Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:125/23.4BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2024
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:REGIME JURÍDICO DAS FEDERAÇÕES DESPORTIVAS
RECURSO NECESSÁRIO
TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA
Sumário:I. O recurso para os órgãos colegiais em relação aos atos administrativos praticados por quaisquer dos respetivos membros, previsto no artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, deve ser qualificado como necessário, pois da sua prévia utilização depende a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido, conforme decorre do disposto nos artigos 185.º, n.º 1, n.º 2, do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e 3.º, n.º 1, al. b), deste diploma legal.
II. Sem que tenha sido apresentado tal recurso necessário e instaurada ação arbitral no Tribunal Arbitral do Desporto, procede a exceção dilatória de incompetência deste Tribunal.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
A.. M..., J... J..., C... J..., H... V...e C... P....instauraram ação arbitral contra o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal, a Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal e a Federação de Andebol de Portugal, visando a impugnação da decisão proferida em 12 de maio de 2023, através da qual o Presidente da Mesa da Assembleia Geral determinou a perda e cessação do mandato de todos os membros do Conselho de Arbitragem.
Por decisão de 18/07/2023, o Tribunal Arbitral do Desporto deliberou considerar procedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral do Desporto para apreciar o presente processo, em face do artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, que impõe o caráter necessário do recurso que deveria ter sido interposto pelos demandantes das decisões de perda de mandato adotadas pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal para a Assembleia Geral.
Inconformados, os demandantes interpuseram recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“A) O presente recurso tem por objeto o acórdão arbitral de 18/07/2023 que decidiu considerar procedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral do Desporto para apreciar o processo, em face do artigo 46.2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas, que impõe o carácter necessário do recurso que deveria ter sido interposto pelos Recorrentes das decisões de perda de mandato adotadas pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal para a Assembleia Geral.
B) A competência do Tribunal Arbitral do desporto em sede de arbitragem necessária reconduz-se a litígios emergentes de atos e omissões das federações desportivas, entre outros, no âmbito dos correspondentes poderes de regulação organização e disciplina.
C) Poderes que deverão ter natureza administrativa pelo que se estão disponíveis as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Procedimento Administrativo que forem aplicáveis, para além das vias de recurso previstas no artigo 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto.
D) O Tribunal Arbitral do Desporto declarou-se incompetente por considerar que da declaração do Presidente da Mesa da Assembleia Geral de perda de mandato dos membros do Conselho de Arbitragem cabia recurso necessário para a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal, decisão que fundamentou com o disposto com o disposto no artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas.
E) Não assiste razão ao Tribunal o quo ao considerar, com base na letra do artigo 46º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, o carácter necessário do recurso para a Assembleia Geral.
F) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o Novo Código do Procedimento Administrativo, as impugnações administrativas até então consideradas como necessárias passaram apenas a sê-lo quando previstas em lei que utilizasse as expressões referidas no artigo 3.º do preâmbulo.
G) O Regime Jurídico das Federações Desportivas não é uma lei, mas antes um Decreto-Lei pelo que, da interpretação literal do artigo 3.º do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, tal disposição não lhe é aplicável,
H) À luz do Novo Código do Procedimento Administrativo, as impugnações administrativas são por regra facultativas, conforme previsto no artigo 185.º do referido diploma legal.
I) Sendo a impugnação administrativa por regra facultativa não assiste razão ao Tribunal a quo quando defende ser necessário o recurso para a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal.
J) Por conseguinte, o Tribunal Arbitral do Desporto é competente para julgar a impugnação da declaração de perda de mandato dos membros do Conselho de Arbitragem.
K) Consagra o n.º 2 do artigo 43.º dos Estatutos da Federação de Andebol de Portugal, sob a epígrafe “Perda”, que “O Presidente da mesa da Assembleia-Geral, no prazo de dez dias, declara a perda de mandato dos titulares dos órgãos sociais eleitos, após o conhecimento do facto que lhe serve de fundamento”.
L) Enquanto o n.º 1 do artigo 45.º dos Estatutos da Federação de Andebol de Portugal, sob a epígrafe “Destituição”, estabelece que “Os membros dos órgãos estatutários podem ser destituídos em Assembleia-Geral, mediante proposta fundamentada de, pelo menos 1/3 dos votos da Assembleia-Geral”.
