necessária à aplicação da pena de


separação de serviço, nomeadamente no que respeita à inviabilidade de manutenção da relação jurídico-funcional.


No que respeita ao parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR, obrigatório quando


esteja em causa a aplicação de pena expulsiva nos termos do art.º 43.º do ..., verifica-se que o mesmo, como nota a Entidade Demandada, mais não é do que uma votação acerca da sanção disciplinar a aplicar ao arguido, a qual visa auxiliar a tomada de decisão da entidade com poderes decisórios.


Por se tratar de uma votação, ademais com escrutínio secreto, é por natureza infundamentada, constituindo um voto qualificado dos elementos do Conselho acerca da sanção aplicar, a qual tem necessariamente em consideração os elementos do caso concreto e as decisões tomadas em processos disciplinares da mesma natureza.


Face ao exposto, entende-se que a decisão impugnada não padece do vício formal que lhe é imputado”.


O Tribunal a quo concluiu, assim, por um lado, que o despacho impugnado contém a fundamentação necessária à aplicação da pena de separação de serviço e, por outro, que o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina “mais não é do que uma votação acerca da sanção disciplinar a aplicar ao arguido”, que “é por natureza infundamentada”.


Vejamos, em primeiro lugar, se, como entendeu o Tribunal a quo, o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina não tem de ser fundamentado.


Como resulta do disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), da Lei n.º63/2007, de 6 Novembro – Lei Orgânica da GNR –, o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina é o órgão de consulta do comandante-geral da GNR em matéria de justiça e disciplina, competindo-lhe, entre o mais, emitir parecer sobre a aplicação das penas disciplinares de reforma compulsiva e de separação de serviço e da medida estatutária de dispensa de serviço.


De acordo com o disposto no artigo 43.º do ..., “a aplicação da pena de separação de serviço é da competência exclusiva do Ministro da Administração Interna, cuja decisão deve ser precedida de parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina (CEDD) da Guarda”.


O Regulamento do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR foi aprovado pelo Despacho n.º..., do Ministro da Administração Interna, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 16/12/2008, sendo que, nos termos do artigo 10.º, n.ºs 1, 3 e 4 daquele regulamento, “1. As deliberações são tomadas por votação nominal, votando em último lugar o presidente. (…) 3. As deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto. 4. As deliberações tomadas por escrutínio secreto são fundamentadas pelo presidente do CEED após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido”.


Atento o disposto na norma regulamentar citada, conclui-se que as deliberações do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina tomadas por escrutínio secreto devem ser fundamentadas, o que significa que o parecer daquele Conselho sobre a aplicação da pena disciplinar de separação de serviço, a que se referem os artigos 29.º, n.º3, alínea a), da Lei n.º63/2007, de 6 de Novembro, e 43.º do ..., não se resume, como entendeu o Tribunal a quo, “a uma votação acerca da sanção disciplinar a aplicar ao arguido”.


Ora, da factualidade provada resulta que, em 08/10/2024, por escrutínio secreto, o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina deliberou, numa primeira votação, pela aplicação de uma pena expulsiva ao Autor (por unanimidade), e, numa segunda votação, pela aplicação de pena de «separação de serviço», 11 (onze) votos a favor da aplicação da pena de «reforma compulsiva» e 16 (dezasseis) votos a favor da aplicação da «pena de separação de serviço» [alínea P) da factualidade provada].


Tanto quanto resulta da factualidade provada, o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina limitou-se a proceder a uma votação sobre a pena disciplinar a aplicar ao recorrente, sem que, tal como exigido pelas normas legais e regulamentares supra citadas, tivesse elaborado um parecer fundamentado sobre a aplicação da pena de separação de serviço, o que, por si só, consubstancia a preterição de uma formalidade essencial do procedimento disciplinar, uma vez que uma deliberação daquele Conselho em que conste unicamente o resultado da votação sobre a pena a aplicar ao arguido, sem qualquer fundamentação, não consubstancia o parecer a que se refere o artigo 43.º do ....


Noutra perspectiva, que é a que releva nos presentes autos, a falta de fundamentação do parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina pode contender com a fundamentação do despacho punitivo.