M) Resulta dos suprarreferidos normativos estatutários que é da competência do Presidente da Mesa da Assembleia Geral a declaração de perda de mandato e da competência da Assembleia Geral a destituição dos órgãos sociais da Federação de Andebol de Portugal.
N) Estamos perante duas figuras jurídicas distintas, a perda de mandato e a destituição, pelo que remeter a decisão a perda de mandato para a Assembleia Geral, como defende o tribunal a quo, seria transformar uma perda de mandato em uma destituição.
O) Ao individualizar no Presidente da Mesa da Assembleia Geral os poderes para declarar a perda de mandato dos titulares dos órgãos sociais eleitos, possibilitou-se o recurso desta decisão para o Pleno da Mesa da Assembleia Geral, órgão social ao qual pertence o Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
P) Tal resulta do disposto no artigo 46º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, que legisla que no âmbito das federações desportivas há sempre recursos para os órgãos colegiais em relação aos atos administrativos praticados por qualquer dos respetivos membros.
Q) Tendo a declaração de perda de mandato dos membros do Conselho de Arbitragem, e ora recorrentes, sido assinada pelo Presidente e Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral, ou seja, por 2 dos 3 membros da Mesa da Assembleia Geral, o recurso para o pleno da Mesa da Assembleia Geral tornou-se um ato inútil.
R) O recurso para o pleno da Mesa da Assembleia Geral seria a repetição do mesmo ato e levaria à prolação de ato de teor idêntico, o que, manifestamente, constituiria um ato inútil já que a realidade material manter-se-ia inalterada.
S) Ao contrário do Tribunal a quo os Recorrentes consideram a Mesa da Assembleia Geral um órgão da Federação de Andebol de Portugal.
T) Tal resulta desde logo do plasmado no artigo 37º dos estatutos da Federação de Andebol de Portugal, entre outras disposições, que estabelece que o Presidente e os titulares dos órgãos sociais Mesa da Assembleia Geral e Direção são eleitos pela Assembleia Geral, em lista conjunta (...).
U) Entendem os Recorrentes que a Mesa da Assembleia Geral e a Assembleia Geral não são um único e mesmo órgão social da Federação de Andebol de Portugal, contrariamente ao invocado pelo Tribunal a quo na sua decisão Arbitral.
V) Cada um destes órgãos sociais tem poderes e competências próprias.
W) O entendimento do Tribunal a quo, de que da declaração de perda de mandato dos membros do Conselho de Arbitragem proferida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral cabe recurso necessário para Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal, é claramente violador do princípio da proporcionalidade e do acesso ao direito, respetivamente, consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
X) É impossível aos Recorrentes suportar os custos que acarreta uma logística complexa para a montagem de uma Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal, composta por 57 delegados, oriundos de diferentes zonas de Portugal continental e ilhas, pelos membros da direção e presidentes que os demais órgãos sociais, pelos membros honorários e funcionários da FAP necessários para a realização da Assembleia Geral, sendo incomportável para os Recorrentes o pagamento de todas as despesas relacionadas com o aluguer de sala de hotel, despesas de deslocação, incluindo bilhetes de avião, alimentação e estadias para cerca de 100 pessoas, presumindo os Recorrentes ascenderem a cerca de 40.000,00 €.
Y) O entendimento do Tribunal a quo da necessidade de recorrer à Assembleia Geral leva a uma clara desproporcionalidade entre o montante que os Recorrentes teriam de pagar e a concreta factualidade do processo.
Z) Por outro lado, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral declarou a perda de mandato dos membros do Conselho de Arbitragem em 12 de maio de 2023 e, passado os 7 dias, ou seja, no dia 19 de maio de 2023 convocou eleições intercalares para o órgão Conselho de Arbitragem.
AA) A convocação de eleições intercalares para o Conselho de Arbitragem quando a decisão da perda de mandato ainda não tinha transitado em julgado é uma clara violação, por parte do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, dos direitos dos Recorrentes.
BB) Os Recorrentes dispunham do prazo de 30 dias para recorrer para a Mesa da Assembleia Geral ou, no entendimento do Tribunal a quo, para a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal. E dispunham do prazo de 10 dias para impugnar a declaração de perda de mandato junto do TAD.
CC) Os Recorrentes disponham da possibilidade legal de interpor uma providencia cautelar junto do Tribunal Arbitral do Desporto para suspender a eficácia do ato de convocação de eleições intercalares para o Conselho de arbitragem, o que tempestivamente fizeram em 22 de maio de 2023.
DD) O Tribunal Arbitral do Desporto considerou o risco efetivo de virem a ser empossados novos membros do Conselho de Arbitragem, na sequência do processo eleitoral então em curso, tendo considerado adequado proceder ao decretamento provisório da providência cautelar de suspensão do ato do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal de convocar uma Assembleia Geral Eleitoral Intercalar para eleição de novo Conselho de Arbitragem para completar o mandato de 4 anos coincidente com o ciclo olímpico de 2020 a 2024.
EE) O recurso à propositura de providências cautelares é um meio legalmente admissível para a defesa dos direitos dos Recorrentes, facto que foi reconhecido pelo Tribunal a quo ao admitir o procedimento cautelar e decretar provisória e parcialmente o pedido formulado.
FF) O artigo 41º n.º 4 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto legisla que as providências cautelares são requeridas juntamente com o requerimento inicial de arbitragem ou com a defesa. Pelo que, era impossível aos Recorrentes requerer uma providência cautelar junto do Tribunal Arbitral do Desporto sem propor igualmente e conjuntamente o requerimento inicial de arbitragem.
GG) Atenta à obrigatoriedade de apresentação do requerimento inicial de arbitragem necessária sempre que seja requerida uma providência cautelar junto do Tribunal Arbitral do Desporto (artigo 41º n.º 4 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto), encontram-se verificados os pressupostos do recurso “per saltum” atendendo a que, mesmo que se admita o recurso para Assembleia Geral como fez o Tribunal a quo, da deliberação deste órgão social cabe sempre recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto e, na verdade, no caso subjudice, já ali se encontrava a correr termos um processo com as mesmas partes, pedido e causa de pedir.
HH) Atendendo é que se encontrava a correr termos processo de arbitragem necessária no Tribunal Arbitral do Desporto, intentado conjuntamente com procedimento cautelar, era legalmente inadmissível aos Recorrentes apresentar em simultâneo recurso com o mesmo objeto para a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal.
II) Entendem os Recorrentes ser o Tribunal Arbitral do Desporto dotado de legitimidade e competência para conhecer o mérito das questões que foram submetidas ao seu julgamento.”
Os demandados apresentaram contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. A decisão a quo obteve a unanimidade dos árbitros, não merece qualquer reparo, mostrando-se correctamente fundamentada, quer na matéria de facto, quer na fundamentação jurídica, e foram os autos decididos de forma justa e correta quanto às questões submetidas à sua apreciação.
2. O art.º 46.º do RJFD teve necessidade de, expressamente, regular a matéria de recursos no âmbito específico da actividade das federações desportivas, impondo o recurso necessário interno de actos de membros de órgãos colegiais, sendo a Assembleia Geral, obviamente, um órgão colegial.
3. O Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 Janeiro, em momento algum das suas disposições faz distinção entre lei e decreto-lei, utilizando o termo “lei” no seu sentido material, pelo que o RJFD está abrangido no termo “lei” expresso no art.º 3.º do preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 Janeiro.
4. A Assembleia Geral é o órgão supremo da FAP (art.º 49.º n.º 1 Estatutos da FAP), sendo que a MAG não constitui um órgão da FAP, integrando-se na Assembleia Geral e regendo os seus trabalhos.
5. Não obstante, os demandantes não interpuseram qualquer recurso interno (necessário!), fosse para que órgão fosse.
6. O argumento de que um eventual recurso para a MAG seria inútil é totalmente inócuo, sob pena das partes começarem a instituir as competências dos tribunais, nomeadamente do TAD, com base em juízos de prognose sobre os resultados dos recursos internos necessários a que estão vinculadas.