Com efeito, nos termos do artigo 105.º, n.º2, do ..., “1. O despacho punitivo deve ser fundamentado e conterá, designadamente: a) Identificação do arguido; b) Enumeração dos factos considerados provados; c) Disposições legais aplicáveis; d) Os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção disciplinar; e) Consequências quanto à mudança de classe de comportamento; e) Data e assinatura do autor”.


A fundamentação do despacho punitivo pode, no entanto, e nos termos gerais do artigo 153.º, n.º1, do CPA, “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato”.


No despacho impugnado remete-se para os fundamentos: a) do Relatório Final do processo disciplinar; b) da informação n.º..., de 19/08/2024, da ..., da GNR; c) da proposta do Director de Justiça e Disciplina da GNR de 26/08/2024; d) do despacho do Comandante-Geral da GNR exarado a 29/08/2024 sobre a informação referida em b); e) da deliberação proferida, em reunião datada de 08/10/2024, do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR; d) do despacho n.º.../24 do Comandante-Geral da GNR, exarado a 10/10/2024; f) do Parecer n.º..., de 05/12/2024, da Direcção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna [alínea S) da factualidade provada].


Ora, como já referimos, a deliberação do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina no sentido de ser aplicada ao recorrente a pena de separação do serviço não contém qualquer fundamentação, pelo que os fundamentos que presidiram à escolha da pena disciplinar, a que se refere a alínea d), do n.º2, do artigo 105º do ..., não constam daquela deliberação.


Acresce que, no relatório final do instrutor foi proposta a aplicação da pena de reforma compulsiva, constando daquele relatório, designadamente, o seguinte: “Consequentemente, pela violação das infrações individualizadas, ao arguido são aplicáveis a título de pena disciplinar principal, as penas de reforma compulsiva e a pena separação de serviço.


A pena de reforma compulsiva consiste na passagem forçada à situação de reformado, com cessação da relação funcional, cf. art.° 32.°, n.° 1 do ... na redação original.


A pena de separação de serviço consiste no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vínculo funcional à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma, cf. art.° 33.°, n.° 1 do ... na redação original.


Refere o art.° 41.°, n.° 1, do ..., que, na aplicação das penas disciplinares, atende-se à natureza do serviço, à categoria, posto e condições pessoais do infrator, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência e, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes.


Em face do exposto, atentas as necessidades de prevenção geral e especial, os critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacente à aplicação dosimétrica das penas, o grau culpa, bem como as circunstâncias agravantes e atenuantes, e demais critérios presentes no artigo 41.°, n.° 1, do ..., o espaço temporal que decorreu entre os factos e a sentença criminal, atendendo a que o militar se encontra na situação de ..., sou de parecer que o arguido deve ser punido com a pena reforma compulsiva” [alínea L) da factualidade provada].


Também na Informação n.º..., de 19/08/2024, da Direcção de Justiça e Disciplina da GNR, sobre a qual foi proferido despacho de concordância do Comandante-Geral da GNR de 29/08/2024, foi proposta a aplicação ao recorrente da pena de reforma compulsiva, constando da mesma, designadamente, o seguinte: “ (…) as duas precisões que se efetuaram, maxime a referente à agravante, não são suscetíveis, de modo algum, de interferir com o acerto quanto à pena proposta (reforma compulsiva), pois os factos praticados pelo arguido preenchem claramente os pressupostos do art.° 21,° do ... (quer à luz da lei nova, quer à luz da lei antiga), uma vez que a natureza de tais factos — em síntese: um agente policial a solicitar dinheiro para não levantar auto — é absolutamente danosa para o serviço, provocando avultados danos neste na medida em que mina completamente a confiança que os cidadãos têm na instituição policial pondo gravemente em causa o prestígio e o bom nome da GNR, o que inviabiliza a manutenção da relação funcional do arguido.


7. Embora (à luz da lei antiga, mais favorável nesta parte), se admita, considerando as atenuantes que o arguido beneficia, bem como os credíveis depoimentos prestados pelas testemunhas abonatórias, que o arguido possa continuar a ser militar da Guarda (ainda que de forma "honorífica"), já não se pode admitir, de modo algum pois as exigências de prevenção geral não o permitem que possa continuar a manter uma relação funcional com a Guarda, daí ser absolutamente adequada, necessária a proporcional a aplicação ao arguido da pena de reforma compulsiva (art.° 32.° do ... — lei antiga).” [alínea N) da factualidade provada].