7. Não são as partes que definem e regulam os recursos “per saltum” em função do seu interesse pessoal, mas sim o ordenamento jurídico.
8. Qualquer Assembleia Geral convocada em cumprimento das regras estatutárias é organizada, logística e financeiramente, pela FAP, pelo que não colhe a ideia que os demandantes tentam passar de que seriam os mesmos a suportar os custos da realização de tal assembleia e que a mesma orçaria em € 40.000,00 (sem concretizar, sequer, como chega a esta valor!).
9. Não houve qualquer denegação de justiça e de acesso ao direito, devendo os recorrentes lamentar-se, tão só, das suas opções estratégicas de tramitação processual.
10. As eleições intercalares estavam inicialmente agendadas para 08.07.2023, ou seja quase 2 meses após a declaração de perda de mandato, muito além dos 30 dias úteis para se operar o caso julgado da decisão.
11. Tempo mais do que suficiente para os demandantes interporem recurso interno necessário e, em caso de confirmação da perda de mandato, reagirem nas devidas instâncias judiciais externas, requerendo, nomeadamente, providências cautelares.
12. Não cabe ao TAD, nem aos tribunais judiciais, amparar as falhas processuais das partes; tal como se as partes, num normal processo judicial, falharem, por exemplo, o prazo de recurso, não cabe aos tribunais superiores ampararem tal falha, também nos presentes autos os demandantes têm de ser responsáveis pela sua estratégia processual.
13. Em momento algum a lei permite o recurso “per saltum” de uma decisão da MAG para o TAD, antes impõe o seu recurso necessário (art. 46.º RJFD).
14. A assembleia eleitoral electiva intercalar apenas teve efectivamente lugar, em 29.07.2023, após a conclusão dos autos cautelares que a haviam postergado.
15. Foram, entretanto, eleitos, com mais de % dos votos favoráveis, em Assembleia Geral, órgão soberano da FAP, realizada em 29.07.2023, os novos membros do Conselho de Arbitragem que, no exercício das suas funções, estão já a preparar toda a época desportiva 2023/2024 que se inicia em Setembro.
16. O acto está executado, os eleitos tomaram posse e estão em efectividade de funções, pelo que resulta de tal situação uma inutilidade absoluta da lide.
17. Não está na disponibilidade dos recorrentes contrariar, em função da sua conveniência pessoal, um imperativo legal em termos de tramitação processual (recurso necessário), pelo que se devem conformar com as consequências decorrentes de tal conduta processual não legalmente admitida.”
*

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão recorrida ao considerar procedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral do Desporto para apreciar o presente processo, em face do artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, que impõe o caráter necessário do recurso que deveria ter sido interposto pelos demandantes das decisões de perda de mandato adotadas pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal para a Assembleia Geral.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:

Na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, não se encontra qualquer disposição que qualifique as impugnações administrativas para o Conselho de Justiça como necessárias.
Todavia, o mesmo não sucede no Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, quanto à impugnação dos atos praticados dos membros de um órgão para o respetivo plenário.
Conforme se deu como provado, em 23 de junho de 2023 (cfr. Requerimento apresentado pelos Demandados) e o mesmo se verifica até à presente data, nenhum membro do Conselho de Arbitragem impugnou perante a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal a decisão de perda do respetivo mandato.
Ora, à luz do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o Código do Procedimento Administrativo de 2015, e do artigo 185.º, n.º 1, do mesmo Código, as impugnações administrativas são, por regra, facultativas, salvo se uma lei especial as qualificar como necessárias.
O artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas dispõe: “No âmbito das federações desportivas há sempre recurso para os órgãos colegiais em relação aos atos administrativos praticados por quaisquer dos respetivos membros, salvo quanto atos praticados pelo presidente da federação no uso da sua competência própria”.
Ora, cotejando o preceituado no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, com o artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, verifica-se que o recurso das decisões dos membros de um órgão colegial para o respetivo plenário constitui precisamente um daqueles em que existe uma impugnação administrativa necessária, previsto em legislação anterior à entrada em vigor do diploma que aprovou o Código do Procedimento Administrativo.
Na realidade, comparando a expressão utilizada na alínea b) do n.9 1 do artigo 3.9 do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, - “Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso”, com a que consta do artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas - “há sempre recurso”, verifica-se uma identidade entre elas.
Assim sendo, tem de se considerar que a disciplina legal do artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas sobreviveu à entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo de 2015, mantendo-se apenas o caráter necessário dos recursos dos atos dos seus membros para os órgãos colegiais.
Deste modo, a decisão adotada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 2, dos Estatutos da Federação de Andebol de Portugal, deveria ter sido objeto de impugnação no prazo de 30 dias úteis para a Assembleia Geral, em face da aplicação conjugada do artigo 198.º, n.º 1 e do artigo 199.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5, todos do Código do Procedimento Administrativo.
Tendo as decisões de perda de mandato sido adotadas em 12 de maio de 2023 e notificadas na mesma data aos membros do Conselho de Arbitragem (cfr. factos 15 e 16 dados como provados] e não tendo sido objeto de impugnação para a Assembleia Geral (cfr. facto 6 dado como provado], desde 13 de maio de 2023 até à presente data já se encontra largamente transcorrido o prazo de 30 dias úteis para apresentação da referida impugnação.
Não tendo tal acontecido, o Tribunal Arbitral do Desporto não é competente para apreciar o presente processo.
Nem se diga, conforme sustentam os Demandantes, que a competência para decretar providências cautelares é exclusiva dos tribunais judiciais, querendo, provavelmente, com isso dizer que as decisões de perda de mandato eram insuscetíveis de suspensão pela Assembleia Geral. Ora, no âmbito dos seus poderes de supervisão sobre o Presidente da Mesa da Assembleia Geral cabia, sem dúvidas, o poder de suspender aquelas decisões.
Por outro lado, incorrem igualmente os Demandantes no equívoco de autonomizar a Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal como órgão, quando, na realidade, o órgão é a Assembleia Geral.
Com efeito, embora seja verdade que o artigo 32.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Federações Desportivas não contém um elenco taxativo dos órgãos das federações, estabelecendo apenas aqueles que têm de existir necessariamente, compulsando os Estatutos da Federação de Andebol de Portugal não se vislumbra qualquer órgão denominado Mesa da Assembleia Geral (cfr. artigo 32.º].
Deste modo, o recurso deveria ter sido interposto para a Assembleia Geral e não para a respetiva Mesa, que é, quando muito, um sub-órgão da mesma.
E, finalmente, incorrem ainda os Demandantes no erro de invocar o artigo 34.º, n.º 1, alínea g] do Regime Jurídico das Federações Desportivas, quando o caráter necessário do recurso decorre, como vimos, do respetivo artigo 46.º.
Assim sendo, apenas após a prolação da deliberação da Assembleia Geral sobre o recurso, poderia, caso fosse mantida a decisão impugnada, ser aberta a via judicial junto do Tribunal Arbitral do Desporto.
Em síntese, procede, nos termos do artigo 89.° n.°s 1, 2 e 4, alínea a), do CPTA ex vi artigo 61.° da LTAD, a exceção dilatória de incompetência do TAD por a decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal de 12 de maio de 2023 carecer de impugnação prévia junto da Assembleia Geral.
Invocam os recorrentes erro de julgamento da decisão recorrida, por entenderem, em síntese, o seguinte:
- o Regime Jurídico das Federações Desportivas não é uma lei, mas antes um Decreto-Lei pelo que, da interpretação literal do artigo 3.º do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, tal disposição não lhe é aplicável;
- as impugnações administrativas são por regra facultativas, pelo que não assiste razão ao Tribunal a quo quando defende ser necessário o recurso para a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal;
- ademais, os recorrentes dispunham do prazo de 30 dias para recorrer para a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal e do prazo de 10 dias para impugnar a declaração de perda de mandato junto do TAD;
- perante esta possibilidade legal, de que fizeram uso, sendo admitido o procedimento cautelar e decretada provisória e parcialmente o pedido formulado, era obrigatória a apresentação do requerimento inicial de arbitragem necessária, pelo que se encontram verificados os pressupostos do recurso “per saltum”;
- como já se encontrava a correr termos processo de arbitragem necessária no Tribunal Arbitral do Desporto, era legalmente inadmissível aos recorrentes apresentar em simultâneo recurso com o mesmo objeto para a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal.