O relatório final do instrutor, bem como a Informação n.º..., de 19/08/2024, da Direcção de Justiça e Disciplina da GNR apenas indicam, assim, as razões pelas quais deve ser aplicada ao recorrente a pena de reforma compulsiva, sendo que, quanto à pena de separação de serviço, apenas se refere, naquele relatório, que a mesma é aplicável às infracções praticadas pelo recorrente.


As razões pelas quais deve ser aplicada ao recorrente a pena de separação de serviço também não constam do despacho n.º.../24, de 10/10/2024, do Comandante-Geral da GNR, uma vez que o mesmo se limitou a manifestar a sua concordância com a deliberação do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, a qual, reitere-se, não se encontra fundamentada [cfr. alínea Q) da factualidade provada].


Por fim, no Parecer n.º..., de 05/12/2024, da Direcção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna consta, em sede conclusiva, que “é adequada e proporcional à conduta do arguido, inequivocamente inviabilizadora da manutenção da relação funcional, a pena disciplinar de separação de serviço” [alínea R) da factualidade provada], sendo que, no mesmo Parecer, que o Tribunal a quo apenas transcreveu parcialmente, mas deu por integralmente reproduzido, consta, relativamente à aplicação daquela pena, designadamente o seguinte: “43. É inquestionável que a infração disciplinar em causa é suscetível de inviabilizar a manutenção da relação funcional, de acordo com o disposto no n.º2 do artigo 21.º do ....

(…)

45. A pena de Separação de Serviço prevista no artigo 27.º, n.º2, alínea e), com os efeitos constantes no artigo 33.º, conjugado com o artigo 41.º, n.º2, alínea c), todos do ..., aprovado pela Lei n.º145/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º66/2014, de 28 de Agosto, afigura-se adequada à gravidade das infrações disciplinares, cometidas com elevado grau de culpa, pondo em causa o prestígio e o bom nome da instituição, inviabilizando a manutenção da relação funcional, respeitando-se o princípio da proporcionalidade.” [cfr. fls. 895 a 902 do processo administrativo].


Não constam, assim, do parecer citado as razões pelas quais, sendo aplicáveis às infracções praticadas pelo recorrente a pena de reforma compulsiva e a pena de separação de serviço, se opta por esta última, tecendo-se considerações genéricas que, em rigor, tanto podem fundamentar a aplicação da pena de separação de serviço como a pena de reforma compulsiva.


Atento o exposto, concluímos que os elementos para que o despacho impugnado remete não indicam as razões pelas quais deve ser aplicada ao recorrente a pena de separação de serviço, mas apenas a aplicação de uma das penas expulsivas previstas no ..., sendo que se é certo que, verificados os pressupostos de aplicação de ambas as penas, cabe na margem de discricionariedade da Administração decidir qual delas aplica, não é menos certo que tal decisão tem de ser fundamentada, indicando-se as razões pelas quais se opta por uma em detrimento da outra, ou seja, e na situação dos autos, pela pena mais gravosa de separação de serviço em detrimento da pena de reforma compulsiva.


Assim, considerando que os elementos para que o despacho impugnado remete não contêm, tal como exigido pelo artigo 105.º, n.º2, alínea d), do ..., os fundamentos que presidiram à escolha da sanção disciplinar, impõe-se concluir que aquele despacho padece do vício de falta de fundamentação, o que determina a sua anulação.


Cumpre, pois, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando-se a acção procedente e anulando-se o despacho impugnado.

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IV – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i. conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

ii. julgar a acção administrativa procedente e, em consequência, anular o despacho da Ministra da Administração Interna, de 18/12/2024, que aplicou ao recorrente a pena de separação de serviço.

Custas pela entidade demandada/recorrida em ambas as instâncias.

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Lisboa, 09/10/2025

Ilda Côco

Maria Helena Filipe

Luís Borges Freitas