Vejamos então.
Conforme consta da matéria de facto dada como assente, os demandantes foram eleitos para o Conselho de Arbitragem da Federação de Andebol de Portugal no mandato de 2020/2024.
E após vicissitudes várias, em 12 de maio de 2023, os demandantes foram notificados da declaração de perda e cessação do mandato de todos os membros do Conselho de Arbitragem, adotada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
Igualmente se mostra assente que nenhum membro do Conselho de Arbitragem impugnou perante a Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal a decisão de perda do respetivo mandato.
De acordo com o disposto no artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, “[n]o âmbito das federações desportivas há sempre recurso para os órgãos colegiais em relação aos atos administrativos praticados por quaisquer dos respetivos membros, salvo quanto atos praticados pelo presidente da federação no uso da sua competência própria”.
Segundo o previsto no artigo 185.º, n.º 1, do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, as reclamações e dos recursos são qualificados como necessários quando da sua prévia utilização depende a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido. E, de acordo com o respetivo n.º 2, as reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários.
O artigo 3.º, n.º 1, do aludido Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, sob a epígrafe “impugnações administrativas necessárias”, estatui como segue:
“As impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:
a) A impugnação administrativa em causa é «necessária»;
b) Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso;
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado.”
A utilização da expressão “quando previstas em lei” reporta-se claramente a qualquer ato legislativo, sejam Leis ou Decretos-Lei. Nem sequer pode dizer-se que a invocação recursiva tenha apoio literal dada a relevância de se referir a “lei” e não “Lei”, como é consabido uso do legislador. Como tal, será de rejeitar liminarmente o entendimento restritivo professado pelos recorrentes.
Por outro lado, afigura-se inelutável que a norma contida no citado artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, ao utilizar a expressão “há sempre recurso”, se integra nos casos previstos na alínea b) do artigo 3.º, n.º 1, do D-L n.º 4/2015, por evidente identidade com o aqui previsto.
Como tal, trata-se de impugnação necessária, sendo que da sua prévia utilização depende a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação, no caso, a interposição de ação no Tribunal Arbitral do Desporto.
Conforme já se assinalou, os recorrentes não lançaram mão da impugnação prevista no artigo 46.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas.
E estavam obrigados a fazê-lo em momento prévio ao da interposição de ação no Tribunal Arbitral do Desporto.
Mais uma vez, não podem colher os argumentos esgrimidos pelos recorrentes quanto à obrigatoriedade de apresentação do requerimento inicial de arbitragem necessária, por terem previamente interposto procedimento cautelar naquele Tribunal Arbitral.
Posto que se a impugnação era obrigatória, igualmente a interposição desta providência cautelar, enquanto meio instrumental ao meio contencioso de impugnação, estava dependente da prévia utilização daquela impugnação.
Finalmente, a invocação de uma suposta violação dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito, consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, no que respeita ao entendimento do Tribunal a quo de que da declaração de perda de mandato dos membros do Conselho de Arbitragem proferida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral cabe recurso necessário para Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal, carece de mínima densificação.
Em primeiro lugar não se trata de entendimento do Tribunal, mas de uma óbvia solução do legislador, prevendo uma impugnação necessária.
Por outro lado, não se vislumbra o sustento do alegado quanto aos custos a suportar por força da realização de Assembleia Geral, com o que nem sequer se pode configurar de base uma suposta desproporcionalidade do decidido.

Com o que se revela inelutável concluir que bem andou o Tribunal Arbitral do Desporto ao decidir pela procedência da exceção dilatória de incompetência daquele Tribunal, por a decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação de Andebol de Portugal de 12 de maio de 2023 carecer de impugnação prévia junto da Assembleia Geral.

Em suma, impõe-se negar provimento ao presente recurso e manter a decisão recorrida.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 6 de junho de 2024
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Carlos Araújo)

(Marcelo Mendonça)